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Revista da SPAGESP

versão impressa ISSN 1677-2970

Rev. SPAGESP vol.14 no.1 Ribeirão Preto  2013

 

ARTIGOS

 

Grupo de espera na clínica-escola: intervenção em arteterapia

 

Waiting group in a psychology students clinic: intervention in art therapy

 

Grupo de espera en la clínica-escuela: intervención en arte terapia

 

 

Angela Maria Cardoso 1; Maria Luiza Puglisi Munhoz 2

Fundação Instituto de Ensino para Osasco, Osasco, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo relata os resultados de uma pesquisa utilizando a arteterapia, que consiste em procedimentos terapêuticos com atividades artísticas, a fim de promover soluções ou recuperações de situações traumáticas, dificuldades de compreensão dos problemas e de doenças. O grupo analisado foi composto por três mães que aguardavam seus filhos serem chamados para diagnóstico e intervenções psicopedagógicas, em virtude das dificuldades de aprendizagem que apresentavam. Foram realizadas 12 sessões arteterapêuticas. Os atendimentos tiveram o objetivo de possibilitar a conexão entre mundo interior e exterior de cada pessoa, trabalhando a autoexpressão e a manifestação de sentimentos. Como resultado da experiência desta pesquisa, pudemos constatar que o uso adequado das técnicas de arteterapia pode diminuir, significativamente, a ansiedade da espera, favorecendo a compreensão do problema pelas famílias.

Palavras-chave: Arteterapia; Intervenção com mães; Grupos; Clínica-escola.


ABSTRACT

This article presents the results of a research in art-therapy, which consists in therapeutic procedures involving artistic activities in order to develop healing solutions for traumatic situations, diseases and help with learning difficulties. The analysed group was composed of three mothers who waited for their children diagnosis and for following psychopedagogic interventions due to their learning difficulties. Twelve sessions using art-therapy were held. They aimed at making the connection between interior and exterior world possible for each person, improving self-expression. As a result, we could notice that the use of art-therapy techniques may significantly reduce waiting anxiety and increase families' comprehension of the problem.

Keywords: Art therapy; Intervention with mothers; Groups.


RESUMEN

Este artículo presenta los resultados de una investigación utilizando arte terapia, con recursos terapéuticos basados en actividades artísticas. La finalidad fue promover soluciones y recuperación de situaciones traumáticas, dificultad de comprensión de los problemas y de enfermedades. El grupo que participó de esta investigación fue compuesto por tres madres que esperaban por diagnostico e intervenciones pedagógicas, por razones de dificultad de aprendizaje. En total, fueron realizadas diez secciones de actividades arte terapéutica. Los atendimientos tuvieron el objetivo de posibilitar la conexión del mundo interior y exterior de los participantes: trabajando la autoexpresión y la manifestación de los sentimientos. El resultado ha indicado que el uso adecuado de las técnicas de arte terapia puede disminuir, significativamente, la ansiedad de la espera y crear condiciones a la familia para comprender las quejas traídas.

Palabras clave: Arte terapia; Intervención con madres; Grupos; Clínica escuela.


 

 

 

Observa-se atualmente que os pais, no contexto familiar, assim como a escola, parecem estar mais atentos às necessidades e dificuldades dos filhos/alunos, procurando ajuda para que o bom desenvolvimento destes, dentro ou fora da instituição escolar, seja possível, com o auxílio de profissionais capacitados.

Sabe-se que, diante das dificuldades dos filhos, os pais, por não saberem como lidar com os problemas de aprendizagem, são encaminhados pelos professores para atendimentos psicopedagógicos, muitas vezes em clínicas-escola. Estas são mantidas por instituições de ensino que oferecem cursos na área de Psicopedagogia, Psicologia, Enfermagem, entre outras.

Em sua grande maioria, os atendimentos são gratuitos; em outros casos, atribui-se um valor mínimo de contribuição. O número de pessoas atendidas é definido não apenas pela disponibilidade física do local, mas também pelo número de estagiários que estão em processo de aprendizado acadêmico. Por isso, a fila de espera por uma vaga costuma ser grande, e o fato de esses pais terem de esperar por um longo período de tempo pela possibilidade de solução dos problemas relacionados normalmente provoca um sentimento de frustração, gerando alto nível de ansiedade.

Ao reconhecer na literatura as diferentes propostas de modalidades de Grupos de Espera nas clínicas-escola de psicologia, tivemos interesse em criar um espaço de atuação na clínica-escola de Psicopedagogia em questão. Estudamos uma modalidade de atendimento específico para esses pais e/ou familiares, dando-lhes a oportunidade de desenvolverem atividades arteterapêuticas pela formação de um grupo a partir das queixas que traziam. Acreditamos que com estes atendimentos podemos contribuir para uma diminuição das ansiedades e a possível expressão dos mesmos, em virtude da longa espera para os atendimentos. As atividades oferecidas pela instituição têm também como finalidade tornar esses pais colaboradores e participantes dos processos de diagnóstico com intervenção do qual seus filhos farão parte, conforme mencionado:

A materialização resultante de uma ação modelar, sobre diferentes elementos plásticos, viabiliza a estrutura de um campo psicológico diferenciado de modelos culturais que possam estar distanciados da realidade pessoal. A possibilidade da vivência de experiências sensoriais, dadas pela percepção de formas, texturas, cores, volumes, gerados pela materialização ou a concretização de si mesmo, torna possível a ação de plasmar a si mesmo, logrando a realização da individualização, dada a atenção focalizada na sua própria ação (Urrutigaray, 2008, p. 52).

As atividades oferecidas aos pais lhes dão a oportunidade de dizer o que sentem, o que pensam e como agem frente às dificuldades e atitudes de seus filhos quando estes não conseguem aprender. Os pais podem também ser ouvidos e desempenhar melhor seus papéis como responsáveis e, assim, ampliar seu conhecimento, suas próprias capacidades de observação e de ação na mudança de seus comportamentos em relação à criança.

Durante o curso de pós-graduação em Arteterapia, pudemos observar e constatar, por meio dos atendimentos arteterapêuticos, que o sujeito, ao ter contato com as atividades específicas, traz à tona emoções e sentimentos muitas vezes não expressos em situações normais de convívio com o outro. Defendemos a ideia de que a Arteterapia pode ser utilizada como um instrumento facilitador para as atividades com os pais, no que tange à expressão e comunicação com seus filhos e consigo mesmos, além de facilitar a expressão de eventuais dificuldades familiares.

Entendemos que a prática das atividades de que tratamos nesta pesquisa permite ressaltar a expressão dos sentimentos expostos nas queixas e nos relatos dos participantes que permeiam suas relações, expressando livremente os sentimentos por meio de diferentes formas de comunicação, sem o receio de críticas e punições que, em geral, surgem nas relações. Como consequência, os atendimentos podem promover, durante e depois das atividades grupais, uma comunicação mais aberta e compreensiva, favorecendo uma aproximação espontânea entre as pessoas.

Sendo assim, defendemos a ideia da criação de espaços para atendimento arteterapêutico nas clínicas-escola voltados para pais e/ou familiares que se encontram em fila de espera, com a finalidade de proporcionar-lhes bem-estar, segurança e credibilidade em relação ao processo de atendimento que será dispensado aos filhos.

A clínica-escola onde foi realizada a intervenção oferece atividades que propiciam diversas formas de expressão para as crianças atendidas, por meio das quais o sujeito pode ter contato e desenvolver diferentes atividades, como, por exemplo, desenho, pintura, dança, dinâmicas grupais e o manuseio de materiais artísticos, como argila, tintas, lápis de cor e outros.

As atividades têm como finalidade facilitar a comunicação interna e externa do eu, a compreensão das dificuldades em lidar com o problema e auxiliar no desenvolvimento de recursos que propiciem expressão e comunicação do sujeito. No final das atividades propostas é possível avaliar, junto aos pais, se os padrões de interação estabelecidos em seu meio facilitaram ou dificultaram o desenvolvimento da criança, contribuindo ou não para a formação do sintoma.

Os atendimentos com atividades arteterapêuticas oferecidos durante o período de espera possibilitaram o autoconhecimento e a orientação nas questões de relacionamento entre pais e filhos, num contexto em que se observam situações conflitantes. Assim, torna-se interessante aproveitar a disponibilidade desses grupos de pais que estão numa mesma situação e reuni-los para que também possamos auxiliá-los no desempenho de melhores condutas nas situações-problema em que se encontram.

Valladares (2008) enfatiza que a Arteterapia é uma ferramenta que trabalha a arte, o processo criativo e a relação terapêutica do sujeito com a obra criada. Nesse sentido, podemos inferir que o sujeito, com o uso adequado e dirigido de manifestações artísticas, pode revelar sua forma de percepção do mundo à sua volta, além de traços de sua personalidade e problemas emocionais que podem influir nas suas atividades, inclusive em dificuldades relacionadas aos processos de ensino/aprendizagem.

Assim sendo, a questão básica que se coloca é se as intervenções arteterapêuticas seriam eficazes para a diminuição da ansiedade dos pais e se poderiam auxiliar na compreensão dos mesmos, enquanto aguardam atendimento para seus filhos em fila de espera na clínica-escola.

 

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Esta pesquisa tem como fundamentação teórica os conceitos de família e suas relações com a aprendizagem da criança, a arteterapia como campo do conhecimento e estratégia de intervenção e a utilização de grupos de sala de espera como recurso complementar ao projeto terapêutico. A busca de ajuda para as crianças com problemas de aprendizagem normalmente parte dos pais, que são, na maioria das vezes, aconselhados pelas instituições de ensino de seus filhos no sentido de procurar solução para o problema.

Definir família nos leva a buscar algumas contribuições para melhor compreensão deste conceito fundamental neste estudo, que consiste em reconhecer se a mudança vivenciada pelos pais em relação às queixas de dificuldades de aprendizagem de seus filhos promoverá interações mais funcionais entre seus membros.

Winnicott (2011) considera a família como a base fundamental para o desenvolvimento e aprendizado do indivíduo. Considera que é uma instituição inserida em determinada cultura da qual fazemos parte desde que nascemos. Descreve-a, afirmando que:

A família nunca deixa de ser importante, e é responsável por muitas de nossas viagens. Nós escapamos, emigramos, trocamos o sul pelo norte e o leste pelo oeste devido à necessidade de nos libertarmos; e depois viajamos periodicamente de volta para casa para renovar o contato com a família (Winnicott, 2011, p. 29).

Sendo assim, o autor nos faz pensar e entender que onde quer que estejamos e vivamos, a família está contida em nossa formação como "Ser", colocando o indivíduo como um empreendedor que dará as diretrizes das diferentes etapas ao longo da jornada de sua vida. Desta forma, considera que a introdução gradual ao ambiente externo, a partir do modelo-padrão pelo qual a mãe o apresenta à criança, passa a ser a melhor maneira de levá-la a entrar em contato com o mundo que a rodeia.

A respeito da família, diz Minuchin (1988) que:

(...) a família sempre tem passado por mudanças que correspondem às mudanças da sociedade. Tem assumido ou renunciado a funções de proteção e socialização de seus membros em resposta às necessidades da cultura. Neste sentido, as funções da família atendem a dois diferentes objetivos. Um é interno – a proteção psicossocial de seus membros; o outro é externo – a acomodação a uma cultura e à transmissão dessa cultura (Minuchin, 1988, p. 52).

Para ele, a família, frente às mudanças da sociedade, tem assumido como funções básicas proteger e socializar seus membros em resposta às necessidades da cultura. Será neste contexto que se dará a circulação do conhecimento e a aquisição da aprendizagem, denominado por Munhoz (2006) como "locus" da aprendizagem humana. A autora descreve essa etapa afirmando que com a mudança:

(...) se inicia o processo de aprendizado das habilidades, das competências e da aquisição dos primeiros conhecimentos. Indicando que, muito mais do que o conteúdo a ser ensinado, está o modelo relacional que se imprime sobre a subjetividade de quem aprende. Isto confirma que o padrão de funcionamento interacional do indivíduo e seus familiares torna-se o aspecto fundamental para compreender como se dá a circulação de conhecimento e acesso à aprendizagem naquele dado contexto (Munhoz, 2006, p. 145).

Articulando esses pensamentos e conhecimentos da autora, é importante observar o quanto os pais têm papel fundamental na formação da criança. Nesse sentido, será necessário que cada membro conheça seu papel dentro do contexto familiar, que se identifique como "Ser" único e diferente, mas que respeite um conjunto de normas e regras, padrões e condutas de comportamentos e ensinamentos. Somente assim serão capazes de aprender e desenvolver todo o processo de ensinamento e aprendizado que o convívio familiar e social tem a oferecer.

 

FORMAÇÃO DO GRUPO DE ESPERA EM CLÍNICAS-ESCOLA

Partindo das descrições de Ancona-Lopez (2005), os Grupos de Espera se caracterizam como grupos de curta duração, formados por pais de crianças que aguardam diagnósticos e atendimentos para solucionar as queixas de seus filhos.

É também nas clínicas-escola de Psicologia que os futuros profissionais praticam seu ofício. Ao fazê-lo, articulam dois objetivos institucionais explícitos: atender à população que aguarda por um atendimento e formar psicólogos e psicoterapeutas.

Em geral, os pais passam por uma entrevista de triagem ao procurarem a instituição, sendo então encaminhados para o grupo de espera. Segundo a autora, os critérios para a formação desses grupos podem variar de acordo com os objetivos a serem atingidos, como homogeneidade da queixa, ordem de solicitação de atendimento ou procura da clínica, sexo ou faixa etária dos filhos. O que se mantém como critério comum é a criança não ter sido ainda diagnosticada. A autora nos ensina que a ideia de intervenção está sempre ligada ao processo terapêutico. O processo, que é também chamado de psicodiagnóstico, é constituído por algumas sessões nas quais se selecionam os clientes que melhor possam se beneficiar daquele tipo de psicoterapia. Portanto, podemos dizer que a grande vantagem do uso desta modalidade reside na velocidade do diagnóstico e definição do tratamento mais adequado, de acordo com as necessidades individuais.

É na formação do grupo que promovemos as intervenções prévias que denominamos GE (Grupo de Espera), com a utilização de procedimentos artísticos para facilitar a interação entre os elementos do grupo, bem como a emergência dos sentimentos e emoções dos pais quando se depararam com as dificuldades de aprendizagem de seus filhos.

A questão do compreender as causas e as necessidades representa uma grande preocupação e requer uma atenção mais cuidadosa nesta discussão. Uma inquietação que se coloca é representada pela pergunta: por que os interessados também desistem com facilidade dos atendimentos oferecidos nas clínicas-escola?

A resposta a esse questionamento pode ser encontrada nos estudos de alguns teóricos como Ancona-Lopez (2005), que se aprofundou em serviços deste tipo de instituição, investigando-os com maior atenção, relatando resultados que indicam vários fatores agravantes para a evasão dos clientes, que continua alta nos atendimentos das clínicas-escola. Um desses fatores é a necessidade imediata, por parte das famílias, de atendimento e de solução da queixa. Uma espera longa pode contribuir para a desistência, bem como para a desvalorização dos serviços prestados pela instituição, devido à grande procura por atendimento ou mesmo por uma questão pessoal por parte de quem aguarda em uma fila de espera.

 

A INTER-RELAÇÃO ENTRE A FAMÍLIA E O GRUPO DE ESPERA NA CLÍNICA-ESCOLA

De acordo com estudos de Larrabure (1986), podemos verificar a importância de promover a inter-relação entre as famílias que fazem parte do grupo de espera, com o objetivo de possibilitar um melhor relacionamento entre os participantes e promover identificação em relação às dificuldades e queixas que fazem de seus filhos. Sendo assim, quando os pais fazem parte do grupo de espera na clínica-escola, podem explicitar suas dúvidas e incertezas durante as atividades que desenvolvem. Os pais, a partir dessas inter-relações, podem perceber como a função de "serem pais" é muito importante na vida dos filhos.

Ao fazer parte da inter-relação, os pais conseguem obter uma melhor compreensão e entendimento quando interagem com outros pais; eles se sentem mais seguros e confiantes para expor suas dúvidas em relação ao que querem saber.

Portanto, é preciso haver uma harmonia e equilíbrio entre família e escola, um entendimento e uma melhor comunicação e compreensão entre os participantes para que a criança seja a principal beneficiada de todo esse processo de interação familiar e suas relações com a escola.

 

ARTETERAPIA: ALGUNS CONCEITOS E RECURSOS

Ciornai (2004) aponta que o conceito e ferramentas utilizadas pela "Arteterapia" para uso em clínicas-escolas surgiu como profissão nos EUA, logo após a 2ª Guerra Mundial, a partir do trabalho de Margareth Naumburg, que constatou como a arte ajudava crianças e adolescentes em seus processos de desenvolvimento. Com base nas pesquisas desenvolvidas por Naumburg que criou, em 1947, um campo propício para a ramificação de várias linhas e escolas, Ciornai define a Arteterapia como procedimentos criativos por meio da utilização de linguagens artísticas (predominantemente plásticas), de símbolos e metáforas utilizados para atividades terapêuticas. Nas palavras da autora,

A arte também pode ser útil por funcionar como "objeto intermediário" entre cliente e terapeuta, ou entre uma pessoa e outras, ajudando a estabelecer relações e facilitando a comunicação (Ciornai, 2004, p. 77).

A autora, em seus estudos e práticas, menciona a Arteterapia como uma forma de contribuir com melhorias na qualidade de vida das pessoas, independentemente de classe social, cultura, religião, sexo ou classe econômica. Sendo assim, todos podem usufruir do processo para ampliar suas capacidades de criar e promover mudanças. Ciornai procura explicar o que a Arteterapia é de fato ao propor reflexões, empenho em promover mudanças e transformar pensamentos, condutas e ações do indivíduo, quando afirma que:

A arteterapia é o termo que designa a utilização de recursos artísticos em contextos terapêuticos. Esta definição ampla pressupõe que o processo de fazer artístico tem o potencial de cura quando o cliente é acompanhado pelo arteterapeuta experiente, que com ele constrói uma relação que facilita a ampliação da consciência e do autoconhecimento, possibilitando mudanças (Ciornai, 2004, p. 7).

Portanto, a Arteterapia propicia o autoconhecimento do ser humano como parte de uma relação individual e social, um respeito maior por si próprio, uma melhora na autoestima, na saúde, no prazer de se sentir bem e ver as coisas com novas perspectivas. Propicia ainda, na vida das pessoas, uma melhora qualitativa no sentido de fazer emergir seus sentimentos autênticos, aumentando o seu potencial para renovar todo o processo nos relacionamentos, tanto intrapessoal quanto interpessoal, desfrutando de um convívio mais adequado consigo mesmo e com a sociedade, com melhores condições de interatividade, participação e integração (Ciornai, 2004). A partir dessas considerações, este estudo teve por objetivo relatar os resultados de uma intervenção arteterapêutica conduzida com um grupo de mães em sala de espera de uma clínica-escola.

 

MÉTODO

Foi desenvolvido um estudo de caso de um grupo de mães de crianças que aguardavam o atendimento na Clínica-escola de uma instituição de ensino superior da Grande São Paulo.

Participantes

Participaram da pesquisa três mães cujas queixas eram as dificuldades de aprendizagem por parte dos filhos mais novos. Todas apresentavam um alto grau de ansiedade e inquietação pela demora na fila de espera para atendimento a seus filhos. As participantes foram assim caracterizadas:

A primeira participante, A.R., tem 30 anos, é diarista, com Ensino Fundamental completo, casada, possui três filhas. A filha que participou do estudo tem nove anos de idade. A segunda participante, M.R., tem 40 anos de idade, atua como encartadora, Ensino Fundamental incompleto, divorciada, possui sete filhos, sendo que o que participou da intervenção tem 13 anos de idade. A terceira participante, E.S., tem 35 anos, não exerce atividade remunerada, é pedagoga, casada e possui dois filhos, sendo que o que participou da intervenção tem oito anos de idade.

Instrumentos

Quanto aos instrumentos da pesquisa, utilizamo-nos, no primeiro encontro com as mães, de uma entrevista diagnóstica semiestruturada individual, elaborada com questões abertas acrescidas de comentários e observações próprias, e complementada com a solicitação de um desenho sobre o tema "família e aprendizagem escolar dos filhos". Sobre o desenho realizado, foi aplicado um inquérito exploratório para análise das figuras e objetos desenhados com a finalidade de ouvir qual era a realidade dos relacionamentos familiares no relato das mães e, assim, compreender como seus membros se relacionam entre si.

No primeiro encontro foi realizada ainda uma entrevista individual, com o preenchimento de uma ficha de cadastro com os dados dos participantes. Ao final dessa primeira etapa, puderam continuar no processo três mães. As desistências se deram por problemas de incompatibilidade de horários.

Procedimento

Após a aprovação do Comitê de Ética da instituição, enviamos carta-convite via correio para dez pais inscritos na Clínica-Escola em questão. O critério da escolha desses pais foi baseado na antiguidade do tempo de espera.

A partir do segundo encontro, iniciamos a primeira sessão com as mães no mesmo ambiente, porém elaborando atividades individuais em Arteterapia. No total foram 12 sessões, sendo as quatro primeiras com atividades individuais, como desenhos, pinturas e manuseio de materiais flexíveis (argila). As demais sessões foram grupais, com atividades como dinâmicas, massagens, dançaterapia e colagens. Na última sessão houve uma interação das mães com seus filhos, com o objetivo de observar e compreender como as queixas trazidas pelas mães se refletiam no que ocorre com a criança. Essa nossa prática clínica permitiu observar a importância do envolvimento dos pais no atendimento da criança. Nesse momento, as mães puderam revelar seus conflitos de forma espontânea, ajudando-nos a entender o lugar que a criança ocupa na família e o sentido do sintoma que foi reestruturado. O estudo foi direcionado para uma pesquisa de intervenção com a utilização de práticas arteterapêuticas para um melhor conhecimento e compreensão dos participantes com relação a suas queixas.

No último atendimento, os participantes foram convidados a fazer uma devolutiva final que teve como objetivo verificar os resultados e constatar, por seus relatos, as mudanças percebidas durante os atendimentos com relação ao contexto da interação entre pais e filhos. Por meio dessa entrevista final, pudemos obter a opinião das mães participantes e avaliar conjuntamente os efeitos causados pelos procedimentos em arte e suas consequências nas interações entre pais/mães e filhos. Para registro dos dados obtidos, recebemos os questionários preenchidos pelas mães participantes e gravamos as entrevistas semiestruturadas com a autorização prévia dos envolvidos.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Observamos uma melhora importante com os procedimentos realizados. As participantes demonstraram bem-estar após as atividades, com a redução da ansiedade, conforme relato das entrevistadas que exemplificamos com a seguinte fala: "Eu já mudei bastante a minha maneira de pensar depois que comecei o tratamento, parece que eu estou mais calma" (A.R.).

As entrevistadas relatam ter percebido algum tipo de mudança, em média, depois da terceira sessão. A melhora pode ser reconhecida pela mudança no comportamento, na melhora sintomática ou na modificação do resultado dos exercícios aplicados e ilustrados pela modificação do pensamento.

A mudança comportamental é um dos indícios da mudança psíquica e pode ser considerada como um dos mais perceptíveis, pois, além do indivíduo, as pessoas que o cercam também podem perceber a melhora, já que a mudança é manifestada externamente por meio do comportamento. A Arteterapia também se relaciona com as abordagens cognitivo-comportamentais, conforme nos ensina Ciornai dizendo que:

Por outro lado, para pessoas tímidas ou com problemas de relacionamento, compartilhar seus desenhos e ouvir os comentários dos outros sobre seus trabalhos facilita o vínculo, seja com o terapeuta, seja com os demais colegas de um grupo, além de proporcionar à pessoa a experiência de sentir-se "vista", "compreendida" e apreciada. Pessoas com baixa autoestima ou muito envergonhadas beneficiam-se extremamente desse tipo de atividade. (Ciornai, 2004, p. 78).

A entrevistada M.R., ao responder à questão "Você acredita que obteve melhora depois que começou a participar dos atendimentos?", afirmou: "Eu tenho certeza, pelas minhas atitudes. Estou mais carinhosa com meus filhos, antes eu dava coisas e agora eu falo que os amo. Até no meu trabalho, as pessoas estão percebendo que estou diferente". Essa fala ilustra o quanto a mudança no comportamento influencia a percepção da melhora. Em outro momento, a mesma entrevistada comenta: "Eu não tinha percebido, mas as pessoas que estão comigo perceberam... Já com meu filho, eu pergunto se ele tem lição de casa e peço para fazer junto com ele".

De acordo com as entrevistadas, a melhora pode ser observada também pela mudança do pensamento, proporcionando assim uma diminuição da ansiedade e um aumento do bem-estar. Nesse sentido, a entrevistada E.S. comenta: "(...) eu tinha uns pensamentos de raiva, me sentia culpada porque minha filha não estava aprendendo, porque não tinha tempo para sentar com ela... agora não desanimo mais, penso que eu preciso estar bem para ajudar minha filha".

Fatores de mudança com a atitude positiva do terapeuta

De acordo com as entrevistadas, a atitude continente do terapeuta constitui um fator importante no processo de mudança. É a conduta positiva do terapeuta, aliada à da entrevistada, que possibilita uma relação terapêutica de qualidade, a qual exerce papel primordial no bom andamento do tratamento e no alcance dos objetivos. Os comentários das entrevistadas justificam este comportamento quando A.R. diz: "A senhora fala coisas depois que eu faço o exercício que eu não tinha percebido em mim e agora eu vejo como é importante eu saber separar as coisas e quando eu vou embora, eu fico tranquila em casa".

Motivação da entrevistada e abertura para novas possibilidades

Um dos fatores que contribuem de forma relevante para a obtenção da melhora é a abertura para novas possibilidades. Toda mudança exige alguma alteração na forma como se vive. No caso de mudança, tal alteração pode ocorrer em nível de pensamento, comportamento, escolhas, planejamento, entre outros.

A grande vantagem da utilização de atividades artísticas nesta pesquisa foi a de possibilitar a espontaneidade das manifestações de sentimentos mais profundos sem os bloqueios mais comuns nas expressões verbalizadas e articuladas por meio de pensamentos, além de possibilitar o emergir das emoções acumuladas para o momento presente e o contato mais aprofundado consigo, com o outro e com o meio.

As atividades realizadas em grupo também colaboraram de forma importante para o resultado do trabalho, haja vista que, durante a interação, as mães puderam compartilhar suas experiências e constatar que vivenciavam problemas semelhantes. Tornaram-se mais conscientes de si mesmas e de suas relações familiares, propiciando-nos captar, para análise posterior, sua percepção, emoção, sensibilidade e autoconfiança durante os procedimentos.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo primordial do estudo realizado com as mães de crianças com dificuldades de aprendizado em fila de espera na Clínica-escola foi o de comprovar, por meio dos atendimentos efetuados com utilização de técnicas de Arteterapia, que seria possível proporcionar a essas mães uma significativa diminuição do nível de ansiedade causado pela espera de atendimento a seus filhos, além de uma melhora na compreensão dos seus problemas.

As atividades artísticas realizadas podem ser entendidas como promotoras de mudanças decorrentes do tratamento, que alteram, de forma positiva, o comportamento relacional de quem apresenta a dificuldade. Tais mudanças e benefícios foram percebidos no presente estudo como:

(a) Possibilidade da pessoa que é atendida (pai ou mãe) conhecer-se e compreender-se melhor, uma vez que, após as entrevistas, essas pessoas pareceram entender o atendimento como um meio de conhecer seus sentimentos, suas necessidades e seus desejos; o que pode ser ilustrado com as sessões de atividades artísticas realizadas posteriormente.

(b) As mães puderam refletir uma melhora na sua compreensão do problema, ou seja, no significado que atribuem aos problemas e dificuldades que demandaram procurar a clínica.

(c) As intervenções artísticas promoveram uma mudança na forma de as pessoas agirem diante de certas situações. A mudança positiva dos pensamentos é resultante desta nova concepção que se constrói de si e da relação positiva com o terapeuta. Caracterizaram-se como mudanças tanto no âmbito externo (comportamental) quanto interno (seus sentimentos).

(d) Na medida em que o grupo proporcionou às mães a possibilidade de pensar de outra maneira, estas foram reconstruindo e ressignificando suas experiências de vida.

(e) Constatamos que o bem-estar na Arteterapia proporciona o autoconhecimento e a aprendizagem da forma mais adequada de lidar com os problemas, fortalecendo a estrutura emocional das participantes.

Além desses benefícios, pudemos observar que a relação entre o terapeuta e a entrevistada constitui-se em fator importantíssimo para atingir a meta proposta. De acordo com Braier (2008), podemos verificar que a relação entre o terapeuta e o entrevistado é um processo delicado e que exige equilíbrio entre eles, no qual o terapeuta deve mostrar-se moderadamente em silêncio, apresentando uma imagem confiável e demonstrando interesse pelos problemas da entrevistada. O autor acrescenta que o terapeuta deve manter uma postura ativa, considerando-a decisiva na obtenção de bons resultados.

As mães participantes do processo demonstraram, sem exceção, um grau significativo de desapontamento pelo encerramento das atividades arteterapêuticas, o que comprovou sua motivação para esta realização e o vínculo com o grupo. A respeito da motivação, Bucher (1989) afirma que ninguém deve prescrever ou indicar tratamento terapêutico. "(...) é o próprio sujeito que tem que desejar fazê-la, uma vez que consiste em um tratamento subjetivo, que o paciente não recebe, mas faz" (Bucher, 1989, p.172).

Nesse sentido, podemos considerar plenamente atingidos os objetivos iniciais desta pesquisa, demonstrando que o uso adequado das técnicas de Arteterapia pode contribuir significativamente para a diminuição da ansiedade da espera e para a compreensão do problema pelas famílias, cujos filhos com dificuldades de aprendizagem aguardam atendimento especializado.

Com este resultado, esperamos proporcionar inquietações para a realização de novos estudos, abrindo novas perspectivas de utilização de técnicas da Arteterapia, ampliando seu campo de ação e utilidade.

 

REFERÊNCIAS

Ancona-Lopez, S. (2005). A porta de entrada: Reflexões sobre a triagem como processo. In C. P. Simon, L. L. Melo-Silva, & M. A. Santos (Orgs.), Formação em Psicologia: Desafios da diversidade na pesquisa e na prática (pp. 259-270). São Paulo: Vetor.         [ Links ]

Braier, E. (2008). Psicoterapia breve de orientação psicanalítica. São Paulo: Martins Fontes.         [ Links ]

Bucher, R. (1989). A psicoterapia pela fala: Fundamentos, princípios, questionamentos. São Paulo: EPU.         [ Links ]

Ciornai, S. (Org.) (2004). Percursos em arteterapia: Arteterapia gestáltica, arte em psicoterapia, supervisão em arteterapia. São Paulo: Summus.         [ Links ]

Larrabure, S. A. L. (1986). Grupos de espera em instituição. In R. M. Macedo (Org.), Psicologia e instituição: Novas formas de atendimento (2ª. ed.). São Paulo: Cortez.         [ Links ]

Minuchin, S. (1988). Famílias, funcionamento e tratamento. Porto Alegre: Artes Médicas.         [ Links ]

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Urrutigaray, M. C. (2008). Arteterapia: a transformação pessoal pelas imagens. Rio de Janeiro: Wak.         [ Links ]

Valladares, A. C. A. (2008). A arteterapia humanizando os espaços de saúde. São Paulo: Casa do Psicólogo.         [ Links ]

Winnicott, D. (2011). A família e o desenvolvimento individual. São Paulo: Martins Fontes. Original publicado em 1957.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Angela Maria Cardoso
E-mail: angelacar@uol.com.br

Recebido em 01/02/2013.
1ª Revisão em 11/04/2013.
Aceite Final em 24/06/2013.

 

 

1 Angela Maria Cardoso é mestranda em Psicologia pela UNIFIEO. Especialista em Psicopedagogia Clínica e em Arte Terapia.
2 Maria Luiza Puglisi Munhoz é doutora em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professora da UNIFIEO.