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Revista da SPAGESP

versão impressa ISSN 1677-2970

Rev. SPAGESP vol.12 no.1 Ribeirão Preto jun. 2011

 

EDITORIAL

 

Dialogando com grupos: aberturas na produção científica

 

Fabio Scorsolini-Comin 1

 

Desde o mês passado que eu evito falar. Prefiro o silêncio, que
condiz melhor com a minha alma. Mas o não haver conversa
nos deu outro laço entre nós. (...) Já me ocorreu trocar fala por
escrita. No lugar desse monólogo, eu lhe escreveria cartas. (...)
No papel, eu me permitiria dizer tudo o que nunca ousei. 2

(Mia Couto, O cesto, 2009, p. 22)

É com muita satisfação que apresento à comunidade científica o volume 12, número 1, ano 2011, da Revista da SPAGESP (Sociedade de Psicoterapias Analíticas Grupais do Estado de São Paulo). Este número traz oito artigos de importantes pesquisadores que atuam nas áreas de grupos, famílias e saúde mental, dando continuidade à missão da revista, que está comemorando dez anos de sua criação.

Ao longo dessa primeira década de existência, a Revista da SPAGESP publicou 16 números, contidos em 11 volumes, com contribuições de pesquisadores do Brasil e do exterior. Desde o ano de 2000, temos trabalhado no sentido de trazer as pesquisas sobre grupos para o debate científico e acadêmico, incentivando o diálogo entre diferentes personagens que contribuíram e que continuam contribuindo para que a Revista da SPAGESP esteja em constante renovação, aberta às novas audiências na produção do conhecimento científico.

Também celebramos com este número a conquista de mais um indexador para a Revista da SPAGESP, o Catálogo Latindex, que congrega periódicos de países da América Latina, Caribe, Espanha e Portugal. Agora, além deste, temos quatro outros indexadores: Index Psi Periódicos (BVS-Psi), LILACS (Bireme), CLASE (Citas Latinoamericanas en Ciências Sociales y Humanidades, da Universidad Nacional Autónoma de México) e PePSIC (Periódicos Eletrônicos em Psicologia). A conquista de mais este indexador só foi possível devido à parceria estabelecida com os assessores ad-hoc, autores e demais colaboradores da revista que se empenharam na tarefa de produzir e comunicar estudos realizados a partir de reflexões constantes e com rigor científico necessário ao fazer do pesquisador.

O primeiro número do volume 12 é aberto com o artigo intitulado "O narcisismo dos casais que se submeteram à fertilização in vitro com receptação de óvulos doados: uma pesquisa bibliográfica", da autoria de Gustavo Presídio de Oliveira e Antonios Terzis, da Pontifícia Universidade Católica de Campinas. O estudo traz a discussão entre a teoria psicanalítica freudiana, em especial os conceitos da sexualidade infantil e do narcisismo, e os resultados encontrados em pesquisas científicas sobre as vivências emocionais dos casais que se submeteram à fertilização in vitro1 (FIV) com o uso de óvulos doados. Segundo o estudo, a impossibilidade de gerar um filho biológico por parte da mãe, em decorrência do uso de óvulos doados através da técnica de FIV, poderá acarretar em alguns casais conflitos emocionais, fantasias angustiantes de incompletude e a fragilidade narcísica.

Na sequência, Rodrigo Sanches Peres, Maristela de Souza Pereira, Fábia Tunísia Alves Xavier e Flávia Miranda de Oliveira, da Universidade Federal de Uberlândia, apresentam o relato "Compartilhar para conviver: relato de uma intervenção baseada em grupos de encontro para abordagem de estressores ocupacionais". A pesquisa trata da experiência acumulada até o momento no desenvolvimento de uma intervenção baseada em grupos de encontro com profissionais de enfermagem da UTI de um hospital universitário. A opção por uma intervenção baseada em grupos se deu em função da necessidade de contemplar os profissionais de enfermagem em situação, sem isolá-los de sua rede interacional. Os resultados apontaram que os grupos de encontro foram capazes de contribuir para a convivência de profissionais de enfermagem no contexto do trabalho.

"A ausência dos participantes na grupoterapia e seus efeitos na dinâmica grupal", de Laura Vilela e Souza e Fabio Scorsolini-Comin, da Universidade Federal do Triângulo Mineiro, discute que a ausência dos participantes no processo grupoterápico, notadamente quando se tratam de grupos fechados, acaba por interferir na dinâmica grupal. Tal consideração é amparada em um estudo desenvolvido pelos autores que abordou a questão da ausência (ou falta) dos participantes durante o processo terapêutico em um grupo formado por jovens diagnosticados com fobia social. A partir da sessão analisada, por meio do referencial psicanalítico, compreendeu-se que as ausências não são meros esquecimentos ou fatos sem quaisquer repercussões na dinâmica grupal, possibilitando a assunção de novos posicionamentos dos participantes que estavam presentes e reconhecendo a necessidade de que todos os participantes (ausentes ou não) fossem devidamente acolhidos, observados e ajudados no processo terapêutico.

Aline Gabriela A. do Nascimento, Vanessa Purificação Garcia e Soraya Maria Romano Pacífico, da Universidade de São Paulo, apresentam o estudo intitulado "Trabalho coletivo em estágio supervisionado: a emergência da subjetividade no contexto escolar", no qual discutem uma situação de estágio vivenciada em uma escola municipal. Tendo como fundamentação teórica a Análise do Discurso francesa, as autoras desenvolveram um projeto de intervenção em Língua Portuguesa que teve como tema o "ser criança", priorizando o trabalho coletivo, em intervenções grupais que visaram à emergência da subjetividade, por meio da interpretação e produção textual.

"A etnopsicologia e o trabalho institucional em uma unidade de abrigo", de Ligia Pagliuso e José F. Miguel H. Bairrão, da Universidade de São Paulo, apresenta de maneira introdutória algumas potenciais contribuições da etnopsicologia e da etnopsiquiatria para a psicologia forense, em particular para crianças e adolescentes em situação de risco. O objetivo do estudo foi destacar as possibilidades de aprimoramento da intervenção psicológica em ocasiões e contextos sociais brasileiros fortemente marcados por especificidades culturais da nossa sociedade. A etnopsiquiatria e a etnopsicologia procuram dialogar com as formas de produção de conhecimento e saberes que são frutos de processos históricos, sociais e culturais determinantes da formação da identidade de seus agentes sociais.

A seguir, Priscila de Azevedo e Souza Venosa, do Núcleo de Estudos em Saúde Mental e Psicanálise das Configurações Vinculares (NESME), apresenta o estudo "Grupos psicoterapêuticos de mulheres dependentes químicas: questões de gênero implicadas no tratamento", que teve como objetivo contribuir com a discussão a respeito do tratamento de mulheres dependentes químicas em um dos dispositivos considerados mais importantes para a sua terapêutica: o grupo psicoterapêutico de orientação psicanalítica. A autora concluiu que a reflexão e ampliação das possibilidades de conceber o que é "ser mulher" pelas pacientes puderam interferir no vínculo simbiótico entre a paciente e a droga, potencializando, portanto, o processo psicoterapêutico.

"Reforma Psiquiátrica Brasileira: o caminho da desinstitucionalização pelo olhar da historiografia", da autoria de Sabrina Martins Barroso e Mônia Aparecida Silva, da Universidade Federal do Triângulo Mineiro e da Universidade Federal de São João Del-Rei, respectivamente, aborda a lei da reforma psiquiátrica brasileira (Lei 10.216), também conhecida como Lei Paulo Delgado, promulgada em 2001. As autoras retomam momentos importantes para a reforma psiquiátrica brasileira sob o enfoque da historiografia. São abordados fatos que influenciaram na mudança da legislação sobre saúde mental no Brasil e na participação de profissionais de saúde mental, familiares e pessoas com transtornos psiquiátricos no tratamento. Conclui-se que o processo de reforma psiquiátrica brasileiro está ainda em andamento, enfrentando dificuldades e gerando questionamentos que não se encerram neste estudo.

Finalizando este número, Dionéia Motta Monte-Serrat e Leda Verdiani Tfouni, da Universidade de São Paulo, apresentam o estudo "Alteridade e ritos no discurso jurídico". Segundo as pesquisadoras, a igualdade imposta pelo discurso do Direito, juntamente com obrigações na origem do dizer, trazem o sentido único e ignoram as desigualdades sociais, excluindo sujeitos com baixo grau de letramento. Essa prática é observada neste artigo sob as perspectivas das teorias da Análise do Discurso, do Letramento e da Psicanálise, de modo que se possa vislumbrar, na constituição do sujeito, o paradoxo da coexistência da igualdade na desigualdade.

Com mais este número, continuamos na tarefa de comunicar e incentivar o diálogo entre diferentes pesquisadores que atuam nas áreas de grupos, famílias e saúde mental. Embora nem sempre a fala se firme como essencial, retomando as considerações de Mia Couto, priorizamos nesse corpo de literatura a palavra escrita como potencializadora de contato entre diferentes realidades, perspectivas e produções. Que possamos realizar uma leitura aberta à diversidade e com o compromisso de mudanças no modo de conceber, estudar e encarar o humano e o trabalho com grupos em diferentes contextos. Que os estudos aqui trazidos auxiliem nas reflexões já iniciadas, fomentando movimentos de transformação e também de incentivo para que outros pesquisadores e profissionais elejam periódicos tais como a Revista da SPAGESP como um canal de veiculação de intervenções, pesquisas, críticas e também de diálogo.

Desejo uma leitura proveitosa deste novo número e convido a todos para que continuem endereçando suas produções para a Revista da SPAGESP.

 

 

1 Professor do Departamento de Psicologia do Desenvolvimento, da Educação e do Trabalho da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM). Editor da Revista da SPAGESP – Sociedade de Psicoterapias Analíticas Grupais do Estado de São Paulo, e-mail: scorsolini_usp@yahoo.com.br.
2 COUTO, M. O fio das missangas: contos. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. 148 p.