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Revista da SPAGESP

Print version ISSN 1677-2970

Rev. SPAGESP vol.12 no.2 Ribeirão Preto Dec. 2011

 

ARTIGOS

 

Sujeito e autoria no contexto escolar: contribuições da Análise do Discurso

 

Subject and authorship in the school context: contributions of Discourse Analysis

 

Sujeto e autoría en el contexto escolar: contribuciones del Análisis del Discurso

 

 

Juliana Christina Rezende de Souza 1; Soraya Maria Romano Pacífico 2

Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente estudo pretende analisar, por meio do referencial teórico da Análise do Discurso (AD) de matriz francesa, como o sujeito professor pode (ou não) assumir a autoria no espaço escolar, utilizando recortes de um corpus de 15 textos dissertativo-argumentativos produzidos pelos sujeitos após discussões de textos escritos e fílmicos relativos ao campo da educação. Consideramos a AD como uma teoria da interpretação na qual, por meio de indícios na materialidade linguística, torna-se possível interpretar os sentidos mobilizados pelo sujeito e compreender o funcionamento ou o mecanismo de produção destes sentidos.

Palavras-chave: Discurso; Sujeito; Autoria; Escrita.


ABSTRACT

This study aims to analyse, based on the theoretical framework of the French Discourse Analysis (DA), how the teacher, as subject, may (or not) assume himself or herself as an author in the school environment, using excerpts from a corpus of 15 dissertational-argumentative texts produced by subjects after discussions of texts and films related to Education. We consider DA as a theory of interpretation in which, from evidences in the linguistic materiality, it becomes possible to interpret the meanings mobilised by the subject, and to understand the operation or the mechanism of the production of these meanings.

Keywords: Discourse; Subject; Authorship; Writing.


RESUMEN

Este estudio tiene como objetivo analizar, desde el marco teórico del análisis del discurso (AD) en Francia, como el profesor puede (o no) tener autoría en la escuela. Hemos analizado recortes de un corpus de 15 textos argumentativos producidos por los sujetos después de las discusiones de los textos escritos y fílmicos relacionados con la educación. Consideramos AD como una teoría de la interpretación, donde, a partir de la evidencia del material lingüístico se hace posible interpretar los significados movilizados por el tema y comprender el funcionamiento, o el mecanismo de la producción de estos sentidos.

Palabras clave: Discurso; Sujeto; Autoría; La escritura.


 

 

INTRODUÇÃO 3

Observamos no âmbito escolar, iniciando-se pelos documentos oficiais que regem o sistema educacional no Brasil - tais como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9394/96) (BRASIL, 1996), os Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (SEF, 1998) e os Parâmetros Curriculares Nacionais (SEF, 1997), emanados do Ministério da Educação (MEC) -, que o trabalho com a linguagem, especialmente com a linguagem escrita, é inerente à atividade do professor, seja na Educação Básica ou no Ensino Médio. Sendo assim, o professor de qualquer área de conhecimento, que atue em qualquer ano de escolaridade dos Ensinos Fundamental e Médio, deve trabalhar com um currículo que é atravessado pela linguagem, pelo trabalho com a língua materna e, consequentemente, pelo trabalho com a escrita.

No entanto, deparamo-nos, de forma geral, com a resistência do sujeito professor em escrever: quando solicitado a elaborar um relatório escrito, um plano de aula, um relatório de aprendizagem/desempenho dos alunos, entre outros registros que fazem parte da atividade profissional desse sujeito, diários de classe, registros de observações e avaliações feitas do processo ensino-aprendizagem, relatos de experiências, enfim, a justificativa para tal resistência aparece em dizeres relacionados a dificuldades para escrever. Observamos, ainda, que, quando solicitado a escrever, o professor diz preferir falar sobre o assunto, porque assim consegue colocar/posicionar-se melhor do que por meio da escrita.

Essa dificuldade e/ou resistência para escrever também foi constatada por Carvalho (2008) em sua investigação sobre a autoria em textos narrativos de sujeitos-professores. Nesta pesquisa, a autora discute a complexa relação do sujeito-professor com a escrita, apontando que, apesar de ser esperado que o sujeito-professor ocupe a posição de autor ao produzir textos orais e escritos pela análise de seu corpus, este sujeito não sustenta o discurso científico sobre educação, havendo um deslizamento para o discurso do senso comum em seus dizeres.

Diante desse cenário, uma questão importante se coloca: se há essa resistência do professor em escrever, como ele poderá trabalhar a escrita, como instrumento de poder que é, e como pode proporcionar ao aluno um trabalho significativo com a língua materna numa cultura letrada como a nossa, cujas práticas sociais baseiam-se, essencialmente, na escrita? Pensamos ainda em outras questões: Como este profissional mobiliza e interpreta os sentidos que circulam ao seu redor? Em decorrência disso, temos o seguinte ponto nodal que norteou a nossa pesquisa de mestrado: se o professor não ocupa o lugar de autor, como ele poderá possibilitar que seu aluno ocupe tal posição discursiva?

Essas questões, que remetem ao funcionamento e à relação do sujeito com a linguagem, aparecem inscritas no processo de ensino e de aprendizagem, sendo este permeado pelo discurso dominante e pelo acesso ou interdição do professor ao campo de documentos pertinentes ao conhecimento científico e saberes sobre a educação, o que implica condições de produção textual diversas, as quais, possivelmente, afetarão a forma como o sujeito-professor permitirá que seus alunos se relacionem com a linguagem, assumindo ou não a posição-autor.

Para entender o funcionamento da linguagem e a relação dos sujeitos com os sentidos no espaço escolar, recorremos à tipologia discursiva proposta por Orlandi (2006), em que o discurso pedagógico apresenta-se como um discurso autoritário no qual a polissemia é contida, o que podemos observar, por exemplo, nas atividades de interpretação, especialmente encontradas nos livros didáticos, em que se busca um sentido único para o texto. Articulado a isso, embora atualmente as tecnologias de informação e comunicação tenham provocado algumas transformações na produção e circulação do conhecimento científico, colocando-o como passível de mudanças, temos que a escola divulga o conhecimento científico tido como verdadeiro e de certa forma estável, haja vista que os livros didáticos não são reformulados significativamente, ou atualizados em seus conteúdos, de forma constante. Assim, o discurso pedagógico representa um discurso do poder, uma vez que determina como um texto ou uma informação e/ou ainda um conhecimento deve ser interpretado e apreendido/aprendido.

Em contrapartida, a escola, como instituição e grupo que reproduz a ideologia dominante, dissimulando (e aprisionando) a posição ocupada pelo sujeito-professor - que deveria ser a de um sujeito que produz um saber/conhecimento a fim de compartilhá-lo com o sujeito-aluno que deverá ter acesso ao conhecimento científico - não privilegia a formação do sujeito-autor, seja ele professor ou aluno, e mesmo com tendências diversas acerca da educação, que implicam dizeres e sentidos diversos que circulam sobre o tema, os sujeitos recorrem, geralmente, à paráfrase para formular seus dizeres, o que é diferente de historicizar, de trabalhar com a polissemia, instaurar um novo dizer a partir dos sentidos e dizeres já ditos sobre educação, pois, conforme nos aponta Orlandi (2006) e Pêcheux (1997a), os dizeres precisam ser ancorados no "já dito" para poderem significar.

Como pode, então, oportunizar um trabalho que leve à construção do conhecimento privilegiando a autoria um professor que, provavelmente, vivenciou práticas educacionais determinadas por um discurso pedagógico do tipo autoritário (ORLANDI, 2006)? Ou um professor que não ocupa a posição de autor, responsável por um dizer?

Acreditamos, então, que investigar os processos de autoria de sujeitos professores pode nos auxiliar na reflexão sobre a prática docente e a formação profissional, pois sabemos que os professores apresentam muita resistência ao ato de escrever e que, muitas vezes, como dissemos anteriormente, verbalizam ter dificuldade para escrever. Quando nos referimos a essa resistência à escrita pensamos na própria assunção da autoria na difícil tarefa de o sujeito do discurso responsabilizar-se por seus dizeres inscritos em um texto dado como legítimo, no espaço escolar: o texto escrito.

Consideramos, conforme dissemos, que existe um sentido dominante, entre outros possíveis, que circula na sociedade, segundo o qual o professor é detentor de um saber legitimado pela instituição escolar, sendo assim, ele estaria autorizado a produzir e fazer circular sentidos. Porém, o que observamos é que, geralmente, a posição-autor não é ocupada por este profissional que tem o papel de formar outros sujeitos autores. Dessa forma, estudos (PACÍFICO, 2002) apontam que os alunos chegam à universidade e não conseguem produzir textos dissertativo-argumentativos, tampouco assumirem a autoria em suas produções textuais, posto que não puderam ocupar o lugar de autor nos anos escolares que vão desde a Educação Infantil até o Ensino Médio.

Neste trabalho, investigamos a assunção da autoria pelo sujeito-professor e, para isso, utilizamos recortes de um corpus de quinze textos dissertativo-argumentativos de sujeitos professores produzidos após discussões de filmes e textos diversos sobre educação, analisados por meio do referencial teórico da Análise de Discurso francesa. Sendo assim, defendemos que este estudo torna-se relevante na medida em que tem como objeto de estudo a autoria na produção textual do sujeito-professor, o que pode colaborar para a compreensão de como se dá a escrita no contexto escolar, tanto de sujeitos-professores quanto de sujeitos-alunos, considerando que a relação que o sujeito estabelece com a escrita, dentro e fora da escola, tem repercussões sociais muito abrangentes que vão desde a escrita de um bilhete, um panfleto, uma receita culinária, um texto jornalístico, uma música, até os textos literários e científicos, tão valorizados na instituição escolar. Produzi-los não é um "dom" dos alunos, mas uma questão de poder, de ter acesso ao lugar de autor.

O suporte teórico da Análise de Discurso de linha francesa, que discute, entre outros aspectos importantes, o funcionamento da linguagem e, nesse funcionamento, o sujeito e a autoria - que constituem um ponto fundamental para este trabalho -, pode auxiliar-nos a refletir sobre o movimento discursivo do sujeito-professor no contexto escolar e se pode (ou não), em determinadas circunstâncias, condições de produção, ocupar a posição de autor.

 

A ANÁLISE DO DISCURSO E SUAS IMPLICAÇÕES PARA O ESTUDO DO SUJEITO E DA AUTORIA NO CONTEXTO ESCOLAR

Trataremos sobre o campo teórico-metodológico da Análise do Discurso (AD) para que possamos entender as noções de sujeito e autoria nessa perspectiva, bem como sobre o movimento discursivo do sujeito e seu posicionamento como autor no contexto escolar.

Iniciamos, então, pelo objeto da AD: o discurso, seu funcionamento, isto é, buscando compreender como uma materialidade simbólica produz sentidos, entendendo o discurso como um "efeito de sentido entre locutores" (ORLANDI, 2003, p. 21). Então, o que se coloca em questão são os sentidos, como os sujeitos mobilizam os sentidos em seus dizeres, em seus textos e, com eles, como acontece a interpretação, ou melhor, o gesto de interpretação do sujeito.

A AD trabalha com a materialidade da linguagem, considerando seu duplo aspecto linguístico e histórico, indissociáveis na produção do sujeito do discurso e dos sentidos que (o) significam (ORLANDI, 2003). Assim, o texto traz uma materialidade discursiva pela qual o analista, num gesto interpretativo, pode acessar o funcionamento da linguagem e o movimento do sujeito pelos indícios desta materialidade.

Com isso, acreditamos ser relevante retomar a noção da AD como uma ciência, ou como um campo de conhecimento indiciário, uma vez que, considerando a interpretação como atividade do analista (ORLANDI, 2004), torna-se necessário a partir dos vestígios/indícios na materialidade discursiva interpretar os sentidos mobilizados nela/por ela e compreender o funcionamento, ou o mecanismo de produção destes sentidos.

Sobre o paradigma indiciário, Ginzburg (1989) nos diz que começou a ser utilizado nas ciências humanas por volta do final do século XIX baseado na semiótica e que suas raízes eram muito antigas, pois durante muito tempo o homem foi um caçador e "aprendeu a farejar, registrar, interpretar e classificar pistas infinitesimais como os fios de barba" (p. 151).

Ainda segundo Ginzburg (1989, p. 177),

O mesmo paradigma indiciário usado para elaborar formas de controle social sempre mais sutis e minuciosas pode se converter num instrumento para dissolver névoas da ideologia que, cada vez mais, obscurecem uma estrutura social como a do capitalismo maduro. (...) Se a realidade é opaca, existem zonas privilegiadas – sinais, indícios – que permitem decifrá-la.

Podemos apreender, a partir desta citação, uma relação entre ideologia, mecanismo que naturaliza os sentidos já legitimados, aqueles que podem circular num dado contexto sócio-histórico e a opacidade da linguagem. Temos na materialidade discursiva a relação entre o que é visível e o que é opaco, entre o que foi dito e o não dito, entre interioridade e exterioridade, o que entendemos não como elementos separados, mas articulados, presentes no processo discursivo.

O sujeito, nessa perspectiva teórica, é entendido não como indivíduo, mas como uma posição ocupada no discurso, atravessada pelos dizeres de outros, isto é, por vozes e sentidos que circulam ou já circularam antes e em outro lugar, ao que chamamos interdiscurso, e que fornecem a matéria-prima para o fio discursivo tomado/construído pelo sujeito, ao que chamamos intradiscurso.

O encadeamento dos significantes e a ancoragem destes no interdiscurso passam também pela tensão entre paráfrase e polissemia, entre o mesmo (a repetição) e o diferente (a polissemia); assim, o sujeito ao enunciar, para que seus dizeres façam sentido, precisa retomar o que já foi dito e instaurar algo novo. Nesse processo de formular e fazer circular sentidos, encontramos o sujeito imerso na trama da linguagem, do discurso, um sujeito que luta para ocupar posições na disputa desses mesmos sentidos, podendo ou não ocupar a posição discursiva de autor.

Segundo Pêcheux (1997a), o indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia, entendendo a ideologia como um mecanismo que naturaliza os sentidos, isto é, faz parecer natural um dizer e o apagamento (ou silenciamento) de outros dizeres, como se os sentidos estivessem presos às palavras e houvesse uma única possibilidade de interpretação destes sentidos. É a ideologia que captura o sujeito em suas formulações, criando um efeito de identidade do sujeito, como único, e o faz por meio de dois esquecimentos (PÊCHEUX, 1997a), ou ilusões necessárias: o sujeito acredita ser a origem de seus dizeres e, acredita, também, que aquilo que diz corresponde ao que está pensando, esquecendo-se ainda de que a linguagem é incompleta (embora a ideologia crie a ilusão de sua completude).

Dessa forma, sujeito e sentido se constroem juntos, no momento de enunciação e de interpretação, e os sentidos que circulam nos dizeres (nas palavras e nos enunciados) não existem em si mesmos, existem as "brechas", os "furos", os quais abrem espaços para a interpretação do interlocutor, isto é, para o não controle dos sentidos. Os sentidos são determinados pelas posições ideológicas às quais se filiam os sujeitos, posições estas que correspondem às formações ideológicas e sustentam, ou melhor, determinam as formações discursivas nas quais se inscrevem os dizeres dos sujeitos. Entendemos por formação discursiva aquilo que pode e deve ser dito, considerando uma dada conjuntura determinada pela luta de classes (PÊCHEUX, 1997a).

Em relação à autoria, para Orlandi (2004), está relacionada à interpretação, na medida em que o sujeito torna-se autor se aquilo que produz for interpretável, historicizando seu dizer ao inscrevê-lo no interdiscurso, na memória constitutiva, isto é, ancorando seu dizer no saber discursivo. A autora aponta, ainda, para a questão ideológica inscrita na interpretação: a materialidade da língua concretiza a relação entre ideologia e inconsciente. A teoria do discurso parte das relações com a psicanálise, no que se refere à noção de sujeito, e com o marxismo, no que diz respeito à noção de história. Falamos de uma posição teórica que considera as circunstâncias de produção de um discurso (oral ou escrito): a posição social do autor, a quem é outorgado o acesso ao arquivo, que é a memória institucionalizada (PÊCHEUX apud ORLANDI, 2004), e ao interdiscurso que garantem a interpretação.

O autor, ainda segundo Orlandi (2004), deve produzir um texto com a ilusão de coerência, com efeito de unidade, ou seja, com começo, meio e fim, e responsabilizar-se pelo seu dizer, colocando-se na origem de seu texto, ainda que isso seja, conforme já apontamos, uma ilusão necessária (PÊCHEUX, 1997a).

Dialogando com outros estudiosos acerca do conceito de autoria, julgamos relevantes as pesquisas de Pfeiffer (2002) ao defender que a autoria depende de espaços (condições) de autorização do dizer para que o sujeito possa posicionar-se na função da autoria, e refere-se ainda a esse funcionamento no espaço escolar e de que forma isso pode acontecer:

Uma das formas de se produzir isso é, por exemplo, ler os textos dos alunos esperando encontrar marcas de construção de sentidos que não necessariamente condigam com o modelo canônico textual. Ouvir sentidos é atribuir autoria ao sujeito, atribuir autoria é abrir espaços de interpretação. A autoria deve ser construída e não simulada. Desse modo, ter como horizonte apenas um ponto final como meta – um texto com o desenho espacial adequado, começo/meio/fim, coesão e coerência – e não olhar para o processo de construção da posição de autoria – atribuir sentidos na inscrição histórica, fará com que mantenhamos o processo de funcionamento do simulacro da autoria que consiste, fundamentalmente, no jogo de tentativa e erro do sujeito escolar buscar alcançar um modelo pré-fixado. O modelo, quando é apenas modelo, é esvaziado de sentido, estanca-se na repetição empírica ou formal (PFEIFFER, 2002, p. 11).

Concordamos com esta autora (2002) e entendemos que a autoria está relacionada ao acesso ao arquivo e que abrir espaços para a interpretação significa possibilitar esse acesso. A autora nos aponta, também, para a relação entre autoria e interpretação e para a importância de abrir espaços para que o sujeito possa posicionar-se como autor, e não apenas como num simulacro em que é autorizado pelo professor, pelo livro didático, entre outras instâncias, mantendo uma relação de determinação dos sentidos a serem ditos, permitidos.

Também consideramos fundamental articular nossa análise, como já adiantamos acima, com a tipologia discursiva, que, segundo Orlandi (2003, 2006), caracteriza os modos de funcionamento do discurso, tendo como referência as condições de produção e a relação entre a produção de sentidos e seus efeitos, uma vez que, analisaremos o modo como sujeitos-professores colocam em funcionamento seus dizeres. Segundo a autora, os tipos de discurso dependem do funcionamento discursivo, das relações dos interlocutores com o referente, isto é, com o objeto discursivo, relações que podem ser autoritárias, polêmicas ou lúdicas.

De acordo com Orlandi (2006), no discurso autoritário, a polissemia (os vários sentidos de um mesmo dizer) está contida, sendo o discurso controlado por um único agente/sujeito, apagando-se, dessa forma, a relação entre locutores. No discurso polêmico, a polissemia é controlada, porém o referente é disputado pelos interlocutores numa relação de disputa de sentidos. Já no discurso lúdico, a polissemia está aberta e os interlocutores se expõem aos efeitos, não regulando/controlando sua relação com os sentidos. Vale ressaltar que, tal qual aponta a autora, não há um discurso "puro", isto é, há sempre uma interferência dos discursos, sendo que pode haver uma tendência para um determinado tipo, dependendo, como já dissemos, do funcionamento discursivo, que compreende a relação dos interlocutores e as condições de produção dos discursos.

Ainda segundo Orlandi (2006), no espaço escolar é possível observar uma predominância do discurso autoritário em que o professor, marcado historicamente como "detentor do saber", transmite-o em uma relação quase unilateral, em que há a busca dos sentidos "únicos", como, por exemplo, em atividades de interpretação, geralmente, colocadas pelo livro didático, quando encontramos a pergunta "o que o autor quis dizer...". Temos, aqui, uma ancoragem do discurso pedagógico no discurso autoritário, limitando as possibilidades de múltiplas leituras e do "jogo de sentidos" que essas leituras nos permitem. Ao considerarmos o conhecimento trazido pela Análise do Discurso, sabemos que os sentidos sempre podem ser outros, que não há um único sentido, pois a linguagem não é transparente, como defendem as ciências positivistas. Segundo Romão e Pacífico (2006, p. 16),

Infelizmente, o prazer de refletir sobre o funcionamento da linguagem, sobre a possibilidade de os sentidos serem sempre novos e sobre quanto do arquivo de cada aluno contribui (ou não) para atribuir sentido às palavras tem pouco espaço na grade escolar (...)

O exposto acima nos faz pensar na forma como a interpretação é significada nesse espaço escolar, como se fosse possível desvendar com certeza "o que o dizer de um autor realmente significa". Consideramos importante enfatizar, aqui, que a visão de autor encontrada nos livros didáticos não corresponde à concepção discursiva de autor que adotamos neste trabalho, pois, no livro didático, autor é concebido como o indivíduo que escreveu um texto, especialmente, os autores dos textos consagrados. Isso tem relação com o que Orlandi (apud GUIMARÃES, 1989) fala sobre as vozes de autoridade, posto que o autor do livro didático e os autores autorizados a circular nos livros didáticos são concebidos como "vozes de autoridade", uma vez que ocupam um lugar que lhes confere o direito à palavra, à escrita. De acordo com Orlandi (apud GUIMARÃES, p. 43-44), "essas vozes se representam em lugares sociais de legitimação e fixação dos sentidos e desempenham um papel decisivo na institucionalização da linguagem: a produção do sentimento de unicidade do sentido".

Para Pacífico (2002), essas vozes de autoridade detêm o poder de administrar a produção dos sentidos e, portanto, a distribuição do conhecimento, contribuindo para a formação do consenso, quer dizer, os mediadores determinam quais os sentidos que podem ser conhecidos e quais devem permanecer em silêncio. Em cada momento histórico, protagonistas diferentes podem assumir o papel de mediador, como o sacerdote, o intérprete, o crítico, o intelectual, o jurista, mas seja qual for o mediador sempre representará a classe dominante. Isso, conforme esta autora (2002, p. 58), "leva à monofonia, uma vez que as vozes que representam a ideologia dominante (as autorizadas a atribuir/distribuir sentidos) produzem uma voz social homogênea, controlam os sentidos que o sujeito pode produzir ou não".

Observamos que esse processo de silenciamento está presente na escola, que trabalha com a visão de sentido único e faz isso através dos "mediadores" (livros didáticos, professores que se apropriam de um saber científico e diante disso consideram-se autorizados a eleger um sentido dominante e distribuí-lo - legitimá-lo - entre os alunos). Assim, a distribuição do sentido está ligada à relação de poder e isso é verificado na escola, lugar onde essa relação é bem acentuada.

Consequentemente, podemos dizer que o autor no discurso pedagógico é uma voz de autoridade, e não uma posição discursiva possível de ser ocupada por professores e alunos; talvez, por ser assim, a escola trabalhe com essa visão reducionista de autor, impedindo que os sujeitos-escolares (professores e alunos) exerçam a função-autor (ORLANDI, 2006), fundamental, a nosso ver, para a relação dos sujeitos com os sentidos. Assumir o lugar de autor significa permitir ao sujeito identificar-se com determinada formação discursiva e isso a escola não faz, quando escolhe e legitima um único sentido para os textos, fazendo os alunos repetirem-no em seus escritos. Indo numa direção oposta, para a Análise de Discurso (ORLANDI, 2006), a interpretação tem relação com a ideologia, que circula nas experiências dos sujeitos e que, também, influencia nas formações discursivas às quais eles se filiam. Como já dissemos, existe todo um contexto social e histórico, no qual o sujeito instaura seus dizeres, inscrevendo o intradiscurso no interdiscurso e, inseridos nesse contexto, os sujeitos interpretam e atribuem sentidos aos objetos simbólicos que os rodeiam.

Apesar de a escola ser o espaço privilegiado para se refletir sobre as práticas letradas (orais ou escritas), para colocar o sujeito-professor e o sujeito-aluno em condições de ocupar a posição de intérprete e não apenas de escrevente (PÊCHEUX, 1997b), isto é, em posição de sujeitos que estão autorizados a discutir tais práticas, percebemos que, o que acontece em geral, ou na maior parte do trabalho realizado, é a reprodução, como dissemos anteriormente, das normas e regras gramaticais, restringindo o trabalho com a língua materna, bem como as possibilidades de o sujeito ocupar a posição de autor.

Entendemos que o arcabouço teórico-metodológico da AD pode, então, auxiliar a entender o funcionamento discursivo do sujeito-professor, bem como a pensar sobre a circulação dos sentidos, as formações discursivas recorrentes no contexto escolar, que "carregam" as formações ideológicas que determinam a posição de sujeito nesse contexto e, assim, determinam também, se este sujeito pode ou não ocupar a posição de autor.

 

METODOLOGIA E CONSTITUIÇÃO DO CORPUS

Neste trabalho, conforme apontamos brevemente na introdução, analisamos recortes de produções escritas de três sujeitos-professores do Ensino Fundamental que atuam em escolas públicas e particulares da cidade de Ribeirão Preto, SP. O corpus, quinze textos dissertativo-argumentativos produzidos pelos sujeitos-professores, em diferentes propostas de produção, foi analisado a partir dos elementos, que podem indiciar a assunção da autoria pelo sujeito, isto é, os operadores argumentativos (marcas linguísticas, pistas) usados nos textos pelos sujeitos professores que promovem, ou não, a ilusão de coerência textual, bem como as marcas de subjetividade que podem impedir a argumentação, tendo em vista que o texto dissertativo-argumentativo tende a ser objetivo, e, ainda, as possibilidades de interpretação do "não-dito", considerando que, quando o sujeito escreve, escolhe ilusoriamente o que quer dizer (PÊCHEUX, 1997a).

Para a produção textual dos sujeitos, organizamos cinco encontros com duração de aproximadamente uma hora e 30 minutos, em um espaço fora do ambiente escolar, ou seja, em horário e local combinados com os sujeitos participantes, diferentes de seus locais e horários de trabalho. Era ponto central da pesquisa a discussão de textos referentes ao campo de conhecimento da educação, com o objetivo de proporcionar ou facilitar o acesso do sujeito ao "arquivo", conforme define Pêcheux (1997b), e, assim, fazer circular os vários sentidos que estes textos podem mobilizar. Após a leitura e discussão dos textos, os sujeitos-professores deveriam expor seus pontos de vista acerca dos temas discutidos nas leituras e para isso foram feitas propostas de produção de textos dissertativo-argumentativos, como nos referimos acima, articulando as discussões realizadas com temas pertinentes ao âmbito da prática profissional: processo ensino-aprendizagem; postura profissional; o papel da escrita e a assunção da autoria pelo sujeito.

Para as discussões e propostas de produção textual, foram escolhidos textos de diferentes gêneros, tais como literário, científico, fílmico, transcrição de um discurso oral. Porém, todos versam sobre educação e, por isso, a nosso ver, os textos mobilizam sentidos nestes sujeitos, no que diz respeito ao trabalho docente. Os textos escolhidos e discutidos foram:

1. Texto "Doras e Carmosinas", de Fernanda Montenegro (2001), que se constitui da transcrição do discurso da atriz ao ser homenageada por sua indicação ao prêmio "Oscar" de melhor atriz. Como é um texto transcrito de um discurso oral, este possui características, marcas da oralidade e foi escolhido por falar sobre educação.

2. Filme "O espelho tem duas faces", de 1996, da diretora Barbra Streisand que relata a história de dois professores universitários, discutindo suas posições/posturas frente aos alunos e suas práticas profissionais.

3. Filme "Central do Brasil", de 1998, do diretor Walter Salles, com o objetivo de observar o papel da escrita, a relação desigual de poder e de saber que, marcadas ideologicamente, determinam papéis e posições sociais.

4. Recorte do texto literário "O Ateneu", de Raul de Pompéia, por retratar o lugar do professor e do aluno num discurso autoritário, marcando a relação de poder que permeava/permeia a relação professor-aluno.

5. Texto científico, de Cláudia Pfeiffer (2002), "O lugar do conhecimento na escola. Alunos e professores em busca de autorização", que discute a autoria no espaço escolar e as condições de produção para que o sujeito ocupe a posição-autor.

Trabalhamos com a noção de recorte que, para a AD, segundo Orlandi (2006, p. 139), é entendida como "(...) uma unidade discursiva: fragmento correlacionado de linguagem – e - situação". Vale ressaltar que a AD ultrapassa a noção de informação, do mensurável, e trabalha com a noção de texto, tendo o recorte uma relação com a constituição histórica do sentido do texto. A AD propõe a passagem do segmento para o recorte, e da frase para o texto. Ao trabalharmos com a noção de recorte, trabalhamos (e aceitamos trabalhar, como analistas) com a incompletude da linguagem, com a polissemia, isto é, com a possibilidade do sentido vir a ser outro (ORLANDI, 2006).

Assim, procuramos construir um dispositivo de análise capaz de, à luz da teoria discursiva, investigar as múltiplas formas de interpretar do sujeito-professor, a posição discursiva que ele ocupa ao escrever um texto dissertativo-argumentativo e, a partir disso, investigar a autoria em suas produções e ampliar as discussões acerca dela no espaço escolar.

Apresentamos a seguir, a análise de alguns recortes de nosso corpus, procurando verificar se os sujeitos ocupam ou não a posição de autor, quais formações discursivas determinam sua posição discursiva e os movimentos de paráfrase e polissemia que perpassam os sentidos colocados em jogo pelo sujeito. Para que o leitor possa entender, neste breve artigo, colocamos após os dizeres dos sujeitos um número (SUJEITO 1, SUJEITO 2, SUJEITO 3) e um número para o texto de onde realizamos o recorte (Texto 1, Texto 2, e assim por diante, lembrando que, cada sujeito produziu cinco textos), preservando dessa forma a identidade dos sujeitos que contribuíram para este estudo.

Como nossa posição é a de analista de discurso, entendemos que as marcas linguísticas tais como aparecem na escrita dos sujeitos são marcas significativas e, portanto, devem ser mantidas como tais. Por isso, não realizamos correção alguma, nem alteramos as letras maiúsculas/minúsculas, uma vez que nosso objetivo não é realizar uma correção gramatical, o que significaria apagar as marcas do sujeito em sua escrita e os efeitos de sentidos criados com isso.

Iniciamos, então, nossa análise pontuando uma formação discursiva bastante recorrente no discurso escolar e que flagramos nas produções analisadas, a qual diz respeito ao ato do professor exercer seu ofício com amor, com paixão, sendo este o "ingrediente" essencial/principal para seu sucesso e superação de desafios inerentes à profissão, colocando o embasamento teórico necessário ao exercício profissional em um plano inferior. Podemos observar tal FD nos seguintes recortes:

(01) (...) ensinava com paixão, acreditava naquilo que dizia (SUJEITO 1, texto 2).

(02) Esses profissionais precisam ser trabalhados em sua autoestima, precisam ser "abraçados e cuidados" pelo sistema, senão é o seu fracasso ou procurarem o que lhes agrada, mudando a sua profissão (SUJEITO 1, texto 2).

(03) Gostar do que faz é o princípio do sucesso profissional, experiência e competência se adquirem. Se você trabalha com amor, consegue dedicar-se ao emprego, às pessoas e a si mesmo. Possibilita que as portas se abram, que a mente capte tudo o que for necessário para seu crescimento (SUJEITO 1, texto 2).

(04) Como citei inicialmente, colocar amor e paixão em todas as nossas ações e em nossos relacionamentos foi o mais significativo que pude observar ao assistir o filme (SUJEITO 1, texto 2).

Observamos nesses recortes os sentidos que parecem opor formação profissional/competência a amor/paixão como fórmula para o sucesso profissional, e, ainda, no recorte 2, especialmente, temos que o sujeito-professor precisa ser trabalhado em sua autoestima, ser "abraçado e cuidado pelo sistema", o que nos remete a sentidos de "maternagem", também muito recorrentes na instituição escolar, e ao mesmo tempo podemos entender como um pedido de socorro: o professor precisa ser olhado, cuidado, considerando as dificuldades que enfrenta em seu exercício profissional.

Também observamos em nosso corpus o movimento dos sujeitos de retorno aos textos discutidos nos encontros, indiciando que o sujeito está possivelmente impedido de iniciar seu texto a partir de outro lugar, de outra posição discursiva senão aquela da paráfrase, tal qual observamos nos exercícios do livro didático. Vejamos os seguintes recortes:

(05) A história do filme "O espelho tem duas faces" nos faz pensar em alguns pontos significativos para o nosso dia a dia e o que mais me chamou a atenção foi a necessidade de colocar amor e paixão nas nossas ações (SUJEITO 1, texto 2).

(06) O texto relata uma instituição, a escola, e a relação entre seus integrantes: alunos, professores e funcionários, em um período no qual era fácil sentir-se feliz dentro desta (SUJEITO 2, texto 4).

Interpretamos que, mesmo o sujeito sendo um professor, que deveria ensinar aos alunos que há sempre a possibilidade de um leitor virtual para seus textos, o sujeito desconsidera essa posição-leitor e faz o mesmo que o aluno, isto é, escreve para alguém que conhece o texto e a atividade proposta para a redação, neste caso, a pesquisadora. O princípio de autoria pressupõe que se considere o leitor virtual para que as palavras e os sentidos possam ser escolhidos, ilusoriamente como afirma Pêcheux (1997a), e, assim, contribuir para o efeito de unidade do texto.

Observamos que, ao produzirem seus textos sobre os textos analisados, os sujeitos-professores não criam um título para sua produção, mas sim repetem o título do texto discutido nos encontros com os sujeitos e a pesquisadora, o que indicia que o sujeito não ocupa a posição daquele que pode construir um novo título para seu texto, ele retorna ao título já legitimado pelo autor consagrado, como veremos nos recortes a seguir:

(07) Filme: As duas faces do espelho (SUJEITO 2, texto 2).

(08) "Doras e Carmosinas" (SUJEITO 2, texto 1).

(09) Filme: Central do Brasil (SUJEITO 2, texto 3).

Apoiadas no que discorremos sobre autoria anteriormente, entendemos que o título é elemento importante na construção ilusória de unidade textual, bem como da ilusão de continuidade entre sujeito-autor e texto/obra, conforme aponta Orlandi (2004).

Entretanto, observamos também em alguns recortes indícios de posicionamento do sujeito, o que caracteriza um movimento de assunção à autoria, por exemplo, no recorte 05, acima, temos a marca linguística me indiciando a assunção de um sujeito que se inscreve no seu texto, e também nos recortes a seguir:

(10) É muito fácil traçar um paralelo dessa história com os dias atuais, vemos alunos sendo rotulados por professores por seus comportamentos muitas vezes explicáveis, são muitas vezes condenados por falta de diálogo e vontade de conhecer o que se passa na cabeça de um adolescente, e vice-versa, vemos também muitos professores e diretores sendo rotulados por alunos por falta de conhecimento de sua vida e até mesmo intenção.

(11) Todo o problema vivido por Sérgio e seus colegas também são observados hoje, o chamado Bullying, é mais comum de acontecer do que podemos supor, e o pior é que muitas vezes não chega ao nosso conhecimento (SUJEITO 1, texto 4).

O sujeito coloca em questão, por meio da marca linguística rotulados, num primeiro momento referindo-se ao rótulo que os alunos recebem dos professores, o que é um sentido que circula socialmente dentro e fora do contexto escolar. Num segundo momento, o sujeito questiona esse sentido utilizando a mesma marca linguística para referir-se ao rótulo que os alunos colocam em professores e diretores, o que instaura uma luta de vozes, marcando a polifonia. Esse movimento do sujeito é muito interessante, pois coloca em discussão sentidos dominantes sobre o professor, alguns dos quais estão escritos neste trabalho: os professores só repetem um sentido. No caso analisado, observamos o novo, o diferente. Vejamos outro recorte que indicia um posicionamento do sujeito frente a uma questão polêmica:

(12) (...)ainda existe e a exclusão de pessoas que às vezes não tiveram nem a chance de estudar. Infelizmente a escola não é para todos. Percebemos algo que desconfiávamos, mas que não queríamos talvez entender, o conhecimento é para poucos, e esses poucos dominam, manipulam, usam os menos favorecidos culturalmente, o que consequentemente se retrata na vida em social (SUJEITO 2, texto 2).

Observamos a retomada do slogan político do Governo Federal "escola para todos", mas o sujeito parece questionar esse sentido quando escreve que "infelizmente a escola não é para todos". Ao retomarmos os sentidos de denúncia da exclusão social, da desigualdade e da dificuldade do acesso à escola para todos, podemos ler naquilo que não foi dito, a relação, também naturalizada pela ideologia, entre fracasso e não escolaridade, ou seja, se o sujeito não estudar, será fracassado e não conseguirá ocupar um lugar reconhecido na sociedade. Essa representação remete a uma formação discursiva bastante presente no espaço escolar e que encontra ressonância circulando, também, fora dos muros escolares - "estudar para vencer na vida". Essa representação também legitima o poder da instituição escolar e de seus atores, entre eles, o sujeito-professor, uma vez que, centra no "sujeito fracassado a dificuldade de estudar", e não no sistema educacional delineado em nosso país, ou nas políticas públicas para a educação.

Encontramos, ainda, em "menos favorecidos culturalmente" o trabalho da ideologia naturalizando o sentido de que há uma cultura "padrão", ou uma cultura a qual todos deveriam ter acesso, o que está marcado nos significantes "menos favorecidos culturalmente" e nos remete, também, ao sentido de que o conhecimento não é distribuído socialmente de forma igualitária. Isso emerge quando o sujeito diz que "o conhecimento é para poucos, e esses poucos dominam, manipulam, usam os menos favorecidos culturalmente", sentido que pode ser articulado ao que é dito anteriormente pelo sujeito quando escreve sobre a "exclusão de pessoas que às vezes não tiveram nem a chance de estudar."

Entendemos que, apesar de o sujeito colocar em jogo e questionar sentidos naturalizados sobre educação/escolarização/desigualdade social/exclusão, o sujeito deixa de utilizar operadores argumentativos que possam sustentar seu ponto de vista "amarrando os sentidos", como em "o conhecimento é para poucos", quem são esses poucos? E os "menos favorecidos culturalmente", a qual parcela da população o sujeito se refere como dominante e dominada?

Observamos, então, que apesar de os sujeitos mobilizarem em alguns recortes sentidos de questionamento, de oposição ao que está dado como legitimado socialmente e no contexto escolar, suas formulações não produzem um efeito de unidade e coerência, os argumentos não são sustentados e/ou fundamentados num saber científico, o que é um elemento importante no texto dissertativo-argumentativo, e também como é possível verificar nos recortes que se referem à atribuição de um título, o qual constitui um dos elementos textuais que criam tal efeito.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do quadro teórico e das análises que apresentamos, por enquanto, neste trabalho, entendemos que não só ao aluno, mas também ao professor é "retirado" o gesto de interpretação (PFEIFFER, 2002) ao longo da educação (institucionalizada) escolar, pois o discurso pedagógico é marcado historicamente pelo discurso autoritário, conforme apontamos.

Apesar de os professores e outros sujeitos escolares constituírem grupos e serem constituídos nos/pelos grupos formados na instituição escolar que, geralmente, ancora-se no trabalho coletivo, o qual pressupõe a circulação do discurso polêmico (ORLANDI, 2006), observamos que mesmo em grupos eles não conseguem romper com as marcas da educação autoritária que vivenciaram: elas estão "gravadas" em suas histórias de vida, inscritas em seus corpos, e se repetem em suas práticas, inclusive na relação com a linguagem e com o discurso, marcados pelas formações ideológicas e discursivas às quais esse sujeito está filiado.

O sujeito-professor, geralmente, está impedido de ocupar a posição autor em textos dissertativos e argumentativos, pois a argumentação exige do sujeito o acesso ao arquivo, a uma multiplicidade de sentidos e que assuma a responsabilidade pelo seu dizer, uma vez que também é capturado pela ideia de fazer circular sentidos únicos, causando um impedimento na assunção de sua autoria e, consequentemente, podendo impedir que seus alunos dela se apropriem.

No que diz respeito ao texto argumentativo, vimos quão esgarçado está o poder de argumentação de sujeitos-professores, tal qual analisamos. Antecipamos que assumir a autoria em textos dissertativo-argumentativos torna-se complexo, posto que a argumentação exige do sujeito o acesso ao arquivo, a uma multiplicidade de conhecimentos acerca de um tema, exige que ele historicize os sentidos e assuma a responsabilidade pelo seu dizer (PACÍFICO, 2002). Pelos recortes analisados, constatamos que os sujeitos-professores recorrem geralmente à paráfrase para sustentar suas produções, causando-lhes uma interdição ao poder de argumentação e à função-autor.

Voltamos, então, à questão da formação do professor que precisa instaurar novos dizeres, tecer e fazer circular novos sentidos no espaço escolar (para que isso também ocorra fora dele), rompendo com a repetição mecânica de situações e tarefas no que se refere às práticas de leitura e escrita desenvolvidas nesse espaço, assumindo seus dizeres e permitindo a produção de sentidos ao ler e ser lido, ao escrever e permitir a escrita do sujeito-aluno.

Torna-se necessário, então, a discussão de questões relacionadas à constituição do sujeito-autor na formação de professores, na instituição escolar, para que possam vivenciar, ou resgatar, o desejo de escrever sobre as múltiplas possibilidades encontradas na "leitura polissêmica" que podemos fazer do mundo, e de autorizarem-se a inscreverem (se) no Outro (interdiscurso), memória constitutiva dos dizeres.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Endereço para correspondência
Juliana Christina Rezende de Souza
E-mail: jurezendes@bol.com.br

Recebido em 31/07/2011.
1ª Revisão em 26/08/2011.
Aceite Final em 21/09/2011.

 

 

1 Mestre em Psicologia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP). E-mail: jurezendes@bol.com.br.
2 Doutora em Psicologia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP). Docente do Departamento de Educação, Informação e Comunicação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. E-mail: smrpacifico@ffclrp.usp.br.
3 Este texto foi revisado seguindo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990), em vigor no Brasil a partir de 1º de janeiro de 2009.