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Revista da SPAGESP

Print version ISSN 1677-2970

Rev. SPAGESP vol.11 no.1 Ribeirão Preto June 2010

 

ARTIGOS

 

Psicanálise de grupo no trabalho social: contribuições à intervenção psicossocial

 

Group psychoanalysis in the social work: contributions to the psychosocial intervention

 

Psicoanálisis de grupo en el trabajo social: contribuciones a la intervención psicosocial

 

 

Domenico Uhng Hur 1

Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente artigo pretende apresentar algumas contribuições da psicanálise de grupo ao trabalho social, destacando alguns conceitos que contribuem para a compreensão de fenômenos sociais e processos grupais. Por meio dos grupos operativos, verificamos os fenômenos das depositações, colagens imaginárias e do pressuposto básico de dependência que, se não elaborados, podem paralisar o processo grupal. Consideramos que a elucidação desses aspectos contribui para a compreensão dos processos sociais e para a consecução da intervenção psicossocial.

Palavras-chave: Psicanálise de grupo; Psicologia Social; Psicologia Comunitária; Intervenção psicossocial; Políticas Públicas.


ABSTRACT

This article intends to present some contributions from group psychoanalysis to social work, emphasizing some concepts that contribute to comprehend social phenomenas and grupal processes. We could verify through the operative groups the phenomena of deposits, imaginaries collages and the basic assumption of dependence, that if not elaborated, could paralyze the group process. We considered that the elucidation about these aspects contributes to the comprehension of social processes and for the possibility of psychosocial intervention.

Keywords: Group Psychoanalysis; Social Psychology; Community Psychology; Psychosocial Intervention; Public Policies.


RESUMEN

El presente artículo tiene como objetivo presentar algunos aportes del psicoanálisis de grupo al trabajo social, destacando algunos conceptos que contribuyen para la comprensión de fenómenos sociales y procesos grupales. A través de los grupos operativos verificamos los fenómenos de las depositaciones, colages imaginarias y del presupuesto básico de dependencia, que si no fueren elaborados, pueden paralizar el proceso grupal. Consideramos que la elucidación de estos aspectos contribuye para la comprensión de los procesos sociales y para la ejecución de la intervención psicosocial.

Palabras clave: Psicoanálisis de grupo; Psicología Social; Psicología Comunitaria; Intervención psicosocial; Políticas públicas.


 

 

No início da década de 1990 foi instituída a LOAS – Lei Orgânica de Assistência Social, que normatizou as políticas públicas de Assistência Social e os programas redistributivos de renda para a população pobre. Na década seguinte, na Gestão do PT (Partido dos Trabalhadores) na prefeitura de São Paulo (2001-2004), a Secretaria de Assistência Social (SAS) do município, em parceria com a Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social (SEADS) do Governo do Estado, Universidades (PUC-SP, UNICSUL e UNISA) e entidades populares, apresentou uma inovação nos programas sociais, criando o “Programa Fortalecendo a Família” – PFF, que implementou o atendimento socioeducativo para as famílias beneficiadas. A proposta do atendimento surgiu na concepção de, além de repassar uma verba para as famílias, realizar um trabalho social que pudesse fomentar mudanças em sua realidade.

O objetivo do PFF foi de promover “emancipação” e “transformação social” às famílias, para que elas se “apropriassem de seu território”, começassem a criar soluções para os problemas vividos e, conscientizadas, participassem politicamente em suas regiões. Foram atendidas 13.280 famílias nos anos de 2002 e 2003, em que se repassava um auxílio mensal de R$ 60,00 e quinzenalmente realizavam-se as atividades socioeducativas com grupos de até vinte participantes. As Universidades ficaram responsáveis pela execução e avaliação do Programa, enquanto o governo e a prefeitura disponibilizaram as verbas. Para tanto, contratou-se 34 psicólogos, 34 assistentes sociais e o mesmo número de estagiários para os atendimentos. Cada dupla, profissional e estagiário, atendeu duzentas famílias, representadas pela mãe, divididas em dez grupos. Os atendimentos foram realizados em suas próprias regiões: em associações de bairro, casas de cultura, creches, igrejas, escolas, entre outros (WANDERLEY; OLIVEIRA, 2004).

Nosso objetivo neste artigo é discutir contribuições da psicanálise de grupo aos atendimentos do PFF. Queremos refletir como conceitos psicanalíticos podem nos auxiliar na compreensão de fenômenos sociais e na intervenção psicossocial. Para tanto, “transgredimos” os limites da clínica psicanalítica para fora do seu setting tradicional, para o campo do social, para a periferia de São Paulo. Dessa forma, nossa proposta é discutir como a psicanálise de grupo pode contribuir como dispositivo de reflexão e de intervenção social com grupos de pessoas de baixa renda.

Subdividimos o artigo em quatro tópicos: primeiro, discutiremos a relação entre dispositivo de grupo e política pública; segundo, o dispositivo psicanalítico utilizado; terceiro, o fenômeno dos depósitos e colagens imaginárias e; quarto, os organizadores psíquicos do processo grupal.

 

O DISPOSITIVO DE GRUPO TRANSVERSALIZADO PELAS POLÍTICAS INSTITUCIONAIS

No PFF, o grupo foi adotado como dispositivo de intervenção, pois foi a partir do trabalho de grupos que se buscou a efetivação dos objetivos do programa, a partir do processo grupal é que se planejou fomentar a almejada transformação social. Dessa forma, o dispositivo de grupo ficou intimamente imbricado com os objetivos da política pública, assumindo, então, uma diretividade que não está presente nos tradicionais atendimentos psicanalíticos de grupo do consultório privado.

Desse modo, em um programa social ligado a uma política pública, os dispositivos de grupo nunca estão descolados do seu contexto social e histórico e nunca são despolitizados: são indissociáveis de sua realidade institucional e estão permeados de interesses políticos, pois toda prática social é proveniente de algum lugar e está articulada a regimes de interesses, ou seja, sempre há uma intencionalidade, explícita ou implícita, na Instituição e nas políticas instituídas. Então não podemos pensar em um grupo a-histórico e a-político como descrito em muitas teorias de grupos como, por exemplo, em Rogers (1970). Toda nossa prática, mesmo antes de nossa presença (dos profissionais) em campo, já tem uma história e significações, seja para os técnicos ou para os assistidos dessas políticas. O grupo sempre está transversalizado 2 pela Instituição e a relação intersubjetiva imediata está sempre emaranhada ao plano trans-subjetivo-institucional.

Consideramos que o profissional já encontra uma trama de interesses políticos quando vai fazer seu trabalho com a população, pressupostos muito antes de ele compor o quadro de técnicos de determinada Instituição. Então sua prática nunca é neutra ou despolitizada, mas sim transmissora de determinadas políticas e interesses. O profissional assume um lugar de poder na cadeia e na hierarquia institucional, pois está inserido em uma trama de poderes. O conjunto de práticas institucionais, implicitamente, também atribui lugares à população atendida, que denotam a distribuição nos regimes de força e de saber, constituindo lugares de poder e de não poder, de dominação e de sujeição.

 

O DISPOSITIVO PSICANALÍTICO DE GRUPO

No PFF não houve linha teórica ou técnica hegemônica para os atendimentos de grupo, fato que permitiu que cada técnico pudesse trabalhar de forma distinta do outro. Nós trabalhamos a partir do dispositivo do grupo operativo de Enrique Pichon-Rivière 3 (1986), com um enquadramento, uma tarefa disparadora do processo e os papéis fixos de coordenador e cocoordenador, o qual também teve a função de registrar o processo. Buscamos articular a inter-relação entre teoria, técnica e contexto social em que nos defrontávamos, revendo a técnica e tarefas propostas para que se adequassem aos objetivos das políticas públicas de assistência social.

Desde o início, percebemos que muitas questões emergentes nos grupos eram mais da ordem material e concreta do que da afetiva, devido à grande precariedade material e pobreza vividas na região. Então mantivemos o olhar clínico, no sentido de trabalhar as representações e a afetividade em jogo, articulado a uma leitura social e histórica, trabalhando o afetivo na situação social, a relação entre fantasias inconscientes e estrutura social (PICHON-RIVIÈRE, 1986), como forma de fazer uma leitura do processo vivido e também como potencialização dos coletivos para que ações transformadoras pudessem ser geradas (MONTERO, 2004). Então, a tarefa que propusemos aos grupos tinha como objetivos a troca de representações entre as participantes e a formação de vínculos e redes que transcendessem os limites do setting grupal para que pudessem se propagar para a região. Em vista dessa tarefa propusemos temas do cotidiano experienciados por elas para discussão, como: relações familiares, violência na região, trabalho, educação, mídia e indústria cultural, contradições de classe sociais, atendimento e prevenção em saúde, entre outros, e nos detivemos na análise dos emergentes grupais (PICHON-RIVIÈRE, 1986), que se tornou central para nosso trabalho. Consideramos que focalizar na análise dos emergentes, articulados à tarefa proposta, foi uma maneira de termos uma escuta aberta aos processos que o grupo trouxe, em que pudemos analisar a demanda das famílias.

Entre os temas emergentes, que em sua maioria relacionavam-se a dificuldades, surgiram intensamente os problemas de: desemprego, dificuldades na criação dos filhos, traumas relacionados aos conflitos com ex-parceiros, medo do tráfico de drogas e da violência na região, humilhação social, maus-tratos sofridos no sistema de saúde e impotência sentida. Procuramos trabalhar sobre esses sentimentos, auxiliando na discriminação e figurabilidade (KAËS, 1997) da experiência sentida, trabalhando a ligação entre afeto e significante, e na ausência deste, estimulando sua criação.

 

DEPÓSITOS E COLAGENS IMAGINÁRIAS

Outro fenômeno observado nos grupos foi a negação das reuniões e uma crítica intensa sobre a prefeitura, que foi deslocada e depositada sobre a equipe do PFF; houve uma grande resistência ao processo grupal, que nos deixou na pré-tarefa. No início, membros dos grupos questionaram a importância dos atendimentos e afirmaram que não contemplavam os problemas imediatos vividos, que era a obtenção de emprego e a melhoria das condições de vida na periferia. As participantes reclamaram das vicissitudes vividas na região para os coordenadores do grupo, como se estes tivessem que resolver tais problemas. Consideramos que nesse período desenvolveu-se uma modalidade de relação na qual os grupos não atribuíram aos coordenadores o papel de psicólogos, mas sim de gestão do Estado, em que inclusive surgiram várias falas que imaginavam que trabalhavam diretamente com a Prefeita ou o Governador.

Dessa forma, devido à transferência da figura estatal aos coordenadores, consideramos que foram representados como a encarnação da Instituição (BLEGER, 1980), do Estado, tornando-se assim depositários das angústias e do mal-estar social experienciado, depositação que trouxe certa continência psíquica ao mal-estar sentido, mas não o elaborou. Os coordenadores foram visualizados e atacados como representantes desse Estado “falido”, “ineficaz”, que não cumpria com suas atribuições, ou seja, a crítica não era sobre a figura concreta dos coordenadores, mas sim sobre o que imaginariamente era transferido a eles, ou seja, a Instituição-Estado.

Nos casos em que o coordenador do grupo não percebia o movimento da depositação, de caráter institucional e tomava-o como pessoal, ele “colava” nas expectativas e cobranças atribuídas pela população, tomando como seu algo que não era seu, assumindo uma atribuição de Estado que não era a sua. O fenômeno das colagens imaginárias (KAËS, 1997) é perigoso para o coordenador de grupo, pois implica em um empobrecimento da psique individual e na assunção de um encargo que não é seu, capturando-o às cobranças que se referem às outras instâncias, no caso assumir a responsabilidade do fracasso de determinada política pública, ou de determinado órgão público. Nessa colagem pode-se assumir uma onipotência frente à resolução dos problemas, sofrendo, assim, a culpabilização pelo fracasso. Há uma condensação imaginária, como um processo metonímico, em que uma parte é tomada pelo todo, na qual o coordenador é responsabilizado pelo fracasso do Estado, sendo colocado no papel de “bode expiatório”. Ressaltamos que se o coordenador não estiver atento, é muito fácil ocupar esse lugar de responsabilização pelo que acontece no grupo, pois ocupar esse lugar de poder (mesmo não reconhecido conscientemente) é muito sedutor e narcísico, então, muitas vezes, não só o coordenador era colocado nesse lugar, como também se colocava.

Eram depositados nos coordenadores muitos conteúdos carregados de angústia. Desde o sofrimento de viver em uma região perigosa, pela pobreza e pelo desemprego. Tais representações negativas marcaram os momentos em que se sobressaiu o silêncio, o isolamento e a hostilidade com as reuniões e com os coordenadores. Os coordenadores não podiam corresponder às expectativas depositadas pelo grupo, pois não tinham como atuar sobre as condições materiais da região e o grande desamparo sentido. De tal forma que muitos coordenadores sentiram essa impotência, sentindo-se despotencializados e, em alguns casos, chegando até a adoecer.

Consideramos que essa hostilidade possa ter vindo como resistência, defesa e resposta à “violência da fundação” cometida pelo Estado em instituir um espaço e obrigar a população participar dele sem que significações positivas acerca das reuniões fossem construídas pelas participantes, ou seja, elas estavam capturadas pelas demandas do Estado e lhes era destituído o livre-arbítrio da escolha entre participar e não participar. O resultado disso é que muitas negaram o espaço grupal, as atividades propostas pelos coordenadores e permaneceram contrárias em participar das discussões em todo período do PFF, o que ocasionou elevada taxa de não participação e evasão.

 

ORGANIZADORES PSÍQUICOS INCONSCIENTES DO PROCESSO GRUPAL

No decorrer dos atendimentos constatamos que o processo grupal foi regulado por organizadores psíquicos inconscientes. Kaës (1997) compreende que os organizadores psíquicos são processos inconscientes que estruturam a realidade psíquica, seus processos e a configuração dos vínculos, podendo ser de dois tipos: organizadores intrapsíquicos e organizadores inter ou transpsíquicos grupais. O primeiro tipo se refere ao aparelho psíquico do sujeito singular e o segundo ao aparelho psíquico grupal, por exemplo, os pressupostos básicos, a ilusão grupal e a ideologia (KAËS, 1997, p.174). Nos grupos investigados, o organizador psíquico grupal mais atuante e freqüente foi aquele que Bion (1975) chamou de pressuposto básico de dependência. Nessa modalidade de organizador, que se tornou um princípio inconsciente de funcionamento, o grupo filiava-se às figuras dos coordenadores e submetia-se a seu juízo e valores, da mesma forma que dominados subjugam-se aos seus líderes. O grande problema dessa filiação foi que o grupo reafirmava assim a heteronomia, afastando-se do objetivo de autonomia que se perseguia. Como já dissemos anteriormente, era sedutor para os coordenadores ocuparem esse lugar, porém buscamos romper esse papel atribuído a nós, tentando explicitar a fantasia subjacente a essa filiação. Contudo, quando refutávamos o lugar de saber e poder atribuído, o grupo reagia com certa hostilidade, como se rompêssemos com algo sacralizado e instituído. Tínhamos a sensação de que clamavam por controle e dominação, para que orientássemos como deveriam levar suas vidas, como se tivéssemos um saber sagrado e irrefutável.

Levantamos a hipótese de que essa configuração entre dominadores e dominados oferece certa continência psíquica aos que ocupam o papel de dominados, de tal forma que na cristalização dos lugares assumidos e na abdicação do poder (assumindo assim o não poder), havia também uma abdicação das responsabilidades políticas acerca da condução de suas próprias vidas, delegando tais responsabilidades ao outro que tem mais poder. Assim, a culpa pelo mal-estar social ficaria depositada em outras Instituições e quase nunca em si próprias. Desse modo, o grupo depositava o “mal” no outro e não executava a tarefa, atuando para não elaborar. Em alguns momentos havia um movimento inverso, em que algumas participantes se autoculpabilizavam por todos os aspectos negativos de sua existência e de sua família. Nesse caso, o processo de depositação das ansiedades era o mesmo, só que em sentido inverso, de fora para dentro. Consideramos que o mecanismo psíquico atuante nesse organizador provém da posição esquizo-paranóide, na qual há uma lógica binarizante-clivada, ansiedades intensificadas e não elaboração-integração da experiência e dos afetos vivenciados. Com essa não elaboração, a transformação do mal-estar em ação transformadora era impossibilitada, tornando, assim, uma ação social autônoma mais distante, restando a apatia, a conduta fatalista e queixas sem ações como respostas às contradições sociais. Acreditamos que foi devido a essas angústias que o grupo preferiu filiar-se às figuras dos coordenadores, como se o apego a eles mantivesse sob controle o desamparo originário existencial.

Corroborando com o pressuposto bioniano de dependência, o grupo imaginou os coordenadores como um casal amoroso; em todos os dez grupos perguntaram se namorávamos. Respondíamos que nossa relação era apenas profissional, mas mesmo assim buscavam enlaçar um ao outro, por exemplo, constantemente perguntavam-me se minha dupla de trabalho estava bonita. Com minhas frequentes negativas, ficavam bravas e começavam a questionar minha orientação sexual. Procuramos descolar dessa representação de casal para fugir do papel de figuras paternas que nos colocavam; inferimos que nos atribuíam imaginariamente os papéis de pai e mãe. Se assumíssemos tal papel, elas poderiam imaginariamente assumir o papel de filhos e consolidar mais ainda a heteronomia e a dependência. Lembramos que a relação institucional também predispunha a tal dependência, visto que as políticas públicas de assistência social as “nutriam” com uma verba mensal. Então procuramos desconstruir tais representações e tal organizador psíquico, que supunha uma lógica assimétrica de poder e dependência. Inclusive, quando a estagiária saiu do programa, muitas falaram que eu “poderia arrumar outra melhor”, da mesma forma que falam para um marido abandonado. Em um dos grupos, em sua ausência, uma determinada participante passou a sentar em seu lugar e mudava o tipo de discurso, sendo mais imperativa com as outras participantes do que outrora. Ou seja, consideramos que nos grupos ocorreu um agenciamento familiar que Kaës (2008) chamou de “complexo fraterno”, no qual se distribui imaginariamente os papéis de pai, mãe e a rivalidade entre os irmãos.

Relatamos tal caso com a finalidade de criar hipóteses sobre o processo grupal, sobre a problemática subjacente no grupo e para não compactuar inconscientemente com determinadas fantasias atribuídas pelo coletivo, formando o que Kaës (2005) chama de pactos e alianças inconscientes. Nessas alianças, estratificam-se lugares, interrompe-se o processo associativo e a produção de novos sentidos, ficando o grupo colado no momento ideológico, vivendo ideais e não produzindo novas associações e significações. Geralmente, a função psíquica dos pactos é encobrir alguma ansiedade comum tanto ao grupo como aos coordenadores, paralisando assim o processo. Se o pressuposto básico de dependência não for desconstruído, os resultados podem ser totalmente contraditórios com os objetivos da política pública, pois ao invés de fomentar autonomia, pode-se estratificar a heteronomia social vivida, reforçando a segmentarização entre aqueles que detêm o poder e o saber e entre aqueles que não detêm, ficando a população assistida estratificada nesse segundo lugar.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste artigo, procuramos refletir como a psicanálise de grupo pode nos auxiliar no processo de reflexão e intervenção no trabalho social. Realizamos uma leitura psicanalítica sobre fenômenos grupais que são apreendidos por meio de um olhar clínico, como a questão das depositações, das colagens imaginárias e dos organizadores psíquicos inconscientes do processo grupal. Consideramos que os fenômenos aqui discutidos contribuem para elucidar e jogar luz sobre alguns fenômenos grupais, em que o coordenador de grupo pode munir-se de ferramentas mais potentes e não ser capturado por algumas armadilhas dos agenciamentos grupais, que podem levar à estratificação da heteronomia social, ao invés da autonomia perseguida pelas políticas públicas de assistência social.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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GUATTARI, F. A revolução molecular. São Paulo: Brasiliense, 1987.         [ Links ]

KAËS, R. O grupo e o sujeito do grupo: elementos para uma teoria psicanalítica do grupo. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1997.         [ Links ]

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PICHON-RIVIERE, E. O processo grupal. São Paulo: Martins Fontes, 1986.         [ Links ]

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Endereço para correspondência
Domenico Uhng Hur
E-mail: domenicoh@usp.br

Recebido em 06/04/2011
1ª Revisão em 13/05/2011
Aceite Final em 31/05/2011

 

 

1 Psicólogo, mestre e doutor em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo, com estágio de doutorado sanduíche na Universitat Autònoma de Barcelona. Professor adjunto do curso de Psicologia da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás – UFG. E-mail: domenicoh@usp.br
2 Aqui nos apoiamos no conceito de transversalidade de Guattari (1987), que denota um cruzamento entre o cronograma institucional e as relações imediatas entre os sujeitos institucionais, ou seja, entre o molar e o molecular
3 Posteriormente utilizamos também os dispositivos do Psicodrama de Moreno e do Esquizodrama, proposto por Gregório F. Baremblitt (2002), mas não trataremos desses assuntos aqui