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Revista da SPAGESP

versão impressa ISSN 1677-2970

Rev. SPAGESP vol.19 no.2 Ribeirão Preto jul./dez. 2018

 

ARTIGOS

 

A metáfora paterna e o advento do inconsciente: da natureza à cultura

 

The paternal metaphor and the advent of the unconscious: from nature to culture

 

La metáfora paterna y el advenimiento del inconsciente: de la naturaleza a la cultura

 

 

Luciana Alonso1

Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto-SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo deste artigo é fazer um percurso teórico sobre o Complexo de Édipo nas obras de Freud e Lacan através de um recorte neste tema a fim de discorrer sobre a relação entre este evento e o advento do Inconsciente. Sendo este um ponto fundamental da teoria psicanalítica, este artigo se propõe a enfatizar o viés simbólico desta operação responsável pela transição da natureza a cultura. Usaremos o mito da horda primeva descrito em Totem e Tabu; passaremos pelo Complexo de Édipo enquanto triangulação como proposta na obra de Freud e, por fim, será introduzida a relação desta operação com o advento da linguagem como resultado da morte do pai em ambos os mitos, promovendo a entrada na cultura.

Palavras-chave: Complexo de Édipo; inconsciente; cultura.


ABSTRACT

The objective of this article is to do a theoretical path about the Oedipus complex in the Freud and Lacan works through a clipping at this issue to discuss the relation between this event and the advent of the Unconscious. Because this is a fundamental point of psychoanalytic theory, this article intends to emphasize the symbolic bias of this operation responsible by the transition from nature to culture. We will use the myth of the primeval horde described in Totem and Taboo, passing by Oedipus complex as a triangulation as proposed in the work of Freud and, finally, it will be introduced the relation of this operation with the advent of language as a result of father's death in both myths, promoting the entry in the culture.

Keywords: Oedipus Complex; unconscious; culture.


RESUMEN

El propósito de este artículo es hacer un curso teórico sobre el Edipo en las obras de Freud y Lacan a través de un recorte en este tema a fin de discutir la relación entre este evento y el advenimiento del inconsciente. Puesto que esto es un punto fundamental de la teoría psicoanalítica, este artículo pretende enfatizar el sesgo simbólico de esta operación responsable por la transición de la naturaleza a la cultura. Utilizaremos el mito de la horda primitiva descrito en Totem y tabú; pasaremos por El Complejo de Edipo como la triangulación como se propone en la obra de Freud y, por último, se introducirá la relación de esta operación con el advenimiento de la lengua como resultado de la muerte del padre en ambos mitos, promoviendo la entrada en la cultura.

Palabras clave: Complejo de Edipo; inconsciente; cultura.


 

 

O Complexo de Édipo, na obra de Freud, pode ser considerado como um ponto fundamental quando se fala da constituição do sujeito, pois é no campo da cena edípica que acontece a organização do seu vir-a-ser (Moreira & Borges, 2010). Assim, o Complexo de Édipo pode ser compreendido, na psicanálise de Freud e Lacan, enquanto uma operação lógica que possibilita a passagem da natureza para a cultura, entendendo esta última como a possibilidade de acumulação de estímulos pelo corpo, pelo advento de um corpo erógeno (Cabas, 2005). É necessário pontuar, de início, que um organismo biológico tem por característica se livrar de todos os estímulos que chegam a ele, de tudo o que interrompa seu estado de equilíbrio e por outro lado, o corpo erógeno, como a capacidade de acumular estímulos (Freud, 1915/1996). Esta passagem acontece na medida em que são dadas representações, por meio da linguagem, para o que é vivenciado pelo corpo. O Complexo de Édipo pode ser entendido assim como a relação que o sujeito faz ao Outro, ou seja, como uma relação construída a partir da interação com aqueles que vem atender aos seus apelos e pela atribuição de significantes a estas marcas.

O aparelho que labora para transformar a natureza em cultura é o Complexo de Édipo. Seu labor é inscrever aquilo que é da natureza como representante no inconsciente. O Complexo de Édipo é o aparelho significante capaz de produzir esta transformação. Transformação metafórica que consiste em fazer do biológico, letra" (Montero, 2010, p. 171).

O esclarecimento deste ponto se faz importante na medida em que há uma facilidade em trilhar um caminho pela via imaginária ao falar do Complexo de Édipo, ou seja, dar grande ênfase em seu conteúdo manifesto. De acordo com essa análise, o Édipo, tal e como tradicionalmente se vulgarizou [...], ou seja, amor à mãe e ódio ao pai, não é senão uma formação imaginária, uma colocação, em imagens do drama do sujeito, colocação em imagens que se apoia sobre as imagos de incesto e morte do pai (Cabas, 2005, p. 101).

Além disso, muitas das críticas ao Complexo de Édipo compreendem a tese de Freud como algo tão somente relacionado às figuras parentais tais como se apresentam na estrutura familiar ocidental, reduzindo-o a uma situação real. Assim, limitar-se às ideias geradas por esta lógica dificulta as possibilidades de compreensão da incidência do Complexo de Édipo no registro simbólico, pois "[...] o Édipo é um mito ou fenômeno de ordem imaginária, do qual é necessário esclarecer o registro simbólico que o organiza" (Cabas, 2005, p. 105).

Podemos estabelecer, de início, que o complexo de Édipo é, segundo Lacan (1954-1955/1995) "[...] ao mesmo tempo, universal e contingente, porque é única e puramente simbólico" (p. 49). Deste modo, a entrada na cultura, ainda segundo o autor, seria justamente a entrada na ordem simbólica, através da passagem pelo Complexo de Édipo. Assim, quando falamos de um sujeito só o podemos fazer desta forma a partir do momento em que existe uma relação ao Outro, ou seja, quando passa a existir um sujeito do inconsciente.

Que solução poder-se-ia esperar da palavra coletivo neste caso, quando, no entanto, coletivo e individual são estritamente a mesma coisa? [...] trata-se da função simbólica. [...] se a função simbólica funciona, estamos dentro. E digo mais – estamos de tal maneira dentro que não podemos sair. (p. 46)

Para desenvolvermos a ideia central deste artigo, será estabelecida a relação entre o pai da horda primeva e o pai do Complexo de Édipo e depois de estabelecida a relação entre estes dois mitos, será desenvolvida a ideia do pai como fundamento do inconsciente, a partir da internalização do significante e posterior entrada do homem na cultura, por meio da linguagem.

 

O MITO DA HORDA PRIMEVA

Freud inicia uma discussão sobre as origens do laço fraterno, que possibilita a entrada na civilização, a partir do mito da horda primeva descrito em Totem e Tabu (Freud, 1913/1996). Neste mito, os filhos, membros de um clã, estavam subjugados a um pai violento e que gozava de todas as mulheres - ou seja: um pai fálico e tirano, detentor de todo o gozo. Estes filhos, descontentes, decidem então matá-lo para que pudessem também ter acesso aos mesmos direitos do pai - o que incluía livre acesso a todas as mulheres da tribo. Estes filhos então se unem para realizar o assassinato - ato que seria impossível de ser realizado por somente um - e depois de o matarem, o comem numa tentativa de internalizá-lo.

Assim, percebem a impossibilidade de ascender ao lugar que fora outrora do pai, ou seja, nenhum deles poderia ser o pai – aquele que detém a possibilidade de gozar livremente - pois qualquer um que tentasse tomar o lugar do pai estaria sujeito a também perder a vida. Todos deveriam ser, para a preservação da própria vida, castrados. "Ao invés de liberdade para gozar, o assassinato do pai institui o laço fraterno" (Pinto, 2012, p. 22). Assim, o pai, agora morto, se torna mais forte do que o fora vivo, pois faz menção a uma proibição: Não matarás - bem como institui o interdito do incesto – não é possível o acesso a todas as mulheres da tribo.

Essa dívida contraída com o pai instaura uma necessidade de honrá-lo simbolicamente, fazendo que este pai se torne mais poderoso o que o fora vivo - pela instituição do totem. O animal totêmico é um substituto do pai (Moreira & Borges, 2010).

"O pai agora vale-se de um símbolo para existir – o totem, que diz a cada um quem é, tendo garantia para ser, aquilo que se come. [...] se no princípio foi o ato, sua consequência é um nome. Agora a horda sabe quem é, pela via significante – carneiro, por exemplo. Assim, o totemismo, a nomeação é anterior ao indivíduo, dizendo-lhe quem é, coloca-o com deveres para com o significante. A refeição totêmica é a do significante, o resultado do pai morto são equivalentes simbólicos" (Pinto, 2012, p. 22). A partir da morte do pai e do arrependimento e culpa subsequentes, o homem que gozava de tudo não aparece mais como o tirando a ser eliminado, mas sim um deus a ser amado, pela infinita dívida contraída. Neste contexto, ao mesmo tempo em que o odiavam, o amavam e admiravam - querendo ter para si os mesmos direitos.

Em outras palavras, o homem que tinha todas as mulheres só advém como Pai a partir do instante em que está morto enquanto homem, A edificação do homem em Pai se realiza, pois, ao preço de uma promoção simbólica que só se pode manter sustentando-se por um interdito que tem força de Lei (Dör, 1991, p. 40).

Totem e Tabu apresenta a morte do pai como condição para a possibilidade de instauração da cultura, pois o assassinato do pai é o que permite que os filhos possam tomar para si o lugar de sujeitos (Moreira & Borges, 2010). "A essência do principal drama introduzido por Freud repousa sobre uma noção estritamente mítica, (...), a saber, a eternização de um só pai na origem, cujas características consistem em ter sido morto. E por que, senão para conservá-lo?" (Lacan, 1957/1994, p. 215). Neste ponto, é necessário que seja apresentado o mito do Édipo para que possa ser estabelecida a relação entre os mitos.

 

SOBRE O COMPLEXO DE ÉDIPO

Freud, no início de sua obra, em carta a Fliess em 14 de outubro de 1987 já coloca a ideia do Complexo de Édipo como um "[...] evento universal da infância [...]" (Freud 1950/1996, p.316). Freud desenvolve a teoria do Complexo de Édipo durante toda sua obra, em diferentes momentos. Segundo Moreira (2002) citado por Moreira & Barros (2010): "em um primeiro momento o Édipo aparece associado a teoria dos sonhos. Em seguida, ganha um estatuto de complexo estruturante da cultura através do mito de " Totem e tabu" (p. 2).

Freud intenciona, assim, elaborar um mito que possa explicar o desenvolvimento do homem, através de um núcleo familiar. Assim, o Complexo de Édipo pode ser entendido na teoria psicanalítica de Freud em três tempos.

A primeira é denominada por Lacan como alienação (Cabas, 2005). A relação entre mãe e filho neste momento é pautada na "indistinção fusional entre filho e mãe e resulta, pois, essencialmente do fato de que o filho se constitui como o único objeto que pode satisfazer o desejo da mãe." (Dör, 1991, p. 46-47). Justamente por essa indistinção é que a criança nesta fase está identificada ao falo, pois supõe ser aquilo que completa a mãe. "Vocês têm num primeiro tempo, [...], a relação da criança não com a mãe [...], mas com o desejo da mãe. É um desejo de desejo. [...] esse desejo de desejo implica que estejamos lidando com o objeto primordial que é a mãe [...]" (Lacan, 1958/1999, p. 205).

Para prosseguirmos é importante entender que o Complexo de Édipo, na obra de Freud e Lacan está estritamente relacionado com o complexo de castração que se configura em, basicamente, uma ameaça de perda da completude imaginária do sujeito, completude esta que se baseia na ideia de "ter o falo". Assim, a diferença anatômica dos sexos teria papel fundamental na diferenciação estabelecida nesta fase.

Para Freud o falo é um significante fundamental, depositado em uma parte do corpo, devido ao valor narcísico dado a esta imagem que veicula a questão da diferença sexual anatômica entre os sexos para as crianças. Assim, o pênis seria um suporte que veicularia a questão da diferença sexual anatômica entre os sexos (Freud, 1925/1996). A relação entre Complexo de Édipo e Complexo de Castração se articula na medida em que tríade mãe-pai-filho é totalmente dependente do significante falo para que seja assim concebida. "Trata-se de saber como ela poderá ir ao encontro desse objeto, [...] Este objeto, nós postulamos que ele é o falo como eixo de toda a dialética subjetiva. Trata-se do falo como desejado pela mãe" (Lacan, 1958/1999, p. 206).

O segundo tempo do Édipo é inaugurado quando a criança é capaz de perceber o direcionamento do desejo da mãe para outras coisas que não o filho. "Há nela o desejo de Outra coisa que não o satisfazer meu próprio desejo, que começa a palpitar para a vida" (Lacan, 1958/1999, p. 188). Assim, essa seria uma primeira inscrição do pai dada por uma desilusão narcísica da criança (Cabas, 2005).

Apresentando-se à criança como um hipotético objeto do desejo da mãe, o pai se mostra aos olhos daquela como um falo rival. Assim, em torno da interrogação da criança: ser ou não ser o falo da mãe, efetuou-se um deslizamento que é do próprio falo. Desde que se suspeita que o pai é um falo rival – ainda que hipotético -, esboça-se a atribuição fálica paterna. Mas, se isso acontece, é sob o modelo do "ser", já que o pai ainda não é suposto "ter" o falo". (Dör, 1991, p. 49).

O pai, neste momento, está na cena como marcador de uma falta e esta falta necessita ser "[...] mediada pelo pai enquanto este propõe ideais aos quais identificar-se. Esta função, que permite transcender em direção a objetos sexuais no futuro, é o que denominamos lei" (Cabas, 2005, p. 129).

Assim, segundo Lacan (1958/1999), este segundo tempo do Complexo de Édipo tem como eixo o pressentimento pela criança do pai como proibidor, mediado pelo aparecimento deste no discurso da mãe, que, antes deste tempo, era "captado em estado bruto" (p.49). Neste segundo momento, "[...] a fala do pai intervém efetivamente no discurso da mãe" (p. 209) e vem como uma mensagem duplamente direcionada: "Essa mensagem não é simplesmente o Não te deitarás com tua mãe, já nessa época dirigido à criança, mas um Não reintegrarás teu produto, que é endereçado à mãe" (p. 209).

O terceiro tempo do Complexo de Édipo vem como a resolução desta operação, cuja dissolução culmina no advento do Sujeito do Inconsciente: É o tempo da substituição do desejo da mãe pelo Nome-do-Pai. (Cabas, 2005). Neste tempo do Édipo, há uma certa emancipação do sujeito em relação ao Outro pela inserção da Lei paterna, já que neste momento, o pai é aquele que vem mostrar a falta d(à) mãe: vem mostrar que a mãe não pode conceber sozinha. O pai vem mostrar para o sujeito a sexualidade. Vem, assim, implantar o Outro para a criança. "A Lei tem uma origem sexual. É preciso se dar conta disto. Nós humanos somos submetidos à lei do significante que determina a partilha dos sexos" (Barros, 1998, p. 69). Segundo Lacan (1958/1999):

A posição do Nome-do-Pai como tal, a qualidade do pai como procriador, é uma questão que se situa no nível simbólico. Pode materializar-se sob as diversas formas culturais, mas não depende como tal da forma cultural, é uma necessidade da cadeia significante (p. 187).

O que é necessário explicar daqui em diante é a relação do fundamento do inconsciente com a inscrição destes significantes e como o pai está relacionado com isso.

 

SOBRE A MORTE DO PAI E A ENTRADA NA CULTURA

A saída do complexo de Édipo acontece e se mostra plena de potencialidades estruturantes para a criança. A partir do recalcamento do significante originário do desejo da mãe, há a produção do significante Nome-do-Pai, onde há a nomeação metafórica do objeto fundamental de seu desejo. Esta renúncia ao objeto fundamental é o que abre para a criança o acesso ao simbólico, o que lhe dá a possibilidade de se manifestar como sujeito, a partir do momento em que ela designa o significante Nome-do-Pai, que define, pela linguagem, o objeto primordial de seu desejo infantil. (Dör, 1991).

O Nome-do-Pai integra os acontecimentos no interior de um horizonte da compreensão para o sujeito, constituindo uma espécie de chave de leitura que lhe permitindo atribuir significação ao seu mundo (ou ao menos supor que pode fazê-lo). A instância paterna nos oferece a perspectiva a partir da qual o mundo aparece como coerente e dotado de sentido, um ponto de vista graças ao quais os elementos dispersos passam a ser reunidos num campo interpretativo comum (Lustoza & Calazans, 2010, p. 559).

Ao mesmo tempo, ao aceitar se separar de sua mãe, a criança aceita submeter-se ao primado da Lei. Em outras palavras, ela torna sua a Lei que o Outro lhe transmitiu. A metáfora paterna se desenvolve, assim, a partir do recalcamento de um significante de origem em benefício do surgimento de um outro que virá tomar o lugar do significante originário do desejo da mãe. O significante original, "[...] recalcado em benefício do novo, vai se tornar daí em diante inconsciente" (Dor, 1991, p. 51). É justamente a partir desta separação que se pode dizer que foi criada a existência de um Outro - e quando é dito "criação de um Outro", se parte do pressuposto que um afastamento dos desejos Inconscientes por meio do recalcamento produz um alheamento de si mesmo fazendo do Inconsciente, um estranho. "A metáfora do Nome-do-Pai, formalização lógica do complexo de Édipo tem valor de corte fundador do sujeito do inconsciente. Por isso, o que encontramos no inconsciente é o significante do pai, e é este significante que o ordena e organiza" (Montero, 2010, p. 172). Ainda, segundo Lacan: "Digo que isso é o pai no complexo de Édipo. [...] A função do pai no complexo de Édipo é ser um significante que substitui o primeiro significante introduzido na simbolização, o significante materno" (Lacan, 1958/1999, p. 180).

Assim, o pai filogenético – este pai fálico e castrador da horda primitiva – é indispensável na articulação do complexo de Édipo com a castração. No complexo de Édipo temos um pai que proíbe o gozo (Montero, 2010). Ora, já vimos que é justamente esta proibição que despacha o significante unário – aquele pleno de significado e que diz da satisfação - para o Inconsciente; e que é esta operação que possibilita o surgimento do sujeito, possibilita o sujeito desejante, por causar uma hiância entre o ser e o ideal, ou seja, o desejo mais primitivo (e que foi recalcado) e o que foi colocado no lugar (o desejo do Outro) pois "[...] não há sujeito se não houver um significante que o funde. " (Lacan, 1958/1999, p. 195). Se no complexo de Édipo há um pai proibidor do gozo, este é substituto do gozo como impossível. "Impossível porque não se pode gozar de todas as mulheres, ou ainda, porque aí donde situamos o instinto não existe ninguém para dizer Eu" (Montero, 2010, p. 171).

Cada satisfação experimentada pelo sujeito o confrontará com a diferença entre o objeto esperado - "das Ding", vazio do gozo suposto unificante perdido para sempre – e o objeto que encontra em seu horizonte. "Este diferencial produz o sujeito desejante submetido ao recalque originário, uma vez que este diferencial é atribuído a uma instância terceira, o falo, como significante paterno" (Barros, 1998, p. 66). Esta atribuição da diferença entre a satisfação procurada e a satisfação obtida e sua relação com o falo, estão diretamente relacionadas com a tentativa do sujeito em encontrar algo que diga sobre sua satisfação, ou seja; no campo da linguagem o sujeito demonstra sua incapacidade de dizer de seu desejo. A linguagem vem denunciar, assim, a falta estrutural do Sujeito do Inconsciente. A partir da separação entre o Isso e a consciência, há a produção de uma cadeia de significantes – por deslocamento – na tentativa de dizer sobre o desejo. Como, no entanto, isso que foi reprimido encontra vazão para expressar-se? Nas formações do Inconsciente: Os sonhos, sintomas e atos falhos. Interessa-nos enfatizar rapidamente a importância do sintoma, pois, ainda segundo o autor, "Freud já dizia que o sintoma é uma solução de compromisso [...] a partir da articulação do recalque secundário com o recalque originário (p. 62)."

Ainda no complexo de Édipo, podemos dizer que, "[...] desta morte da coisa resta uma marca que atesta essa perda e funda o campo da representação. Chamo a essa marca, de pai-morto" (Montero, 2010, p. 169). Esta morte é que possibilita que o sujeito entre na vida, pois a instituição da palavra é a morte da coisa, como pode ser observado no totemismo: "Pai morto é a palavra que se come" (Pinto, 2012, p. 22).

O que é recalcado, portanto, é a morte do Pai; é a morte que possibilita o advento da palavra. "A morte do pai será denegada no inconsciente, fazendo do pai um nome: O Nome-do-Pai" (Montero, 2010 p. 172). É o recalcamento deste significante fundamental e o advento de um significante que possa dizer do sujeito através do desejo do Outro.

"O que se torna o sujeito, no drama em que se encontra? Como nos descreve a dialética freudiana trata-se de um pequeno criminoso. É pela via do crime imaginário que ele entra na ordem da lei (Lacan, 1957/1994, p. 214)."

Esta morte é que possibilita que o sujeito entre na vida, "[...] desta perda, desta morte da coisa resta uma marca que atesta essa perda e funda o campo da representação" (Montero, 2010, p. 169).

O objeto para sempre perdido é construído como um mito, porque ainda não há um humano, não há um sujeito, há somente um registro de satisfação onde existe um objeto que tampona momentaneamente aquilo que era sentido como falta. Se no instinto existia um objeto que satisfazia, agora com o advento da linguagem não há mais e é necessário criar substitutos: A criança, agora, para se satisfazer, precisa pedir. Mas pedir o quê, se o desejo que temos neste momento é substituto do desejo de voltar à condição de satisfação completa e isso é impossível? Eis aí a falta fundamental que impulsiona o ser humano pela linguagem em busca de um significante que possa definir seu desejo.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir das devidas considerações sobre a passagem da natureza para a cultura e dos operadores deste fenômeno, bem como a apresentação dos mitos freudianos podemos concluir que estes possuem seu valor estrutural na medida em que apresentam a necessidade da morte do pai para entrada na cultura. Esta entrada é apresentada miticamente em Totem e Tabu pelo estabelecimento do laço fraterno que só pode ser assim concebido a partir do estabelecimento da lei fundamental que garante a vida a partir do reconhecimento da impossibilidade de ascender ao lugar do pai, ou seja, é necessário que reconheçamos a castração como nossa, mas também como do outro, como um semelhante, também submetido a esta lei. O Complexo de Édipo é uma metáfora que diz que a falta existe e é justamente a falta que permite que possamos entrar na ordem simbólica.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência
Luciana Alonso
E-mail: luciana_psicologiauel@yahoo.com.br

Submetido: 08/11/2016
1ª revisão: 24/02/2017
Aprovado: 10/04/2017

 

 

1 Luciana Alonso é psicóloga no Centro de Referência de Assistência Social na Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto e mestranda em Psicologia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.

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