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Revista da SPAGESP

Print version ISSN 1677-2970

Rev. SPAGESP vol.13 no.2 Ribeirão Preto  2012

 

ARTIGOS

 

Experiências de formação com dispositivos psicanalíticos de grupo com não psicólogos

 

Training experiences with group psychoanalytic devices with no psychologists

 

Experiencias de formación con dispositivos psicoanalíticos de grupo con no psicólogos

 

 

Domenico Uhng Hur 1; Anna Karollina Silva Alencar 2; Henrique Batista Almeida 3

Universidade Federal de Goiás, Goiânia, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente artigo pretende apresentar e discutir a experiência de um curso chamado "Psicanálise de grupos: teoria e técnica", realizado com estudantes de cursos universitários diferentes da Psicologia e que utilizou dispositivos psicanalíticos de grupo para a elaboração da aprendizagem. Os dispositivos grupais utilizados foram: o Grupo Operativo, Psicodrama Psicanalítico e Multiplicação Dramática sob os princípios do Esquizodrama. Os autores participaram como coordenador (professor) e observadores (estudantes). Constatou-se nos diferentes dispositivos de grupo a emergência de ansiedades em relação ao conteúdo teórico e à figura do psicólogo. Ao final do processo, percebeu-se que ocorreu uma mudança significativa no que se refere à diminuição de ansiedades e à implicação para a elaboração da aprendizagem, em que elementos novos como o humor e a diversão apareceram portando a possibilidade de uma aprendizagem lúdica e criativa.

Palavras-chave: Psicanálise de grupo; Esquizoanálise; Psicodrama.


ABSTRACT

This article aims to present and discuss the experience of a course called "Groups Psychoanalysis: theory and technique", with students from different Psychology courses, which used group devices to develop their learning. They were: Operative Groups, Psychoanalytic Psychodrama and Dramatic Multiplication under the principles of Schyzodrama. The authors participated as a coordinator (teacher) and observers (students). We could verify through the different group devices the emergence of anxieties regarding the theoretical content and the psychologist figure. At the end of the process, we realized that there were significant changes resulting in anxiety reduction and in the implication of learning processes, in which new elements such as humor and entertainment appeared as the possibility of a playful and creative learning.

Keywords: Group psychoanalysis; Schyzoanalysis; Psychodrama.


RESUMEN

El presente artículo pretende presentar y discutir la experiencia de un curso de grado llamado "Psicoanálisis de grupos: teoría y técnica", realizado con estudiantes de carreras distintas de la Psicología y que utilizó diferentes dispositivos psicoanalíticos de grupos para la elaboración del aprendizaje. Los dispositivos grupales utilizados fueron: el Grupo Operativo, el Psicodrama Psicoanalítico y la Multiplicación Dramática desde los principios del Esquizodrama. Los autores participaron como coordinador (profesor) y observadores (estudiantes). Constatamos en los distintos dispositivos de grupo la emergencia de ansiedades en relación al contenido teórico y a la figura del psicólogo. Al final del proceso, percibimos que ocurrió un cambio significativo, en lo que se refiere a la disminución de las ansiedades y la implicación para la elaboración del aprendizaje, en que elementos nuevos como el humor y la diversión surgieron portando la posibilidad de un aprendizaje lúdico y creativo.

Palabras clave: psicoanálisis de grupo; esquizoanalisis; psicodrama.


 

 

Na Universidade Federal de Goiás (UFG) há um estímulo para a interdisciplinaridade, em que parte da carga horária dos alunos de graduação deve ser realizada em disciplinas de outras faculdades. Devido a isso foi desenvolvida uma modalidade de disciplina chamada "Núcleo Livre", na qual alunos de qualquer curso podem se inscrever. As disciplinas de núcleo livre são oferecidas por todas as faculdades da UFG e abordam uma ampla variedade de temas. Nós criamos e oferecemos um curso de núcleo livre chamado "Psicanálise de grupo: teoria e técnica", que teve duração de sessenta e quatro horas e foi oferecido em Janeiro e Fevereiro de 2011. As aulas aconteceram em todos os dias úteis da semana, totalizando dezesseis aulas.

Dessa forma, o objetivo deste artigo é apresentar e discutir a experiência de formação no curso, em que participamos como professor e alunos, para refletir quais foram os efeitos dos dispositivos psicanalíticos de grupo no processo de aprendizagem de alunos provindos de outras áreas profissionais, ou seja, que não estavam matriculados no curso de Psicologia. Sendo assim, colocamos algumas perguntas: Como se sucedeu a transmissão e a aprendizagem da psicanálise de grupo para não psicólogos? Que representações emergiram de tais alunos ao participarem de dispositivos psicanalíticos de grupo para o processo de elaboração da aprendizagem, já que estas técnicas não eram uma forma conhecida por eles de se trabalhar em sala de aula? Que afetos emergiram nessa experiência?

Consideramos que experiências com dispositivos psicanalíticos de grupo e aprendizagem em instituições formadoras são extensas, no entanto carecem de maior registro, pois ao realizarmos uma revisão bibliográfica sobre tal tema nas bases de dados SciELO e PePSIC, encontramos poucos artigos, os quais agrupamos em três tipos. O primeiro, que trata a escola como grupo e os grupos nas escolas, traça uma reflexão mais próxima da Psicologia Institucional (Emílio, 2004); o segundo, que articula psicanálise de grupo e outros autores da educação, aproxima as contribuições de Pichon-Rivière à educação popular de Paulo Freire (Afonso, Vieira-Silva, & Abade, 2009) e o terceiro, de como os dispositivos de grupo auxiliam o fenômeno pedagógico, como os estudos do professor A. Villani, que investiga os grupos operativos nas aulas de Física (Silva & Villani, 2009). Entendemos que nossa pesquisa aproxima-se do terceiro tipo, contudo não utilizamos apenas grupos operativos como Silva e Villani (2009), mas também recursos dramáticos para refletir sobre o processo de elaboração da aprendizagem.

Em nossa experiência, dos 20 alunos inscritos, 16 provinham de cursos tais como Pedagogia, Geografia, Letras, Medicina Veterinária, Medicina, Farmácia, Biologia, Gestão da informação e Desenho Gráfico e apenas quatro cursavam Psicologia. Dentre os alunos não psicólogos (no artigo chamaremos esses alunos de não psicólogos, o que não se estende ao tratamento aos estudantes de Psicologia, que denominaremos de futuros psicólogos), apenas dois conheciam superficialmente a psicanálise, ao cursarem a disciplina de licenciatura "Psicologia da Educação". As atividades do curso foram desenvolvidas de duas maneiras: por meio de aulas teóricas na forma de exposições orais e discussões mediadas pela utilização de dispositivos de grupo. Na parte teórica, trabalhamos o histórico da psicanálise de grupo, conceitos da grupanálise de S. H. Foulkes (1967), os pressupostos básicos de W. R. Bion (1975), a Psicologia Social de E. Pichon-Rivière (1986) e os conceitos de negatividade e de intermediário de R. Kaës (2005).

Nossa investigação ocorreu com a utilização de três tipos distintos de dispositivos de grupo e na seguinte ordem: realizamos três sessões de grupos operativos na perspectiva de Pichon-Rivière, uma sessão de psicodrama psicanalítico (Kaës, 2003) e outra na perspectiva da multiplicação dramática (Kesselman & Pavlovsky, 1991) com um enfoque esquizodramático (Baremblitt, 2002). No primeiro dispositivo há primazia da interdiscursividade e no segundo e terceiro, primazia dos processos de dramatização e performatividade. Compreendemos os dispositivos de grupo como um aparelho de transformação, que fomenta o trabalho psíquico da intersubjetividade (Fernandes, 2005), de maneira que processos de elaboração dos pensamentos e dos afetos possam ser experienciados e que as manifestações inconscientes possam vir à tona.

 

OS GRUPOS OPERATIVOS

Na Psicologia Social de Pichon-Rivière (1986), o grupo operativo é o principal dispositivo de investigação e de intervenção, sendo essa técnica decorrente das formulações teóricas do autor. Compreendemos, a partir de Deleuze e Guattari (1995), que o dispositivo é compreendido como um agenciamento, como uma "máquina" que articula agenciamentos coletivos de enunciação e agenciamentos maquínico-corporais, ou seja, mobiliza processos discursivos e disposições espaciais entre os corpos. Portanto, no dispositivo pichoniano os discursos dos integrantes são agenciados com o auxílio da técnica de associação livre centrada na tarefa. Os participantes permanecem sentados, formando um círculo para que nessa disposição sejam privilegiadas a relação e o contato face a face. Pichon-Rivière (1986) nos ensina que há três momentos distintos no grupo operativo: o da pré-tarefa, que se caracteriza por reações defensivas, pela resistência à mudança, postergando-se assim, nesse primeiro momento, a elaboração dos medos básicos, acentuados pela distância entre os conteúdos reais e os fantasiados; no segundo momento, o da tarefa, em que há a abordagem e elaboração das ansiedades, com a emergência da posição depressiva e a necessidade de tornar consciente o inconsciente; e, finalmente, o projeto, que se segue à etapa de realização da tarefa, em que o grupo pode vir a planejar a sua ação futura. Na realização da tarefa existem medos básicos, tais como: o medo de ataque, que se refere à posição esquizo-paranoide e o medo da perda, que condiz com a posição depressiva. Portanto, na técnica do grupo operativo o movimento do grupo se dá pela relação entre mudança e resistência à mudança. A tarefa que propusemos ao grupo foi a elaboração da aprendizagem dos conteúdos trabalhados no curso. Além da aprendizagem, e da manifestação dos afetos associados a esse processo, espera-se, com a experiência em grupo "(...) que expressem o que supõem sobre o tema com o suporte emotivo que toda relação interpessoal implica" (Bauleo, 1989, p. 21, tradução nossa). Os grupos operativos foram realizados na segunda metade da aula, ou seja, sempre na sequência da exposição da aula teórica, e contou com a participação de todos os alunos. O papel do professor da disciplina foi de coordenador e dos alunos (seus monitores) de observadores.

No primeiro grupo operativo, os alunos de outras áreas profissionais expressaram algumas das representações que tinham a respeito do profissional psicólogo. As representações trazidas se mostraram estereotipadas, do senso comum, e lhes causavam persecutoriedade, tal como percebemos com a frase: "Fico meio cabreiro de conversar com alguém que é psicólogo ou dentista, pois sempre me dá a impressão que está me analisando". Também falaram sobre a dificuldade de aprendizagem do conteúdo teórico, visto que o consideraram difícil, por mais que estivessem achando interessante. Constatamos, assim, que os emergentes grupais expressaram uma ansiedade persecutória e medo relacionado aos psicólogos e à Psicologia. Este grupo ficou na maior parte do tempo na pré-tarefa.

No segundo grupo operativo sentimos que houve uma diminuição das ansiedades. Vários alunos disseram que o primeiro grupo os ajudou para a elaboração da aprendizagem, sendo expressiva a seguinte fala: "Foi bom saber que todos compartilham das mesmas dificuldades que as nossas. Ajuda na hora de estudar e de fazer perguntas". O grupo pode entrar em tarefa ao abordar seus medos, a relação entre o pensar e sentir e a elaboração dos afetos, conforme a fala: "Sempre tive medo de falar em público, mas agora estou falando e nem estou tremendo!". Nesse processo elaborativo, constatou-se que houve uma mudança nos estereótipos, pois a Psicologia já não lhes parecia tão ameaçadora. Entretanto, a Psicologia mantinha um lugar ambíguo, ao mesmo tempo em que se desejava o seu conhecimento, ainda ocupava o lugar de bode expiatório (Pichon-Rivière, 1986), pois a ela eram depositadas as vicissitudes em relação às dificuldades de aprendizagem do grupo.

Conforme se observou, no terceiro grupo surgiram discursos de melhor compreensão do conteúdo da disciplina, em que houve maiores associações entre as teorias e os acontecimentos cotidianos e da vida pessoal com o uso mais adequado da terminologia ensinada. No entanto, voltaram as falas que reclamavam da muita informação que o curso trazia, dando a sensação de grande carga. Esta ansiedade trouxe o sentimento de culpa de alguns membros por não terem lido os textos obrigatórios e tornou-se elemento paralisante da tarefa. Tal ansiedade intensificou-se com a proximidade da entrega do trabalho de avaliação da disciplina, havendo o medo da correção do professor. A partir desse momento, diversos questionamentos com relação à avaliação foram trazidos. Houve a emergência de ansiedades persecutórias com relação a possíveis atribuições de notas baixas que pudessem causar uma reprovação no curso. Uma das razões para tal tensão, segundo os alunos, devia-se ao fato de eles não conhecerem o professor e, por isso, não serem capazes de identificar ainda como fazer uma análise "que lhe agradasse". Os alunos relembraram situações que foram vivenciadas com outros professores de maneira negativa e no contato com mecanismos institucionais da Universidade que foram considerados por eles como "injustos". Neste momento, consideramos que ocorreu uma transferência negativa com a figura do coordenador-professor e um dos alunos se pronunciou da seguinte forma: "Você acha que seu trabalho foi o melhor do mundo, mas não é o que o professor quer; se ele quiser, ele te ferra". Consideramos que houve uma burocratização (Bleger, 1980) na concepção de aprendizagem, uma inversão entre os meios e os fins, em que a aquisição de conhecimento em si não era valorizada, mas apenas os meios de aprovação na disciplina. Em síntese, neste grupo emergiram representações ambíguas: positiva, pelos conteúdos da disciplina, e negativa, devido à ansiedade pela nota.

Constatamos que nos grupos operativos os emergentes grupais expressavam muitas ansiedades em relação à aprendizagem. Houve muitos momentos de silêncio e a crença de não conseguir compreender a psicanálise de grupos. Criou-se uma cisão entre futuros psicólogos e não psicólogos e houve transferências negativas ao professor, havendo a associação a figuras autoritárias e repressoras. Compreendemos que nos dois primeiros grupos foi atribuído à Psicologia o papel de bode expiatório para a não aprendizagem, e no terceiro, pessoas concretas, como os alunos que não estudaram ou o professor, foram colocados nesse lugar. Consideramos que o grupo organizou-se numa aliança inconsciente (Kaës, 2005) em que deslocou o mal-estar da dificuldade da aprendizagem ao mal-estar institucional.

 

O PSICODRAMA PSICANALÍTICO

O psicodrama psicanalítico é o dispositivo que visa criar uma figurabilidade dos afetos e processos inconscientes vividos pelo sujeito e pelo grupo via dramatização de cenas. Tal dispositivo "(...) permite corporizar os objetos e vínculos internos do sujeito, isto é, o drama que vive em seu mundo interno se exterioriza. Isto por sua vez, faz com que a interpretação surja facilmente e ainda às vezes se torne desnecessária" (Saidon et al., 1983, p. 89). Nosso objetivo em utilizar dispositivos dramáticos consistiu em possibilitar aos alunos a elaboração da experiência vivida por recursos de encenação e também para que tivessem a oportunidade de vivenciá-los.

Separamos os participantes em três grupos e a consigna proposta foi dramatizar a partir dos afetos que emergiram durante o curso, produzindo cenas como uma performance sobre o que se vivenciou na disciplina. As cenas dramatizadas retratavam momentos da vida cotidiana em que a psicanálise de grupo era incompatível para uma leitura da realidade vivida. Houve uma exacerbação na ideia de que o conteúdo teórico era muito difícil, o que gerou uma paralisia no processo de aprendizagem. Foram dramatizadas cenas em que se expressou a falta de implicação dos alunos com a formação, como chegar atrasado às aulas, ter medo de expor suas dúvidas em sala ou não ler os textos, emergindo assim um sentimento de culpa. Também apareceram os conflitos da relação entre professor e aluno, em que o primeiro continuou a ser representado como aquele que detém o poder e que encarna a figura da autoridade. Essa representação nos chama a atenção, pois durante o curso o professor buscou manter uma relação democrática, horizontal, com posturas não autoritárias, mas emergiu o imaginário de uma relação vertical e opressora. Consideramos que os principais emergentes nesse dispositivo referem-se à dificuldade de articulação entre psicanálise de grupos e suas diferentes profissões, o sentimento de culpa pela não compreensão dos conteúdos e as relações de poder entre professor e aluno, que expressam fatores que causam mais ansiedade e que dificultam a realização da tarefa do grupo. De forma geral, os emergentes grupais no psicodrama psicanalítico retomaram os emergentes das três sessões de grupo operativo.

 

A MULTIPLICAÇÃO DRAMÁTICA

O último dispositivo vivenciado foi a multiplicação dramática, realizada a partir dos princípios do Esquizodrama (Baremblitt, 2002). A multiplicação dramática pode ser entendida como uma reinvenção do psicodrama a partir de conceitos e de concepções da Esquizoanálise, em que se busca atualizar sua potência criativa e insurgente, que ficou bloqueada pelas técnicas e procedimentos da Instituição-Psicodrama. Kesselman e Pavlovsky (1991) nos ensinam que para acontecer a multiplicação dramática deve haver: "(a) a cena de um protagonista e (b) as improvisações que cada integrante do grupo realizará em forma de cenas pelo efeito da ressonância que a cena inicial produz em cada integrante" (p. 19).

Entretanto, como no período anterior havíamos realizado o psicodrama psicanalítico, consideramos que não seria necessária a cena de um protagonista para ser o disparador do processo, pois os grupos já estavam mobilizados. Contudo, deveria haver o trabalho de ligação entre as cenas para que fossem intensificadas as afecções coletivas. Dessa forma, pedimos que os grupos dramatizassem as afecções vividas, mas com outras consignas, como: não se podia verbalizar nas dramatizações (mas se podia gritar, rir, emitir sons estranhos), a cena a ser elaborada de cada grupo teria que partir de algum aspecto da cena anterior que houvesse causado alguma estranheza não simbolizada e deveria ser curta e intensa. Foram realizadas seis cenas, uma em seguida da outra.

As cenas foram lúdicas e divertidas e as ansiedades não tiveram mais primazia; a tensão nos outros dispositivos deu lugar a uma fluidez ainda não vista. Consideramos que a conexão das cenas, a dramatização mais corporal, o acesso a registros assignificantes (devido ao não uso de palavras) e a intensificação dos afetos foram elementos que possibilitaram ao grupo um processo de desterritorialização que trouxe mudanças nas representações e afetos em jogo. Percebemos que nas cenas os alunos saíram da posição passiva, assumindo atividade no ato de elaboração da aprendizagem. Em uma delas, foi dramatizado que os pensamentos do professor inicialmente assustavam os estudantes, mas depois passaram a ser apreendidos e transmitidos aos outros, expressando que a elaboração da aprendizagem e a relação com o professor podiam ser trabalhadas a partir de relações construídas pelo grupo, havendo não mais uma relação de persecutoriedade com o conhecimento, e sim de composição. Outras cenas marcaram esta mudança nas relações de poder: uma começou com uma luta de sumô, em que dois participantes encarnaram dois lutadores dessa arte marcial japonesa e passaram a digladiar-se. Posteriormente pararam de lutar e os outros membros se juntaram à cena, culminando no casamento de um dos (ex)lutadores com uma das participantes. Na última cena os alunos de juntaram como se fosse uma assembleia, fecharam seus punhos ao alto e cada um passou a gritar coisas distintas, tal como uma manifestação política, em que há a afirmação da singularidade e da potência. Com o desfecho da cena, terminava-se concretamente o curso.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Consideramos que os dispositivos de grupos foram fundamentais para a elaboração da aprendizagem dos alunos não psicólogos, obtendo maior eficácia que o tradicional dispositivo isolado de aulas expositivas. Por meio dos grupos, pudemos identificar ansiedades, fantasias e estereotipias dos alunos que dificultavam a elaboração da aprendizagem, tornando-as conscientes para eles. Constatamos que o estereótipo do psicólogo foi atribuído à figura do professor, que foi representado como detentor do conhecimento e opressor. O imaginário de que o professor exercia um papel de opressão aumentou a ansiedade dos alunos em resolver a tarefa, no caso a elaboração da aprendizagem. Tal fantasia se articulou com uma dificuldade concreta, que era a de apreender o conteúdo ministrado, articulando-o com suas respectivas áreas de conhecimento. Consideramos que a elucidação e elaboração desses aspectos apenas foram possíveis devido ao trabalho com os dispositivos grupais, que garantiram que as relações com o conhecimento, o professor e a figura do psicólogo pudessem ser remanejadas, rompendo-se os estereótipos e diminuindo as ansiedades persecutórias; havendo continência aos afetos e dando-se assim o processo de aprendizagem.

Entendemos que os grupos operativos propiciaram um espaço de colocar os afetos, ansiedades e estereótipos suscitados durante o curso em cena, em que houve o início do processo de redução das tensões despertadas pelo desconhecimento dos conteúdos da disciplina e pela figura do professor na tentativa de elaboração do ameaçador estereótipo do psicólogo. Esse dispositivo foi importante por torná-los conscientes de que a dificuldade de aprender psicanálise de grupos era compartilhada por todos, seja para os não psicólogos ou mesmo para os futuros psicólogos. Devido às dificuldades de aprendizagem, hipotetizamos que houve o processo de depositação das ansiedades na Instituição-Psicologia, que figurou como bode expiatório.

A sessão de psicodrama psicanalítico foi marcada pela tentativa de elaboração da ansiedade desencadeada pela fantasia de que o conteúdo ministrado era muito difícil e que não poderia ser dominado pelos alunos, muito menos relacionado com suas respectivas carreiras. Nesse sentido, as encenações foram revivências dos sentimentos experienciados ao longo da disciplina e que barravam o processo de aprendizagem. A relação professor-aluno também apareceu nesse dispositivo como algo hierarquizado permeado pela autoridade e poder que foi intensificada pela encenação, abrindo caminho para a expressão e reelaboração desses papéis.

A multiplicação dramática desencadeou a elaboração das ansiedades frente ao conteúdo da disciplina e ao professor. Entendemos como um processo que ocorreu durante todos os dispositivos, mas que neste último ganhou maior proporção pela intensificação dos afetos suscitados e principalmente pela mudança de posição, em que o aluno saiu da postura de passividade à atividade ao assumir o comando de seu próprio processo de aprendizagem, possibilitando uma relação igualitária e passível de produção de conhecimento. Hipotetizamos que no ato de criação das cenas a partir de um afeto ainda não significado (que causava "estranheza"), foi possível colocar em movimento um processo em que os participantes puderam constituir um novo território, reconfigurando assim seus lugares e representações. Concluímos que nesse dispositivo, em que houve experiências de figurabilidade e intensificação dos afetos dionisíacos (Baremblitt, 2002), ocorreu uma mudança significativa no que se refere à diminuição de ansiedades e trabalho para a operacionalização da aprendizagem. Elementos novos como o humor e a diversão apareceram portando a possibilidade de uma aprendizagem lúdica e criativa. Vale adicionar a informação de que os trabalhos finais foram bem avaliados e que a maioria dos alunos cumpriu a tarefa da aprendizagem dos conteúdos trabalhados na disciplina.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Endereço para correspondência
Domenico Uhng Hur
E-mail: domenicoh@usp.br

Recebido em 07/09/2011.
1ª Revisão em 10/12/2011.
2ª Revisão em 03/05/2012.
Aceite Final em 02/07/2012.

 

 

1 Domenico Uhng Hur é psicólogo, mestre e doutor em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo (USP), com estágio de doutorado sanduíche na Universitat Autònoma de Barcelona, Espanha. Professor Adjunto da Universidade Federal de Goiás (UFG).
2
Anna Karollina Silva Alencar é estudante do curso de Psicologia da Universidade Federal de Goiás (UFG).
3
Henrique Batista Almeida é estudante do curso de Psicologia da Universidade Federal de Goiás (UFG).