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Revista da SPAGESP

versão impressa ISSN 1677-2970

Rev. SPAGESP vol.19 no.1 Ribeirão Preto Jan./Jun. 2018

 

ARTIGOS

 

Voz e alteridade: um contraponto entre psicanálise e psicologias dialógicas

 

Voice and otherness: a counterpoint between psychoanalysis and dialogic psychologies

 

Voz y alteridad: un contrapunto entre el psicoanálisis y psicologías dialógicas

 

 

Daniela Bueno de Oliveira Américo de Godoy1; José Francisco Miguel Henriques Bairrão2

Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto-SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo apresenta e esquematiza um possível debate sobre a voz. Consideram-se contribuições psicanalíticas e construções produzidas por abordagens dialógicas em psicologia. Por meio da análise de textos considerados pioneiros em seus respectivos campos teóricos, destacam-se as confluências e divergências em relação ao endereçamento e à materialidade, eixos analíticos próprios a essas perspectivas. Em ambas a voz institui a subjetividade pela relação com o outro. Para a psicanálise essa questão amplia-se como consequência da articulação do apelo ao outro. Mediante a linguagem, a voz inscreve o sujeito no Outro e se atualiza como corpo. Irredutível à emissão vocal, a voz equivale a uma estrutura que pode apoiar-se em muitas experiências estéticas e sensoriais. Ao situar a voz no espaço topológico, a psicanálise lacaniana resolve aparentes paradoxos como o relativo à interioridade versus exterioridade.

Palavras-chave: voz; self dialógico; psicanálise lacaniana; topologia.


ABSTRACT

This paper presents and outlines a possible debate about "voice". In order to do so, Psychoanalytical contributions and constructions produced by dialogical approaches in psychology are considered. The confluences and divergences related to "addressing" and "materiality", specific analytical axes to these perspectives, are contrasted through the analysis of texts considered pioneers in their respective theoretical fields. In both of them "voice" institutes the subjectivity by the relation with the other. For psychoanalysis this question is amplified as a consequence of the articulation of the appeal to the other. Through language, "voice" inscribes the subject in the Other and actualizes itself as a body. Irreducible to vocal emission, "voice" is equivalent to a structure that can draw on many aesthetic and sensory experiences. By situating "voice" in the topological space, Lacanian psychoanalysis resolves apparent paradoxes such as that related to interiority versus exteriority.

Keywords: voice; dialogic self; Lacanian psychoanalysis; topology.


RESUMEN

Este artículo presenta y esquematiza un posible debate sobre la voz. Son consideradas las contribuciones psicoanalíticas y las construcciones producidas por abordajes dialógicos en psicología. Por medio del análisis de textos considerados pioneros en sus respectivos campos teóricos, se destacan las confluencias y divergencias en relación al direccionamiento y a la materialidad, ejes analíticos propios a esas perspectivas. En ambas la voz instituye la subjetividad por la relación con el otro. Para el psicoanálisis esa cuestión se amplia como consecuencia de la articulación del apelo al otro. Por medio del lenguaje, la voz inscribe al sujeto en el Otro y se actualiza como cuerpo. Irreductible a la emisión vocal, la voz equivale a una estructura que puede apoyarse en muchas experiencias estéticas y sensoriales. Al situar la voz en el espacio topológico, el psicoanálisis lacaniano resuelve aparentes paradojas como lo relativo a la interioridad versus exterioridad.

Palabras clave: voz; yo dialógico; psicoanálisis lacaniano; topología.


 

 

Uma discussão a respeito da voz é central em teorias que tratam da relação entre subjetividade e alteridade. Muito além da matéria sonora, a voz é pensada articuladamente a categorias como agência, identidade, comunicação e poder político, como dimensões afetivas e materiais da vida cultural (Weidman, 2014). Também alude a possibilidades metafóricas, como "voz interior" (Taylor, 1989) ou consciência, quando compreendida como um processo de orquestração de diversas vozes internas (Hill, 1995), de ideologia social e perspectiva discursiva (Feld, Fox, Porcello, & Samuels, 2004), dentre outras.

Grosso modo, a principal questão discutida por estudos que abordam a temática da voz diz respeito à relação entre mundo interno e externo. Ao analisarem aquele que fala, seja por meio de marcas, tais como entonação, sotaque, uso da língua, etc. ou dos sistemas de valor (ideologias) esses estudos propõem diferentes teorias sobre os limites entre o "dentro" e o "fora".

Por exemplo, a teoria do self dialógico considera que a voz se localiza na fronteira entre o mundo interno e o social (Josephs, 2002), sendo capaz de dotar o eu de "uma multiplicidade dinâmica de posições relativamente autônomas" (Hermans, Kemplen & van Loon 1992, p. 28 - tradução nossa). Cada posição enunciativa corresponderia à voz de um diferente "mim" cujo diálogo aponta para um self multifacetado e descentralizado (Santos & Gomes, 2010). Irredutível à sonoridade, a voz remete a perspectivas discursivas internalizadas por meio da relação com outras pessoas (Linell, 2007; Bertau, 2007), bem como a aspectos materiais de uma cultura, tais como objetos, crenças, valores, rituais, etc. (Josephs, 2002).

Já no caso da psicanálise, há uma perspectiva em que a voz se apresenta como aquilo que possibilita a entrada do sujeito na ordem simbólica (Poizat, 2011; Anzieu, 1979; Aulagnier, 1979). Por um lado, o significante materializado só produz sentidos – significações – por se inscrever no corpo; e por outro, este, uma vez tornado escritura, consubstancia a transformação contínua entre a dimensão significantizada e a dimensão significante, tornando-se ele mesmo produtor de sentido (Bairrão, 2003).

Temas como endereçamento e materialidade, aspectos intrínsecos à voz, são tidos como inerentes ao processo de significação nessas duas teorias. No entanto, a psicanálise se distingue da teoria do self dialógico por situar a voz no âmbito da estrutura (Miller, 2013), o que naquele contexto implica uma abordagem topológica, bem como por apontar as principais consequências epistemológicas de tal debate.

Tendo em vista, as aproximações e divergências entre esses dois campos conceituais, este artigo tem por objetivo apresentar contrastivamente concepções psicanalíticas e dialógicas a respeito da voz.

Para alcançarmos essa meta, inicialmente apresentamos os eixos centrais da teoria do self dialógico e, a seguir, os comparamos com contribuições lacanianas a respeito da voz. Cumpre elucidar, portanto, que neste trabalho visamos destacar o "esqueleto conceitual" dessas abordagens teóricas e não o seu desenvolvimento minucioso. Destacamos, contudo, a obra "A voz na psicanálise: suas incidências na constituição do sujeito, na clínica e na cultura", cuja organização foi elaborada por Maliska (2015) por sua importante contribuição e atualização relativa às implicações da concepção lacaniana de conceituá-la como objeto a. Ressalta-se ainda que os textos analisados foram escolhidos tendo em vista a originalidade quanto à abordagem da voz nessas duas vertentes. Nesse sentido, demos prioridade não tanto aos trabalhos mais recentes, mas àqueles que consideramos pioneiros em seus respectivos campos teóricos.

 

O SELF DIALÓGICO

De acordo com Wiley (2006), pragmáticos como Peirce, James, Mead e Dewey propuseram ideias inovadoras relacionadas à natureza do self, principalmente ao que diz respeito ao diálogo interno. O self dialógico, como resultado do discurso interior com "outros generalizados", seria, então, tema recorrente a esses autores. Mas mais do que isso, para Wiley (2006), a pragmática teria influenciado as ciências sociais modernas, como a sociologia e a psicologia social já que o dialogismo apresenta-se como um conceito central, notadamente na perspectiva do construcionismo social.

O self dialógico apresenta-se como um conjunto de narrativas (Macedo & Silveira, 2012) que conecta o mundo à identidade pessoal. Por meio da relação entre o mim (aspectos internos do self) e o meu (aspectos externos do self), diferentes posições de "eu" são construídas a partir de processos de negociação, cooperação, oposição, etc. entre as dimensões internas e externas (Freire & Branco, 2016). Sua organização se dá em função da repetição de certas narrativas, já que nestas abordagens a realidade é um constructo interpessoal que se fundamenta na linguagem. Como consequência, tanto os processos discursivos quanto o pensamento possuem uma forma relacional (Bertau, 2004). O diálogo interpessoal e interno é, portanto, o que produz dinamismo e trânsito entre o mundo interno e o externo. As transformações nas configurações desses diálogos levam a novos arranjos interpretativos e, consequentemente, a uma nova compreensão narrativa (Davies & Harré, 1990) de si mesmo e do outro.

Porque fruto de diferentes interações discursivas disponíveis na esfera pública (Gergen & Thatchenkery, 1996), o self dialógico é múltiplo e descentralizado, constituído por diversas vozes que podem assumir posições antagônicas entre si. Por poder ser posicionado ou posicionar a si mesmo num discurso, o self dialógico não é algo cognitivo, relativamente ao funcionamento mental, mas composto de atos de fala que designam diversas posições e narrativas, logo não é algo privado nem pessoal.

Em termos gerais, esta concepção de self baseia-se na distinção de James entre eu (sujeito do conhecimento) e mim (objeto a ser conhecido) e no conceito de Bakhtin de self polifônico (Santos & Gomes, 2010). Como exposto, na teoria do self dialógico (Hermans, 1996), a ênfase é dada à capacidade narrativa do self: cada voz, assim como personagens literários, pode estabelecer narrativas sobre si e travar diálogos entre si. Em outras palavras, o self circula entre posições internas (diferentes vozes existentes em uma mesma pessoa), mas também externas, nas relações com os outros. Em ambos os casos, em consonância com a situação, uma das vozes do self tende a se manifestar mais intensamente. Valsiner (2002) trata essa diferença em termos de heterodiálogo (que pode ocorrer com pessoas reais ou imaginárias) e de autodiálogo (o diálogo interno entre as diversas vozes do self).

É interessante sublinhar que essa teoria não visa à caracterização de cada voz, mas à relação entre elas (Gonçalves & Salgado, 2001). Como um sistema auto-organizado, o self alterna momentos sem a prevalência de hierarquia entre as posições e momentos de uma organização crescente (Valsiner, 2002), visto que se trata de um sistema coeso (Hermans, 2001). Algo nessa direção seria viável por meio de um monitoramento a partir de uma metaposição, o que aconteceria quando a pessoa, assim como um autor, maneja a atuação de diversos atores (ou vozes). Para que essa possibilidade de reorganização e flexibilização do repertório de vozes do self seja possível é preciso que uma parte se distancie das demais, assumindo uma posição privilegiada de monitoramento. Todavia, conforme questionado por Barresi (2002), se um dos pressupostos da teoria é que o self é descentralizado, como a instância reflexiva viria a se localizar "fora" das diferentes vozes que compõem o self?

Por meio da topologia, a psicanálise propõe um modo de equacionar esse problema, mas para chegarmos a essa solução será preciso contrastar como cada uma dessas teorias aborda diferentes temáticas relativas à "voz".

 

VOZ E ENDEREÇAMENTO

Na teoria do self dialógico, a voz implica o processo de construção de diferentes vozes ou posições do self. Para Hermans (1999), a voz relaciona-se à capacidade agentiva do self já que implica diferentes posições enunciativas, cada qual capaz de endereçar uma mensagem diferente a outra pessoa ou a outra parte do self. Mas se as vozes remetem a internalizações de vozes de outras pessoas, as vozes seriam de fato "internas" e depois manifestadas externamente como propõem Osatuke et al. (2005)?

Bertau (2007), a partir de Bakhtin, compreende que a realidade é interpessoal e que uma voz sempre ressoa outras vozes, implicando necessariamente o outro. Partindo do pressuposto de que a voz é relacional, a autora investiga o modo pelo qual ela é apropriada pelo self. Conclui que a aquisição da linguagem e o desenvolvimento de um self são processos relacionados e que a voz é o conceito de ligação entre eles:

A criança move da voz da mãe como uma experiência corporal (análoga ao tocar) para a voz como um meio de signos. O sentido está sempre lá e sempre sócio-culturalmente conformado, primeiramente endereçado. A voz oferece uma estrutura significativa na medida em que é direcionada a alguém. Corpo e voz são inseparáveis. Voz refere ao corpo de onde vem e o tipo de corpo conforma a qualidade da voz. Ambos são um fenômeno social e individual, manifestando a relação e as tensões entre esses dois lados interdependentes (Bertau, 2007, p. 143 – tradução nossa).

Ainda de acordo com Berteau (2007), a entonação (expressão fônica que expressa uma atitude ou uma emoção), a imitação (meio de deslizar para a perspectiva do outro) e a internalização (apropriação da estrutura da alteridade) seriam os processos pelos quais, por meio do endereçamento – encarnado na figura de um outro significativo – a voz conecta a linguagem ao corpo. Num movimento de fora para dentro, a voz de início carrega o outro em direção ao self e posteriormente o self em direção ao outro. Enquanto uma materialidade viva, a voz esculpe corpos e compõe um self múltiplo. Em suma: por meio dela algo exterior pode se tornar uma parte do self.

Primordialmente a voz abarca eventos concretos que conectam pessoas e mundo. É apenas num segundo tempo que ela passa a se referir à enunciação propriamente dita. Isso significa que as posições do self se desenvolvem mais em função da materialidade sutil da voz, intimamente relacionadas a gestos (Hanks, 2001), do que em função do conteúdo das mensagens ouvidas.

Uma vez internalizadas, as vozes travam diálogos entre si ou mais precisamente, os diálogos travam vozes entre si, não existindo uns sem as outras. Para Bakhtin (1986), esse processo de interpelação de diferentes posições discursivas corresponde à consciência. Ou seja, ela seria correlata ao debate de múltiplas perspectivas discursivas, sobre as quais o self não possui nenhum controle. Conforme assinalado por Josephs (2002), a voz não é um papel nem um traço de personalidade, mas algo enraizado emocionalmente frente a situações vividas no aqui e agora.

Neste sentido, seria a consciência um mecanismo capaz de eleger a voz mais adequada (mediante a história de cada um) em uma dada circunstância? Novamente, não cairíamos no paradoxo da metaposição? Vejamos agora como a psicanálise pensa a voz no atinente ao endereçamento. Nesta a relação entre linguagem e corpo – modulada pela voz – também se mostra como o principal articulador entre "fora" e "dentro", entre mundo externo e interno.

Ao refletir sobre o funcionamento do aparelho psíquico, Freud (1895/1990) confere à motricidade corporal a função de descarga do aumento de uma tensão interna, situando o grito como a primeira forma de motricidade vocal, como algo intermediário entre a descarga motora e o início da expressão vocal. A princípio, de acordo com Freud (op. Cit.), o organismo humano mostra-se incapaz de promover essa descarga e, por isso, é preciso uma intervenção de outra pessoa que suspenda provisoriamente o acúmulo de estímulos oriundos do mundo externo. De fato, além do grito, tudo o que for interpretado como sinal de desconforto promoverá uma ação do cuidador, cujo resultado tende a ser aliviador para o bebê. Para a psicanálise, o desamparo inicial dos seres humanos constitui um mecanismo cuja via de descarga adquire a função secundária de comunicação, visto que esta não se inicia por meio de palavras, e sim pela suposição de que a motricidade expressa algo.

Até aqui somente a ideia de uma "suposição interpretativa" poderia ser apontada como algo próprio à psicanálise, visto que a concepção de voz atrelada à motricidade e a de que a comunicação não é o primeiro traço marcante da voz na constituição do eu coexistem nas duas perspectivas.

Poizat (2011) retoma a função do grito em Freud para elevá-lo ao ato paradigmático de endereçamento ao outro, por ser algo que apela por uma interpretação. Ao supor que o grito ou o gesto dizem algo, o outro (no caso, encarnado pela mãe ou por alguém que a substitua) os eleva ao estatuto de apelo, atribuindo-lhes uma significação: ele chora porque está com fome, frio, dor? Por outro lado, se o infans for inerte ou não responder às interpretações e às ações que lhes são dirigidas, furtando-se a uma significação, o circuito enunciação – escuta não se estabelece (Catão & Vivès, 2011).

Cumpre sublinhar que para a psicanálise o que está em pauta não é a necessidade – que se encontra no campo das exigências vitais – mas o apelo. Isso porque é justamente no hiato entre necessidade e fala que se produz o desejo (Lacan, 1958/1998), mola propulsora da atividade subjetiva. A voz do outro como banho sonoro acolhedor (Anzieu, 1979) e como cooptação simbólica não visa abordar o empírico daquilo que a pessoa escuta e enuncia, mas as possibilidades mesmas da estrutura da enunciação.

Neste sentido, o ser falante transcende a dinâmica comunicacional interpessoal e intersubjetiva. O foco psicanalítico dirige-se àquilo que foge ao primeiro plano da significação, que sobra para ser apreendido nas entrelinhas discursivas. O sujeito, ao contrário do self, não se constitui como uma somatória de diversas vozes, mas diz respeito à eleição de certa posição enunciativa endereçada, que tende a se manter ainda que aparentemente possa remeter à fala concreta de diferentes pessoas (Lacan, 1961-62).

Conforme apresentado anteriormente, assim como proposto por Bertau, a fala concreta de diferentes pessoas, suas vozes, sempre remetem a outras falas e outras vozes, de maneira tal que se poderia admitir uma recorrência ad infinitum destes eventos: vozes imanentes a outras vozes. No entanto, a psicanálise lacaniana não reduz este processo a uma multiplicidade de outros generalizados na medida em que compreende esse processo como algo inerente à estrutura da voz. Ou seja, no atinente à voz, a alteridade é intrínseca e, embora possa se concretizar em pessoas empíricas, estas sucedem como lugares tenentes de uma função de alteridade com a qual não se confundem o que na teoria lacaniana recebe o nome de Outro. Ao invés de lidar com um outro generalizado, para a psicanálise estaria em jogo uma estrutura de alteridade imanente em cada outro.

 

MATERIALIDADE DA VOZ

Nas ciências humanas a voz é concebida como fenômeno sônico e categoria analítica, sendo que esta última não possui um sentido universal nem absoluto, abarcando diversas possibilidades metafóricas, tais como: agência, poder, ideologia, subjetividade, identidade, etc. (Weidman, 2014). Neste momento, abordaremos, sobretudo, o primeiro aspecto destacado, ainda que as categorias apresentadas, inclusive aquelas que nomeiam os subitens do artigo, sejam apenas um recurso didático.

A materialidade sonora (ou o som) contrasta "voz" e "vocalidade", o que possibilita a elaboração dos limites entre linguagem e música, entre significado e afeto. Para além de se constituir meramente como um veículo de palavras e de mensagens, o som da voz humana compartilha com os outros sons a dimensão musical, sendo algo que ressoa. Boesch (2007) ao se referir ao som, afirma que ele diz o que as palavras não falam, uma vez que estas ficam restritas a taxonomias consensuais. O tom da fala, por exemplo, expressa mais do que seu conteúdo quando nos referimos ao estado subjetivo do falante. O som é, portanto, ele mesmo um tipo de mensagem.

Da perspectiva da linguística estrutural, Saussure (1978) ao distinguir langue (sistema de signos) e parole (ato de fala, parte concreta da língua), referiu o processo de significação à relação entre o som e o seu significado. Para este autor (op. Cit.), a língua é composta por signos linguísticos os quais unem um conceito a uma imagem acústica e a mesma seria o resultado da subtração da fala em relação à linguagem. Sendo a fala relativa à performance, um epifenômeno que não compartilha da "pureza ideal" da competência gramatical, o âmbito eminentemente subjetivo fica excluído deste campo disciplinar.

Já para Bakhtin (1981), a língua é a materialização da linguagem humana verbalizada. É mais do que um sistema unirreferencial, visto que a fala representa e constrói o mundo para além do imediato. A enunciação implica uma interação e sua entonação é o elemento expresso no enunciado que registra a presença do outro: a fala é sempre um ato de resposta. Como ato de fala, a enunciação depõe o caráter dialógico da palavra, já que implica uma situação concreta que se produz na interação entre interlocutores (inclusive aqueles que expressam vozes internas a um indivíduo), entre texto e discursos, entre texto e contexto:

Um membro de um grupo falante nunca encontra previamente a palavra como uma palavra neutra da língua, isenta das aspirações e avaliações de outros ou despovoada das vozes dos outros. Absolutamente. A palavra ele a recebe da voz de outro e repleta da voz de outro. No contexto dele, a palavra deriva de outro contexto, é impregnada de elucidações de outros. O próprio pensamento dele já encontra a palavra povoada. Por isso, a orientação da palavra entre palavras, as diferentes sensações da palavra do outro e os diversos meios de reagir diante dele [...] (Bakhtin, 1981, p. CCXXIV).

Ou seja, para este autor, a interação linguística requer que as pessoas assumam posições discursivas dentro de um sistema, processo esse que orienta sentidos e valores em resposta à alteridade inerente à linguagem. Além disso, a expressividade entonativa não pode ser elidida da construção dialógica da significância, fazendo com que a voz se manifeste como consciência falante (ideológica) por carregar uma dada visão de mundo.

Além de a materialidade vocal – na forma de palavra – se apresentar como aquilo capaz de carregar o discurso de alguém ou uma perspectiva enunciativa, para Josephs (2002) a materialidade da voz também alude aos aspectos materiais da cultura. Para ela, produtos culturais sólidos e visíveis podem se tornar parte do self (como é o caso dos amuletos). Esses objetos presentificam no mundo exterior traços de uma voz cultural que circula entre a pessoa e o mundo que ela habita, de modo que perder esses objetos corresponda a uma perda de traços visíveis de uma voz cultural. Neste sentido, alguns objetos materiais funcionam como meio de elaboração sucessiva da individualidade, na medida em que promovem a interação entre cultura e self. Em outras palavras, um objeto enquanto tal é um simples artefato cultural, no entanto, assim que ele passa a simbolizar uma voz cultural, ele se torna parte do self e sua posse ou uso pode produzir mudanças nas relações intra e intersubjetivas, embora, para a generalidade dos autores que bebem da fonte bakhtiana seja o principal suporte material da voz desta tradição. Esse enfoque analítico dirige-se predominantemente à palavra, à possibilidade comunicativa que se estabelece dialogicamente, seja pelo seu conteúdo enquanto significado ou enquanto emoção. Trata-se de analisar o som enquanto veículo de mensagem.

Embora possa haver algumas confluências com a teoria lacaniana, uma diferença substancial é que neste referencial a materialidade da voz descola-se da emissão vocal, para abranger qualquer suporte material capaz de promover uma rede de associação de sentidos, desta forma se aproximando das ideias defendidas pela Josephs (2002).

A hipótese freudiana do primeiro grito – pura manifestação vocal (pur cri) – que se transforma pela interpretação do outro como apelo a si (cri pour) sugere que a materialidade da voz durante a constituição subjetiva passa a ser submetida à égide simbólica. Isso significa que a voz suporta o sistema simbólico (em termos lacanianos, mais precisamente a cadeia significante), mas também que ela desaparece atrás da significação (Poizat, 2011). Se a priori a voz remete a vocalizações, na medida em que ela passa a se segmentar em palavras, a percepção da substância sonora (do real sonoro primordial) sai do primeiro plano para que o significado possa advir. De acordo com Vivès (2013), esse processo implica a libertação da fascinação melódica, que opera tal qual o canto das sereias. Ou seja, a palavra – enquanto dimensão do significado – faz calar a voz – a dimensão sonora, musical da fala (Poizat, 2011). É neste sentido que Lacan (1960/1998) afirma que a voz enquanto substancia fônica é o resto da operação da significação.

Note-se, no entanto, que isso não significa reduzir a voz à materialidade sonora. Se assim fosse, os surdos-mudos não falariam (Lacan, 1962-1963/2005). A fascinação melódica pode muito bem se configurar como uma fascinação pelas lindas mãos do interlocutor de um surdo-mudo (Lacan, 1955-1956/1985), cujo resultado nos dois casos será o não registro do discurso proferido.

Para a psicanálise, a voz diz respeito à imersão do significante no corpo, o que – estruturalmente – independe de uma especificidade material. Conforme apontado por Poizat previamente (2011), a movimentação corporal que acompanha o grito também faz parte da estrutura da voz, uma vez que é passível de interpretação e, conforme proposto por Josephs (2002), a voz pode encontrar abrigo em diversos outros suportes estéticos e culturais. Isso sugere que registros relativos ao visual, gestual, ao cinésico, ao gustativo, ao olfativo, também poderiam ser suportes de vozes. Entretanto, cabe ressaltar que nossa análise implica a consideração de que na voz o simbólico não se encontra separado do corpo, o que não parece claro no apontado por Miller (2013):

Neste sentido, a voz, no uso muito especial que Lacan faz desse termo, é sem dúvida uma função do significante – ou melhor, da cadeia significante como tal. "Como tal" implica que não é somente a cadeia significante como falada ou entendida, também pode muito bem ser enquanto lida e escrita. O ponto crucial dessa voz é que a produção de uma cadeia significante – eu lhes digo nos termos mesmos de Lacan – não está ligada a este ou aquele órgão dos sentidos, a este ou aquele registro sensorial (p. 8).

Embora se pudesse aventar que uma compreensão lacaniana a respeito da voz suporia que houvesse – a priori – "estrutura" e "materialidade", ressaltamos que em Radiophonie (Lacan, 1970/2001), o simbólico é apresentado enquanto tal justamente porque pressupõe uma homologia com o corpo (carne): "a linguagem é corpo, corpo sutil, mas corpo" (Lacan, 1953/1998, p.302), ou seja, tanto o simbólico já está admitido no corpo, na medida em que a descontinuidade relativa à ação do significante também se encontra no corpo, como também o corpo está admitido no simbólico, enlaçando a materialidade na estrutura.

A voz não se reduz nem ao som nem à fala. Como processo que estrutura a constituição subjetiva em termos de alteridade, a voz consubstancia o Outro. Conforme Bairrão (2003), ela dá corpo ao significante e significância à corporalidade, donde a ambiguidade do termo "sentidos" ser tão valiosa psicanaliticamente, justamente por também remeter ao pulsional, via sensação, sentimento. Em outras palavras, a voz faz do corpo o real lugar do Outro por meio da inscrição da palavra no corpo (carne), a qual dá vida à palavra e corpo (simbólico) ao sujeito.

A materialidade da voz (corpórea e simbólica) implica a coincidência lógica entre escuta e enunciação. A notação significante no corpo depende da incorporação (Lacan, 1962-1963/2005) do Outro que: a) dá corpo ao sujeito, transformando matéria viva em um todo orgânico articulado simbolicamente; b) presentifica sensorialmente a forma do ato enunciativo; c) concretiza uma ordem significante, tanto enquanto organização como enquanto mandamento (Bairrão, 2003). É porque há um trajeto significante e pulsional (responsável pela junção entre corpo e linguagem) entre Outro e sujeito que a voz institui o ato de significar como concomitante ao de ser significado.

Na fala do sujeito encontra-se embutido o sentido (ainda que desconhecido) proferido pelo Outro, oriundo da suposta solicitação de voz como mostra o caso paradigmático do grito. Mas, mais do que isso, por se ter feito apelar pelo Outro, por ter sido colocado no lugar de "tu", ingressando na linguagem, o sujeito – ao falar – reenvia este lugar ao Outro, ao ocupar a posição de quem faz o apelo. A voz, portanto, abarca uma reversibilidade estrutural entre aquele que enuncia e aquele que escuta.

Para que isso de fato ocorra, o sujeito ao incorporar a voz do Outro não deve se petrificar na posição de objeto. Para que os meios da fala sejam apropriados pelo sujeito é preciso que a voz não se reduza à condição de mera inscrição simbólica. Para isso, é fundamental que a voz não se confunda nem com o sujeito nem com o Outro. Relativamente ao Outro, a voz é materialidade e, portanto, corpo; e, relativamente ao sujeito, a voz é Outro, sensorializa a alteridade.

Vivès (2013) sublinha que o processo de incorporação da voz guarda em si uma ambivalência essencial. É pelo endereçamento formulado pela voz enquanto Outro que o sujeito entra na linguagem; entretanto, se ele se deixar capturar por essa voz, ele será incapaz de se dizer, será apenas dito. Portanto, é necessário que o sujeito consiga recuar da imposição relativa à significação originária do Outro, pois só assim ele poderá ter sua "própria voz" (Vivès, 2009). Para este psicanalista, a voz é como um cordão que liga o sujeito ao Outro, vinculando-os, mas também destacando-os um do outro.

Em suma: o sujeito se aliena na linguagem, mas é também graças a ela que ele pode se separar do Outro. A incorporação da voz alude a uma matriz de significações do que ainda nem mesmo foi dito (Catão & Vivès, 2011), o que seria uma espécie de eco da voz do Outro; porém também guarda a possibilidade de fazer do corpo um agente enunciante.

 

A ESTRUTURA DA VOZ – ENUNCIAÇÃO E ESCUTA

Da perspectiva corporal, a imersão do significante no corpo requer que, além de ser emitido, ele encontre um vazio capaz de ressoar o som. "Se a voz, no sentido em que a entendemos, tem alguma importância, é por ressoar num vazio que é o vazio do Outro como tal [...]" (Lacan, 1962-1963/2005, p.300), fazendo vibrar o sujeito pela ação significante. É esse trajeto dinâmico e contínuo que parte do sujeito (grito) passa pelo Outro e retorna ao sujeito graças à intersecção vazia que devolve o grito como apelo do sujeito como se configura na estrutura topológica denominada garrafa de Klein (estrutura do espaço topológico homeomorfo àquele obtido pela identificação, em um quadrado, dos lados opostos com inversão de sentido em um dos pares. Pode ser representada como a união de duas faixas de Moebius ao longo das bordas de forma que a torção em meia volta se faça em sentidos contrários. Também pode ser obtida a partir do toro, ou do cilindro, pela união dos dois círculos localizados nas extremidades, após a realização de uma torção, de modo que o exterior se junte ao interior pela utilização de uma linha de autotravessia, a qual produz uma superfície ao mesmo tempo aberta e fechada).

Para além dos dados anatômicos, o trajeto boca – ouvido sustenta essa organização espacial que mostra o "verdadeiro interior" como sendo o mesodérmico (Lacan, 1961-1962). É na condição de entre-dois, capaz de transfigurar o fora em dentro sem transpor nenhuma barreira, que o interior tal qual apresentado pela garrafa de Klein se mostra correlato à constituição do sujeito. Ela é a estrutura que comporta a passagem de um objeto bilateral para um unilateral. Neste sentido, enunciação e escuta compõem o avesso e o direito de um mesmo processo que constitui sujeito e Outro simultaneamente.

O que vem de "fora", do Outro, se presentifica no sujeito por meio de uma relação espacial que subverte a dicotomia exterior – interior tal qual sustentada por esta superfície topológica. Esta incorporação do Outro (Lacan, 1962-1963/2005), permite a localização dos elementos que, tendo origem Nele, marcam o sujeito de modo a lançá-lo nos nós da teia significante, "fora" de si.

É no sujeito que a fala do Outro faz sentido operando enquanto ato, aquele de ouvir sentido (Bairrão, 2004). A composição significante interpretada como apelo (ao Outro) aponta que a palavra se consubstancia no lugar da escuta. Primeiramente é o Outro quem escuta. Este ato O institui como tal e faz com que o eu do enunciado seja correlato ao outro, pois é do lugar do Outro que o grito se torna fala. Esta, enquanto combinatória significante, surge no campo do Outro retornando ao sujeito como algo que lhe é aparentemente exterior. Consequentemente, o sujeito encontra-se indefinido até que um efeito de interpretação venha situá-lo (Bairrão, 2015).

O Outro não determina o sujeito, apenas fornece sua textura, sua topologia (Lacan, 1968-1969/2008). Cabe ao sujeito encontrar um lugar para si frente a este Outro que originalmente apresenta-se do lado de "fora", mas que se encontra desde sempre "dentro". É isso que a topologia da voz sustenta: um espaço contínuo que promove a articulação entre cadeia significante e dinamismo pulsional.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo em vista que tanto a teoria do self dialógico quanto a psicanálise compreendem a voz como o elemento de ligação entre mundo externo e interno por meio da linguagem – enquanto materialidade corporal e significância –, quais seriam os principais pontos a serem destacados desse diálogo entre diferentes referenciais teóricos?

Em primeiro lugar, ambas as perspectivas concebem a voz como consubstancialização da alteridade no self. Nas abordagens dialógicas esse processo implica a internalização de diálogos externos, ou seja, "toma-se o diálogo com os outros como matriz de base da identidade" (Salgado et al, 2007, p. 20). Como resultado, tem-se um eu multifacetado respectivamente a diferentes "mins". Em última instância, multiplica-se o modelo de relação intersubjetiva na esfera intrasubjetiva, o que da perspectiva lacaniana corresponde apenas a um aspecto da questão. Pode-se dizer que a psicanálise endossa a pertinência das abordagens dialógicas, mas devido a sua concepção de sujeito, irredutível à noção de indivíduo ou de ego, há a consideração de um "algo a mais".

A principal diferença advém da operação de abstração realizada pela psicanálise lacaniana no atinente à generalização da série de outros internalizados em diferentes vozes do self. Ao remetê-los a uma posição de alteridade genérica, o Outro, Lacan desvincula a voz das pessoas empíricas para situá-la como uma propriedade do sistema. Dito de outro modo, o foco amplia-se para as possibilidades enunciativas próprias a um lugar simbólico, irredutível a uma somatória finita de vozes de interlocutores reais ou virtuais.

A partir dessa diferença, sublinham-se algumas contribuições lacanianas a respeito da voz, as quais poderiam se situar tomando partido da garrafa de Klein, que segundo Lacan traduziria a sua estrutura. Não se trata com isso de sugerir nenhum tipo de "conversão teórica", mas sim de apontar pontes dialógicas a partir da elucidação do esqueleto lógico que sustenta os desenvolvimentos conceituais próprios à psicanálise lacaniana.

A voz se especifica tanto enquanto enunciação como enquanto audição, não há uma sem a outra. De certa maneira a confirmação do dito depende de algo que cronologicamente acontece depois – a escuta –, mas que logicamente é uma condição anterior. É justamente isso que Lacan encontra na estrutura da garrafa de Klein, a continuidade topológica entre boca e ouvido.

Cabe retomar aqui que – como estrutura – a voz designa um lugar enunciativo para o sujeito mediante a incorporação da alteridade. Como apontado ao longo do texto, disso decorre uma generalização estético-sensorial a partir do pulsional da voz, que faz com que o escutar-se (ato que requer o testemunho do Outro e que implica o sujeito como discente (Godoy & Bairrão, 2015)) não se reduza ao ouvir-se (refletividade espontânea daquele que fala) e nem o dizer ao falar.

Na medida em que toda fala se dirige a alguém, o endereçamento mostra-se como uma característica fundamental da voz. O plus fornecido pela psicanálise diz respeito à possibilidade de que esse endereçamento implique um retorno ao sujeito. Um outro responde ao chamado (grito) instituindo a escuta simultaneamente à fala. Ao acontecer a voz, o Outro se endereça ao sujeito, situando-o na posição de outro a quem a voz se endereça, mesmo que tenha sido ele mesmo o emissor. Ou seja, é a partir do retorno da voz que vem do Outro e que é endereçada ao sujeito que este pode se constituir como falante.

O Outro provê os meios da fala, mas ele mesmo nada diz, depende da enunciação do sujeito para que o significante se encarne. Se por um lado o sujeito é efeito do significante, por outro, é ele quem confere dinamismo ao Outro. É neste sentido que a voz é estrutura. É ela quem coloca em continuidade topológica sujeito e Outro, promovendo tanto uma ligação quanto um corte entre eles (Vasse, 1977), ao se inserir e se destacar do corpo. Pela via do significante a voz inscreve o sujeito no Outro, como puro som é heterogênea à cadeia significante e se atualiza como corpo pulsional, ou seja, também sujeito (Bairrão, 2003). O âmbito da emissão vocal em si mesmo corresponde à base corporal, àquilo que não se restringe à simbolização da estrutura do Outro.

A voz não se confunde com a emissão vocal, mas nem por isso é desprovida de materialidade. Esse aparente paradoxo elucida-se pelo fato de que a definição da voz em psicanálise não se restringe à substância fônica, mas equivale a uma estrutura que pode apoiar-se em muitas experiências estéticas e sensoriais, como, aliás, foi percebido por alguns autores com os quais dialogamos. Deste modo, a voz admite diversas apresentações estético-sensoriais como suporte material da significância.

Além disso, ao discernir o dialógico (dimensão intersubjetiva entre pessoa e cultura seja no mundo externo ou no interno) da alteridade, a psicanálise permite que haja dois registros distintos de análise: um que aborda as diferentes perspectivas enunciativas presentes num mesmo self, ou os vários lugares subjetivos designados por uma cadeia significante (Miller, 2013) e outro que considera o âmbito pulsional relativo à incorporação da linguagem, ao enlaçamento entre Outro, corpo e sujeito.

Percebe-se que a psicanálise em sua vertente lacaniana comporta uma importante contribuição ao estudo da voz sendo relevante e promissora para estudos nessa temática. Tanto por possibilitar uma boa plataforma para debate com outras abordagens, como a dialógica, mas principalmente por compreender a voz como aquilo que faz a junção entre o simbólico e o corpo, remetendo "endereçamento" e "materialidade" não meramente ao campo empírico, mas à continuidade topológica entre sujeito e Outro.

 

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Endereço para correspondência
Daniela Bueno de Oliveira Américo de Godoy
E-mail: godoyboa@gmail.com

Recebido: 08/05/2017
Reformulado: 15/06/2017
Aceito: 01/08/2017

 

 

1 Daniela Bueno de Oliveira Américo de Godoy é pós-doutora em Psicologia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
2 José Francisco Miguel Henriques Bairrão é docente do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.

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