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Revista da SPAGESP

Print version ISSN 1677-2970

Rev. SPAGESP vol.19 no.2 Ribeirão Preto July/Dec. 2018

 

ARTIGOS

 

Malformação fetal: enfrentamento materno, apego e indicadores de ansiedade e depressão

 

Fetal malformation: maternal coping, attachment and indicators of anxiety and depression

 

Malformación fetal: afrontamiento materna, el apego y indicadores de ansiedad y depresión

 

 

Máira Morena Borges1; Eucia Beatriz Lopes Petean2

Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto-SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Frente ao diagnóstico de malformação fetal, faz-se necessário conhecer as estratégias de enfrentamento utilizadas pelas gestantes e a relação delas com o apego materno fetal, a ansiedade, a depressão e o diagnóstico. Participaram 33 gestantes atendidas no Ambulatório de Medicina Fetal de um hospital-escola do estado de São Paulo. Utilizou-se a Escala Modos de Enfrentamento de Problemas, a Escala de Apego Materno-Fetal, os Inventários Beck de Ansiedade e Depressão e a Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão. A estratégia de enfrentamento mais utilizada pelas gestantes foi focalizada na busca de práticas religiosas e/ou pensamento fantasioso. Gestantes com maior nível de apego utilizaram como estratégia prioritária aquela focalizada no problema, e nenhuma gestante apresentou índices de ansiedade e depressão classificados como graves.

Palavras-chave: anomalia congênita; enfrentamento; ansiedade; depressão; apego.


ABSTRACT

In view of the diagnosis of fetal malformation, this study aimed to know the coping strategies used by pregnant women and their relation to maternal fetal attachment, anxiety, depression and diagnosis. 33 pregnant women attended at the Fetal Medicine Outpatient Clinic of a school hospital in the state of São Paulo. We used Scale Modes of Confronting Problems, Maternal-Fetal Attachment Scale, Beck Anxiety and Depression Inventory and the Hospital Anxiety and Depression Scale. The coping strategy most used by pregnant women was focused on the search for religious practices and/or fantasy thought. Pregnant women with higher levels of attachment used a priority strategy to focus on the problem, and no pregnant woman presented indices of anxiety and depression classified as severe.

Keywords: congenital anomaly; coping; anxiety; depression; attachment.


RESUMEN

Frente al diagnóstico de malformación fetal, este estudio tuvo como objetivo conocer las estrategias de afrontamiento utilizadas por mujeres embarazadas y su relación con el apego materno fetal, la ansiedad, la depresión y el diagnóstico. Participaron 33 mujeres embarazadas atendidas en Medicina Fetal Clínica de un hospital universitario en el estado de Sao Paulo. Fueron utilizadas: Escala Modos de Enfrentamento de Problemas, Escala de Apego Materno-Fetal, Inventários Beck de Ansiedade e Depressão y Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão (en portugués). La estrategia de afrontamiento más utilizadas por las mujeres embarazadas se centró en la búsqueda de las prácticas religiosas de pensamiento y/o de deseo. Las gestantes con mayor nivel de apego utilizaron como estrategia prioritaria aquellas dirigidas al problema, y ninguna de las gestantes presentó índices de ansiedad y depresión clasificados como graves.

Palabras clave: anomalía congénita; confrontar; ansiedad; depresión; apego.


 

 

A gravidez, compreendida como um período de preparação para a maternidade, permite que, progressivamente, a mulher possa assimilar e consolidar seu papel de mãe (Canavarro, 2001; Antunes & Patrocínio, 2007). No entanto, as múltiplas mudanças que ela vivencia nesse período exigem adaptações e podem representar riscos para o desenvolvimento de diversas psicopatologias, tais como maiores níveis de ansiedade e depressão. Essa vulnerabilidade psicológica repercutirá em suas respostas emocionais e poderá interferir na interação e no vínculo que a gestante estabelece com o feto no período pré-natal (Fonseca, 2010; Silva, 2012).

Diversos fatores – como história pré-concepcional, percurso obstétrico e do parto, idade, relacionamento com os pais, história psiquiátrica, antecedentes familiares, comportamento sócio emocional, acontecimentos de vida, relacionamento conjugal e apoio social – estão relacionados à maneira como a mulher irá vivenciar a gestação e a maternidade. O impacto da notícia de uma malformação fetal pode exacerbar os níveis de ansiedade e depressão, dificultando tanto o ajustamento materno, quanto seu desempenho no papel de cuidadora (Canavarro, 2001; Antunes & Patrocínio, 2007; Zeoti, 2011).

O fato de o bebê imaginado e fantasiado apresentar algum problema desencadeia sentimentos de angústia e sofrimento, concomitantes à necessidade de se elaborar o luto, ainda que o feto não tenha uma morte concreta (Vasconcelos & Petean, 2009). A adaptação a essa realidade do feto é permeada por diversos fatores, tais como problemas econômicos, rede de apoio restrita e o pequeno número de serviços públicos para o atendimento de crianças com problemas, dentre outros que poderão dificultar esta adaptação (Perosa, Silveira, & Canavez, 2008; Vasconcelos & Petean, 2009; Perosa, Canavez, Silveira, Padovani, & Peraçoli, 2009). Assim, os processos adaptativos e os meios de superação após o confronto com a malformação de um filho se manifestam de diferentes formas, conforme as expectativas, a cultura, a maturidade do casal e o próprio contexto que envolve a malformação (Antunes & Patrocínio, 2007).

Cada indivíduo e cada casal terá um ritmo próprio para o enfrentamento e a adaptação à notícia da malformação fetal; entretanto, algumas etapas desse processo são comuns a todos, como a reação de choque, os sentimentos de negação, tristeza e cólera (Drotar, Maskiewicks, Irvin, Kennel, & Klaus, 1975). Segundo Gomes e Piccinini (2010), a individualidade de cada pai e de cada mãe influenciará não somente a forma de viver cada fase, mas também o tempo despendido em cada uma delas e a capacidade de se chegar ou não à fase de reorganização.

As gestantes ou o casal se utilizarão de diferentes estratégias de enfrentamento para que possam superar e se adaptar a essa nova situação. Assim, quantas e quais estratégias serão utilizadas por cada um são um fator variável e ocorrem em função do desenvolvimento de cada pessoa, sendo que essa variabilidade se dá devido às diferenças que se processam nas condições de vida através das experiências dos indivíduos (Vasconcelos & Petean, 2009). As estratégias de enfrentamento utilizadas por cada pessoa são determinadas por condições internas – medo, ansiedade e angústia, entre outras – e por condições externas, que incluem saúde, crenças pessoais, responsabilidades, habilidades sociais, suporte e recursos materiais (Benute et al., 2011).

Estudos apontam que características de personalidade da mãe, atitudes para com a gravidez, fatores situacionais vivenciados durante a gestação, apoio social, relacionamento conjugal, características específicas da gravidez, fatores demográficos e perdas perinatais influenciam não somente no enfrentamento, mas no estabelecimento do apego materno-fetal (Doan & Zimerman, 2003). Piccinini, Gomes, Moreira e Lopes (2004) consideram que fatores como saber o sexo, atribuir um nome e temperamento ao feto, assim como a interação com ele podem auxiliar neste processo. De acordo com os autores, comportamentos como imaginar, interagir e preocupar-se são atitudes que revelam a existência de um vínculo; contudo, ressalta-se que a postura de imaginar e pensar no feto são apenas uma das formas de se avaliar a proximidade do contato da gestante com ele.

Vasconcelos e Petean (2009) e Zeoti (2011) comprovam a existência e importância do vínculo construído no período pré-natal e mostram que ele se desenvolve mesmo em situações adversas, como após o diagnóstico de malformação fetal. Para Brandon, Pitts, Denton, Stringer e Evans (2009), o apego pré-natal é importante porque auxilia uma melhor resposta emocional das gestantes no enfrentamento da gravidez. Este estudo teve, portanto, por objetivo, frente ao diagnóstico de malformação fetal, conhecer quais as estratégias de enfrentamento mais utilizadas pelas gestantes e qual a relação delas com o nível de apego materno fetal, com ansiedade e depressão, e com o prognóstico.

 

MÉTODO

Realizou-se um estudo prospectivo e transversal, sendo a população estudada constituída por gestantes atendidas no Ambulatório de Medicina Fetal de um hospital-escola do interior do estado de São Paulo, em dois períodos: agosto a novembro de 2011 e julho de 2013 a maio de 2014. A amostra por conveniência constituiu-se por um total de 33 gestantes com idades entre 18 e 43 anos, que realizaram exames ultrassonográficos pré-natais nos quais o feto foi diagnosticado com malformação e que se encontravam no período gestacional entre 22 a 37 semanas.

Um roteiro de entrevista foi utilizado para se obter os dados sociodemográficos (idade, estado civil, tempo de união, escolaridade, renda familiar) das gestantes e sua história obstétrica (número de gestações, número de abortos prévios, idade gestacional, diagnóstico e prognóstico do feto).

Com o objetivo de conhecer o tipo de enfrentamento utilizado frente ao diagnóstico, foi aplicada a EMEP (Escala Modos de Enfrentamento do Problema), adaptada por Gimenes e Queiroz (1997) e validada para a população brasileira por Seidl, Tróccoli e Zannon (2001). A EMEP é uma escala do tipo Likert, composta por 45 itens, subdivididos em quatro fatores, que contemplam pensamentos e ações apresentados diante de um evento especialmente estressante. Tais são os fatores: enfrentamento focalizado no problema; enfrentamento focalizado na emoção; enfrentamento focalizado na religiosidade e pensamento fantasioso; e enfrentamento focalizado na busca de suporte social. O escore total é obtido pela média aritmética, e quanto mais alto o escore, maior a frequência de utilização de determinado estilo de enfrentamento (Gimenes & Queiroz, 1997).

Com o intuito de avaliar os níveis de ansiedade e depressão, aplicou-se o BDI (Inventário Beck de Depressão); BAI (Inventário Beck de Ansiedade); e a HAD (Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão). O BDI e o BAI são ambos adaptados e traduzidos para o português por Cunha (2001). O BDI contém 21 itens e classifica os níveis de depressão em mínima, leve, moderada e grave; o BAI, também constituído por 21 itens, classifica os níveis de ansiedade em absolutamente não, levemente, moderadamente ou gravemente. A HAD, com validação para a população brasileira realizada por Botega, Bio, Zomignani, Garcia e Pereira (1995), é um instrumento composto por uma escala com 14 itens do tipo múltipla escolha, sendo sete deles relativos a sintomas de ansiedade e sete relativos a sintomas depressivos, classificados em cinco níveis: sem sintomas, subclínica, leve, moderada e grave.

Visando avaliar o nível de apego desenvolvido pela gestante com o feto, utilizou-se a Escala de Apego Materno-Fetal, traduzida e validada para a população brasileira por Feijó (1999). Esta escala é um instrumento do tipo Likert, com 24 itens, e classifica o apego materno fetal em três níveis: apego mínimo, médio e máximo.

Os instrumentos foram aplicados individualmente e, sempre que necessário, as gestantes foram encaminhadas para atendimento psicológico com as profissionais da Equipe do Ambulatório de Medicina Fetal. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, protocolo nº 3883/2011, e Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto/USP, sob CAAE nº 05728112.0.0000.5407, tendo todas as participantes assinado o termo de consentimento livre informado.

Os dados da Escala de Apego Materno-Fetal, BDI, BAI, HAD e EMEP foram analisados quantitativamente, conforme as normas de cada instrumento, e foi realizada a análise estatística descritiva, sua frequência e porcentagem.

 

RESULTADOS

No presente estudo, as gestantes avaliadas apresentaram idade mínima de 18 anos e máxima de 43 anos, sendo que a maioria delas (48,5%) tinha entre 21 e 30 anos de idade. A maioria das gestantes (84,8%) estava em um relacionamento estável, e 63,6% concluíram o 2º grau. Todas as participantes declararam ter uma crença religiosa, católica (42,4%) ou evangélica (57,6%). Em relação à renda familiar, havia gestantes que não apresentavam fonte de renda fixa até gestantes cuja renda era de 10 salários mínimos, vigentes na época; entretanto, a maioria delas (51,5%) relatou uma renda inferior ou igual a 2,5 salários mínimos.

Com relação à história obstétrica, 14 gestantes (42,4%) eram primigestas, enquanto as demais (57,6%) já tinham tido uma ou mais gestações, e 7 gestantes (21,2%) tinham histórico de abortos prévios. A idade gestacional variou de 22 a 37 semanas de gestação. Quanto ao diagnóstico de malformação fetal, três gestantes (9,1%) receberam prognóstico de letalidade do feto, 13 (39,4%) delas receberam diagnóstico de malformação cujo prognóstico indicava a necessidade de cirurgia após o nascimento, e para 17 gestantes (51,5%) foi indicada reavaliação pós-natal para definição do prognóstico. Mesmo diante da notícia da malformação e do prognóstico fetal, a maioria das gestantes (90,9%) manteve o apego máximo com o feto.

Quanto à estratégia de enfrentamento prioritariamente utilizada por cada gestante, aquela focalizada na busca de práticas religiosas e pensamento fantasioso, que engloba sentimentos de esperança e fé, foi a mais predominante (51,5%), seguida pela estratégia de enfrentamento focalizada no problema (33,3%) e pela estratégia focalizada na busca de suporte social (15,2%). Ao se comparar as estratégias de enfrentamento utilizadas pelas gestantes com o nível de apego materno fetal (Tabela 1), pôde-se constatar que, independentemente do nível de apego, a estratégia mais utilizada foi a focalizada nas práticas religiosas (51,5%). Destaca-se, entretanto, que todas as gestantes que priorizaram a estratégia focalizada no problema (33,3%) apresentaram nível de apego máximo com o feto, assim como as gestantes que priorizaram a busca de suporte social (15,2%).

 

 

A estratégia de enfrentamento focalizada nas práticas religiosas também predominou entre as gestantes, independentemente do prognóstico fetal, como pode ser observado na Tabela 2. Já a estratégia focalizada no problema foi utilizada somente nos casos em que o prognóstico era cirúrgico ou de avaliação após o nascimento.

 

 

Em relação aos indicadores de ansiedade e depressão, a Tabela 3 mostra que, das 33 gestantes avaliadas, 25 apresentaram indicadores clínicos, sendo 15 (45,5%) para ansiedade e 10 (30,3%) para depressão. Nenhuma gestante apresentou índices classificados como graves. Dentre essas, independentemente da natureza do indicador clínico, a maioria (48,5%) utilizou a estratégia de enfrentamento focalizada na religiosidade.

 

 

Ao se comparar os dados sócios demográficos com a presença de indicadores clínicos para ansiedade e depressão, os resultados mostram que, dentre as 25 (75,8%) gestantes que os apresentaram, 16 (64%) estavam entre aquelas que declararam renda menor ou igual a R$ 1.500,00, resultado que sugere que gestantes com menor renda apresentam maior vulnerabilidade emocional. Observou-se também que, das 5 gestantes (15,2%) que não tinham um companheiro e 6 (18,2%) que estavam em um relacionamento com tempo de união inferior a 2 anos, 6 (54,5%) apresentaram altos escores para ansiedade e/ou depressão, o que indica que a ausência do companheiro e menor tempo de união favorecem estados emocionais negativos. Dentre as 12 (36,4%) gestantes com menor escolaridade, ou seja, que não concluíram o 2º grau, 8 (66,7%) apresentaram indicadores para ansiedade e/ou depressão, enquanto somente 10 (47,6%), dentre as 21 gestantes que concluíram o 2º grau, apresentaram tais indicadores. Em relação às estratégias de enfrentamento, a estratégia focalizada no problema foi a mais utilizada por 11 gestantes, sendo que 6 (54,5%) delas tinham maior grau de escolaridade.

 

DISCUSSÃO

Os resultados referentes à caracterização das participantes mostram que a idade prevalente entre elas estava entre 21 e 30 anos, dados que convergem com o estudo de Vicente, Paula, Silva, Mancini e Muniz (2016), ao avaliar níveis de estresse, ansiedade, depressão e estratégias de coping em mães de bebês com anomalias congênitas. Estudos prévios também verificaram resultados semelhantes, demonstrando a presença do diagnóstico de malformações fetais em mulheres mais jovens e não apenas associado à elevação da faixa etária materna (Costa, Hardy, Osis, & Faúndes, 2006; Vasconcelos & Petean, 2009).

O estado civil das gestantes é outro ponto de destaque, pois, de acordo com Figueiredo e Costa (2009), grávidas solteiras podem apresentar menor envolvimento e vinculação com o feto. No presente estudo, a maioria das participantes relatou estar em um relacionamento estável, o que pode ter auxiliado no processo de vinculação com o feto e no enfrentamento do diagnóstico de malformação fetal.

Os resultados não apontaram para uma possível influência da idade materna e estado civil no tipo de estratégia de enfrentamento utilizada pelas gestantes; entretanto, as participantes que relataram maior escolaridade priorizaram com maior frequência o enfrentamento focalizado no problema. A conclusão do 2º grau pela maioria das gestantes é um dado que, como nos estudos de Perosa et al. (2008) e Vasconcelos e Petean (2009), sugere que maior nível de escolaridade pode influenciar para uma melhor compreensão das informações sobre o diagnóstico e prognóstico do feto.

Ainda assim, independentemente da idade, do estado civil e mesmo da escolaridade, a estratégia utilizada pela maioria das gestantes deste estudo para enfrentar o diagnóstico de malformação fetal foi prioritariamente a estratégia de enfrentamento focalizada na religiosidade. A religião tem se mostrado um importante recurso de elaboração psicoafetiva que possibilita às gestantes lidar melhor com o sofrimento que o diagnóstico da malformação traz a elas (Vasconcelos & Petean, 2009). A fé e a crença religiosa auxiliam a manutenção de sentimentos de esperança e controle da situação, além de desencadear bem estar e pensamentos de valor positivo (Ribeiro, 2004; Bortoletti, Silva, & Tirado, 2007; Souza, 2010). A religião pode ser tanto um fator de proteção quanto um fator de risco, impedindo a gestante de "ver" a realidade, em que a expectativa por uma solução mágica pode estar presente, comprometendo decisões que necessitam ser tomadas.

As estratégias de enfrentamento focalizadas no problema e na busca de suporte social também foram utilizadas pelas gestantes; entretanto, a estratégia focalizada no problema foi utilizada somente nos casos em que o prognóstico era cirúrgico ou de avaliação após o nascimento. Vasconcelos e Petean (2009) apontam que, frente a uma possibilidade real de resolução do problema, após o nascimento dos bebês, as gestantes buscam maior acesso às informações relevantes para tentar solucionar o problema e lidar com a situação estressora. De acordo com Souza (2010), a mãe, quando surpreendida com um problema grave que acomete seu filho, tem a tendência de enfrentar o problema de forma prática e objetiva, procurando ajuda religiosa, assistencial, ou focalizando o próprio problema, na tentativa de obter informações ou procurar alternativas para solucioná-lo.

Para Seidl et al. (2001), a maior utilização de estratégias focalizadas no problema, busca de suporte social e práticas religiosas/pensamento fantasioso, ao lado da menor utilização de estratégias focalizadas na emoção, quando o estressor é um problema de saúde, parecem plausíveis, quando se considera que os indivíduos adotam uma atitude de busca de cuidado. O fato de nenhuma gestante deste estudo ter priorizado a estratégia de enfrentamento focalizada na emoção, mesmo dentre aquelas que apresentaram escores para ansiedade e depressão, é considerado positivo, visto que o enfrentamento centrado na emoção é uma estratégia que busca regular o impacto emocional do estresse, principalmente através de processos defensivos, o que faz com que as pessoas evitem confrontar-se conscientemente com a realidade da ameaça, o que torna essa estratégia menos adaptativa. Resultados opostos foram encontrados nos estudos de Spijkerboer et al. (2007), em que a presença e natureza da doença crônica não influenciaram no tipo e na determinação das estratégias de enfrentamento utilizadas.

Independente do prognóstico da malformação fetal, as gestantes apresentaram alto nível de apego com seus fetos. É provável que o fato de todas as gestantes terem priorizado estratégias mais adaptativas de enfrentamento tenha influenciado nisso. A preponderância no uso de estratégias adaptativas positivas também foi identificada por Vicente et al. (2016).

Nos estudos de Tarelho e Perosa (2001), Vasconcelos e Petean (2009) e Benute et al. (2011), as gestantes também mantiveram o apego com seus fetos, e a maioria delas com apego superior à média estabelecida pelo instrumento. Outros estudos, entretanto, ressalvam que a qualidade do contato estabelecido entre a mãe e o feto é expressa de modo variável, sendo a gestação um período de maior vulnerabilidade psicológica e que representa, consequentemente, maior risco de redução do vínculo (Fonseca, 2010; Silva, 2012).

Para Damas (2008), ao diagnosticar uma malformação fetal, os pais necessitam de um período para se reorganizar e assimilar o significado da doença. Se os recursos de enfrentamento de que dispõem são efetivos, o comportamento adotado minimiza os sentimentos negativos associados à ameaça ou à perda; mas, se os recursos de enfrentamento são ineficazes, ocorre maior estresse, permanecendo a crise e o desequilíbrio (Carvalho & Rodrigues, 2007). No estudo de Vicente et al. (2016), observou-se maiores níveis de estresse e sintomas psicológicos entre mães que receberam o diagnóstico de malformação antes do nascimento, ou seja, no período gestacional.

Em relação à presença de indicadores afetivos, a maioria das gestantes apresentou escores elevados para ansiedade e/ou depressão. Para Gomes e Piccinini (2007), os maiores desencadeadores de ansiedade e depressão maternas são os relacionados à falta de informações e acolhimento profissional adequado. Estes fatores parecem facilitar a manifestação de fantasias, das reações de medo, exacerbando as reações de ansiedade. Para Quayle (1997), é fundamental dar suporte afetivo e psicológico à gestante, orientando-a para a realidade que terá após o nascimento da criança.

Apesar da presença dos indicadores de ansiedade e depressão, o fato de as gestantes deste estudo terem recebido acolhimento psicológico, assim como no estudo de Ruschel et al. (2013), pode ter contribuído para a manutenção do vínculo e o enfrentamento mais adaptativo do problema, o que se confirma através da literatura que identifica que a assistência psicológica em medicina fetal pode favorecer as gestantes a utilizarem formas mais adequadas de enfrentamento (Benute & Gollop, 2002; Bortoletti et al., 2007). Proporcionar um ambiente seguro, acolhedor e adaptativo, através da escuta, pode levar a gestante a se sentir à vontade para verbalizar, explorar, refletir e desbloquear pensamentos, significações, expectativas e crenças (Vasconcelos & Petean, 2009).

As gestantes com menor renda familiar e menor tempo de união apresentaram maior vulnerabilidade para sintomas de ansiedade e depressão. Baixo nível socioeconômico também foi uma variável associada a indicadores emocionais maternos por Vicente et al. (2016). O menor tempo de união pode estar associado à percepção de maior instabilidade na relação conjugal, sendo que a presença do companheiro auxilia o enfrentamento de situações de crise, favorecendo a manutenção da saúde mental da mulher e sua vinculação com o feto. De acordo com Silva (2012), há uma associação significativa entre menores indicadores de ansiedade, depressão e estresse com uma maior percepção de suporte. Fatores psicossociais, como o apoio da rede social, podem ter uma função "amortecedora" sobre os estados emocionais negativos na saúde mental e física, principalmente para as mães durante a gravidez. A presença de suporte, seja religioso ou social, faz com que as experiências sejam avaliadas como menos ameaçadoras, proporcionando recursos de enfrentamento mais adequados (Silva, 2012). O acolhimento da equipe de saúde e o apoio da família, em especial do companheiro, podem favorecer a adaptação e enfrentamento do diagnóstico de malformação.

Da mesma maneira, gestantes com menor renda e, portanto, com escassez de recursos materiais e/ou dificuldade de acesso a serviços especializados para o desenvolvimento da criança após o parto, exacerbam a percepção de maior vulnerabilidade frente a um diagnóstico de malformação fetal. De acordo com Vicente et al. (2016), o diagnóstico de anomalia congênita e a possibilidade de acompanhamento médico durante toda a vida geram ansiedade, pois refletem insegurança em relação ao futuro e bem-estar da criança, podendo potencializar os níveis maternos de ansiedade e depressão.

Os resultados deste estudo mostraram que as gestantes com menor escolaridade apresentaram maiores escores para ansiedade e/ou depressão, como nos resultados do estudo de Ruschel et al. (2013), que avaliou a associação entre o grau de ansiedade e o apego materno-fetal de gestantes que estavam em rastreio para cardiopatia fetal. Para os autores, o achado de ansiedade mínima e leve entre as gestantes estava possivelmente associado a maior idade e maior escolaridade.

Thiengo, Santos, Mason, Abelha e Lovisi (2011) encontraram em seu estudo associação significante entre depressão e baixa renda familiar e escolaridade. A escolaridade das gestantes pode influenciar na capacidade de compreensão do diagnóstico da malformação fetal, bem como nas informações e orientações da equipe de saúde. A compreensão do problema possibilita o planejamento e a preparação da gestante para as situações que ela terá que enfrentar a partir do diagnóstico; entretanto, a falta de informação ou dificuldade de compreensão pode levar à maior insegurança e sentimentos de incapacidade, o que dificultará o enfrentamento e favorecerá estados emocionais negativos.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Embora os resultados encontrados sejam consistentes e confirmem a relação entre muitas das variáveis estudadas, não se pretende com isto afirmar que sejam passíveis de generalizações, e algumas limitações devem ser, portanto, consideradas. Não se trata de uma amostra representativa da população de gestantes com diagnóstico de malformação fetal, logo qualquer interpretação deve ser cautelosa. Entretanto, os resultados obtidos mostraram-se relevantes ao contribuir para a reflexão de variáveis, como diferentes estilos de enfrentamento e estados emocionais, que podem interferir no ajustamento materno frente ao diagnóstico de malformação e no processo de vinculação com o feto. Outros estudos precisam ser realizados, possibilitando maior conhecimento de fatores que podem favorecer o melhor direcionamento do processo interventivo tanto de psicólogos, como da equipe de saúde envolvida no contexto de gestações de risco.

 

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Endereço para correspondência
Maira Morena Borges
E-mail: borges.maira@hotmail.com

Submetido: 10/12/2017
1ª revisão: 22/03/2018
Aprovado: 10/05/2018

 

 

1 Maira Morena Borges é mestre em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
2 Eucia Beatriz Lopes Petean é professora associada da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.

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