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Revista da SPAGESP

versão impressa ISSN 1677-2970

Rev. SPAGESP vol.12 no.2 Ribeirão Preto dez. 2011

 

ARTIGOS

 

Grupo de apoio a mulheres mastectomizadas: cuidando das dimensões subjetivas do adoecer

 

Support group for mastectomized women: taking care of subjective dimensions of becoming ill

 

Grupo de apoyo a mujeres mastectomizadas: cuidando de las dimensiones subjetivas al enfermarse

 

 

Manoel Antonio dos Santos 1; Maria Antonieta Spinoso Prado 2; Marislei Sanches Panobianco 3; Ana Maria de Almeida 4

Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo teve como objetivo discorrer sobre a relevância do grupo de apoio como modalidade de intervenção no processo de reabilitação psicossocial de mulheres mastectomizadas. O grupo oferece um espaço de escuta e fala, no qual as participantes podem discutir livremente questões relacionadas ao enfrentamento do câncer de mama. Os encontros ocorrem três vezes por semana, com uma hora de duração e uma média de 30 participantes por reunião. Os resultados indicam que o grupo promove um ambiente que favorece o oferecimento de suporte social, compartilhamento de sentimentos, desenvolvimento de habilidades para enfrentamento de situações difíceis, educação em saúde, informação e discussão de questões existenciais.

Palavras-chave: Câncer de mama; Grupo de apoio; Mastectomia.


ABSTRACT

This study aimed to discuss the relevance of the support group as a modality of intervention in the psychosocial rehabilitation of mastectomized women. The group offers a space for listening and speech, in which participants can freely discuss issues related to fighting breast cancer. On average, 30 participants take part in the meetings, which occur three times a week and last an hour. The results indicate that the group promotes a favourable environment for social support; sharing of feelings; developing skills for coping with difficult situations; health education; information and discussion of existential issues.

Keywords: Breast cancer; Support group; Mastectomy.


RESUMEN

Este estudio tuvo como objetivo discutir sobre la relevancia de un grupo de apoyo como modalidad de intervención en el proceso de rehabilitación psicosocial de mujeres mastectomizadas. El grupo ofrece un espacio de diálogo en el cual las participantes pueden discutir libremente cuestiones relacionadas al enfrentamiento del cáncer de mama. Los encuentros ocurren tres veces por semana, con una hora de duración, en media de 30 participantes por reunión. Los resultados indican que el grupo promueve un ambiente que ofrece soporte social, representando un espacio para compartir sentimientos y desarrollar habilidades para el enfrentamiento de situaciones difíciles, constituyendo un vehículo de educación en salud, información y discusión de cuestiones existenciales.

Palabras clave: Cáncer de mama; Grupo de apoyo; Mastectomía.


 

 

O CÂNCER DE MAMA COMO PROBLEMA DE SAÚDE PÚBLICA 5

O câncer de mama é um problema de saúde pública no Brasil. Segundo as estimativas oficiais, somente em 2010 seriam registrados no país cerca de 50.000 novos casos. Trata-se da maior causa de morte por câncer entre as mulheres (BRASIL, 2010).

É importante saber que a contribuição do rastreamento para essa redução da mortalidade varia entre 30% e 50%, isto é, quando um programa de rastreamento reduz a mortalidade em 30%, o rastreamento contribui com 9% a 15%, enquanto que a melhoria do tratamento e do diagnóstico precoce contribui com 15% a 21%. A descoberta tardia do tumor restringe as possibilidades de tratamento, reduz as possibilidades de cura e limita o prognóstico (BRASIL, 2011).

O interesse da comunidade científica pelos aspectos psicossociais do câncer de mama aumentou consideravelmente nas duas últimas décadas. Um dos principais temas investigados tem sido o impacto psicossocial do diagnóstico e do tratamento (MAMEDE, 1991; WANDERLEY, 1994; ALMEIDA, 1997; McBRIDE et al., 2000; ROSSI, 2001; ROSSI; SANTOS, 2003; SANTOS, 2003; SILVA, 2006). A literatura evidencia que esse conhecimento é relevante para o aprimoramento das modalidades de atendimento multidisciplinar às mulheres e fornecimento de suporte a seus familiares (SPIEGEL et al., 1999).

Tendo em vista o impacto psicossocial do câncer de mama e de seu tratamento, a assistência multidisciplinar à mulher em reabilitação mostra-se essencial. No entanto, nota-se que, ainda nos dias de hoje, os serviços de saúde privilegiam, na maioria das vezes, os cuidados físicos e colocam em segundo plano a atenção psicossocial às mastectomizadas. Com o intuito de preencher essa lacuna, foi criado em Ribeirão Preto (SP) um serviço de reabilitação física e psicossocial às mulheres mastectomizadas (ALMEIDA, 1997).

O presente relato aborda o grupo de apoio como uma estratégia de suporte oferecida às mulheres mastectomizadas. O estudo teve como objetivo discorrer sobre a relevância dessa modalidade de intervenção no processo de reabilitação psicossocial.

 

O CONTEXTO EM QUE O GRUPO ACONTECE

O Núcleo de Ensino, Pesquisa e Assistência na Reabilitação de Mastectomizadas (REMA) foi criado em 1989 6 a partir do pressuposto de que a assistência em saúde não deve se limitar apenas aos cuidados anatomopatológicos, mas contemplar, no contexto de uma abordagem biopsicossocial, a integralidade e as especificidades das pacientes (MAMEDE, 1991; ALMEIDA, 1997).

Considerando esses pressupostos, o REMA visa, basicamente, a:

(1) Prestar assistência integral, multidisciplinar e gratuita à mulher com câncer de mama e seus familiares, estimulando a preservação de seus papéis sociais e suas habilidades pessoais, considerando-se sempre o seu contexto social;

(2) Treinar e capacitar profissionais, alunos de graduação e pós-graduação em Enfermagem e outras áreas da saúde para a reabilitação psicossocial; desse modo, trabalhar com uma extensa formação multidisciplinar para a assistência integral à mulher mastectomizada;

(3) Desenvolver pesquisa sobre câncer ginecológico e mamário;

(4) Prestar assessoria especializada a outras instituições de saúde;

(5) Desenvolver programas de prevenção e detecção do câncer ginecológico e mamário.

As estratégias de assistência colocadas em prática pelo REMA visam à reabilitação biopsicossocial das usuárias e incluem programas de exercícios físicos individuais e coletivos, cuidados de Enfermagem, Fisioterapia, Terapia Ocupacional e Nutrição, atendimento psicológico, bem como atividades de recreação e lazer para fomentar a sociabilidade.

 

O ACONTECER DO GRUPO

Neste estudo, focalizamos as potencialidades do grupo de apoio para mulheres que vivenciam o câncer de mama, oferecido no contexto do REMA. Este serviço acolhe, em média, 100 casos novos por ano e presta assistência a cerca de 200 mulheres registradas em anos anteriores.

O grupo de apoio é uma das modalidades de atendimento oferecidas por esse programa de caráter interdisciplinar. Ele tem o propósito de oferecer um espaço permissivo no qual as participantes possam discutir livremente questões relacionadas ao enfrentamento do câncer de mama. Desse modo, as usuárias do serviço desfrutam de um momento em que podem compartilhar sentimentos, dúvidas sobre a doença e tratamento, receber cuidados e apoio de outras mulheres e de profissionais que podem compreender e fomentar a discussão dos problemas vivenciados.

Esse grupo de apoio busca promover um ambiente que favoreça suporte social, compartilhamento de experiências, desenvolvimento de habilidades para enfrentamento de situações difíceis, educação, informação e discussão de questões existenciais. O enfoque é nos aspectos da reabilitação física e psicossocial. Os encontros ocorrem três vezes por semana, no período da manhã, e têm uma hora de duração e média de 30 participantes por reunião.

Os coordenadores são profissionais da equipe multiprofissional. Normalmente, há mais de um coordenador a cada grupo realizado, uma vez que a perspectiva que norteia o trabalho é interdisciplinar. Uma enfermeira contratada do serviço exerce a função de coordenadora fixa do grupo e tem como colaboradores outros profissionais da equipe que atuam em esquema de revezamento.

Os grupos são abertos, com a participação de mulheres recém-admitidas e daquelas em seguimento. Como se trata de um serviço de "portas abertas", as usuárias têm liberdade de o utilizarem na medida de suas necessidades e pelo tempo que desejarem, portanto não há um período predeterminado para finalizar os tratamentos. Os temas abordados durante as reuniões do grupo de apoio psicossocial são propostos tanto pelos coordenadores quanto pelas participantes. Enfatiza-se a percepção que as participantes estão tendo de sua situação de vida, a troca ativa de informações e a expressão dos sentimentos identificados a cada momento do grupo.

As reuniões ocorrem logo após a realização de uma sessão de atividades físicas, aplicadas durante uma hora, também em grupo. A intervenção grupal verbal tem por objetivos: (a) criar um espaço de acolhimento para as questões emocionais associadas ao enfrentamento da doença; (b) oferecer um contexto de conversação que possa favorecer, a partir da troca de informações e experiências entre as usuárias do serviço, o desenvolvimento de recursos adaptativos; (c) fomentar a adoção de estratégias de enfrentamento mais eficazes frente à doença e seu tratamento.

Os profissionais que se propõem a trabalhar com grupos de mulheres que vivenciam o câncer de mama fornecem explicações e orientações sobre o tratamento e os problemas psicossociais advindos deste. Além disso, fomentam a discussão das experiências vivenciadas pelas mulheres.

 

FORMANDO A TEIA: OS TEMAS QUE ANIMAM AS CONVERSAÇÕES

A observação empírica dos encontros indica que o grupo cumpre seus objetivos suportivos. A análise dos dados compreendeu a leitura atentiva das atas de dez encontros, produzidas por meio do registro em tempo real das observações realizadas. Foram extraídos os núcleos temáticos, entre os quais se destacaram: a percepção do acolhimento; a naturalidade com que se fala sobre o câncer; o câncer como "visitante" indesejado; o câncer como divisor de águas, possibilitando à mulher acometida se perceber e se conhecer; o medo da recidiva, de sequelas e complicações (linfedema), bem como a importância do apoio oferecido pelo serviço de reabilitação.

A análise compreensiva dos relatos das participantes do grupo evidenciou que, no espaço do grupo, as mulheres mastectomizadas discorrem com naturalidade sobre os diferentes momentos vividos após o diagnóstico do câncer. Compartilham com muita franqueza seus sentimentos, suas experiências de tratamento e reafirmam sua vontade de viver.

O diagnóstico é apresentado como um momento de intenso sofrimento e desencadeador de incerteza e desesperança frente ao futuro. Contudo, com a participação no grupo de apoio, as mulheres relatam que aprenderam a se adaptar a essa nova situação e a redimensionar seus valores.

A vontade de viver parece ficar ainda mais intensificada após a doença e vem acompanhada da esperança de que tudo vai dar certo e de que o tratamento alcançará êxito. O câncer de mama parece, assim, proporcionar um novo despertar para a vida.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo mostrou que a estratégia grupal constitui uma modalidade de atendimento que oferece continência para questões emocionais suscitadas pelo câncer de mama e seus tratamentos. Ao compartilharem seus sentimentos e dúvidas sobre a doença e as terapêuticas instituídas, reforça-se a possibilidade de as mulheres recuperarem controle sobre suas vidas, em vez de permanecerem em uma posição submissa frente aos profissionais de saúde. Isso favorece o empoderamento, incentivando a adoção de atitudes positivas frente às adversidades, o que é necessário para fortalecer o comportamento de busca de saúde.

Desse modo, o grupo de apoio poderá potencializar as competências e habilidades de mulheres que vivenciam esse tipo de situação humana em seu percurso de gradual reconquista do bem-estar físico, psíquico, social e espiritual. Ao considerar os aspectos analisados, sugere-se a inclusão desse tipo de atendimento dentre as estratégias oferecidas por programas de caráter interdisciplinar voltados à assistência de mulheres em processo de reabilitação pós-mastectomia. O aprofundamento das questões destacadas poderá ser objeto de estudos posteriores.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, A. M. Vivendo a incerteza da doença: a experiência de mulheres como câncer de mama. 152 p. 1997. Tese (Doutorado) Programa Interunidades de Doutorado em Enfermagem. Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 1997.         [ Links ]

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BRASIL. Ministério da Saúde. Instituto Nacional do Câncer. Rastreamento organizado do câncer de mama: a experiência de Curitiba e a parceria com o Instituto Nacional de Câncer. (internet). Rio de Janeiro: INCA. Disponível em: < /www.inca.gov.br >. Acesso em: 31 out. 2011.

MAMEDE, M. V. Reabilitação de mastectomizadas: um novo enfoque assistencial. Ribeirão Preto. 1991. Tese (Livre Docência) Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 1991.         [ Links ]

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Endereço para correspondência
Manoel Antonio dos Santos
E-mail: masantos@ffclrp.usp.br

Recebido em 07/04/2011.
1ª Revisão em 10/06/2011.
2ª Revisão em 01/11/2011.
Aceite Final em 12/11/2011.

 

 

1 Psicólogo, Professor Associado do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia Ciência e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP). E-mail: masantos@ffclrp.usp.br.
2 Enfermeira, Mestre em Saúde Pública, Especialista de Laboratório do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP-USP). E-mail: masprado@eerp.usp.br.
3 Enfermeira, Professora Doutora do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP-USP). E-mail: marislei@eerp.usp.br.
4 Enfermeira, Professora Associada do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP-USP). E-mail: amalmeid@eerp.usp.br.
5 Este texto foi revisado seguindo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990), em vigor no Brasil a partir de 1º de janeiro de 2009.
6 O REMA nasceu graças à iniciativa e abnegação de suas fundadoras, as professoras Marli Villela Mamede, Maria José Clapis e Ana Maria de Almeida, e se mantém vivo e com invejável vigor em suas duas décadas de existência graças ao espírito de liderança e empreendedorismo da enfermeira assistencial Maria Antonieta Spinoso Prado.