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Revista da SPAGESP

versión impresa ISSN 1677-2970

Rev. SPAGESP vol.19 no.2 Ribeirão Preto jul./dic. 2018

 

ARTIGOS

 

Grupos de dinâmica infantil e os efeitos terapêuticos do brincar

 

Dynamic groups with children and the therapeutic effects of play

 

Grupos dinámicos con niños y los efectos terapéuticos del juego

 

 

Maria Lúcia Mantovanelli Ortolan1; Amanda Lottermann de Lima2; Daniel Polimeni Maireno3; Maíra Bonafé Sei4

Universidade Estadual de Londrina, Londrina-PR, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Os grupos de dinâmicas são ofertados pela Clínica Psicológica da Universidade Estadual de Londrina (UEL). São abertos ao público em geral e organizados por faixas etárias. O grupo infantil é direcionado a crianças de quatro a 11 anos de idade e caracteriza-se por brincadeiras e atividades que propõem reflexões a respeito dos temas pertinentes a idade. Objetiva-se relatar a experiência do grupo de dinâmicas infantil demonstrando a importância e o efeito terapêutico do brincar no acolhimento infantil. Observa-se que este serviço pôde contribuir para problematizar os espaços de acolhimento psicológico a crianças e se apresentou como alternativa para a demanda na lista de espera para psicoterapia individual.

Palavras-chave: dinâmica de grupo; psicoterapia de grupo; psicoterapia da criança; brincar; serviço-escola.


ABSTRACT

The dynamic groups are offered in the Psychological Clinic of the UEL. They are open to the general public and are organized by age groups. The children's group is directed to children from four to 11 years of age and is characterized by games and activities that propose reflections on themes pertinent to age. It is aimed to report the experience of dynamic children's group demonstrating the importance and therapeutic effect of play in childcare. It is observed that this service could contribute to problematize the spaces of psychological reception to children and presented as an alternative to the demand in the waiting list for individual psychotherapy.

Keywords: group dynamics; group psychotherapy; child psychotherapy; play; school-clinics.


RESUMEN

Los grupos dinámicos son ofrecidos por la Clínica Psicológica de la UEL. Están abiertos al público en general y organizados por grupos de edad. El grupo infantil es dirigido a niños entre cuatro y 11 años de edad y se caracteriza por juegos y actividades que proponen reflexiones sobre los temas pertinentes a la edad. El objetivo es relatar la experiencia de un grupo dinámico infantil que demuestra la importancia y el efecto terapéutico del juego en la acogida infantil Se observa que este servicio puede contribuir para problematizar los espacios de acogida psicológica para los niños y se presenta como una alternativa a la demanda en lista de espera para la psicoterapia individual.

Palabras clave: dinámica de grupo; psicoterapia de grupo; psicoterapia infantil; jugar; servicio-escuela.


 

 

Os serviços-escola de Psicologia se configuram como um espaço de acolhimento a questões de ordem emocional da população que busca este serviço, configurando-se como um espaço destinado ao aprendizado de técnicas psicológicas expostas ao longo da formação do psicólogo (Peres, Santos, & Coelho, 2003). Possuem uma atuação voltada aos campos do ensino, pesquisa e extensão (Marturano, Silvares, & Oliveira, 2014), com o desenvolvimento de práticas diversas como triagens, psicoterapia individual, psicoterapia em grupo, grupos e oficinas de convivência atendimento à queixa escolar, orientação profissional, plantão psicológico, dentre outros (Amaral et al., 2012). A despeito disso, tendo em vista o grande número de cursos de graduação em Psicologia, considera-se que o número de publicações sobre as práticas empreendidas neste serviço ainda é pequeno e tal escassez dificulta uma visão mais abrangente e o aprimoramento da área (Amaral et al., 2012).

As crianças se configuram como um público-alvo dos serviços-escola de Psicologia, seja em decorrência de problemas emocionais e comportamentais, seja para atendimentos ligados às dificuldades de aprendizagem. Neste sentido, no que se refere à psicoterapia de crianças, Deakin e Nunes (2008) defendem que há avanços nas investigações desta área. Entretanto apontam para a carência de estudos que busquem comprovar a efetividade da psicoterapia com crianças no referencial psicanalítico.

No que concerne o atendimento em grupo a esta população nota-se que poucos são os relatos de casos e as pesquisas (Silveira, 2003; Sei & Pereira, 2005; Bodstein & Arruda, 2006; Fernandes, 2006; Auko, 2007; Carvalho, 2008; Nedel, 2010; Krug & Seminotti, 2012). Tendo em vista esta escassez de literatura acadêmica sobre a temática, este artigo propõe-se a discutir as atividades realizadas nos grupos infantis e como estas atividades estão auxiliando o desenvolvimento psíquico dessas crianças. Os grupos infantis têm como proposta inicial desenvolver o brincar em conjunto, no âmbito da interação social. Deste modo, discorre-se sobre a importância do brincar no acolhimento psicológico de crianças, seja nos settings tradicionais da psicanálise clínica infantil, seja numa ampliação desse setting, pensando em uma clínica ampliada, que é a proposta dos grupos em questão.

 

GRUPO DE DINÂMICAS

O serviço intitulado Grupo de Dinâmicas é ofertado desde 2015 pela Clínica Psicológica da Universidade Estadual de Londrina (UEL) e se faz um dispositivo pertencente à rede de saúde mental e de assistência social de Londrina/PR. O grupo é vinculado a um projeto de extensão da universidade que inicialmente intitulava-se "Grupo de Espera para inscritos na lista de espera da clínica psicológica da UEL". O projeto tinha como objetivo principal acolher os interessados enquanto não iniciavam a psicoterapia, tendo em vista o grande número de pessoas inscritas na lista de espera (em torno de 400 adultos e 200 crianças e adolescentes). Desta maneira, o projeto iniciou-se com uma configuração semelhante aos projetos propostos em outros serviços-escolas de Psicologia (Soares, 2011; Amaral et al., 2012; Cardoso & Munhoz, 2013). Todavia, percebeu-se que este era um projeto que poderia abarcar outro tipo de demanda também: a comunidade interna e externa à universidade com pessoas que não estavam inscritas na lista de espera, mas que mesmo assim procuravam o serviço a fim de um apoio psicológico diferente do atendimento psicoterápico individual. Instaura-se, então, o Grupo de Dinâmicas. O enfoque aqui dado é no Grupo Infantil, para crianças de até 11 anos, ofertado às quintas-feiras em dois horários, na parte da manhã e na parte da tarde. Optou-se por oferecer em períodos distintos pensando nos horários escolares das crianças.

Além da atividade grupal com as crianças, os coordenadores dos grupos têm supervisão acerca das práticas realizadas durante a semana com docentes responsáveis pelo projeto de extensão. É, assim, nesse espaço que ocorre a discussão sobre possíveis planejamentos estratégicos das atividades da semana seguinte. Já o planejamento detalhado em etapas se dá em horários alternativos e particulares de cada conjunto de coordenadores de grupo. De modo geral, cada grupo é coordenado por dois ou três estudantes do quarto e quinto ano de graduação em Psicologia.

O espaço de reunião geral também comporta estudo de textos que auxiliam aos integrantes do projeto a pensarem sobre a prática do Grupo de Dinâmicas. Deste modo, este projeto comporta os três pilares da Universidade: ensino, pesquisa e extensão, uma vez que o estudante de psicologia, ao entrar em contato com esta modalidade de acolhimento psicológico, algo não muito visto durante a grade curricular tradicional, obtém uma experiência profissional diferenciada.

O oferecimento do serviço não ter ficado restrito aos inscritos na lista de espera exigiu uma divulgação da prática por meio de cartazes, notas em jornal, TV e rádios universitárias, tendo o objetivo de atingir tanto a comunidade interna quanto a externa. Como forma de divulgação também foram feitas ligações telefônicas aos inscritos na lista de espera para psicoterapia individual. Nesta etapa do projeto também se construiu algumas pontes entre os serviços da rede de saúde mental e de assistência social uma vez que os cartazes de divulgação foram colados em espaços como Centro de Referência em Assistência Social (CRAS), Centro de Referência Especializado em Assistência Social (CREAS), Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) e Hospital das Clínicas. A prática cotidiana do serviço indica que alguns dispositivos da rede estão encaminhando os usuários diretamente para o grupo de dinâmicas do Serviço-escola de psicologia. As crianças vêm principalmente do Centro de Atenção Psicossocial Infantil (CAPSi). O encaminhamento de adultos para o grupo tem sido mais raro, indicativo de que as conversações com os pontos da rede que atendem esse tipo de população devem ser retomadas.

Na tentativa de delimitar um tipo de prática específica na qual os grupos de dinâmicas ofertados mais se enquadrariam, entende-se, primeiramente, que uma intervenção em grupo, qualquer caráter que ela tenha, segundo Lima e Oliveira (2015) pode proporcionar a expressão de sentimentos, a adaptação da atual condição do sujeito, reforça sua autoimagem, e ainda é um apoio e uma atenção, na medida em que veicula informações e estimula a recuperação tanto física como emocional do sujeito. Essas características das intervenções grupais, apresentadas pelos autores são vistas nos grupos de dinâmicas. Todavia, ainda se precisa delimitar melhor que lugar terapêutico é esse, ou ainda, que lugar ele não o é.

O grupo de dinâmicas não é um grupo de espera, mas se assemelha muito a ele. As duas modalidades constroem um espaço de conversação, reflexão e troca de experiências, no caso do grupo de espera normalmente esse trabalho é feito na própria sala de espera da instituição, buscando ocupar espaço e tempo ociosos e transformar esse período de espera em momento de trabalho, potencializando o espaço informal da instituição (Veríssimo & Valle, 2005; Zanotelli, 2014). O grupo de dinâmicas também não é um grupo de terapia propriamente dito. Enquanto o grupo de terapia é caracterizado por ser "uma forma de criar realidades relacionais através da linguagem" (Rasera & Japur, 2005, p.33), os grupos de dinâmica têm a atividade como intermediação, a proposta tem enfoque na atividade. Todavia, ambos os tipos de grupo se dotam do processo conversacional como recurso terapêutico.

Além dos grupos de espera e dos grupos de terapia, a ideia regente nos Centros de Convivência, em algum grau, é norteadora da prática nos grupos de dinâmica. A política desses centros é uma política de inclusão social (Galletti, 2013) e uma aposta de que a promoção de saúde mental advenha, também, deste caráter social da inclusão, e não de confinamento, como era proposto nas políticas manicomiais. Tanto nos Centros de Convivência, quanto no referido Grupo de Dinâmicas, ofertado na Clínica Psicológica, há uma sustentação das experiências coletivas e compartilhadas que proporciona uma ampliação da rede social do sujeito, na medida em que há o fortalecimento de vínculos (Ferro, Cardoso, Fedato, & Fracaro, 2012). Deste modo, a aproximação feita aqui entre os grupos e os Centros é de que ambas são "novas formas de trabalho coletivo, novas formas de vida em comum" (Galletti, 2013, p. 159) e têm um papel significativo na inclusão social, na promoção da autonomia do sujeito, na medida em que suas atividades podem ser de cunho ensino/aprendizagem, que acabam por promover cultura, educação, saúde e lazer (Cambuy & Amatuzzi, 2012).

Por se tratar de um grupo de dinâmicas de caráter aberto, entende-se que esta é uma modalidade relativamente nova de acolhimento psicológico, pois não se caracteriza propriamente dito como um grupo de espera, nem como um grupo de terapia e nem também como um centro de convivência, como mencionado acima. Desta forma, este serviço está tateando suas finalidades, alcances e desafios. A prática diária do oferecimento do serviço de grupo de dinâmicas, independentemente da faixa etária, mostra que estes cumprem uma função terapêutica, na medida em os coordenadores dos grupos identificam ao longo dos encontros e nos feed-backs dados pelos usuários os fatores terapêuticos de grupos, tais como Compartilhamento de Informações, Comportamento Imitativo, Catarse, entre outros. Na nomeação e identificação destes fatores usaram-se os fatores primários de uma experiência terapêutica, propostos por Yalom e Leszcz (2006).

Entende-se, assim, que o setting grupal se apresenta como um ambiente próprio e seguro para o intercâmbio de experiências e para as expressões emocionais, o que favorece a subjetivação, em conjunto, das experiências que afetam o cotidiano das pessoas que compõem o grupo (Scorsolini-Comin, Souza, & Santos, 2010). Os fatores terapêuticos, então, que se fazem presente em um grupo – qualquer grupo, não necessariamente grupos terapêuticos propriamente ditos - são fundamentais para melhorar a condição de vida do usuário do serviço de grupo (Santos, Scorsolini-Comin, & Gazignato, 2014).

Feito um apanhado geral do projeto de extensão como um todo e tendo perpassado pela caracterização e resultados primários do serviço de Grupo de Dinâmicas, objetiva-se relatar a experiência do grupo de dinâmicas infantil demonstrando a importância e o efeito terapêutico do brincar no acolhimento infantil. O artigo uma metodologia de relato de experiência que promove um estudo de caráter exploratório (Prodanov & Freitas, 2013) a respeito da prática de grupo com crianças, explorando seus limites e potencialidades. Tal proposta justifica-se diante da carência de publicações na área de acolhimento e atendimento infantil em grupo e da inovação demonstrada pelo serviço de Grupos de Dinâmicas ofertado na Clínica Psicológica da UEL.

 

O BRINCAR NO ACOLHIMENTO PSICOLÓGICO DE CRIANÇAS

Os psicanalistas começaram a se interessar pelo funcionamento grupal, principalmente com crianças, a partir de 1945, com os trabalhos de Ana Freud (Levisky, 1997). Já as experiências grupais com crianças dentro de instituições, principalmente, têm de Winnicott (1975) uma dedicação e passam a ser objeto de estudo para a psicanálise (Scatena, 2010).

A clínica com crianças, principalmente a psicanalítica de orientação winnicotiana, tem seu foco na ação do brincar e na criatividade que a implica para promover um encontro de si mesmo (Fulgencio, 2008). A boa relação entre a metodologia do brincar e o dispositivo de grupo já foi afirmada por Winnicott (1975) quando pontua que "o brincar conduz aos relacionamentos grupais" (p. 63), argumentando, ademais, que "a psicanálise foi desenvolvida como forma altamente especializada do brincar" (p.63). O brincar promove um vir à tona dos impulsos, pulsões e desejos, assim como possibilita uma reedição de experiências marcantes já vividas pela criança (Silva, 2015). Considera-se, então, o brincar como meio para uma elaboração livre e espontânea de conteúdos psíquicos, no qual a criança realiza seus desejos e domina a realidade (Werlang, 2000; Abreu, 2011). O brincar, além de sua função elaborativa, é fundamental para auxiliar a criança na organização do mundo interno e apropriação do mundo externo (Dias & Costa, 2012). Deste modo, entende-se que o brincar "é universal, saudável e de todo desejável, [...] facilita a comunicação consigo e com os outros, propiciando experiências inéditas" (Franco, 2003).

O brincar é, a partir disso, um facilitador para o trabalho psíquico, uma vez que este pode promover à criança organização e apropriação do mundo interno e externo, elaboração de conflitos e domínio da realidade. O Grupo de Dinâmicas infantil, aqui citado, faz uso das atividades lúdicas e do brincar, propriamente dito, como uma ferramenta do trabalho analítico. Não basta a promoção de atividades, brincadeiras, dinâmicas e jogos, há a implicação dos coordenadores dos grupos infantis nesse brincar. Faz-se necessário analisar o brincar por meio da observação e participação deste. Tanto a criança quanto o coordenador devem entrar nesse espaço potencial que é o brincar (Franco, 2003), promovendo, assim, uma "sobreposição de duas áreas do brincar, a do paciente e a do terapeuta" (Winnicott, 1975, p. 59).

Um dos objetivos principais do Grupo de Dinâmica infantil é ser um espaço que promova o brincar, que subsidie as crianças a trazerem suas experiências, fantasias, traumas e sonhos. A fala de uma madrasta, ao buscar sua filha e os enteados na sala do grupo, contempla muito o lugar e função que este tem: "ah, que bagunça! Aqui vocês fazem tudo o que não pode fazer em casa, hein?" (sic). Pretende-se criar um espaço de passagem entre o mundo externo social e o mundo interno particular de cada criança.

Em grupos terapêuticos propriamente ditos talvez uma das preocupações fosse fazer interpretações das brincadeiras das crianças, tentando identificar os conteúdos pulsionais ali existentes, todavia, nesta modalidade que o Grupo de Dinâmicas se configura preocupa-se muito mais em promover o espaço lúdico e verificar se a criança se ocupa em sua brincadeira (Fulgencio, 2008), se ela é possibilitada de brincar, pois, entende-se que há uma específica ligação entre a saúde emocional da criança e sua capacidade de brincar (Sei & Pereira, 2005). Apontou-se que os Grupos de Dinâmicas não se configuram como grupos terapêuticos, mas que isso não o impede de promover os fatores terapêuticos de grupo, mais ainda nos grupos infantis que trabalham a ludicidade, que para Winnicott (1975) é terapêutico em si mesmo.

As atividades propostas nos Grupos de Dinâmicas que contemplavam essa ação do brincar, às vezes, eram atividades plásticas, envolvendo materiais tais como lápis de cor, giz de cera, tintas, etc., o que assemelharia este trabalho com o que é feito em grupos de arteterapia, por exemplo. O brincar por meio da realização de atividades artísticas é potente para alcançar uma melhora na qualidade do viver (Sei & Pereira, 2005), além de proporcionar uma melhorar relação entre as crianças e coordenadores do grupo, uma vez que eles também desenham e pintam, o que mostra a potência terapêutica do brincar em grupo por via das artes (Bayro-Corrochano, 2001).

Outra modalidade de atendimento psicológico de crianças que se dota do brincar são as psicoterapias lúdicas, podendo ser em grupo ou individual. Percebe-se que a ação do brincar pode se dar por meio de inúmeras práticas, por exemplo, como a mencionada acima, a produção artística, ou também se utilizando objetos no ato do brincar, é o que Klein (1955/1980) faz quando desenvolve a técnica psicanalítica por meio do brinquedo, na qual fica à disposição da criança uma gama de objetos lúdicos na sala para que ela possa livremente brincar (Bodstein & Arruda, 2006). Esta é uma técnica que, mesmo não sendo desenvolvida em sua origem para práticas grupais, também, de alguma forma, é realizada nos Grupos de Dinâmica infantil, principalmente nos momentos do grupo em que as crianças são convidadas a abrirem o armário de jogos para o explorar e escolherem o que querem fazer, do que querem brincar.

 

GRUPO DE DINÂMICAS INFANTIL: AFINAL, QUE ESPAÇO É ESSE?

Como já mencionado ao longo do artigo, a prática que se realiza no Grupo de Dinâmicas está se consolidando, uma vez que se está tateando seus objetivos, funções, resultados, avanços e desafios. O que se estende, a priori, do espaço desse grupo infantil é que este se configura em um setting no qual se pode pensar a clínica ampliada com crianças. E aqui se fala de uma clínica com um referencial psicanalítico.

A primeira questão a ser pensada é que o grupo infantil não se restringe a identificar e "curar" sintomas. O que se oferece nesse espaço é "um lugar de subjetivação onde, através da produção, a elaboração do mal-estar possa ter lugar" (Teixeira, 2006, p. 69). Esta produção, pontuada pela autora se dará por vias do brincar, da criação, do fazer e do poder fantasiar. Deste modo, o espaço ofertado pelo Grupo de Dinâmica infantil é um lugar onde a criança terá a possibilidade de brincar - consequentemente, fantasiar - sem culpabilização, sem ameaças externas, sem julgamentos. É na oferta deste lugar que a criança terá a oportunidade de mudar de posição quanto ao que te afeta como sujeito (Teixeira, 2006), seja o que se manifesta como hiperatividade, falta de limites ou timidez.

Entendido que o Grupo de Dinâmica infantil é um espaço que promove um lugar para o brincar, apresenta-se, então, quais formas de brincar o grupo está ofertando. Chamar-se-á, aqui, estas formas de brincar de atividades lúdicas. As atividades propostas nos grupos geralmente apresentam-se com um tema. A partir do tema, escolhido pelos coordenadores, propõe-se uma atividade e/ou dinâmica para trabalhar aquele tema. A escolha dos temas, a princípio, tenta ser baseada na realidade cotidiana de uma criança, temas que talvez fossem pertinentes à idade, tais como escola, família, amigos, animais de estimação, etc. Na medida em que algumas crianças passam a vir com maior frequência ao grupo, pode-se identificar temas que parecem ser mais pertinentes à realidade e demanda de cada criança. Por exemplo, certa vez uma criança apresentava uma demanda referente à transição criança-adolescente, questões envolvendo a puberdade. Assim, os coordenadores prepararam as atividades do grupo em volta do tema Corpo e Identidade.

Os temas que já foram trabalhados com as crianças são: Corpo, Identidade, Medo de Escuro, Super Heróis, Talentos, Gênero, Morte, Sentimentos, Imaginação, Preguiça, Alimentação, Natureza, Diferenças, Personalidade, Sexualidade, entre outros. As atividades lúdicas para trabalhar estes temas são propostas e não impostas às crianças pelos coordenadores. Em alguns casos a criança solicita alguma brincadeira que ela gostaria de fazer no grupo seguinte, como brincar de massa de modelar, pega-varetas e desenhar no quadro negro. Pensando nessas solicitações, os temas seguintes são programados para serem trabalhados com estas atividades.

Para além das possibilidades terapêuticas do brincar, a dimensão grupal também está se fazendo um elemento muito importante para o desenvolvimento das crianças que frequentam o grupo. Algumas crianças já estão no serviço há mais tempo e se percebe a relação existente entre elas e a potência terapêutica que tem a criança quando formado esses tipos de vínculos. Observa-se essas afirmações, principalmente, quando umas das crianças que comumente frequenta o serviço falta: as outras crianças esperam por ela, perguntam sobre ela, se as coordenadoras do grupo sabem a respeito da criança, e, quando no outro encontro o faltante reaparece as crianças o cobram pela falta. A questão da falta de um participante em grupos de terapia foi analisada por Souza e Scorsolini-Comin (2011) e suas considerações também se encontram no Grupo de Dinâmicas infantil, uma vez que é nítido como a ausência de uma das crianças provoca repercussões na dinâmica grupal.

A potência do dispositivo de grupal como um contexto para o brincar da criança é representada pela questão da reverberação da falta de uma criança na dinâmica do grupo e também pelo o que acontece quando há introdução de novos usuários no serviço. Observa-se que, ao frequentarem novas crianças, gera-se movimento. Esses novos integrantes são crianças diferentes para brincar, são vias distintas para que a criança consiga vincular algo de si no grupo. Observou-se quando três irmãos foram pela primeira vez ao serviço o que os coordenadores chamaram de "personificação do caos", e o que a teoria pode chamar de potência do devir (Santos & Mello, 2015), pois as crianças interagiram de uma maneira muito intensa, principalmente um menino que já estava frequentando o grupo há um tempo, que era bem retraído, tímido, quase nunca brincava junto com as outras crianças. Ele se permitiu brincar, foi o dia em que mais falou, foi o dia em que se ouvia suas gargalhadas.

O potencial terapêutico do espaço do grupo de dinâmica infantil está exatamente em não saber, em linhas duras e não mutáveis, que espaço é esse. A própria natureza do brincar é algo não estático, uma vez que é uma atividade cunhada por Winnicott (1951/1982) no âmbito do transicional, do intermediário, uma área de experimentação (Felice, 2003). Com a oferta de um lugar para brincar, de um lugar para fazer arte – uma mãe, ao buscar seus filhos na sala de grupo fica espantada com todas as tintas e papéis espalhados pelo chão e então diz "que delícia, aqui vocês podem fazer arte, podem fazer tudo o que não pode fazer em casa" – cria-se o que Winnicott (1975) chama de espaço potencial, feito por meio da brincadeira, em um brincar criativo que por si só já é terapêutico: "um espaço intermediário [...] uma terceira área de experimentação onde se localizam os fenômenos transicionais [...] é nele que se localiza a brincadeira e a experiência cultural" (Lima, 2016, p. 242).

O que se sabe, por enquanto, é que não se trata, em totalidade, de um grupo de espera, nem de um grupo de terapia e nem de um centro de convivência. Sabe-se que o grupo de dinâmicas infantil da UEL é um espaço do devir que propicia ao sujeito-criança uma experiência na realidade, permitindo um encontro que seja capaz de reorganizar, simbolicamente, a vida psíquica dele (Felice, 2003).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Analisando o serviço de Grupos de Dinâmicas Infantil ofertado pela Clínica Psicológica da UEL, por meio do relato de experiência do trabalho desenvolvido, entende-se que foi demonstrado aqui a importância e o efeito terapêutico do brincar no acolhimento infantil. Os grupos adquiriram fins terapêuticos e se tornaram dispositivos de promoção de saúde mental e assistência social. Os grupos promovem, além do bem-estar do usuário do serviço, menos evasão da fila de espera para atendimento individual, maior vínculo institucional e a desmistificação de estereótipos bastante arraigados na cultura popular da cidade quanto ao que é e o que pode ser um atendimento psicológico.

Entende-se que o grupo de dinâmicas infantil da UEL promove o brincar e todas as suas consequências terapêuticas, caracterizando-se como um serviço de prevenção e promoção em saúde mental. Como se trata de um tipo de dispositivo novo, estudos na área, tais como esse, especialmente que envolvam relatos de experiência a respeito das atividades que os outros profissionais vêm realizando, se faz de extrema importância científica e social.

Esta modalidade de grupo que se inaugura na UEL, claro, apresenta seus limites: não tem como intuito primário mudanças estruturais de personalidade, por exemplo, todavia apresenta suas potencialidades, proporcionando vivências de contato social, o exercício e desenvolvimento da criatividade, a plasticidade psíquica e a saúde emocional de todos os envolvidos, crianças, responsáveis e terapeutas. Configura-se, assim, como uma prática pertinente que deve ser ampliada, disseminada e mais amplamente investigada.

 

REFERÊNCIAS


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Endereço para correspondência
Maíra Bonafé Sei
E-mail: mairabonafe@gmail.com

Submetido: 10/10/2016
1ª revisão: 02/02/2017
Aprovado: 22/05/2017

 

 

1 Maria Lúcia Mantovanelli Ortolan é psicóloga, especialista em Psicanálise e Contemporaneidade – Faculdade Pitágoras, residente em Saúde da Família – UEL.
2 Amanda Lottermann de Lima é psicóloga pela Universidade Estadual de Londrina.
3 Daniel Polimeni Maireno é psicólogo e doutor em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
4 Maíra Bonafé Sei é psicóloga, doutora em Psicologia Clínica pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo e professora adjunta do Departamento de Psicologia e Psicanálise da Universidade Estadual de Londrina.

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