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Revista da SPAGESP

versão impressa ISSN 1677-2970

Rev. SPAGESP vol.10 no.1 Ribeirão Preto jun. 2009

 

ARTIGOS

 

Grupos breves: uma nova experiência e possibilidade na atual realidade 1

 

Brief groups: a new and possible experience in the current reality

 

Grupos breves: una nueva experiencia y posibilidad en la actual realidad

 

 

Maria Amélia Andréa 2

Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto - FAMERP

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este trabalho descreve a forma como estruturei os grupos psicoterapêuticos com número de sessões pré-determinadas após a aprovação da Lei ANS 9656, momento em passou a ser obrigatório a todos os convênios proporcionarem 12 sessões de psicoterapia ao ano para seus usuários, e também minhas reflexões acerca destes grupos de curta duração. Nesta forma de trabalho breve, não é possível realizar mudanças estruturais, mas sem dúvida mudanças que resultam das reflexões e troca de experiências. È possível valorizar o conhecimento que cada um tem acerca de si mesmo e auxiliar na busca das questões não resolvidas, além de proporcionar a possibilidade de não sentir-se só em sua dor. Por ter uma duração curta, este formato de grupo traz desde o inicio a certeza do seu fim, mas pode ser vivenciado intensamente enquanto dura este processo.

Palavras-chave: Psicoterapia de grupo; Psicoterapia breve; Grupo breve.


ABSTRACT

This paper describes the way I have organized psychotherapeutic groups with a pre-determined number of sections after passing the new regulation ANS 9656 Law which determines that all health insurance plans have to provide twelve sections of psychotherapy a year to their users and also it presents my reflections about these short term groups. In this brief way of working it’s not possible to make any big structural changes, but, no doubt, they are a result from reflections and experience exchange. It’s possible to highlight each individual’s knowledge about himself/herself and help them in the search for unsolved matters, besides providing patients the possibility of not feeling alone in their pain. Because it is a short term group it has since the beginning a certain deadline, but it can be intensively lived during the process.

Keywords: Group psychotherapy; Brief psychotherapy; Brief group.


RESUMEN

Este trabajo describe la forma como estructuré a los grupos psicoterapéuticos Este con número de sesiones pre-determinadas después de la aprobación de la ley “ANS 9656”, cuando se obligó a que todos los convenios médicos proporcionaran doce Sesiones de psicoterapia al año para sus usuarios; y también mis reflexiones sobre estos grupos de corta duración. En esta forma de trabajo breve, no es posible realizar mudanzas estructurales, sino aquellas que resultan de las reflexiones y de cambios de experiencia. De esa forma, es posible valorar el conocimiento que cada uno tiene sobre si mismo y auxiliar en la búsqueda de cuestiones no resueltas, además de proporcionar la posibilidad de uno no sentirse solo en su dolor. Por tener una corta duración, este formato de grupo trae desde el inicio la certeza de su fin, pero puede ser vivenciado intensamente mientras dura el proceso.

Palabras clave: Psicoterapia de grupo; Psicología breve; Grupo breve.


 

 

Montar grupos no consultório nunca aconteceu com facilidade, o que sempre me provocava uma frustração; visto que me identifico muito com esta forma de trabalho e vivencio o oposto no Centro de Saúde, onde tenho a oportunidade de trabalhar com vários grupos.

Parte da dificuldade se deve à demanda menor, e parte às pessoas, que em consultório não aceitam facilmente a possibilidade de “compartilhar sua intimidade” com outras pessoas, o que é uma idéia errônea, mas que inicialmente incomoda.

Isto não acontece no atendimento no serviço publico, pois na maioria das vezes esta é a melhor possibilidade de atendimento psicológico oferecida, já que desta forma há uma ampliação quanto a oferta de vagas para atendimento, portanto o usuário deste serviço aceita mais facilmente esta proposta, o que enriquece muito o atendimento.

Não podemos nos esquecer de que o ser humano é gregário por natureza, e somente existe ou subsiste, em função de seus inter-relacionamentos grupais. Também por isso podemos falar do valor da psicoterapia de grupo, pois o ser humano passa a maior parte de sua vida convivendo e interagindo com distintos grupos (ZIMERMAN, 1997).

Vale a pena citar Carlos Drumond de Andrade no pequeno trecho de um poema que ressalta esta idéia, “O ser busca outro ser, e ao conhecê-lo acha a razão de ser, já dividido”.

Após a Lei da ANS 9656 de 01/04/08, Resolução Normativa 167, passou a ser obrigatório a todos os convênios proporcionarem 12 sessões de psicoterapia por ano aos seus usuários. Aliado a esse fato, convênios não ligados às empresas públicas (estatais, bancos) tiveram que credenciar psicólogos e outros profissionais não médicos para realizar atendimentos aos seus usuários, o que não acontecia anteriormente. Nesse novo cenário a procura pela psicoterapia cresceu muito, segundo conversas informais com colegas de profissão.

Para minha surpresa o número de pessoas procurando pelo atendimento foi muito grande, o que logo me despertou o desejo de montar mais grupos no consultório, já que a demanda não era mais o problema.

Muitas dúvidas começaram a surgir nesse momento: Como realizar um grupo com tão poucas sessões? Se o grupo for “aberto”, uma pessoa estará iniciando e outra poderá estar terminando, como trabalhar os vínculos desta forma? Quantas entrevistas? Em que momento propor o grupo? Como será a receptividade destes usuários?

Demorei um tempo pensando, trocando idéias com colegas e tentando amadurecer. E resolvi iniciar propondo o grupo já no telefone para as pessoas que procuravam o atendimento. Falo pessoalmente ao telefone, não através da secretária, confirmo a possibilidade do atendimento desde que a pessoa se sinta disponível para vivenciar o grupo e experimentar esta forma de trabalho. Minha justificativa ao fazer esta proposta, é que desta forma o trabalho se intensifica, pois a troca pode ser muito rica e assim “otimizamos” as 12 sessões autorizadas pelo convênio.

Fiz esta opção para realmente direcionar esta nova demanda somente para o atendimento em grupo. Quando a pessoa não aceita esta proposta de trabalho eu a encaminho para outro profissional, mas não sem antes falar de todas as vantagens de passar pela vivência do grupo.

Causou-me grande espanto que a maioria das pessoas se dispunha a ouvir minha proposta e vir para as entrevistas individuais, que decidi fazer duas na tentativa de iniciar um vinculo com a pessoa para que fosse mais tranqüila para o contato com o grupo, que teria então dez sessões.

Mantendo um critério pessoal que já utilizava tanto nos grupos do consultório quanto nos do Centro de Saúde, resolvi montar grupos homogêneos enquanto faixa etária, com uma variação em torno de 10 a 12 anos. Penso que desta forma podem estar dentro de uma mesma etapa do ciclo vital, “que na acepção de biociclo significa o conjunto de etapas porque passa um determinado ser vivo” (HOLANDA, 1986 apud CERVENY, 2009, p. 23). O que possibilita uma compreensão melhor e uma troca maior entre os membros do grupo.

Além de que,

O grupo homogêneo é útil no tratamento de pacientes para os quais educação, identificação e apoio recíproco são os elementos importantes da terapia. Oferece, ainda, algumas vantagens: maior coesão, menor conflito e possivelmente alívio mais rápido dos sintomas. È indicado para tratamento com tempo predeterminado (BECHELLI; SANTOS, 2001, p. 38).

Procuro dar um espaço entre a primeira e a segunda entrevista em torno de 10 a 12 dias, para que neste intervalo possa ir fazendo contato com outras pessoas interessadas em participar do grupo. Inicio o grupo com três pessoas e posso ter até cinco no máximo, em função do espaço físico que disponho. Somente até a segunda sessão é possível entrar um novo participante, pois desta forma vão iniciar e terminar juntos as 10 sessões. Sendo que a sessão tem a duração de uma hora e freqüência semanal.

Após as primeiras sessões foi se confirmando o enriquecimento do trabalho através da troca de experiências, proposta que faço aos pacientes quando já ao telefone proponho o grupo. Esta experiência também tem me confirmado que a interação com os demais membros do grupo propicia que novas relações interpessoais e sociais se estabeleçam o que diminui o isolamento social (PELUSO; BARUZZI; BLAY, 2001).

Sei que nesta forma de trabalho breve, não é possível a estas pessoas realizar mudanças estruturais, mas sem dúvida mudanças que resultam das reflexões e do aprender com a experiência do outro, que pode ser muito rica, além disso, também é uma possibilidade de compartilhar sua experiência pessoal. Vejo tudo isto como um trabalho de promoção de saúde mental.

Um estudo de Budman et al. (1988 apud PELUSO; BARUZZI; BLAY, 2001). mostra um aumento na procura por atendimentos em saúde mental na rede pública após uma intervenção psicoterápica breve de grupo. A procura por quem recebeu a intervenção de grupo foi superior a dos pacientes que receberam terapia breve individual. Muitos desejaram dar continuidade à terapia em função de terem sido mobilizados no grupo a desenvolver nova área de conhecimento pessoal.

A pessoa que procura pelo atendimento psicológico, na maioria das vezes, tem o desejo de ser cuidada, amparada, contida para poder expressar sua dor, seu sofrimento (COELHO; MOREIRA,1997). E esta necessidade pode ser muito bem acolhida em um grupo psicoterapêutico.

Yalom (1985 apud PELUSO; BARUZZI; BLAY, 2001, p. 346), diz

A relação entre os pacientes, fator especifico das terapias de grupo, é um recurso extremamente poderoso para promover mudanças. E o grupo terapêutico permite a criação de uma situação interpessoal maior e potencialmente mais poderosa que o relacionamento terapeuta/paciente na terapia individual.

Penso que através da psicoterapia de grupo de curta duração, é possível valorizar o conhecimento que cada um tem acerca de si mesmo e auxiliar na busca das questões não resolvidas. Para exprimir esta idéia citarei Campbell (1987 apud COELHO; MOREIRA,1997, p. 59), “Cada ser humano é um herói que tenta vencer suas batalhas e dificuldades procurando vários recursos”.

A psicoterapia de grupo é também um recurso nesta luta pessoal que pode ampliar a visão que a pessoa tem de si e do outro; bem como facilitar que cada um experimente ser um agente terapêutico dos demais membros do grupo (MORENO, 1978 apud SOARES; CARVALHO, 2003).

Acredito ser o grupo um excelente espaço de reflexão a cerca de novas possibilidades e experiências, que possa facilitar às pessoas superar um momento difícil ou uma crise. E certamente no grupo não irá sentir-se só em sua dor. O coordenador pode apontar para o grupo a semelhança do sofrimento, e este é um elemento aglutinador que transforma aspectos negativos em oportunidades de apoio mútuo (MOTTA; SANTOS, 2002).

Estes mesmos autores citam Vinogadov e Yalom (1992 apud MOTTA; SANTOS, 2002, p. 76) ao dizer que “os terapeutas tentam destacar a universalidade dos problemas trazidos pelos participantes no processo da interação grupal. Com isso os integrantes do grupo podem perceber que não estão sozinhos em seus problemas”.

Este fator pode ser tão intenso que em uma pesquisa realizada por Soares e Carvalho (2003), com um grupo temático de mulheres, diante da proximidade do término dos encontros do grupo as integrantes mostraram-se desejosas de continuar se encontrando, mesmo sem a presença das terapeutas, com o objetivo de manter a rede de ajuda mútua que estabeleceram. Na minha experiência, percebo que buscam trocar os números de telefone para que possam manter o contato que estabeleceram durante o processo de grupo.

Por ser um grupo breve, o terapeuta pode contratransferencialmente não querer terminar o processo, acreditando que seu trabalho não esteja concluído. Mas este formato de grupo remete à questão da finitude e temporalidade, e assim como a vida ele traz desde o inicio certeza do fim. De que deve ser vivido intensamente enquanto está “vivo” (EMÍLIO, 2003).

Para finalizar um lindo poema que reflete esta idéia sobre a importância de um grupo estar junto mesmo que ele venha a ter um pequeno tempo de convívio.

Não Sei

”Não sei... se a vida é curta ou longa demais pra nós,

Mas sei que nada do que vivemos tem sentido,

se não tocamos o coração das pessoas.

Muitas vezes basta ser:

Colo que acolhe,

Braço que envolve,

Palavra que conforta,

Silêncio que respeita,

Alegria que contagia,

Lágrima que corre,

Olhar que acaricia,

Desejo que sacia,

Amor que promove.

E isso não é coisa de outro mundo, é o que dá sentido à vida.

É o que faz com que ela não seja nem curta, nem longa demais,

Mas que seja intensa, verdadeira, pura... Enquanto durar”.

Cora Coralina

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BECHELLI, L. P. C.; SANTOS, M. A. Psicoterapia de grupo: noções básicas. Ribeirão Preto, Sp: Ed. Legis Summa, 2001.         [ Links ]

CERVENY, C. M. O. et al. Família e ciclo vital: nossa realidade em pesquisa. 2. ed. Itatiba, SP: Casa do Psicólogo, 2009.         [ Links ]

COELHO, A. M. F.; MOREIRA, M. J. F. Refletindo sobre os grupos na instituição de saúde: uma visão psicanalítica. Revista Científica da Sociedade de Psicoterapia Analítica de Grupo de Campinas, Campinas, v. 4, n. 2, p. 55-63, 1997.         [ Links ]

EMILIO, S. A. Grupos breves em Clínica Escola. In: FERNANDES, W. J.; SVARTMAN, B.; FERNANDES, B. S. (Orgs.). Grupos e configurações vinculares. São Paulo: Artmed, 2003. p. 269 – 277.

MOTTA, L. F.; SANTOS, M. A. Grupoterapia breve em múltiplos casais em Hospital Dia. Paidéia (Ribeirão Preto), Ribeirão Preto, v. 12, n. 22, p. 69-81, 2002. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/paideia/v12n22/07.pdf. Acesso em: 30 ago. 2009.         [ Links ]

PELUSO, E. T. P.; BARUZZI, M.; BLAY, S. L. A experiência de usuários do serviço público em psicoterapia de grupo: estudo qualitativo. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 35, n. 4, p. 341-8, 2001. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rsp/v35n4/6005.pdf. Acesso em: 30 ago. 2009.         [ Links ]

SOARES, J. S.; CARVALHO, A. M. Mulher e mãe: novos papéis, velhas exigências: experiência de Psicoterapia Breve Grupal. Revista Psicologia em Estudo, Maringá, v. 8, p. 39-43, 2003. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/pe/v8nspe/v8nesa06.pdf. Acesso em: 30 ago. 2009.         [ Links ]

ZIMERMAN, D. Fundamentos teóricos e fundamentos técnicos. In: ZIMERMAN, D. et al. Como trabalhamos com grupos. Porto Alegre: Ed. Artes Médicas, 1997. p. 23 - 40.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Maria Amélia Andréa
E-mail: m.a.andrea@bol.com.br

Recebido em 20/10/08.
1ª Revisão em 12/12/08.
Aceite Final em 05/01/09.

 

 

1 Trabalho apresentado no XVIII Congresso Latino Americano FLAPAG e X Simpósio CEFAS - “Práticas Institucionais na América Latina: Casal, Família, Grupo e Comunidade”, 2009.
2 Psicóloga da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP). Membro do Núcleo de Estudos em Saúde Mental e Psicanálise das Configurações Vinculares (NESME).