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Revista da SPAGESP

versão impressa ISSN 1677-2970

Rev. SPAGESP vol.15 no.1 Ribeirão Preto  2014

 

ARTIGOS

 

Suporte social em adolescentes com Diabete Melito Tipo I: uma revisão sistemática*

 

Social support in adolescents with type 1 Diabetes: a systematic review

 

Apoyo social en adolescentes con Diabetes Mellitus Tipo 1: revisión sistemática

 

 

Luciana Cassarino-Perez1; Cássia Ferrazza Alves2; Débora Dalbosco Dell'Aglio3

Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre-RS, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo investigou, através de uma revisão sistemática em bases de dados eletrônicas, o suporte social em adolescentes com Diabete Melito tipo 1. Foram selecionados 124 estudos, que obedeceram a critérios de inclusão pré-estabelecidos, e foram analisadas a quantidade de publicação por ano, país das publicações, método, amostras utilizadas e tipos de suporte investigados. Observou-se um aumento nas publicações a partir de 2005 e um predomínio de estudos quantitativos realizados com adolescentes norte-americanos. Foram identificadas como principais fontes de suporte o apoio dos pais, da família e da equipe de saúde. Conclui-se que, de forma geral, o suporte social é apontado como fator de proteção, contribuindo principalmente para o controle metabólico, manejo da doença e adesão ao tratamento.

Palavras-chave: apoio social, Diabetes Mellitus, adolescente


ABSTRACT

Through a systematic literature review in electronic databases, this studied investigated social support among teenagers with Diabetes Mellitus type1. Following pre-established inclusion criteria, 124 studies were retrieved. Moreover, it was also analyzed the amount of publications per year, country of origin, methodologies, used samples and types of support. It was observed an increase in publications since 2005 and a majority of quantitative studies with American adolescents. Furthermore, parents, family and health care teams were identified as the main source of support. It was concluded that, generally, social support is understood as protection factor, contributing with metabolic control, illness management and participation in treatment.

Keywords: social support, Diabetes Mellitus, adolescent


RESUMEN

En este estudio se investigó, a partir de una revisión sistemática en las bases de datos, el apoyo social en adolescentes con diabetes mellitus tipo 1. 124 artículos fueron seleccionados por cumplir con criterios previamente establecidos, y se analizaron el número de publicaciones por año, países de las publicaciones, método, muestra y tipos de apoyo social investigados. Se observó un aumento de las publicaciones desde 2005 y predominio de estudios cuantitativos con adolescentes norteamericanos. Los apoyos más citados fueron los padres, la familia y el equipo de salud. Se concluyó que el apoyo social es identificado como un factor de protección, pues contribuye para el control metabólico, mejora el manejo de la enfermedad y la adherencia al tratamiento.

Palabras clave: apoyo social, Diabetes Mellitus, adolescente


 

 

Nos últimos anos, pesquisadores têm dedicado especial interesse ao grupo de pacientes crônicos na fase da adolescência, especialmente portadores de Diabete Melito tipo I (DM1), tendo em vista as importantes implicações ao longo do desenvolvimento e exigência de cuidados específicos (Hoey et al., 2001; Marshall, Carter, Rose, & Brotherton, 2009; Novato & Grossi, 2011; Oliveira & Gomes, 1998; Perrin et al., 1993; Silva, 2001; Vieira & Lima, 2002). O DM1 é um distúrbio do metabolismo caracterizado pela hiperglicemia crônica em função da secreção ausente de insulina (Della Manna, 2007). Para evitar episódios de hiperglicemia, os pacientes com DM1 precisam recorrer à reposição insulínica exógena (Balda & Pacheco-Silva, 1999). O avanço tecnológico e científico das últimas décadas tem garantido o diagnóstico precoce e cuidados cada vez mais precisos, aumentando a sobrevida desses indivíduos.

De forma geral, os autores concordam que ser doente crônico e adolescente é sobrepor duas condições de crise, que apresentam demandas internas e externas e trazem diversas implicações biopsicossociais (Almino, Queiroz, & Jorge, 2009; Damião & Pinto, 2007; Heleno et al., 2009; Oliveira & Gomes, 1998; Surís, Michaud, &Viner, 2004; Vieira & Lima, 2002). Se por um lado já é possível prolongar a vida do paciente crônico, por outro os adolescentes precisam conviver com as perdas e limitações que as doenças implicam, em alguns casos chegando a desenvolver desordens emocionais (Oliveira & Gomes, 1998). Assim como as doenças têm impacto no desenvolvimento psíquico do adolescente, o reverso é verdadeiro, desordens psíquicas também afetam a evolução da doença (Surís et al., 2004). A perspectiva destes autores indica que, assim como outras doenças crônicas, o DM1 pode se caracterizar como fator de risco para o desenvolvimento, em especial na fase da adolescência.

Fatores de risco estão relacionados com a presença de eventos negativos que podem aumentar a possibilidade do indivíduo apresentar problemas físicos, sociais ou emocionais (Yunes & Szymanski, 2002). Autores que se dedicam ao estudo da interação entre fatores de risco e proteção costumam discutir o dinamismo implícito no conceito de risco, que pode ou não se manifestar dependendo das características do indivíduo, da fase do desenvolvimento e do contexto em que ele está inserido. Além das características pessoais e da fase do desenvolvimento, estão também envolvidos na definição de fatores de risco os aspectos culturais e contextuais.

Em interação com possíveis fatores de risco como o DM1, existem os fatores de proteção, aqueles que irão modificar, melhorar ou alterar a resposta do indivíduo aos perigos externos que podem comprometer seu desenvolvimento (Raffaelli, Koller, & Cerqueira-Santos, 2012; Rutter, 1985; Sapienza & Pedromônico, 2005). Assim como os fatores de risco, os fatores de proteção variam para cada idade e fase do desenvolvimento (Masten & Coatsworth, 1998).

Durante a década de 1970, alguns autores clássicos (Cassel, 1976; Cobb, 1976; Moss, 1973) compreenderam que as relações sociais têm o poder de moderar efeitos de estresse para a saúde e bem estar dos indivíduos (Vangelisti, 2009). Desde essa época, os estudiosos do tema têm usado diferentes termos e definições para esse fenômeno, em que as relações sociais fornecem apoio e promovem saúde física e psicológica, passando a investigar o efeito do suporte social no desenvolvimento, especialmente em situações desfavoráveis. O suporte social caracteriza-se pelas informações que o indivíduo possui e que o levam a acreditar que é estimado, amado, cuidado e pertencente a uma rede com obrigações mútuas (Cobb, 1976; Vangelisti, 2009). Essas informações que trazem o sentimento de pertença são provenientes de diversas fontes, o que se evidencia na variedade de grupos sociais que os artigos abordam ao tratarem do tema do apoio social. O suporte social influencia no ajustamento do adolescente, pois quanto maior a percepção de suporte, maior o crescimento no nível de ajustamento e menor incidência de sintomas depressivos (Elmaci, 2006).

No contexto de doenças crônicas como o DM1, pesquisas sobre suporte social têm contribuído para a compreensão da natureza multidimensional do tema e reconhecimento do seu impacto. Os estudos têm enfatizado a importância do suporte social na vida dos adolescentes, ressaltando o apoio da família (Barakat, Alderfer, & Kazak, 2006; Jaser & Grey, 2007; Novato & Grossi, 2011), da equipe de saúde e de amigos (Huus & Enskar, 2007; Karloss, Arman, & Wikblad, 2008; Llergo & Araiza, 2009; Olsson, Boyce, Toumbourou, & Sawyer, 2005) para o ajustamento psicossocial do adolescente e melhora do controle metabólico.

Existem autores que trabalham com três perspectivas de suporte social: a sociológica, que tem como foco o grau de integração do indivíduo em determinado grupo social; a psicológica, que se preocupa em acessar o tipo de apoio recebido e percebido pelos indivíduos; e a da comunicação, que se concentra nas interações entre aquele que oferece suporte e aquele que recebe (Vangelisti, 2009). Para que o suporte social seja efetivo enquanto fator de proteção, o adolescente com DM1 deve ser capaz de identificá-lo e reconhecê-lo. Desta forma, foi realizada uma análise da produção científica envolvendo o suporte social no contexto de adolescência com DM1, a partir de estudos nacionais e internacionais publicados em periódicos científicos indexados, apontando a quantidade e a tendência da produção científica, as escolhas metodológicas e as conclusões apresentadas. A revisão foi norteada pela seguinte questão: "os estudos revisados identificam o suporte social como fator de proteção para o enfrentamento do DM1 na adolescência?".

 

MÉTODO

Assim como qualquer investigação científica, uma revisão sistemática segue uma metodologia clara, que começa na definição de um objetivo, na identificação da literatura e seleção dos possíveis estudos a serem incluídos (Sampaio & Mancini, 2007). Partindo da definição do objetivo, esta revisão seguiu quatro etapas: 1) busca de evidências; 2) definição dos critérios de inclusão; 3) revisão e seleção dos estudos; e 4) apresentação dos resultados.

A etapa de busca por evidências teve início na seleção das bases de dados MEDLINE, Scielo, LILACS, PsycINFO e Web of Science. Foram selecionadas as palavras-chave: diabetes mellitus tipo 1 (ou somente "diabetes mellitus" para a base de dados PsycINFO); adolescência; suporte social e apoio social, com os termos correspondentes na língua inglesa (diabetes mellitus type 1; adolescence e social support). As palavras foram retiradas do Thesaurus of Psychological Index Terms para a base de dados PsycINFO e do Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) para as demais bases. Na realização das buscas, os termos obedeceram à seguinte combinação: apoio social OU suporte social E diabetes mellitus tipo 1 E adolescência. Em inglês, o termo "social support" é suficiente para revelar estudos que envolvam tanto suporte quanto apoio social. Por esse motivo, utilizou-se um descritor a menos neste idioma, obedecendo às mesmas combinações feitas com os descritores em português. Foram incluídos os artigos dos últimos dez anos compreendendo o período entre 2002 e 2012.

A segunda etapa envolveu a escolha dos critérios de inclusão: (a) artigo empírico redigido em inglês, português ou espanhol; (b) que abordasse a problemática do adolescente com DM1; (c) com amostra de adolescentes. Artigos de validação, tradução e adaptação de instrumentos, assim como os de revisão teórica, não foram incluídos.

Na terceira etapa, os artigos localizados nas buscas foram selecionados de forma independente por duas pesquisadoras, através dos abstracts, utilizando-se os critérios de inclusão. As exclusões foram justificadas e as discrepâncias resolvidas por consenso. Os artigos selecionados foram tabulados, também de forma independente pelas autoras, levando-se em conta as seguintes dimensões de análise: (a) ano de publicação; (b) autores; (c) país do estudo; (d) método (quantitativo ou qualitativo); (e) instrumentos utilizados; (f) tamanho; e (g) faixa etária da amostra.

Os artigos também foram classificados de acordo com o tipo de suporte investigado. A partir dessa classificação, um quarto critério de inclusão foi formulado, e aqueles artigos que não apresentavam menção a nenhum tipo de suporte social em seus resumos foram excluídos da amostra. As exclusões nesta etapa também foram decididas por consenso entre as autoras.

Os estudos selecionados foram analisados a partir dos abstracts em duas etapas. Na primeira partiu-se de categorias formuladas a priori: (a) quantidade de publicações por década; (b) método utilizado; (c) características da amostra; e (d) tipo de suporte investigado. Na segunda etapa, os abstracts foram analisados a fim de compreender os efeitos do suporte social na vida do adolescente com DM1, enfatizando-se o tipo de influência que as pesquisas encontraram para os diferentes tipos de suporte nesse contexto.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Dos 461 artigos localizados com a combinação das palavras apoio/suporte social; diabetes mellitus tipo I e adolescência, 124 foram selecionados. As etapas da seleção, os motivos de exclusão, e o número de artigos repetidos entre as bases, estão representados na Figura 1. A seguir os resultados são discutidos considerando a frequência e o país do estudo, os instrumentos e características metodológicas dos estudos, as amostras das pesquisas e o tipo de suporte social investigado.

Do total de 124 artigos sobre suporte social de adolescentes com DM1, 16 foram publicados entre 2010 e 2011; 60 entre 2000 e 2009; 32 na década de 1990 e 16 entre os anos de 1981 e 1989. Não foram encontrados artigos dentro desses temas publicados antes de 1981. A Figura 2 evidencia que os estudos envolvendo temas do DM1, adolescência e suporte social aumentaram consideravelmente a partir de 2005.

Quanto ao método, foram identificados nos artigos selecionados tanto estudos qualitativos como quantitativos, além da opção por métodos mistos (quanti/quali). Para os 19 (15%) estudos que optaram por métodos qualitativos, predominou a escolha da entrevista semiestruturada na apreensão dos dados. Outros instrumentos utilizados para estudos qualitativos foram narrativas e grupos focais.

Dos artigos selecionados, 73 (59%) utilizaram métodos quantitativos com instrumentos diversos, como questionários, inventários, escalas, prontuários, entrevistas estruturadas, checklists, programas de computador, entre outros. Uma medida muito utilizada nos estudos foi a da hemoglobina glicosada (HbA1c) para avaliar o controle metabólico do paciente e relacioná-lo com qualidade de vida, coping, suporte social, entre outras variáveis. As medidas de HbA1c foram retiradas de prontuários ou realizadas especificamente para a pesquisa, sendo que em alguns casos repetidas medidas foram feitas ao longo do estudo.

 

 

 

Métodos mistos foram utilizados em sete estudos (6%), que mesclaram entrevistas, questionários, narrativas e grupos focais como instrumentos. Duas destas pesquisas também utilizaram medidas de HbA1c na avaliação do controle metabólico dos participantes. Em 25 estudos (20%) não foi possível identificar através do abstract qual tipo de método foi utilizado.

Em relação às amostras, o tamanho variou entre cinco e 74 adolescentes para os estudos qualitativos, 18 e 64 para estudos quanti/quali e 18 e 2576 participantes para os estudos quantitativos, sendo que em 25 estudos não foi especificado o tamanho da amostra. Alguns pesquisadores publicaram mais de um artigo utilizando a mesma amostra, investigando diferentes tipos de suporte social e os relacionando com diversas variáveis. Em 64 estudos não foi especificada, nos abstracts, a faixa etária da amostra, limitando-se a classificá-la como sendo de adolescentes ou incluindo crianças e adolescentes no mesmo grupo, desconsiderando o fato de que são fases diferentes do desenvolvimento. Foi constatado, por exemplo, que alguns estudos utilizaram termos como "children" para delimitar tanto crianças quanto adolescentes. A inclusão de faixas etárias muito amplas nos estudos sobre pacientes com DM1 e suas redes de apoio, dificulta a identificação de características próprias das diferentes fases do desenvolvimento. A importância do papel dos pais, por exemplo, ao contribuir para o controle metabólico de uma criança, é diferente daquele que deve ser fornecido a um adolescente que começa a se tornar independente e assumir o comando dos cuidados com sua própria saúde. Nos estudos que especificaram a faixa etária dos participantes, essa variou de 0 a 25 anos, sendo que a faixa que concentrou mais estudos foi dos 12 aos 17 anos.

Além dos adolescentes, 36 dos 124 estudos contaram também com mães, mães e pais, irmãos, famílias, amigos ou professores para compor a amostra. Os dados oriundos dos cuidadores, amigos, familiares e professores ajudaram a compreender melhor os adolescentes, a rede de apoio e a opinião sobre determinados programas de intervenção, entre outros aspectos. Dois estudos utilizaram amostras de adolescentes saudáveis como grupo controle para compará-los com adolescentes diabéticos em diferentes aspectos como amizade, qualidade de vida e nível de ansiedade.

Entendendo a adolescência como um período de características próprias, um estudo realizado com adolescentes diabéticos (Butner et al., 2009) investigou as percepções dos mesmos e de seus pais em relação à autonomia e ao controle metabólico, e foi constatado que os adolescentes se percebem mais autônomos e independentes do que seus pais os consideram. Mesmo dentro do período da adolescência, encontraram diferenças de idade quanto ao manejo do DM1 e à autonomia. Os adolescentes mais velhos relataram maior independência ao realizar as tarefas diárias relacionadas à DM1 e maior grau de eficácia. No entanto, apresentaram menor adesão e mais problemas envolvendo o controle da doença, possivelmente em decorrência de características típicas dessa etapa, como a necessidade de aceitação dos pares, mudanças físicas intensas e a própria transição do cuidado dos pais para o autocuidado.

A forma como um indivíduo percebe as fontes de suporte social com as quais conta, também varia conforme a idade e a etapa do desenvolvimento. Estudo realizado com crianças e adolescentes saudáveis na Holanda constatou que crianças entre nove e doze anos percebem maior apoio dos professores, do que os adolescentes de treze a dezoito. Uma das justificativas para essa diferença seria a importante transição entre a escola primária e secundária, com aumento no número de professores e diminuição do tempo de contato entre professor e aluno (Bokhorst, Sumter, & Westenber, 2010).

Ainda em relação às amostras, os estudos foram realizados com adolescentes de 20 países diferentes, tomando por base para definir a origem do estudo o país citado como sede da instituição dos autores da pesquisa. No caso de estudos que foram realizados com amostras de adolescentes de uma região diferente daquela da instituição dos autores, levou-se em consideração o país de onde provinha a amostra. A Figura 3 apresenta a quantidade de estudos por país, evidenciando a predominância de estudos realizados nos Estados Unidos, seguido de países do Reino Unido e da Suécia.

 

 

Esta revisão sistemática não revelou estudos com os temas de suporte social em adolescentes brasileiros com DM1. Os estudos representam, principalmente, a realidade de adolescentes de países da América do Norte e da Europa, com culturas, economias e sistemas de saúde muito diferentes dos do Brasil e outros países da América do Sul. Por esse motivo, deve haver cautela ao transpor os resultados desses estudos para a realidade latino-americana. Embora esta revisão não apresente estudos realizados no Brasil, não significa que eles não existam, pois pesquisas com esse enfoque podem ter sido publicadas em periódicos que não se encontram indexados nas bases revisadas neste estudo.

Quanto ao tipo de suporte social investigado nos estudos, o apoio familiar e dos pais foram os mais abordados, seguidos do apoio das equipes de saúde e de pares. Apenas três das pesquisas selecionadas referiram o suporte de professores e da escola. Quando os estudos se referiram ao suporte dos "pais" estavam tratando de ambos os genitores, porém, três pesquisas investigaram especificamente o apoio das mães, provavelmente pelo fato de as mães estarem envolvidas mais assiduamente do que os pais na rotina diária de cuidado dos adolescentes (Butner et al., 2009). Diversos estudos investigaram mais de um tipo de apoio para a mesma amostra, e alguns fizeram referência ao suporte social de forma geral, sem especificar o tipo. A Figura 4 apresenta o levantamento dos diferentes tipos de apoio mencionados nos resumos dos artigos, com números correspondentes à quantidade de estudos que investigou cada suporte específico. Alguns estudos investigaram mais de um tipo de suporte, por esse motivo a soma dos números referentes a cada categoria não é igual ao número total de artigos analisados.

 

 

Estudos publicados até 1995 investigaram com maior ênfase o papel da família e dos pais no convívio com o adolescente diabético, em detrimento de outras fontes de suporte como escola, equipes de saúde e pares. O tipo de relação entre pais-filhos também foi relacionado aos comportamentos de autocuidado, autoeficácia e sintomas depressivos em adolescentes com DM1. Ações negativas e muitas críticas dos pais aos filhos estiveram relacionadas a mais sintomas depressivos, baixa autoeficácia e baixo autocuidado em uma amostra de pré-adolescentes norte-americanos. Esses dados demonstram que a qualidade do cuidado parental influencia no bem-estar do pré-adolescente, chamando a atenção da equipe de saúde para estimular estratégias que promovam relações positivas de cuidado dos pais aos filhos com DM1 (Armstrong, Mackey, & Streisand, 2011).

A escola foi evidenciada como fonte de suporte social em estudos mais recentes e com objetivos diferentes: elaborar um currículo escolar adaptado para adolescentes com DM1; investigar a percepção dos adolescentes sobre o apoio recebido dos professores; e buscar correlações entre a vitimização por parte dos professores, o controle metabólico e o automonitoramento de adolescentes diabéticos. Os três estudos sobre o tema, publicados entre 2006 e 2008, revelaram a influência direta da escola, principalmente dos professores, no cotidiano e tratamento desses jovens, e mesmo muito relevantes, ainda são poucas as pesquisas com esse foco.

As equipes de saúde foram citadas como importantes fontes de suporte, principalmente por influenciarem diretamente o controle metabólico e a adesão ao tratamento de adolescentes com DM1. Um total de 33 estudos demonstrou o reconhecimento dos enfermeiros, médicos e outros profissionais da saúde como importantes fontes de apoio. Dentre essas pesquisas, aproximadamente a metade avaliou programas de intervenção propostos pelos próprios profissionais. Tais programas tiveram como objetivo melhorar o controle metabólico, as habilidades sociais, o automonitoramento da doença e a tomada de decisão dos jovens com DM1. Em revisão sistemática sobre programas de intervenção com essa população, foi observado que estes forneciam conhecimento e informação sobre o DM1, além de tratar de questões psicossociais e comportamentais, embora as intervenções não se mantivessem ao longo do tempo (Gage et al., 2004).

A tecnologia foi uma forma específica de suporte social observada, destacada através de uma categoria própria na classificação dos artigos, pela especificidade do tipo de apoio fornecido e pelo contexto em que se insere. Nos estudos revisados, a tecnologia foi muito utilizada como fonte de informação e, por vezes, em programas para facilitação do controle glicêmico de adolescentes diabéticos. Mensagens de texto por celular; jogos educativos de videogame e portais informativos na web foram apontados pelos autores como importantes fatores de proteção. No entanto, não há consenso sobre a contribuição da tecnologia, pois se por um lado facilita o controle glicêmico e a adesão ao tratamento dos pacientes, por outro esse tipo de ferramenta pode caracterizar-se como fator de risco para adolescentes com DM1. Ocorre que, em especial, as tecnologias de informação e comunicação via Internet (TIC) podem ser fonte de informação de qualidade duvidosa, e substituir o espaço que deveria ser de consulta presencial com os profissionais de saúde (Castiel & Vasconcellos-Silva, 2003).

O apoio dos pares de adolescentes com DM1 somente foi menos investigado que o suporte da família, pais e equipe. Essa importante fonte de apoio foi contemplada em 24 estudos, sendo que oito deles tiveram foco específico nesse tipo de suporte. As pesquisas envolveram pares com e sem DM1, e com outras doenças crônicas como epilepsia, asma e artrite reumatoide. Alguns autores diferenciaram os pares dos amigos, enfatizando o papel destes como moderadores e auxiliares no monitoramento dos cuidados, e facilitadores ou complicadores da adesão ao tratamento.

O apoio dos amigos também pode influenciar no bem-estar de adolescentes com DM1, conforme pesquisa realizada com adolescentes norte-americanos. Apresentar mais conflitos com amigos esteve associado a sintomas depressivos, pior autocuidado e baixo controle de glicose. Diferenças por sexo também foram encontradas, sendo que meninas que vivenciaram mais conflitos com amigos apresentaram pior controle metabólico, indicando que a vivência de tais conflitos influenciou no autocuidado (Helgeson, Lopez, & Kamarck, 2009).

A partir do que os artigos apresentaram como resultados e conclusões em seus resumos verificou-se que 78 (64%) das pesquisas evidenciam as diversas formas de suporte social como importante fator de proteção. Os autores desses 78 estudos apontam uma mais de uma consequência positiva dessas formas de apoio. Do total, 24 estudos (19,35%) encontraram que o suporte social influenciou na melhora do controle metabólico, 22 (17,74%) apontaram a contribuição para melhor o manejo do DM1 e 18 (14,51%) estudos indicaram que o apoio social auxiliou na adesão ao tratamento. Outros aspectos influenciados de forma positiva pelo suporte social foram o bem-estar (n = 7), a autoeficácia (n = 6), o controle nutricional (n = 5), a qualidade de vida (n = 5) e a autoestima (n = 4). Citados em apenas um estudo cada, o ajustamento social, a melhora na tomada de decisão, o manejo do estresse, e a melhora da autoimagem e autopercepção do adolescente foram evidenciados também como consequências positivas do apoio social.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir desta revisão sistemática, foi observado um crescimento de pesquisas nos últimos anos envolvendo os temas abordados. Constatou-se também que o país com mais estudos publicados sobre suporte social em adolescentes diabéticos foi os EUA. Esta revisão não contemplou estudos brasileiros envolvendo DM1, adolescência e suporte social, possivelmente porque eventuais estudos existentes estão publicados em periódicos não indexados nas bases de dados aqui selecionadas. De todas as formas, o baixo índice de estudos provindos de outros países em desenvolvimento, aponta para a necessidade de mais pesquisas sobre a temática, considerando as particularidades desses contextos.

A inclusão de diversas fontes de dados como família, amigos, escola, equipe de saúde e tecnologia permitiu uma melhor compreensão sobre o suporte percebido pelo adolescente. Ao pesquisar as diferentes fontes de apoio ao adolescente com DM1, tendência de estudos mais atuais, amplia-se o conhecimento sobre suporte social e reitera-se a importância desse fator de proteção para o desenvolvimento do adolescente com DM1. No entanto, a análise dos artigos selecionados permitiu compreender que estudos que incluíram crianças e adolescentes na mesma amostra não destacaram as características típicas da fase de transição, já que se sabe que a autonomia e, consequentemente, o controle metabólico, modificam-se significativamente na passagem da infância para a adolescência no contexto do DM1.

Os elementos identificados nos estudos permitem compreender que o suporte social caracteriza-se como um importante fator de proteção no enfrentamento do DM1 na adolescência, influenciado na melhora do controle metabólico, no manejo e na adesão ao tratamento. Os estudos também demonstram que, em alguns casos, o suporte social ainda pode influenciar de forma positiva características como autoestima, autoeficácia e autoimagem, assim como pode contribuir para a melhora da qualidade de vida e bem-estar do adolescente. Desta forma, sugere-se que novos estudos e projetos de intervenção com esta população considerem o impacto do suporte social no enfrentamento e melhor ajustamento do adolescente com DM1.

Esta revisão apresenta como limitação o fato de ter sido baseada nos abstracts dos artigos selecionados, o que não permitiu o conhecimento mais aprofundado dos resultados das pesquisas. Essa escolha metodológica sse deu devido ao grande número de artigos que obedeceram aos critérios de inclusão. Novos estudos com uma análise mais aprofundada dos resultados, a partir dos textos completos, podem contribuir com novos elementos para a compreensão do suporte social como fator de proteção para o enfrentamento do DM1 na adolescência.

 

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Endereço para correspondência
Cássia Ferrazza Alves
E-mail: cassiaferrazza@gmail.com

Recebido: 30/11/2013
1ª revisão: 28/12/2013
Aceite final: 15/01/2014

 

 

* Apoio: CAPES
1 Luciana Cassarino-Perez é psicóloga e mestre em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
2 Cássia Ferrazza Alves é psicóloga e mestre em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
3 Débora Dalbosco Dell'Aglio é docente do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.