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Revista da SPAGESP

versão impressa ISSN 1677-2970

Rev. SPAGESP vol.16 no.1 Ribeirão Preto  2015

 

ARTIGOS

 

Conhecimentos e práticas sobre métodos contraceptivos em estudantes universitários

 

Knowledge and practices on contraception among college students

 

Conocimientos y prácticas sobre métodos anticonceptivos en jóvenes universitarios

 

 

Marina Zanella Delatorre1; Ana Cristina Garcia Dias2

Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre-RS, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo deste estudo foi verificar o conhecimento de universitários sobre métodos contraceptivos e sua utilização na primeira relação sexual e no momento da coleta de dados. Foi aplicado um questionário sobre dados sociodemográficos, conhecimentos e práticas contraceptivas a 293 universitários. A maioria dos entrevistados já teve relações sexuais. Contraceptivos foram utilizados por 91,7% das jovens e 81,3% dos participantes do sexo masculino na iniciação sexual, e por 96,3% das participantes e 90,0% dos jovensno último ano. O preservativo foi mais utilizado na iniciação sexual, sendo parcialmente substituído pela pílula nas relações subsequentes. Os métodos mais conhecidos pelos participantes foram o preservativo e a pílula anticoncepcional. Constatou-se a influência dos papéis de gênero e de fatores como o contexto do relacionamento e o tempo de atividade sexual nas práticas sexuais.

Palavras-chave: comportamento sexual; contracepção; juventude.


ABSTRACT

The aim of this study was to verify university students' knowledge about contraceptive methods and its use during their first sexual experience and during data collection. A questionnaire about sociodemographic data, information level and contraceptive practices was administered to 239 students. The majority of the people interviewed had already engaged in a sexual intercourse. In the first sexual experience, 91,7% of women and 81,3% of men used contraceptives, whereas over their last year 96% of women and 90% of men used. Condoms were most used in sexual initiation, being partially substituted for pills in their following relations. Pills and condoms were the most known contraceptive methods. Gender role and factors such as relationships context and time of sexual activity were considered influences in sexual practices.

Keywords: Sexuality; contraception; youth.


RESUMEN

Este estudio investigó el conocimiento de universitarios acerca de los métodos anticonceptivos y su utilización en la primera relación y en el momento de la recogida de datos. Un cuestionario sobre datos sociodemográficos, conocimientos y prácticas anticonceptivas fue aplicado a 293 estudiantes universitarios. La mayoría de los encuestados han tenido relaciones sexuales. Anticonceptivos fueron utilizados por 91,7% de las jóvenes y 81,3% de los participantes del sexo masculinos en la primera relación sexual, y el 96,3% de las participantes y el 90,0% de los jóvenes en el último año. El condón es el método más utilizado a la iniciación sexual, siendo sustituido en parte por la píldora en las relaciones posteriores. Los métodos más conocidos eran el condón y la píldora. Se encontró la influencia de los roles de género y los factores situacionales, como el contexto de la relación y el tiempo de la actividad sexual.

Palabras clave: conducta sexual; anticoncepción; juventud.


 

 

A juventude é um conceito dinâmico, que pode ser considerado fruto de uma construção histórica, sociocultural e relacional, que demarca a passagem da infância à idade adulta (Freitas, Abramo, & León, 2005). De acordo com as Nações Unidas, são considerados jovens os indivíduos que se encontram na faixa etária entre 15 e 24 anos (UNESCO, 2011). Entretanto, "ser jovem" na sociedade contemporânea significa muito mais do que pertencer a uma determinada faixa etária; a juventude está relacionada às ideias de inovação, beleza, ousadia, coragem e sexualidade (Villela & Doreto, 2006).

A juventude é muitas vezes entendida como sinônimo de adolescência. De acordo com definições internacionais, há uma intersecção entre os dois períodos, sendo que a faixa etária da adolescência, dos 10 aos 19 anos (WHO, 2012) se sobrepõe ao início da juventude, situada entre os 15 e os 24 anos (UNESCO, 2011). No entanto, algumas diferenças podem ser observadas entre esses conceitos. A adolescência costuma ser associada a ideias de irresponsabilidade, dependência e impulsividade (Villela & Doreto, 2006). Enquanto isso, a juventude é caracterizada pela maior aproximação nos âmbitos de atuação e circulação adultos, em comparação à adolescência, e pela crescente inserção do jovem em diversos níveis da vida social (Freitas et al., 2005).

O início da vida sexual é um dos marcos da juventude (Brandão & Heilborn, 2006; Mendes, Moreira, Martins, Souza, & Matos, 2011), sendo que a vivência da sexualidade se insere no contexto de busca por autonomia presente neste período do desenvolvimento (Heilborn, 2012). As práticas sexuais juvenis, no entanto, não costumam estar associadas à noção de autonomia, mas sim à ideia de um desregramento no comportamento, que seria responsável pela ocorrência de gestações indesejadas ou pelo contágio de Doenças Sexualmente Transmissíveis – DSTs (Alves & Brandão, 2009). Assim, o conhecimento e as práticas cotidianas relacionadas ao uso de métodos contraceptivos e de proteção contra DSTs ganham destaque no que diz respeito à saúde dos jovens, uma vez que diferentes percursos podem ser vividos na trajetória sexual juvenil referente a esses fenômenos (Brandão, 2009).

As práticas sexuais juvenis são consideradas prioridade também pelas políticas públicas acerca dos direitos sexuais e reprodutivos da população. As diretrizes implantadas pelo Ministério da Saúde, através da área técnica da saúde do adolescente e do jovem, buscam implementar ações voltadas à educação e à saúde sexual e reprodutiva especificamente dessa população. Dentro dessas ações, estão incluídas a educação sexual, a contracepção, a prevenção contra DSTs, entre outras (Ministério da Saúde, 2006).

O conhecimento sobre métodos contraceptivos e suas formas de utilização, no entanto, não levam necessariamente a práticas contraceptivas eficientes (Alves & Lopes, 2008a; Brum & Carrara, 2012; Patias & Dias, 2014; Pirotta & Schor, 2004). Alguns estudos mostram que as informações sobre contracepção e as consequências do exercício sexual desprotegido circulam entre os jovens através de diversos contextos, como a família (Patias & Dias, 2014; Rojas, Crestani, Batista, & Melo, 2006; Teixeira, Knauth, Fachel, & Leal, 2006), a escola, os meios de comunicação e as conversas com os pares (Alves & Brandão, 2009; Koerich et al., 2010; Patias & Dias, 2014; Rojas et al., 2006). Apesar da disponibilidade de informações, o conhecimento efetivo sobre as formas de funcionamento e de uso dos métodos contraceptivos parece ser insatisfatório (Alves & Brandão, 2009; Alves & Lopes, 2008a; Brum & Carrara, 2012; Martins et al., 2006; Patias & Dias, 2014).

Estudos mostram que os conhecimentos dos jovens sobre métodos contraceptivos tendem a se restringir ao uso do preservativo masculino e a alguns conhecimentos sobre contraceptivo hormonal oral e injetável (Alves & Lopes, 2008a; Berquó, Garcia, & Lima, 2012; Cabral, 2003; Koerich et al., 2010; Mendes et al., 2011). Contudo, as informações sobre estes dois métodos tendem a ser inadequadas ou incompletas (Alves & Lopes, 2008a; Koerich et al., 2010), o que se reflete na forma de utilização dos mesmos. No caso dos contraceptivos orais, muitas vezes os jovens apresentam dificuldades em lidar com alguns dos efeitos colaterais, como vômitos e diarreia, ou com a ocorrência de situações inesperadas, como o esquecimento do uso diário da pílula. A utilização do preservativo, por sua vez, costuma estar mais relacionada à prevenção de uma gravidez, sendo desconsiderado seu papel na proteção contra as DSTs (Koerich et al., 2010; Leite et al., 2007).

Além da informação sobre métodos contraceptivos, outro fator que influencia a utilização ou não dos mesmos é o contexto familiar. A falta de diálogo sobre sexualidade e formas de prevenção de gravidez e DSTs entre pais e filhos pode dificultar o manejo da contracepção (Brandão, 2009). A comunicação familiar sobre o assunto frequentemente apresenta problemas. Principalmente entre as jovens, as informações recebidas dos pais costumam ser percebidas como parciais e incompletas. Também há dificuldades no estabelecimento de um vínculo de confiança com os pais que permita conversar abertamente sobre sexualidade e contracepção (Dias & Gomes, 2000; Ressel, Junges, Sehnem, & Sanfelice, 2011).

Já os pais muitas vezes consideram que os filhos possuem informações suficientes sobre sexualidade e contracepção, ou que não estão aptos a falar sobre o assunto com os filhos. A crença de que o início da vida sexual dos filhos possa ser postergado caso o assunto não seja discutido em família, ou de que essa discussão incentive o exercício sexual, parece contribuir para que estas falhas ocorram no diálogo familiar sobre sexualidade e prevenção (Dias & Gomes, 1999, Heilborn, 2012).

Outros fatores que estão relacionados à não adoção das práticas contraceptivas são a ideia de que a responsabilidade pela contracepção é do parceiro (Teixeira et al., 2006), a oposição do parceiro ao uso de algum método (Rojas et al., 2006), a esporadicidade das relações sexuais e a falta de planejamento das relações sexuais (Rojas et al., 2006; Alves & Lopes, 2008b). Em contraposição, ter usado métodos contraceptivos na iniciação sexual (Teixeira et. al., 2006; Longo, 2002), a maior idade na sexarca (Longo, 2002); o maior nível de instrução (Leite et al., 2007), o maior nível de escolaridade materna (Teixeira et al., 2006; Marinho, Aquino, & Almeida, 2009); e a maior renda familiar per capita (Marinho et al., 2009) contribuem para o uso de métodos contraceptivos.

As práticas contraceptivas parecem sofrer ainda mudanças ao longo do exercício da vida sexual juvenil. De acordo com a literatura, a maioria dos jovens refere ter utilizado algum método contraceptivo no momento de sua iniciação sexual, contudo, alguns fatores levam os jovens a abandonarem o uso ou a revisarem o método utilizado. O preservativo tende a ser o método mais utilizado pelos jovens no momento da iniciação, sendo seguido pela pílula, que frequentemente é combinada com o condom (Alves & Lopes, 2008b; Marinho et al., 2009; Tronco & Dell'Aglio, 2012).

A utilização desses dois métodos tende a levar em consideração algumas variáveis: o uso da pílula como método isolado tende a aumentar com o desenvolvimento de uma vida sexual ativa, quando há uma gradativa substituição do preservativo pelo método hormonal (Alves & Lopes, 2008b; Aragão, Lopes, & Bastos, 2011; Tronco & Dell'Aglio, 2012). Isto pode ocorrer tanto em função de alguns transtornos provocados pelos métodos de barreira, como irritação ou alergias, quanto pela presença de crenças que associam o uso de camisinha à interrupção da sensação de prazer ou à "quebra do clima" na relação sexual (Brandão, 2009). Já a pílula anticoncepcional ganha importância na medida em que os relacionamentos se tornam mais estáveis (Pirotta & Schor, 2004; Tronco & Dell'Aglio, 2012).

Entre os homens, observa-se a existência de crenças que geram uma divisão entre as parceiras: não confiáveis (com as quais eles utilizam o preservativo) e as confiáveis ou estáveis, com as quais o preservativo não é utilizado (Alves & Brandão, 2009; Koerichet al., 2010). Há uma distinção entre vínculo/afeto (gostar da companheira) e a realização da atividade sexual, apenas. Estas divisões associam-se à desvalorização moral das parceiras eventuais, especialmente as que são avaliadas como "fáceis" pelo fato de se relacionarem com vários parceiros ou aceitarem ter relações sexuais rapidamente. Crenças de que os homens apresentam impulsos sexuais incontroláveis e a valorização do desempenho sexual dos mesmos, através do desenvolvimento de atividades sexuais com múltiplas parceiras, também se relacionam a esta lógica de hierarquização feminina (Salem, 2004).

O objetivo deste trabalho foi verificar o conhecimento de jovens universitários de uma cidade do interior gaúcho a respeito de métodos contraceptivos, identificando e comparando os métodos utilizados por estes na primeira relação sexual e no momento da coleta de dados. Considerando a influência de questões de gênero no conhecimento e utilização desses métodos, também foi investigada a existência de associações entre conhecimento sobre métodos contraceptivos e sexo do participante.

 

Método

Participantes

Participaram do estudo 293 universitários de instituições de ensino públicas e privadas, de ambos os sexos (58,4% do sexo feminino), com idades entre 18 a 24 anos (M = 21,08 anos; DP = 1,87) de diferentes semestres dos cursos de Administração, Ciências Contábeis, Direito e Psicologia. Os estudantes declararam ter uma renda familiar média de R$ 5461,76 (DP = 5.051,52; mdn = 4.000,00). No que se refere à cor da pele, 91,1% descreveram-se como brancos, 6,5% como pardos, 1,7% como negros e 0,7% como orientais.

No momento da coleta de dados, em setembro e outubro de 2012, 50,2% dos participantes estavam namorando, 34,7% referiram não possuir nenhum relacionamento, 8,2% tinham um parceiro eventual ou "ficante" e 6,9% possuíam companheiro ou marido. Contudo, ao serem questionados sobre possuir um parceiro fixo ou eventual, 73,3% dos estudantes indicaram se enquadrar na primeira situação e 27,2% na segunda.

Instrumentos e procedimentos

Foi utilizado um questionário sobre dados sociodemográficos, conhecimentos e práticas contraceptivas adotadas no momento da iniciação sexual e atualmente. A aplicação foi realizada de forma coletiva, em sala de aula, nos cursos de Administração, Ciências Contábeis, Direito e Psicologia. Esses cursos foram selecionados pelo critério de conveniência, porém, tomou-se o cuidado de não incluir na amostra alunos de cursos da área da saúde, para evitar vieses no que diz respeito ao conhecimento sobre contracepção. Após a concordância dos estudantes em colaborar com o estudo, foram assinadas duas vias do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e preenchido o questionário do estudo. Para a análise dos dados foram empregados procedimentos estatísticos descritivos (frequências, médias e desvios-padrão) e inferenciais (testes t e de associação qui-quadrado). Todos os princípios éticos previstos para a pesquisa com seres humanos presentes na resolução 196/96 do Ministério da Saúde foram observados. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de Santa Maria através do CAAE nº 03958712.0.0000.5346.

 

Resultados e discussão

A maioria (91,4%) dos entrevistados já teve relações sexuais. As informações sobre a iniciação sexual dos participantes são apresentadas na Tabela 1. A idade da iniciação sexual masculina, aos 16 anos, foi semelhante à encontrada em outros estudos, que situam a sexarca masculina entre os 15 e 16 anos (Teixeira et al., 2006; Marinho et al., 2009; Borges & Schor, 2005). A sexarca feminina ocorreu aos 15 anos, um pouco mais cedo do que a referida por outros estudos, que a situam entre 17 (Alves & Brandão, 2009; Alves & Lopes, 2008b) e 18 anos ou mais (Pirotta & Schor, 2004; Teixeira et al., 2006; Marinho et al., 2009). Em contrapartida, no estudo conduzido por Tronco e Dell'Aglio (2012) com adolescentes estudantes de escolas públicas em Porto Alegre, a média de idade na iniciação sexual foi de 13,94 anos para os meninos e 14,57 anos para as meninas. Esta divergência de dados pode estar relacionada a diferenças regionais, uma vez que em estudo realizado com jovens de três capitais brasileiras (Rio de Janeiro, Salvador e Porto Alegre), Marinho e colegas (2009) identificaram um início mais precoce da vida sexual entre os jovens da região Sul, em comparação às demais capitais investigadas.

 

A idade média das parceiras e parceiros na sexarca apresentou diferença significativa entre os participantes do sexo masculino e feminino, t(257) = 3,25, p = 0,001. Esse resultado confirma achados de outros estudos, apontando que as jovens tendem a se iniciar sexualmente com parceiros mais velhos (Tronco & Dell'Aglio, 2012). A Tabela 1 mostra ainda que a maioria das jovens teve a primeira relação sexual com o namorado, enquanto que para os participantes do sexo masculino a parceira mais frequente na iniciação foi uma amiga.

As questões de gênero também exerceram influência no uso de contraceptivos na primeira relação sexual, na qual 81,3% dos jovens do sexo masculino e 91,7% das participantes do sexo feminino referem ter utilizado alguma precaução, X2(1) = 6,39, p = 0,012. Este resultado sugere que as jovens apresentam uma maior preocupação em relação à contracepção, uma vez que é no corpo feminino que se processam as consequências imediatas de uma relação sexual desprotegida.

O principal método utilizado na iniciação sexual por ambos os sexos foi o preservativo masculino, utilizado isoladamente por 59,3% dos participantes que responderam à questão, ou em associação com a pílula anticoncepcional, por 28,6%. Um percentual maior de participantes do sexo masculino em relação ao feminino apontou ter usado apenas camisinha, enquanto uma proporção maior de jovens mulheres indicou o uso de camisinha associado à pílula, em comparação aos jovens do sexo masculino (Tabela 2). A pílula como método isolado foi utilizada por 5,8% dos estudantes na primeira relação sexual. A tendência de maior uso do preservativo na iniciação sexual também foi encontrada em outros estudos (Alves & Lopes, 2008b; Aragão et al., 2011; Brum & Carrara, 2012; Rojas et al., 2006; Teixeira et al., 2006; Patias & Dias, 2014). A preferência pelo uso do preservativo em relação a outros métodos parece estar associada à praticidade, ao baixo custo financeiro e à ausência de efeitos colaterais (Leite et al., 2007). O fato de 28,6% dos estudantes relatarem o uso do preservativo combinado ao método hormonal apresenta um aspecto positivo, na medida em que pode refletir a busca por formas de prevenção tanto de uma gravidez indesejada quanto de DSTs.

 

É interessante notar que, de acordo com o relato de 13,7% dos jovens do sexo masculino, a razão do uso do preservativo foi exigência da parceira (Tabela 3). As participantes do sexo feminino referiram conversar com mais frequência (92,8%) com o parceiro sobre métodos contraceptivos do que os jovens (75,2%), X2(1) = 15,87, p< 0,001. As jovens também utilizaram métodos contraceptivos com maior frequência (96,3%) em relação aos jovens do sexo masculino (90,0%) no último ano, X2(1) = 4,32, p = 0,038. Isso demonstra maior preocupação ou predisposição feminina ao uso de contraceptivos e pode ser um indício da aquisição de maior poder feminino nas negociações sobre sexualidade e contracepção. O aumento do poder de negociação quanto ao uso do preservativo parece estar associado à idade e à experiência sexual feminina. Entre as jovens, o uso de preservativo associa-se ao maior tempo de vida sexual ativa (Teixeira et al., 2006), sendo que estas parecem ter mais autonomia quanto ao comportamento contraceptivo quando são mais velhas do que o parceiro, ou quando já possuem algum tempo de experiência sexual (Marinho et al., 2009).

 

Nesse estudo, a confiança no parceiro como justificativa para não usar o preservativo manteve índices similares em ambos os sexos (Tabela 3). Este dado talvez demonstre que ambos os sexos compartilham de ideias similares a respeito desse tema. Contudo, ele está associado a maiores dificuldades na prevenção contra DSTs, uma vez que o preservativo é o único método contraceptivo que também oferece proteção contra essas doenças. A confiança entre parceiros enquanto razão citada para abrir mão do preservativo está associada à ideia de que conhecer o parceiro e ter com este uma relação estável assegura que a parceria sexual entre o casal é exclusiva. Assim, desconsiderando que o parceiro pode ter sido exposto a outras situações de risco fora do contexto do relacionamento do casal, infere-se que não há risco de contrair DSTs, restando apenas a necessidade de se prevenir contra a gravidez (Toneli, Mendes, Vavassori, Guedes, & Finkler, 2003; Tronco & Dell'Aglio, 2012).

A prevenção contra DSTs parece ser dimensionada de maneira diferente entre os sexos. O uso da pílula anticoncepcional como justificativa para a não utilização do preservativo ocorreu em 77,7% das participantes do sexo feminino, enquanto esta justificativa foi apenas referida por 48,4% dos estudantes do sexo masculino (Tabela 3). Assim, o uso do preservativo entre as jovens aparece muito mais relacionado à prevenção da gravidez do que para evitar a aquisição de uma DST (Leite et al., 2007). Da mesma forma, os jovens do sexo masculino referem um uso significativamente maior de preservativo (87,4%), quando comparados ao sexo feminino (73,4%), na última relação sexual que tiveram com um(a) parceira(o) eventual, o que sugere que estes podem estar mais preocupados que as jovens com a contração de uma DST. A respeito disso, Pirotta (2002) argumenta que o uso do preservativo está associado a situações como relações sexuais esporádicas, parceiros pouco conhecidos, ou ao início de um relacionamento com novos parceiros. Assim, os homens, que geralmente trocam mais de parceria do que as mulheres, estariam mais habituados ao uso do preservativo e, por isso, ficariam menos expostos às consequências de uma relação sexual desprotegida.

A adoção de práticas contraceptivas depende em parte do conhecimento a respeito de métodos disponíveis e suas formas de funcionamento. Por isso, buscou-se investigar quais eram os métodos contraceptivos mais conhecidos entre os jovens. O conhecimento sobre os métodos contraceptivos autorrelatado é apresentado na Tabela 4.

 

 

Os métodos mais conhecidos pelos participantes desse estudo são o preservativo e a pílula anticoncepcional, resultado este também já descrito em estudos anteriores (Alves & Lopes, 2008a; Cabral, 2003; Koerichet al., 2010). Uma parcela considerável dos estudantes relatou conhecer também o coito interrompido, o DIU, a tabelinha e o diafragma. Este resultado pode estar relacionado ao alto nível de escolarização apresentado pelos participantes desta pesquisa, uma vez que o conhecimento sobre contracepção tende a se elevar conforme aumenta o nível de escolaridade (Alves & Lopes, 2008a). Porém, é importante mencionar que não há garantias de que o nível de conhecimento autorrelatado corresponda ao conhecimento efetivo desses métodos, uma vez que os dados apresentados referem-se apenas ao relato dos jovens.

 

Considerações finais

Apesar das idades de início da vida sexual nos sexos masculino e feminino se mostrarem semelhantes, o contexto em que essas relações ocorrem ainda é distinto. Algumas concepções de gênero podem explicar essa situação. Entre as jovens, parece persistir a ideia romântica de entrega ao parceiro através da primeira relação sexual. As práticas sexuais femininas, inseridas no contexto do namoro, são permeadas por valores tradicionais, segundo os quais a virgindade é concedida ao parceiro a fim de que este mantenha seu interesse no prosseguimento da relação (Pantoja, 2003). Dessa forma, a experiência sexual propriamente dita costuma ser colocada em segundo plano pelas jovens, que consideram esta experiência uma consequência da consolidação do vínculo amoroso (Bozon & Heilborn, 2001).

Os jovens do sexo masculino, em contrapartida, tendem a considerar sexualidade e sentimento como duas realidades distintas e independentes, sendo eventualmente possível uma sobreposição entre elas. A primeira relação sexual masculina pode estar associada às noções de prova, desafio ou de uma experiência arriscada, na qual o jovem deverá provar sua competência sexual. O aprendizado da sexualidade masculina representa uma iniciação pessoal ativa, frequentemente marcada por erros, fracassos e sucessos (Bozon & Heilborn, 2001).

No que diz respeito à contracepção, foram encontrados padrões divergentes da literatura no que diz respeito ao gênero. A contracepção é uma preocupação geralmente atribuída ao sexo feminino (Brandão & Heilborn, 2006; Leite et al., 2007). Ao mesmo tempo, há uma dupla moral sexual que classifica as mulheres que sugerem o uso do preservativo na relação sexual como "fáceis", resultando em uma avaliação moral negativa (Crawford & Popp, 2003; Nogueira, Saavedra, & Costa, 2008; Oliveira & Wiezorkievicz, 2010). Entretanto, os resultados do presente estudo parecem sinalizar mudanças no comportamento feminino no que se refere a essa questão: elas estão adotando um comportamento contraceptivo mais ativo. O uso de contraceptivos, tanto na iniciação sexual quanto durante o último ano, foi relatado com mais frequência pelo sexo feminino, que também relatou conversar mais com o parceiro sobre contracepção em relação ao sexo masculino. Além disso, um número significativamente maior destes últimos disse ter utilizado preservativo por exigência da parceira.

Esses achados podem significar uma mudança de postura das mulheres em relação às suas vidas sexuais e ao próprio corpo, uma vez que essas medidas adotadas de forma mais ativa previnem gestações indesejadas e a infecção por DSTs. Contudo, os resultados devem ser analisados levando em conta a natureza da amostra. Os participantes deste estudo eram estudantes universitários de classe média, o que pode ter contribuído para essas diferenças em relação a outros estudos.

O uso de métodos contraceptivos também apresenta alguns padrões ao longo da vida sexual dos jovens. O preservativo, mais utilizado na iniciação sexual, tende a ser substituído por métodos hormonais. Esse resultado também foi observado em outros estudos (Rojas et al., 2006; Teixeira et al., 2006; Tronco & Dell'Aglio, 2012), principalmente em associação com contextos de relacionamento mais estáveis (Aragão et al., 2011; Brandão, 2009; Pirotta & Schor, 2004; Tronco & Dell'Aglio, 2012). Os jovens do sexo masculino tendem a utilizar o preservativo com parceiras esporádicas, geralmente consideradas promíscuas. As jovens, por sua vez, parecem relacionar o abandono do preservativo ao estabelecimento de uma relação estável, sendo que esse ato representa uma prova de confiança e amor ao parceiro (Alves & Brandão, 2009; Brandão, 2009).

O presente estudo apresenta algumas limitações, como o fato de o conhecimento sobre contracepção ter sido autorrelatado, o que não garante que este conhecimento esteja correto ou possibilite um comportamento contraceptivo efetivo. Além disso, os participantes eram estudantes universitários, o que impede a generalização dos dados para jovens de outros segmentos da população.

Apesar da alta escolaridade dos jovens participantes e dos índices relativamente altos de uso de contraceptivos relatados, percebe-se que há ainda inconsistências na utilização de métodos contraceptivos na amostra estudada. O uso destes métodos pelos jovens pode assumir uma lógica peculiar, especialmente na medida em que o tempo de experiência sexual aumenta e os relacionamentos se tornam estáveis. Os papéis de gênero ganham importância neste contexto, traçando práticas sexuais e de proteção distintas entre homens e mulheres. Nesse sentido, ressalta-se a importância de conhecer e considerar esta lógica que orienta as práticas sexuais juvenis na elaboração de políticas públicas, proporcionando espaços de discussão sobre sexualidade, em detrimento de intervenções meramente prescritivas, a fim de que estas de fato atinjam a população juvenil.

 

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Endereço para correspondência
Marina Zanella Delatorre
E-mail: marina_mzd@yahoo.com.br

Recebido: 13/10/2014
1ª reformulação: 27/11/2014
Aceite: 10/12/2014

 

 

1 Marina Zanella Delatorre é mestre em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande Sul e doutoranda pela mesma instituição.
2 Ana Cristina Garcia Dias é docente da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

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