SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.14 número1Os sonhos nas diferentes abordagens psicológicas: apontamentos para a prática psicoterápica índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Revista da SPAGESP

versão impressa ISSN 1677-2970

Rev. SPAGESP vol.14 no.1 Ribeirão Preto  2013

 

ARTIGOS

 

A abordagem construcionista relacional: significados de pesquisa e de intervenção

 

The relational constructionist approach: meanings of research and intervention

 

La abordaje constructivismo relacional: significados de investigación y intervención

 

 

Cintia Bragheto Ferreira 1

Universidade Federal de Goiás, Jataí, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Trata-se da resenha da obra intitulada Research and social change: A relational constructionist approach, da autoria de McNamee e Hosking e publicada em 2012. O livro apresenta o construcionismo relacional enquanto uma abordagem para a realização de pesquisas e intervenções, apontando o engajamento relacional como o fundamento que rege esses fazeres e práticas, por meio de escolhas metodológicas capazes de gerar a mudança dos envolvidos. Desse modo, a obra configura-se como um texto potente para os interessados na pesquisa científica e/ou em práticas de intervenção que alarguem as possibilidades conversacionais dos seus participantes.

Palavras-chave: Grupo social; Comunicação; Mudança social.


ABSTRACT

It is presented the book review of manuscript entitled: Research and social change: a relational constructionist approach by McNamee & Hosking published in 2012, introducing relational constructionism as an approach for doing researches and interventions, pointing relational engagement as their foundation, by using methodological choices capable of engendering changes among people involved. Thus, it is characterized as a useful text for people interested in a scientific research and/or in intervention practices that extend the conversational possibilities of their participants.

Keywords: Social psychology; Communication; Social change.


RESUMEN

Resumen de la obra titulada: Research and social change: a relational constructionist approach (McNamee & Hosking, 2012). El manuscrito presenta el constructivismo relacional como un abordaje para la realización de investigaciones y intervenciones, mostrando el compromiso relacional con las bases que dictan estas formas de actuar y practicar, por medio de elecciones metodológicas capaces de generar los cambios involucrados. Configurándose así como un texto importante para los interesados en investigación científica y/o en prácticas de intervención que alarguen las posibilidades conversacionales de sus participantes.

Palabras clave: Grupo social; Comunicación; Cambio social.


 

 

 

A obra de McNamee e Hosking (2012), Research and social change: A relational constructionist approach está organizada em sete capítulos, sendo cada um deles precedido de fotos e epígrafes escolhidas cuidadosamente com o intuito de preparar o leitor para o conteúdo apresentado em cada um deles, além de reflexões e fragmentos de casos.

Sheila McNamee tem formação na área de comunicação e atua na Universidade de New Hampshire, nos Estados Unidos, e Dian Marie Hosking é psicóloga e professora de processos relacionais na Universidade de Utrecht, na Holanda. As professoras têm ampla publicação que tem contribuído para a formação de profissionais em várias áreas do conhecimento. Além disso, ministram cursos na perspectiva construcionista social e relacional em diversos países, inclusive no Brasil.

No prefácio, as autoras apresentam três posicionamentos que são centrais para o desenvolvimento da obra, a saber: (a) Que o processo de investigação pode ser orientado para a produção de espaços de abertura para o diferente e para a multiplicidade de discursos e de práticas; (b) o convite à reflexão sobre como as posições de pesquisador/pesquisado são coconstruídas; (c) a escolha da terminologia construcionismo relacional preferencialmente à terminologia construcionismo social, com o objetivo de marcar de forma radical os processos relacionais como espaços potentes para a construção de várias formas de vida e realidades relacionais, em oposição à existência prévia de estruturas individuais e sociais e suas influências no modo como construímos o mundo. Além disso, como a terminologia construcionismo social é utilizada por diversas "escolas de pensamento" como sinônimo de construtivismo social, enquanto que para outras pode representar significados muito diferentes, as pesquisadoras propõem para a superação dessas contradições a utilização da terminologia construcionismo relacional.

No livro, a pesquisa ou investigação científica também é discutida em todo o seu processo: definição, método de realização, avaliação e qualidade, todos construídos a partir do pressuposto do engajamento relacional entre pesquisador e pesquisado.

A pesquisa é apresentada e direcionada para a exploração, curiosidade e abertura a várias possibilidades, em contraste ao que comumente se compreende como ciência, enquanto estrutura de métodos e técnicas confiáveis, capazes de proporcionar a descoberta objetiva da realidade. Além disso, são resumidamente apresentados os temas que definem a orientação construcionista relacional, em três aspectos: (a) as formas pelas quais as investigações implicam em relacionamentos, situações de vida e conversações histórica e culturalmente localizadas, nas quais normas e valores são construídos e justificam futuros modos de ser e agir da vida cotidiana; (b) a possibilidade do projeto do pesquisador emergir no fluxo das situações diárias e; (c) que qualquer prática relacional pode vir a ser objeto de uma investigação ou transformação.

O construcionismo relacional não oferece um método específico de conduzir pesquisas. O que se pode afirmar é que o construcionismo relacional é uma metateoria ou um discurso de ciência (humana) que oferece uma orientação geral sobre os processos relacionais estabelecidos, por exemplo, em investigações e intervenções, nas quais o que é central é a reflexão do pesquisador sobre como são feitas as investigações, possíveis métodos a serem utilizados, assim como de quais realidades relacionais o pesquisador escolhe participar. Nessa perspectiva, o pesquisador coloca-se mais sensível para com as relações das comunidades participantes enquanto copesquisadores, compreendendo seus espaços e seus jogos locais de linguagem. Sendo assim, o pesquisador que deseja ser relacionalmente responsivo no processo de realização da pesquisa necessita posicionar-se reflexivamente sobre os métodos escolhidos, de forma comprometida com a multiplicidade e a mudança de realidades e relações nesse processo, incluindo mudanças no próprio pesquisador e na comunidade participante da pesquisa, marcando a indissociabilidade entre pesquisa e prática.

As autoras acrescentam que o saber do pesquisador pode ser utilizado de forma impositiva, impedindo a coconstrução da pesquisa colaborativa, não contribuindo, assim, para a ampliação dos engajamentos relacionais. Pode ser ainda centrado na apreciação dos participantes, entendendo os questionamentos e a escuta como potencialmente (trans)formadores, além de modos de ser (eco)lógicos.

A avaliação e a qualidade da pesquisa na perspectiva discutida nessa obra seguem a mesma lógica do engajamento relacional já discutida. Além disso, em todas as etapas da pesquisa almeja-se a mudança da patologia para as potencialidades, enfatizando forças, habilidades e paixões, de tal forma que o problema possa ser visualizado em um futuro mais viável, por meio do diálogo com as comunidades participantes, proporcionando espaço para as histórias de vida dos indivíduos envolvidos e a desconstrução das certezas tanto do pesquisador quanto dos participantes para que novas possibilidades possam ser construídas. Sendo assim, a pesquisa científica é um processo que não está baseado em uma forma particular de técnica ou estratégia, mas sim do engajamento construído ao longo da pesquisa.

A obra resenhada contribui significativamente tanto para o campo da pesquisa científica, quanto para intervenções, ao propor reflexões sobre os significados dos engajamentos relacionais nesses contextos. A pesquisa é apresentada de forma ampliada na medida em que é colocada como um espaço não só vivenciado pelos cientistas, mas também por indivíduos curiosos pela descoberta. Além disso, a investigação pode proporcionar mudança para os que nela se engajam, visto que o processo de descoberta caminha junto com o de transformação.

Contudo, o construcionismo relacional não pode ser entendido como uma perspectiva em que a realização de pesquisas e intervenções são realizadas sem planejamento algum. Ao contrário, essa perspectiva aponta para a importância da reflexão, da descoberta do "como", bem como das escolhas metodológicas e das técnicas mais alinhadas com a multiplicidade, com a valorização da história e dos valores das comunidades participantes, circunscrevendo, dessa maneira, uma dimensão ética relevante.

Essa abordagem também pode ser considerada potente para o trabalho com grupos, na medida em que busca o empoderamento de seus membros, apresentando-se como uma possibilidade para o trabalho em contextos como o de famílias em situação de vulnerabilidade social, em instituições que acolhem indivíduos com doenças estigmatizantes como o câncer e a AIDS. É uma abordagem ainda aplicável na mediação de conflitos dentro das organizações e em governos, na construção de políticas públicas, dentre outras possibilidades.

Finalmente, o livro é relevante por convidar o leitor a ampliar seus limites no fazer pesquisa, configurando-se, assim, em uma obra promotora de mudança e construção de fazeres éticos e políticos, marcados pela humanização constante das relações interpessoais.

 

REFERÊNCIA

McNamee, S., & Hosking, D. M. (2012). Research and social change: A relational constructionist approach. New York, NY: Routledge.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Cintia Bragheto Ferreira
E-mail: cintiabragheto@hotmail.com

Recebido em 25/02/2013.
1ª Revisão em 01/03/2013.
Aceite Final em 04/03/2013.

 

 

1 Cintia Bragheto Ferreira é psicóloga, mestre e doutora em Enfermagem em Saúde Pública pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Professora Adjunta do curso de Psicologia da Universidade Federal de Goiás, Campus Jataí.