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Revista da SPAGESP

versão impressa ISSN 1677-2970

Rev. SPAGESP vol.15 no.2 Ribeirão Preto dez. 2014

 

EDITORIAL

 

O inesperado como convite ao aprendizado: experiências de grupos em saúde mental

 

 

Fabio Scorsolini-Comin1

SPAGESP – Sociedade de Psicoterapias Analíticas Grupais do Estado de São Paulo, Ribeirão Preto-SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 

Ah, essa gente que me encomenda
um poema
com tema...

Como eu vou saber, pobre arqueólogo do futuro,
o que inquietamente procuro
em minhas escavações do ar?

(Mario Quintana, O descobridor. In O baú de espantos, 2014)

 

É com muita satisfação que apresento a toda a comunidade científica o segundo fascículo de 2014 da Revista da SPAGESP. O título deste editorial obviamente remete-se ao artigo que abre o presente número, da autoria de Waldemar Fernandes, do NESME e da SPAGESP. O Prof. Waldemar traz à baila uma importante reflexão, a partir de psicanálise vincular, sobre como o inesperado, as adversidades e os imprevistos podem ser acolhidos e trabalhados na psicoterapia de grupo, promovendo aprendizagem. A tolerância à frustração e a aceitação da incerteza são apresentadas como possíveis formas de compreender esses eventos. De modo similar, podemos pensar em todos os grupos com os quais temos trabalhado: de que modo o inesperado tem sido absorvido, questionado, problematizado ou negligenciado em nossas práticas?

No domínio da saúde mental e do trabalho com grupos, o inesperado, aquilo que foge à regra e ao que é, de fato, aguardado, pode ser um disparador de reflexões e, mais do que isso, funcionar como um convite para o crescimento, a inovação, o aprendizado. O convite trazido pelo primeiro estudo deste fascículo, desse modo, atravessa todas as contribuições aqui reunidas, seja em redefinições ao longo de um processo de coleta de dados, seja em novos eventos e informações que nos obrigam a um novo olhar para aquilo que já considerávamos fechado, consolidado, analisado. Lidar com o humano faz parte do fazer em pesquisa e também das práticas nas quais atuamos, de modo que o inesperado pode nos ajudar a aprender com o que foge ao já-dito, o já-pensado, o já-escrito, sendo o espaço grupal um potencializador desses movimentos de abertura ao novo.

O segundo estudo, da autoria de Elisa Avellar Merçon-Vargas, Edinete Maria Rosa e Débora Dalbosco Dell'Aglio, das Universidades Federais do Espírito Santo e do Rio Grande do Sul, investiga as significações, motivações e o processo de habilitação em dois casos de adoção nacional e internacional, destacando a importância de como os adotantes significam o processo de adoção, bem como os valores e ideias presentes na sociedade.

Bruno de Brito Silva e Elder Cerqueira-Santos, da Universidade Federal de Sergipe, em um estudo teórico, exploram a ideia de identidade social em transexuais e travestis a partir dos conceitos de gênero, corpo, sexualidade e da importância e influência do apoio e do suporte social no universo trans. Os autores propõem um diálogo a partir da Psicologia do Desenvolvimento, da Psicologia Positiva e dos estudos de gênero.

Ainda no campo dos estudos de gênero, Naiana Dapieve Patias, Pascale Chechi Fiorin, Letícia Saldanha de Lima e Ana Cristina Garcia Dias, das Universidades Federais de Santa Maria e do Rio Grande do Sul, apresentam uma revisão acerca da parentalidade na adolescência. Entre os principais achados, atestam que as concepções tradicionais de gênero contribuem para tornar as adolescentes, principalmente de classes pobres, mais vulneráveis à ocorrência da gestação durante esse período de vida.

O quinto estudo deste fascículo, da autoria de Rafael Braga Esteves, Lucilene Cardoso e Clarissa Mendonça Corradi-Webster, da Universidade de São Paulo, discute as características da instituição total frente aos considerados desvios de conduta juvenis, a partir do filme "A Ilha, Prisão sem Grades", dirigido por Christian Duguay em 2008. A partir da análise, concluem que a instituição trazida na narrativa, com seus dispositivos, trabalha na despersonalização e normatização do indivíduo, dificultando sua reinserção na sociedade.

Cali Rodrigues de Freitas e Cybele Carolina Moretto, da Universidade Paulista, campus Sorocaba, apresentam o relato de uma experiência profissional ocorrida em uma unidade pré-hospitalar. São discutidas questões como a inserção do profissional de Psicologia, o diálogo da equipe multidisciplinar, bem como a atuação humanizada e a promoção do cuidado integral nesse contexto, tendo como norteador o olhar de uma estagiária em formação.

No campo das experiências em psicoterapia de grupo, Élide Dezoti Valdanha, Érika Arantes de Oliveira-Cardoso, Rosane Pilot Pessa Ribeiro, Adriana Inocenti Miasso, Sandra Cristina Pillon e Manoel Antônio dos Santos, da Universidade de São Paulo, relatam um grupo psicoterapêutico para pacientes diagnosticados com transtorno alimentar. O espaço construído pela equipe multidisciplinar possibilitou expressões sintomáticas dos transtornos alimentares, bem como de conflitos intrafamiliares que foram acolhidos e ressignificados a partir da presença da equipe e dos demais participantes.

O artigo intitulado "Um olhar psicanalítico sobre os grupos de apoio a famílias de drogadictos", da autoria de Maria Elizabeth Barreto Tavares dos Reis, da Universidade Estadual de Londrina, aborda os aspectos psicopatológicos da drogadicção e as implicações na relação pais – adictos. Na experiência de grupo relatada pela autora, a partir da abordagem psicanalítica, verificou-se o importante papel do grupo de apoio no processo de recuperação dos participantes.

Este fascículo encerra-se com o relato de experiência de Lori Maria Braun, Letícia Lovato Dellazzana-Zanon e Silvia C. Halpern, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, acerca dos atendimentos à família de um dependente químico realizado em um CAPS. O atendimento familiar proporcionou um espaço para conversar sobre a dependência química, gerando mudanças consideráveis, como apoio mútuo e coesão, o que pode ser observado em todos os membros atendidos.

Desejo a todos e todas uma proveitosa leitura desse material construído a partir de pesquisas e experiências de diferentes interlocutores, todos focados na promoção da saúde e no estabelecimento de importantes espaços de escuta e de cuidado. Ao final da leitura desses artigos, reforço o convite para que cada um possa olhar, receber e refletir sobre o inesperado em suas pesquisas e práticas, a exemplo do que anuncia Mario Quintana na epígrafe deste editorial.

 

 

Endereço para correspondência
Fabio Scorsolini-Comin
E-mail: fabioscorsolini@gmail.com

 

 

1 Fabio Scorsolini-Comin é doutor em Psicologia pela Universidade de São Paulo, professor do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Triângulo Mineiro e editor responsável pela Revista da SPAGESP.