SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.21 issue2Social skills inventory for the elderly: an instrument for use in BrazilMinority stress theory in lesbian, gay, and bisexual people author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Revista da SPAGESP

Print version ISSN 1677-2970

Rev. SPAGESP vol.21 no.2 Ribeirão Preto Jul./Dec. 2020

 

ARTIGOS

 

Psicologia e o Grupo Operativo na Atenção Básica em Saúde

 

Psychology and the operative group in primary health care

 

Psicologia, el grupo operativo en atención primaria de salud

 

 

Luís Antonio Sangioni1, I; Naiana Dapieve Patias2, II; Mariana Almeida Pfitscher3, I

IUniversidade Luterana do Brasil, Santa Maria-RS, Brasil
II
Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria-RS, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo teve por objetivo realizar uma revisão sobre o emprego de grupos operativos, como um processo de intervenção ampliada na Atenção Básica em Saúde. Trata-se de uma pesquisa integrativa de natureza exploratória, de cunho descritivo e analítico. Foram incluídos nesse estudo 16 artigos, levando em consideração os critérios de inclusão e exclusão. Os grupos operativos têm sido amplamente empregados pelas Estratégias de Saúde da Família. Esse processo prático se mostrou eficiente em todos os estudos, alcançando resultados promissores na promoção, prevenção e educação em saúde. Sugerimos ser importante o desenvolvimento de espaços de capacitação dos profissionais que utilizam essa metodologia.

Palavras-chave: Grupos operativos; Atenção básica; Psicologia; Intervenção.


ABSTRACT

This study aimed to conduct a review of the historical social process in the use of operative groups, as a larger intervention process in Primary Health Care. It is an integrative, exploratory, descriptive, and analytical research. The study included 16 articles, considering account the inclusion and exclusion criteria. Operative groups have been widely employed by Family Health Strategies. This practice proved to be efficient in all studies, achieving promising results in promotion, prevention, and education health. We suggest that it is important to develop the training spaces of professionals who use this methodology.

Keywords: Operative groups; Primary care; Psychology; Intervention.


RESUMEN

Este estudio tuvo como objetivo realizar una revisión del proceso social histórico en el uso de grupos operativos, como un proceso de intervención mayor en atención primaria de salud. Se trata de una investigación exploratoria de integración, la naturaleza descriptiva y analítica. Los grupos operativos han sido ampliamente utilizados por la Estrategia Salud de la Familia. Esta práctica demostró ser eficiente en todos los estudios, logrando resultados prometedores en la promoción, prevención y educación de la salud. Sugerimos que es importante desarrollar la formación de profesionales que utilizan esta metodología.

Palabras clave: Grupos operativos; Atención primaria de salud; Psicología; Intervención.


 

 

O estudo científico dos grupos humanos representa uma poderosa ferramenta metodológica, cada vez mais necessária no cotidiano dos profissionais que atuam nos campos da Saúde, Educação, Trabalho e Instituições (Ávila, Fernandes, & Ismênia, 2016). Enrique Pichon-Rivière, médico com formação em Psiquiatria e Psicanálise, na Argentina, na década de 1940, elaborou a teoria de grupos operativos (GO). Segundo esse conceito, "um grupo é um conjunto restrito de pessoas, ligadas entre si por constantes de tempo e espaço, articuladas por sua mútua representação interna, que se propõem, de forma explícita ou implícita, a uma tarefa que constitui a sua finalidade" (Pichon-Rivière, 2005, p. 173).

A técnica de grupo operativo consiste em um trabalho com pessoas, cujo objetivo é promover um processo de aprendizagem para os indivíduos envolvidos. Aprender em grupo significa uma leitura crítica da realidade, uma atitude investigadora, uma abertura para as dúvidas e para as novas inquietações. A teoria foi desenvolvida pensando no sujeito, na sua relação objeto e no grupo, baseada na estrutura de vínculos que modela a intervenção em grupo, atribuindo à técnica um caráter dinâmico e interdisciplinar, que pode ser utilizado tanto na educação e saúde (grupos de ensino) quanto em intervenções psicoterapêuticas (grupoterapia) (Pinho, Nunes, Vale, Sousa, & Silva, 2019). Vale destacar que na opinião do desenvolvedor da teoria não há diferença entre propósitos terapêuticos e de aprendizagem, pois ocorre de modo simultâneo e complementar no processo grupal. Para Pichon-Rivière, os propósitos dos GO, embora possam não ser de terapia, em sua finalidade explícita, produzem mudanças intensas, tornando-se terapêuticos.

Esse caminho, no entanto, geralmente é interposto por obstáculos característicos da interação de todos os recursos trazidos por cada sujeito, de forma explícita ou implícita. O nível explícito, também denominado consciente, delimita a tarefa externa, o motivo de constituição do grupo e seus objetivos. Contudo, o nível implícito, também denominado inconsciente, consiste na tarefa interna de cada um, seus processos vividos, as emoções e a dinâmica psíquica do grupo, seus medos, fantasias, ansiedades básicas que, por vezes, poderão dificultar a tarefa externa (Grando & Dall’Agnol, 2010). O processo relacional possibilita ações transformadoras dos sujeitos envolvidos em umas práxis e isto ocorre num movimento espiral, dialético, em direção ao alcance da tarefa. Trata-se de um processo mediado pela aprendizagem (Pichon-Rivière, 2005).

Nesse contexto também surgem outros dois conceitos denominados por Pichon-Rivière de "horizontalidade" e "verticalidade". A horizontalidade refere-se ao campo grupal, constantemente modificado pela ação e interação dos membros podendo levar a uma desatualização emocional no grupo e a verticalidade seria a história de cada participante. Assim, torna-se impossível ignorar os componentes internos que cada sujeito carrega dentro de si. A verticalidade refere-se a como cada integrante do grupo comparece com sua história pessoal consciente e inconsciente, e que, diretamente, poderá influenciar no processo grupal em que ele está inserido.

Coordenar esse método pode se tornar tarefa difícil: Para auxiliar nessa função, surge o Esquema Conceitual Referencial e Operativo (ECRO) também proposto por Pichon-Rivière (2005) (Fortuna, Mishima, Matumoto, & Pereira, 2005). O ECRO é um conjunto de noções, regras, acordos e conceitos gerais que permitem ao grupo aproximar-se de seus objetivos. De forma geral, seria desenvolver o entendimento de suas relações, ações e demandas. A construção do ECRO é uma condição necessária para a comunicação e a realização da tarefa. Essa comunicação deve ser efetiva e constante, uma vez que, se depara frequentemente nos grupos com técnicas defensivas, resistência à mudança, controle onipotente, negação e medo da perda de poder, de espaço e/ou reconhecimento (Menezes & Avelino, 2016).

A concepção da tarefa, também destacada nesta teoria, é o caminho percorrido para alcançar o objetivo estabelecido pelo grupo e suprir uma necessidade (Zimmermann, 1993). Ao incluir na prática a relação indivíduo-grupo, verticalidade-horizontalidade, produz-se uma vertente distinta de intervenção, que toma a tarefa como estrutura central e como um eixo em torno do qual os grupos se organizam, podendo ser compreendida como o objetivo comum do grupo.

O conceito de tarefa opera como uma meta a partir da qual o grupo se configura, traduzindo-se tanto na finalidade a ser cumprida como o próprio caminho para alcançá-la, ou seja, envolve as dimensões explícita e implícita. Esse movimento transcende as questões da tarefa proposta, incluindo a análise do que é expresso de forma verbal e não verbal, da forma dialética da análise da realidade, bem como da compreensão do processo discursivo do grupo, com intuito de obter essa percepção dos significados do processo discursivo (Santos, 2015).

Outro conceito central da obra pichoniana, que traz luz à sua forma de compreender a vida, os grupos e a vida dos grupos é o de dialética. O integrante do grupo é capaz de confrontar os referenciais dados com sua experiência pessoal, sua historicidade, analisando os atravessamentos do contexto social, econômico e cultural sobre o grupo e construir um novo conhecimento num processo coletivo de aprendizagem, mudança pessoal e grupal (Dall’Agnol, Magalhães, Mano, Olschowsky, & Silva, 2012).

No que diz respeito ao desenvolvimento dos GO, pode-se desenvolvê-los em inúmeros contextos institucionais. Uma possibilidade de utilização pode ser no Sistema Único de Saúde (SUS), o qual foi instituído com a finalidade de promoção, proteção e recuperação da saúde.

A reforma sanitária para a implantação do SUS proporcionou uma ampliação no modo de entender a saúde pública, fornecendo acesso aos serviços de saúde a todas classes sociais. Este modelo integral dispõe de estabelecimentos sistematizados, com recursos necessários à produção de serviços em saúde que irão contemplar, desde ações inespecíficas de promoção da saúde em grupos populacionais, passando pelas ações de vigilância ambiental, sanitária e epidemiológica dirigidas ao controle de riscos e danos, bem como ações de assistência e recuperação de indivíduos, sejam ações para a detecção precoce de doenças, ações de diagnóstico, tratamento e reabilitação (Fagundes & Deusdedit Júnior, 2016).

As ações e os serviços oferecidos pela Atenção Básica em Saúde (ABS) do SUS vão além da assistência médica e têm como base as necessidades de determinada comunidade. Para reconhecê-las, é fundamental que se construa uma relação de proximidade e diálogo entre os profissionais, com o território e com a população atendida (Cela & Oliveira, 2015).

Desta forma, surgiu a necessidade de formulação de novas políticas de saúde, principalmente de medidas governamentais voltadas para o fortalecimento da ABS. Sendo assim, buscou-se a integralidade da atenção, ou seja, o envolvimento responsável e compromissado de todas as partes implicadas nesse processo do cuidar, englobando os profissionais, usuários, organizadores e prestadores de serviços, voltando-se às necessidades específicas da população atendida (Camargo-Borges & Cardoso, 2005).

A atuação dos profissionais de saúde na Estratégia de Saúde da Família (ESF) é desenvolvida por equipes compostas, minimamente, por médicos, enfermeiros e agentes comunitários de saúde (ACS) que atuam em territórios específicos. De forma geral, o processo de trabalho destas equipes é permeado pela interdisciplinaridade e pelo deslocamento do foco de atenção do indivíduo para o coletivo (Tiveron & Guanaes-Lorenzi, 2013).

Os GO, a partir da década de 1970, chamaram a atenção dos profissionais da saúde devido ao seu potencial de aplicabilidade e pela sistematização que traziam para o processo grupal, na necessidade de fomentar novas iniciativas para a resolução das dificuldades, capazes de transformar informação em atitude. As práticas grupais, neste sentido, estão em conformidade com as diretrizes preconizadas pelo SUS e seus princípios de universalidade do acesso, integralidade da atenção e controle social, pois podem contribuir para a democratização do acesso à saúde no país, permitindo a participação da comunidade em sua atenção integral de acordo com suas necessidades específicas e a variabilidade de crenças e costumes e na própria gestão dos serviços (Rasera & Godoi, 2010).

Os GO na ABS devem ser desenvolvidos por meio de uma prática coletiva de problematização e discussão, gerando um processo de aprendizagem crescente. Dentre seus benefícios estão a maior otimização do trabalho, com a diminuição das consultas individuais, participação ativa do indivíduo no processo educativo e envolvimento da equipe de profissionais com o paciente (Menezes & Avelino, 2016). Diante desse enquadre, o emprego de práticas grupais tem sido descrito como um recurso útil, tanto no trabalho com a comunidade, como no próprio trabalho em equipe interdisciplinar (Tiveron & Guanaes-Lorenzi, 2013).

Acompanhando esses entendimentos à prática dos grupos, revela-se significações que são construídas e compartilhadas entre os moradores, trazendo consigo referências, ao entorno, às histórias de vida, às condições socioeconômicas locais, a sociabilidade e ao convívio, as transformações de realidade, as dificuldades enfrentadas cotidianamente, dentre outros aspectos que podem ser destacados. Tais significações refletem determinantes históricos e culturais, que tem repercussões sobre as atividades desenvolvidas nas comunidades. Estas interações são mediadas pela linguagem e pela ação que precisam ser dinamizadas. Uma das tarefas do psicólogo ou outro profissional de saúde é utilizar artifícios que ampliem e facilitem o diálogo e ao mesmo tempo facilitem os espaços de colaboração e de ação transformadora no contexto comunitário (Pinheiro, Barros, & Colaço 2012).

Os grupos voltados para a educação em saúde funcionam como estratégias eficientes, nos quais se abrem espaços para a escuta das necessidades das pessoas e para a sua informação. Esta técnica se destaca por ser uma ferramenta de incorporação do saber caracterizada pela didática horizontal, que torna o usuário um agente ativo e responsável de mudança de hábitos (Menezes & Avelino, 2016). Assim, o objetivo do presente estudo foi realizar uma revisão sobre o emprego de GO, como um processo de intervenção ampliada na ABS, bem como verificar os sentidos das práticas grupais identificadas nos trabalhos publicados na literatura científica.

 

MÉTODO

Trata-se de uma Revisão Integrativa (RI) de natureza exploratória, de cunho descritivo e analítico, realizado no período de 2010 a janeiro de 2020, considerando as publicações até janeiro de 2020, com base nos passos indicados por Mendes, Silveira e Galvão (2008). As autoras indicam que a RI consiste em um método que permite sintetizar os principais resultados de estudos publicados, sendo constituída por seis passos que são: (1) Identificação do tema e seleção da hipótese ou questão de pesquisa para a elaboração da revisão integrativa; (2) Estabelecimento de critérios para inclusão e exclusão de estudos/amostragem ou busca; (3) Definição das informações a serem extraídas dos estudos selecionados/categorização dos estudos; (4) Avaliação dos estudos incluídos na revisão integrativa; (5) Interpretação dos resultados e (6) Apresentação da revisão/síntese do conhecimento.

Na etapa 1, foi identificado o tema "Psicologia e os GO na atenção básica em saúde" e a questão: "Quais são as publicações, em contexto nacional, sobre GO na atenção básica em saúde?". Além disso, foram selecionadas as palavras chave: "grupos operativos" e "psicologia" (http://www.bvs-psi.org.br/metaiah/search.php#) e "atenção básica em saúde" que, mesmo não sendo um descritor, foi utilizada como uma palavra chave na busca, pois tem sido utilizada em alguns estudos sobre a temática.

No segundo passo (2), foram identificadas as fontes eletrônicas nas quais os artigos foram buscados: Portal Periódicos Capes (https://www.periodicos.capes.gov.br/) e Google Acadêmico (https://scholar.google.com.br/scholar?q=) e os critérios para inclusão e exclusão de estudos/amostra para seleção dos estudos a saber - Critérios de inclusão: (a) ensaios comunitários, (b) ensaios de campo, (c) estudos observacionais, (d) relatos de caso, (e) revisões teóricas; (f) estudos qualitativos e quantitativos; (g) estudos com indivíduos de qualquer população (condição de saúde) que tenham sido submetidos a uma metodologia de GO como forma de educação/intervenção na ABS e (h) estudos nacionais.

Embora o foco fosse a aplicação (intervenção) dos GO na ABS, o que indicaria que apenas estudos empíricos pudessem compor a presente amostra para a revisão integrativa, optou-se por incluir estudos teóricos (revisão narrativa, bibliográfica, sistemática, metanálise) que discutissem os aspectos relacionados ao objetivo da presente revisão, de forma a ampliar o escopo para a discussão. Já no que diz respeito aos critérios de exclusão, foram excluídos: (a) trabalhos em que os grupos são extratos populacionais, e não objeto de pesquisa ou foco dos relatos de experiência; (b) artigos não disponíveis em seu formato completo, (c) estudos duplicados e (d) trabalhos de conclusão de curso, monografias, dissertações e teses.

A busca eletrônica geral resultou em 1566 estudos. Desses, 1355 foram excluídos após a leitura dos títulos e resumos, o que permitiu a exclusão de 1144 estudos. Posteriormente foram selecionados para a leitura, após a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão 48 trabalhos, sendo eleitos 16 estudos para compor o corpus do estudo (Figura 1).

 

 

Foram obtidos 3/16 (18,7%) revisões bibliográficas/teóricas, 1/16 (6,2%) estudo de caso, 11/16 (68,8%) estudos qualitativos e 1/16 (6,2%) estudo quanti qualitativo (Tabela 1).

 

 

Para fins da presente revisão, são entendidos como relatos de experiência os trabalhos que enfatizam estudos de caso de experiências profissionais em contextos diversos nos quais, de algum modo, recorreu-se aos grupos; relato de pesquisa empírica, sistematização e discussão de achados de campo de pesquisas que têm grupos como objeto de estudo a partir do uso de metodologia científica, e relatos de pesquisa conceitual e/ou revisões bibliográficas/teóricas, os trabalhos centrados na discussão de noções e conceitos oriundos de abordagens teórico-epistemológicas presentes em áreas do conhecimento relacionadas com a questão dos grupos (Figura 1).

O terceiro passo (3) envolveu a definição das informações a serem extraídas dos estudos de forma a organizar e sumarizar os dados. Nessa etapa considerou-se analisar a aplicação dos GO na ABS, ou seja, foram considerados os trabalhos que utilizaram o emprego dos grupos como forma metodológica de promoção da saúde na ABS, bem como aqueles estudos que trabalharam acerca dos conceitos e definições envolvidas nesse processo. Sendo assim, foram avaliadas as interações grupais; a inclusão de psicólogos ou demais trabalhadores da saúde nos GO, seja como participante ou coordenador de grupos; a atuação dos demais profissionais de saúde nos grupos, na condição de coordenador; os temas (ou tarefas) utilizados; as análises dos discursos; as potencias dos grupos na promoção da saúde na ABS; a melhora clínica ou condições de enfrentamento dos conflitos realizados pelos usuários.

Na quarta (4) etapa foi realizada a avaliação dos estudos incluídos na revisão integrativa (N=16) por meio da descrição, compreensão e análise crítica do uso dos GO na ABS. Na quinta (5) etapa realizou-se a interpretação dos resultados por meio da discussão dos principais achados, identificando possibilidades e lacunas. Por fim, na sexta (6) etapa realizou-se a apresentação de uma síntese dos estudos incluídos na amostra final, contemplando as etapas da revisão integrativa e principais aspectos de cada artigo incluído na amostra final com informações sobre autores, periódico, objetivos, método, principais resultados (Tabela 1).

 

RESULTADOS

Os estudos foram analisados por meio dos principais achados teóricos metodológicos e a aplicação dos GO na ABS. Após a leitura dos artigos selecionados, observou-se as seguintes características que serão discutidas: (a) A utilização dos grupos como intervenção na saúde, a qual descreve particularidades da utilização dos grupos como forma de intervenção; (b) A psicologia e outros profissionais e os grupos na saúde, o qual descreve a atuação da psicologia e de outros profissionais (eg. enfermagem) como coordenadores/coopensores dos grupos ou como participantes dos grupos e suas percepções acerca das intervenções grupais e, por fim (c) características grupais, a qual refere aspectos importantes sobre os objetivos dos grupos e das intervenções grupais, como foram constituídos os grupos, participantes e atividades.

A UTILIZAÇÃO DOS GRUPOS COMO INTERVENÇÃO NA SAÚDE

Essa categoria a qual descreve, a partir dos estudos examinados, as particularidades da utilização dos grupos como forma de intervenção na saúde. No geral, pode-se dizer que a composição atual das estratégias de grupos, utilizadas pelos serviços de saúde, foi influenciada por intervenções psicoterapêuticas grupais, a partir dos anos vinte. Há registros dessa modalidade assistencial em literatura científica, há mais de cem anos, podendo-se identificar alguns marcos importantes, como o surgimento de organizações que se tornaram muito conhecidas com o uso de técnicas grupais, dentre elas, a dos "Alcoólicos Anônimos", iniciando sua atuação a partir de 1935 (Maffacciolli & Lopes, 2011).

Considera-se fundamental que os grupos, onde se desenvolvem as atividades de promoção à saúde, sejam abordados a partir da noção de contradição e, mais apropriadamente, enquanto processos grupais. Procura-se atentar, assim, para os processos interativos que ocorrem nos grupos; porém, vistos como processos grupais, identificam-se e explicitam-se os conflitos que frequentemente permanecem velados e latentes. Isso é realizado por meio do amplo embate da diversidade de ideias, opiniões e ações (Combinato et al., 2010). Atualmente, no Brasil, os GO vêm sendo utilizados em diversas áreas da saúde no Sistema Único de Saúde (SUS), principalmente na ABS. O uso de atividades grupais no cuidado às pessoas promove a efetividade dos objetivos em relação à assistência à saúde (Lucchese et al., 2014).

Para tanto, um grupo operativo pode trabalhar na população diversos temas que considere importante para esses indivíduos, oferecendo conhecimento científico em determinado assunto. Essa técnica pode ser aplicada para promoção da saúde, prevenção de doenças e prestação de cuidados específicos (Mazzuchello et al., 2014).

Bastos (2010) fundamenta o trabalho realizado por Souza et al. (2017), salientando que a constituição do sujeito é marcada por uma contradição interna: ele precisa, para satisfazer as suas necessidades em entrar em contato com o outro, vincular-se a ele e interagir com o mundo externo. Deste sistema de relações emerge o sujeito, inserido numa cultura, numa trama complexa social, por meio da qual internalizará vínculos e relações sociais. A mudança, que é o objetivo primordial de todo grupo operativo, envolve todo um processo gradativo, no qual os integrantes do grupo passam a assumir diferentes papéis e posições frente à tarefa grupal.

Santos e Ros (2016) ressignifica a promoção de saúde por meio dos grupos e salienta que a formação de um GO é um instrumento relevante para a promoção de saúde e deve ter uma metodologia problematizadora.

A proposta dos GO na ABS pode possibilitar aos sujeitos mudança de comportamentos a partir da compreensão dos fatores relacionados ao processo saúde-doença, incorporando a vontade de mudar, transformar e apreender, na troca de saberes, tanto do sujeito como do profissional. O campo das práticas grupais, assinalam como essa diversidade atravessou historicamente a proposição dos grupos em saúde, ora com foco em grupos centrados na doença, ora em grupos voltados à emancipação e ao empoderamento de seus participantes. Todos os profissionais de saúde são aptos a coordenar um GO, contudo nem sempre, esses profissionais estão capacitados para lidar com a tecnologia grupal. Criam-se, assim, relações verticais entre os profissionais e a comunidade, em grupos que privilegiam um enfoque informativo, desestimulando a participação e reflexão crítica dos temas lançados à discussão. Sendo assim, é mister a capacitação aos coordenadores dos grupos para atingir os objetivos propostos (Tiveron & Guanaes-Lorenzi, 2013).

Minozzo et al. (2012) avaliaram as práticas de cuidado desenvolvidas nos grupos de saúde mental e a sua correspondência com os processos de desinstitucionalização da loucura, preconizados na reforma psiquiátrica brasileira. Os resultados obtidos identificaram uma compreensão do grupo de saúde mental como dispositivo desinstitucionalizante quando este se constitui em um espaço de cuidado psicossocial, utilizando-se da rede de saúde, dos recursos do território, da ampliação dos laços sociais e permitindo aos participantes perceberem-se sujeitos protagonistas de suas vidas.

Maffacciolli e Lopes (2011), avaliaram o perfil da assistência em saúde, sob a forma de grupos, prestada nas unidades que compõem a rede básica de saúde de Porto Alegre. O objetivo do estudo foi conhecer a organização das atividades de grupo nos seus locais de implantação. O campo de estudo foi composto pelas 124 Unidades Básicas de Saúde (UBS) do município. Houve a contribuição de 116 profissionais de diferentes áreas da saúde, que atuavam nos grupos, correspondendo a um profissional entrevistado por serviço.

Foram utilizadas entrevistas semiestruturadas para a obtenção dos dados. Constatou-se a existência de atividades dessa natureza em 96 unidades, o que corresponde a 83% do total de unidades pesquisadas. Em 50% dos entrevistados referiram o desenvolvimento de atividades de grupo com participação multiprofissional, incluindo os agentes comunitários de saúde.

Além disso, 50% dos profissionais de saúde afirmaram não ter recebido capacitação para o desenvolvimento desta atividade. Os grupos são considerados atividades secundárias em detrimento das atividades administrativas e assistenciais individualizadas. Pode-se concluir que, ao menos na consciência desses trabalhadores, os grupos são instrumentos educativos, reconhecendo neles o papel terapêutico potencial e de educação em saúde. Ainda que haja críticas em relação a esse formato operacional da assistência básica de saúde, tratou-se de uma forma de aproximar e horizontalizar as práticas de saúde e os seus trabalhadores da população. Para além disso, a utilização de intervenções grupais demonstra utilidade econômica e administrativa (Rasera & Godoi, 2010).

No geral, os estudos afirmam que a prática grupal tem sido uma estratégia de intervenção na saúde, utilizada por vários profissionais. No entanto, nem sempre esses profissionais possuem formação teórica e técnica adequada para intervir.

A PSICOLOGIA, OUTROS PROFISSIONAIS E OS GRUPOS NA SAÚDE

Essa categoria descreve, de maneira geral, a atuação da psicologia e de outros profissionais (eg. enfermagem) como coordenadores/coopensores dos grupos ou como participantes dos grupos e suas percepções acerca das intervenções grupais. Como coordenadores, a atuação de psicólogos nas atividades grupais em serviços de saúde, foram avaliadas.

Os autores utilizaram entrevistas semiestruturadas e análises de discursos de 18 psicólogos que atuam nos serviços de saúde. Foi identificado em enunciados que os profissionais respondiam de forma positiva à avaliação do trabalho em grupo, aos objetivos que apresentaram e aos aspectos transformadores possibilitados pela prática.

O papel do psicólogo se relacionou a uma atuação de cuidado pelo grupo que envolve ações como escutar, cuidar, orientar, mediar e fazer psicoterapia. Os grupos constituíram uma resposta a uma exigência do sistema público, que não tem condições de oferecer atendimento individual a todos que procuravam o serviço. Esse repertório colocou o psicólogo como alguém que não foi preparado para a atuação na saúde pública e precisou de capacitação, ainda que se comprometia com essa proposta terapêutica e com os desafios do trabalho neste contexto.

Os repertórios interpretativos identificados, em sua maioria, permitiram legitimar a prática grupal de diferentes maneiras, seja porque que ela pode produzir, de forma coletiva, efeitos benéficos aos seus participantes, seja porque respondeu às necessidades de atendimento do serviço, seja ainda por se constituir como uma alternativa complementar do tratamento. Ressalta-se que a atuação do psicólogo, muitas vezes, é marcada por uma integração ao sistema público que se dá de forma a reproduzi-lo sem questionamentos incluindo (Rasera & Godoi, 2010).

Neumann, Cardoso e Oliveira (2011) relataram a realização de um grupo com 15 agentes comunitárias de saúde de 3 equipes da Estratégia Saúde da Família, realizado por psicólogas, de uma instituição de ensino do RS. Os objetivos propostos pelo projeto foram abrir um espaço de reflexão sobre o cotidiano de trabalho das profissionais e possibilitar a construção coletiva de saberes sobre sua prática. Os resultados demonstraram um aperfeiçoamento dos agentes comunitários, como uma equipe em que há auxílio mútuo e troca de experiências. Além disso, relataram um aperfeiçoamento pessoal e profissional das participantes. As principais temáticas que se depararam foram: conflitos na relação entre as participantes; altas expectativas de atuação; limitações na resolutividade dos problemas da comunidade; desvalorização profissional; dificuldades na relação com as enfermeiras e outros integrantes das equipes de saúde e características pessoais e tempo de trabalho relacionados à qualidade do atendimento. Dentre os resultados encontrados destacam-se: melhora no relacionamento; compreensão das diferenças entre as pessoas, Maior segurança, confiança e valorização; reconhecimento da importância da escuta; melhora no relacionamento, e autoconhecimento, dentre outras.

Mazzuchello et al. (2014) relataram a atuação dos Enfermeiros nos GO na ESF de um município da região sul de Santa Catarina. Os sujeitos da análise constituíram-se de 10 enfermeiras. A Secretaria Municipal de Saúde capacitou apenas 5 integrantes em atividades de GO. Os autores concluíram que é importante que o enfermeiro, enquanto coordenador e membro da equipe de saúde, esteja preparado para o enfrentamento e a resolução de problemas.

Maron, Guzzo e Grando (2014) analisaram a participação de 3 enfermeiros residentes em espaços grupais e domiciliares (n=30) originários de áreas cobertas por ESF, de ambiente urbano e rural, no RS. A finalidade dos grupos era para dar suporte a saúde mental e promoção de saúde. Os encontros foram realizados semanalmente, totalizando 4 encontros. Os participantes dos grupos tinham entre 50 e 80 anos de idade e todas do sexo feminino. Para tanto, foram utilizados trabalhos manuais e o diálogo como instrumento de aproximação entre coordenador e participantes. Os grupos contavam com o apoio de todos os trabalhadores das ESF, mantendo um coordenador por grupo, de forma alternada. Observou-se a melhoria da autoestima e o convívio entre as pessoas que possuíam algum tipo de sofrimento, especialmente da depressão. As atividades terapêuticas grupais desenvolvidas proporcionaram um sentimento de prazer, de entusiasmo e de satisfação para os usuários.

Lima et al. (2014) descreveram a experiência de estudantes integrantes do PET-Saúde na realização de GO sobre grupos de hipertensões e diabéticos com o emprego de jogos educativos em uma UBS, com a finalidade de promover informações em saúde, em MG. Como resultado relataram o fortalecimento dos GO, de forma a consolidá-los como um espaço de compartilhamento de experiências e de aprendizado relevante para a promoção da saúde, com o desenvolvimento de habilidades de educação em saúde e cuidados aos indivíduos com condições clínicas prevalentes no âmbito do SUS.

Contudo, Maffacciolli e Lopes (2011) observaram que os psicólogos da saúde coletiva do município de Porto Alegre, RS adotaram a prática de grupos na ABS, para uma intervenção ampliada atendendo aos propósitos da gestão. Reconhece-se a grande utilização do recurso grupal como forma de intervenção ampliada nas instituições públicas, mas entendeu-se que este vem aliado ao descaso para com a maneira como o trabalho é realizado e ao estranhamento do profissional sobre seu papel de coordenador do grupo. Além disso a gestão pública quando aborda GO, parece por vezes que não se veem outras razões para elas que não a economia de tempo, as exigências de produtividade dos ambulatórios e a necessidade de diminuir as listas de espera por atendimentos (Rasera & Godoi, 2010).

A psicologia e a enfermagem parecem ser duas áreas que tem realizado grupos como uma possibilidade de intervenção na saúde, embora outros profissionais também o façam. No entanto, o que se observa é uma necessidade econômica e administrava que, por vezes, demanda habilidades dos profissionais que nem sempre estão desenvolvidas. Haja vista a necessidade de capacitação para atuação em grupos e, especificamente, a psicologia, para atuação não clínica.

CARACTERÍSTICAS GRUPAIS

Nessa categoria, serão descritos aspectos importantes sobre os objetivos dos grupos e das intervenções grupais, como foram constituídos os grupos, participantes e atividades. Combinato et al., (2010) realizaram um trabalho com grupos de idosos com a finalidade de desenvolver um processo grupal de promoção à saúde, tendo em vista o envelhecimento ativo e a qualidade de vida dessa população. Esse estudo foi proveniente de um projeto de extensão de uma instituição de ensino, em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde de Paranaíba, estado de Mato Grosso do Sul. Dois grupos (n=20) foram constituídos por idosos (mais de 60 anos) vinculados a ESF e apoiados pela equipe.

Os grupos caracterizavam-se por serem fechados e permitiam novas inclusões após avaliação semestral. Foram utilizados recursos materiais e instrumentos nas atividades grupais, tais como: cartazes em cartolina, flip chart, vivências individuais e técnicas expressivas. As temáticas disparadoras foram solidão, direito dos idosos, alimentação e memórias. Com os coordenadores dos grupos foram discutidas as seguintes necessidades: concepções do que é um grupo; produção de um clima democrático na condução dos grupos e liderança como lugar circunstancial e temporário.

Como resultado houve o compartilhamento de vários momentos importantes da infância dos idosos e decorrer da vida, empoderamento individual, identidade grupal, convivência, sigilo, aspectos cognitivos, maior conhecimento de si e do outro, ressignificação do tempo presente com melhoria da qualidade de vida. Dessa forma foi possível verificar a melhoria da autoestima e do autocuidado, a construção de uma rede de apoio e maior envolvimento da equipe na condução dos grupos.

Van der Sand, Campos, Dreher e Rios (2011) realizaram grupos com gestantes e familiares com a finalidade de desenvolver um espaço para ressignificar a gestação e a chegada de um novo filho, bem como suporte parental e a nova configuração familiar. Essa vivência foi resultado de um projeto de extensão universitária, na cidade de Ijuí, RS. Foram constituídos dois grupos, aos quais participaram profissionais da saúde (n=5), gestantes e familiares (n=16), usuárias (os) do SUS. No primeiro grupo foram realizados encontros para capacitar a equipe que conduzia os trabalhos e no segundo grupo foram utilizadas abordagens de temáticas relativas ao ciclo gravídico-puerperal, parentalidade e cuidados com o bebê, sob a forma de jogos, encenações, atividades lúdicas em massa de modelar, contos, relatos pessoais, banhos em bonecos, dentre outros. Os autores destacaram o trabalho interdisciplinar e o resultado na ressignificação da gestação e a nova configuração familiar com a chegada do novo filho.

Silveira et al. (2017) relataram a experiência do desenvolvimento de grupo de acolhida da saúde mental na AB, oriundo de um projeto de extensão, de uma instituição de ensino de Psicologia do RS. O grupo foi caracterizado como aberto com o objetivo de dar suporte psicológico aos pacientes atendidos em UBS que faziam parte da região docente-assistencial dessa instituição, com a parceria da Secretaria Municipal de Saúde.

O grupo tinha frequência semanal e os encontros tinham duração média de uma hora. O coordenador tinha a função de facilitar a comunicação entre os integrantes, a fim de que o grupo fosse operativo; isto é, que ultrapassasse os obstáculos na resolução de tarefas. Os coordenadores recebiam supervisão semanal de uma professora de psicologia a fim de avaliar a atuação como terapeuta de grupos.

Os participantes eram de predomínio do sexo feminino (n=83 mulheres e 15 homens), com idades acima de 40 anos, com participação média de 7 encontros por usuários, tendo uma menor frequência do sexo masculino. As principais demandas dos usuários foram a existência de quadros depressivos ou de ansiedade. Adicionalmente a maioria dos usuários faziam uso de psicofármacos.

Como resultado, os profissionais de saúde observaram os usuários como protagonistas de sua melhora, tornando o processo terapêutico cada vez mais eficaz para a totalidade grupal. Além disso, observou-se uma melhora clínica e interpessoal dos participantes do grupo, com consequente empoderamento individual, familiar, social e comunitário.

Souza et al. (2017) realizaram um estudo com grupos de mulheres que visava fomentar o manejo da violência (n=10), residentes em áreas cobertas por ESF, sob a forma de GO, no estado de MG. Este grupo oportunizou um espaço para discussões sobre violências contra mulheres no contexto urbano, em regiões onde foram registrados altos índices de denúncias de violências na polícia civil. Houve um preparo dos coordenadores por psicólogos para a condução do grupo. Como estratégias utilizaram metodologias ativas incluindo: músicas temáticas, cartazes, leitura de histórias, e encenação teatral e método não diretivo. Os temas emergentes foram: formas de enfrentamento das violências com as mulheres, bases legais da violência de gênero, relacionamento das famílias e filhos, empoderamento, vivência de opressão de gênero e temas cotidianos. Como resultado observaram uma maior interação com as mulheres, trocas de experiências, apoio mútuo e a construção de uma maior autonomia. Os autores comprovaram a eficiência do método como uma estratégia de transformação da vida dessas mulheres.

Os grupos são realizados, principalmente, com adultos e idosos, com foco em prevenção e promoção de saúde, por meio de grupos de aprendizagem ou educativos, para doenças crônicas, quadros depressivos e de ansiedade, com gestantes, trabalhando o período puerperal e a parentalidade, dentre outros. A frequência varia, mas alguns são semanais, com duração de 1 h, nos quais são trabalhados temas de interesse ou que fazem relação com as necessidades de cada público e grupo. A diversidade de possibilidades, de público que participa e de idades, indica as inúmeras possibilidades de realização de grupos operativas na ABS.

 

DISCUSSÃO

Diante dos estudos apresentados, observa-se que os GO na ABS podem ser utilizados como uma ferramenta importante, sendo utilizado para diversos públicos (adultos, idosos, profissionais da saúde etc.), com diversas finalidades (aprendizagem, terapia) e por distintos profissionais (psicólogos, enfermeiros). Os grupos de educação em saúde abrem espaços para a escuta das necessidades das pessoas e para a sua informação permitindo que todos possam falar sobre seus problemas e buscar soluções, conjuntamente com os profissionais, de forma que a informação circula, da experiência técnica à vivência prática de cada indivíduo. Uma grande vantagem em relação às demais é a proposta de construção de um conhecimento coletivo, uma aproximação entre os integrantes (profissional-paciente/cliente) que permite a exposição de todas as angústias e necessidades individuais que, conjuntamente, são discutidas e solucionadas com a participação e inclusão ativa de todos (Menezes & Avelino, 2016).

A proposta dos grupos de promoção da saúde é fundamentada no conceito amplo de saúde, numa abordagem que amplia o olhar da saúde para as dimensões biopsicossociais, com vistas à construção da autonomia dos sujeitos. Busca romper com a representação social da doença, tão arraigada na sociedade pelo modelo biomédico. O trabalho com grupos, nessa modalidade, potencializa muito a proposta deste conceito, em que se objetiva a participação cooperativa entre os membros da comunidade, permitindo a construção de um espaço coletivo de troca que facilita o desenvolvimento da autonomia dos sujeitos e a melhoria das condições de vida. A proposta de priorização do atendimento grupal no contexto da ABS ancora-se no pressuposto do resgate da "noção de grupo como rede efetiva de suporte, em seu sentido mais amplo" (Carmen & More, 2010, p. 52). Menezes e Avelino (2016) salientam que apesar das dificuldades enfrentadas quando se trabalha com vários indivíduos caracterizados por histórias distintas, esse processo prático se mostrou eficiente, alcançando resultados positivos na promoção, prevenção e educação em saúde.

Desde a década de 1980 vários estudos têm demonstrado os impasses da inserção do psicólogo e das práticas psicológicas no contexto de saúde pública no Brasil. Rasera e Godoi (2010) descreveram o despreparo da formação do Psicólogo para atuar no SUS, especialmente na ABS, em razão da lacuna de formação na saúde pública e o predomínio de uma prática clínica descontextualizada e baseada no consultório particular, a qual não reconhece as especificidades de outras populações e locais de atuação.

Além disso, destacam a falta de identificação do psicólogo como um profissional de saúde, prevalecendo a dicotomia saúde e saúde mental. Essa questão é produzida pela ênfase que muitas vezes o psicólogo confere a uma atuação baseada no tratamento de transtornos psíquicos, a qual não valoriza o cuidado de outros problemas de saúde, especialmente a promoção em saúde, dificultando o trabalho como membro da equipe de saúde.

A tentativa de produzir um novo modo de atuação em saúde pública, voltado às necessidades e características da população atendida, concretizou-se, por meio da utilização das práticas grupais. O grupo como alternativa para a demanda, coloca o psicólogo como alguém que não foi preparado para a atuação na saúde pública e precisa de capacitação, ainda que se comprometa com essa proposta terapêutica e com os desafios do trabalho neste contexto.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os grupos fortalecem a coletividade sem excluir a individualidade; necessitam de tempo para se desenvolver e passam por algumas fases em seu desenvolvimento; têm uma metodologia que pode ser mais adequada; apresentam objetivos compartilhados; desenvolvem autonomia; precisam gerar o sentimento de pertencimento; devem estar adequados à realidade de quem os frequenta; precisam ter uma linguagem contextualizada; devem ser planejados; suportam diferenças; estimulam a corresponsabilização.

Na concepção de Pichon-Rivière (2005), o grupo passa a estabelecer relações grupais que vão se constituindo, na medida em que começam a partilhar objetivos comuns, a ter uma participação criativa e crítica e a poder perceber como interagem e se vinculam. Neste sentido, infere-se que há uma rede de interações entre os indivíduos. A partir destas interações, o sujeito pode referenciar-se no outro, encontrar-se com o outro, diferenciar-se do outro, opor-se a ele e, assim, transformar e ser transformado por este.

O grupo apresenta-se como instrumento de transformação da realidade, e seus integrantes passam a estabelecer relações grupais que vão se constituindo, na medida em que começam a partilhar objetivos comuns, a ter uma participação criativa e crítica e a poder perceber como interagem e se vinculam. O vínculo é uma estrutura complexa de relação que vai sendo internalizada e que possibilita ao sujeito construir uma forma de interpretar a realidade própria de cada um. O grupo caracteriza-se como um dispositivo capaz de ofertar cuidado psicossocial no território, visando ampliar os laços sociais e permitindo que os participantes se vejam como protagonistas da própria vida.

Apesar das dificuldades enfrentadas quando se trabalha com vários indivíduos caracterizados por histórias distintas, esse processo prático se mostrou eficiente em todos os estudos, alcançando resultados promissores na promoção, prevenção e educação em saúde. Ao longo deste estudo buscamos demonstrar a prática de GO na ABS e a evolução sócio-histórica ao longo dos anos pesquisados, bem como os desafios no emprego dos grupos. Contudo, observou-se um cuidado em saúde fragmentado e muitas vezes, descontextualizado, bem como um distanciamento dos profissionais da área da saúde que realizam essa prática, por desconhecimento desta metodologia.

Pensamos ser importante o desenvolvimento de espaços de capacitação dos profissionais, voltados para questões práticas de seu trabalho, em uma perspectiva mais relacional e corresponsável de compreensão do desenvolvimento de grupos com a comunidade em um contexto ampliado. Sugere-se que novos estudos sejam realizados a fim de expandir as ações e as diferenças na coordenação de grupos por Psicólogos e outros profissionais da saúde no emprego das metodologias grupais.

 

REFERÊNCIAS

Ávila, L. A., Fernandes, W. J. C., & Ismênia, E. S. A. (2016). Grupos em debate. Vínculo, 13(1), 3-19. Recuperado de: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/vinculo/v13n1/v13n1a02.pdf        [ Links ]

Bastos, A. B. B. I. (2010). A técnica de grupos-operativos à luz de Pichon-Rivière e Henri Wallon. Psicólogo e Informação, 14(14), 160-169. Recuperado de: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-88092010000100010&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt         [ Links ]

Camargo-Borges, C., & Cardoso, C. L. (2005). A Psicologia e a Estratégia de Saúde da Família: Compondo saberes e fazeres. Psicologia & Sociedade, 17(2), 26-32. Recuperado de: https://www.nescon.medicina.ufmg.br/biblioteca/imagem/0301.pdf        [ Links ]

Carmen L. O. O., & More, C. R. (2010). Trabalhando com grupos na Estratégia Saúde da Família. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina. Recuperado de: https://ares.unasus.gov.br/acervo/handle/ARES/195        [ Links ]

Cela, M., & Oliveira, I. F. (2015). O psicólogo no Núcleo de Apoio à saúde da Família: Articulação de saberes e ações. Estudos de Psicologia, 20(1), 31-39. doi: 10.5935/1678-4669.20150005        [ Links ]

Combinato, D. et al. (2010). "Grupos de conversa": Saúde da pessoa idosa na Estratégia Saúde da Família. Psicologia & Sociedade, 22(3), 558-568. doi: 10.1590/S0102-71822010000300016        [ Links ]

Dall’Agnol, C. M., Magalhães, A. M. M., Mano, G. C. M., Olschowsky, A., & Silva, F. P. (2012). A noção de tarefa nos grupos focais. Revista Gaúcha de Enfermagem, 33(1), 186-90. Recuperado de: https://seer.ufrgs.br/RevistaGauchadeEnfermagem/article/view/13302

Fagundes, E. C., & Deusdedit Júnior, M. (2016). Matriciamento em saúde mental na atenção primária de saúde: O papel do Psicólogo no desenvolvimento de ações de matriciamento na atenção primária de saúde envolvendo serviços de saúde mental. Revista da Graduação em Psicologia da PUC Minas, 1(2), 35-56. Recuperado de: http://periodicos.pucminas.br/index.php/pretextos/article/view/13610        [ Links ]

Fortuna, C. M., Mishima, S. M., Matumoto, S., & Pereira, M. J. B. (2005). O trabalho de equipe no programa de saúde da família: Reflexões a partir de conceitos do processo grupal e de grupos operativos. Revista Latino-Americana de Enfermagem, 13(2), 262-268. doi: 10.1590/S0104-11692005000200020        [ Links ]

Grando, M. K., & Dall’agnol, C. M. (2010). Desafios do processo grupal em reuniões de equipe da estratégia Saúde da Família. Escola Anna Nery Revista de Enfermagem, 14(3), 504-510. doi: 10.1590/S1414-81452010000300011

Lima, M. G., et al. (2014). Grupos operativos de hipertensos e diabéticos no pet-saúde. Revista Brasileira de Pesquisa em Saúde, 16(1), 133-138.         [ Links ]

Lucchese, R. V., Benicio I. R., Silva, P., Munari, A. F., & Bouttelet, M. D. F. C. (2014). Uso do grupo operativo na atenção em saúde: Revisão integrativa. Cogitare, 19(4), 823-832. doi 10.5380/ce.v19i4.32727        [ Links ]

Maffacciolli, R., & Lopes, M. J. M. (2011). Os grupos na atenção básica de saúde de Porto Alegre: Usos e modos de intervenção terapêutica. Ciência e Saúde Coletiva, 16(1), 973-982. doi: 10.1590/S1413-81232011000700029        [ Links ]

Maron, L. C., Guzzo, P. C., & Grando, T. (2014). Grupos de saúde na atenção básica: Experiências de enfermeiras residentes. Contexto & Saúde, 14(27), 81-86. Recuperado de: https://www.revistas.unijui.edu.br/index.php/contextoesaude/article/view/2967        [ Links ]

Mazzuchello, F. R., Ceretta, L. B., Schwalm, M. T., Dagostim, V. S., & Soratto, M. T. (2014). A atuação dos enfermeiros nos grupos operativos terapêuticos na estratégia saúde da família. O Mundo da Saúde, 38(4), 462-472. Recuperado de: http://www.saocamilo-sp.br/pdf/mundo_saude/155566/A11.pdf        [ Links ]

Mendes, K. S., Silveira, R. C. C. P., & Galvao, C., M. (2008). Revisão integrativa: Método de pesquisa para a incorporação de evidências na saúde e na enfermagem. Texto & Contexto - Enfermagem, 17(4), 758-764. https://doi.org/10.1590/S0104-07072008000400018         [ Links ]

Menezes K. K. P., & Avelino P. R. (2016). Grupos operativos na Atenção Primária à Saúde como prática de discussão e educação: Uma revisão. Cadernos de Saúde Coletiva, 24(1), 124-130. doi: 10.1590/1414-462X201600010162        [ Links ]

Minozzo, F., Kammzetser, C. S., Debastiani, C., Fait, C. S., & Paulon, S. M. (2012). Grupos de saúde mental na atenção primária à saúde. Fractal, 24(2), 323-340. doi: 10.1590/S1984-02922012000200008        [ Links ]

Neumann, A. P., Cardoso, C., & Oliveira, S. (2011). Experiência da psicologia na estratégia saúde da família. Psicologia: Ciência & Profissão, 31(4), 868-879. doi: 10.1590/S1414-98932011000400015        [ Links ]

Pichon-Rivière, E. (2005). O processo grupal. (7ª ed.). São Paulo: Martins Fontes.         [ Links ]

Pinheiro, F. P. H. A., Barros, J. P. P., & Colaço, V. F. R. (2012). Psicologia comunitária e técnicas para o trabalho com os grupos: Contribuições a partir da teoria histórico-cultural. Psico, 43(2), 193-199. Recuperado de: http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistapsico/article/view/11696        [ Links ]

Pinho, E. S., Nunes, F. C., Vale, R. R. M., Sousa, J. M., & Silva, N. S. (2019). Grupo operativo como estratégia do processo de ensino aprendizagem. Gepesvida, 11(5), 14-29. Recuperado de: http://www.icepsc.com.br/ojs/index.php/gepesvida/article/view/345        [ Links ]

Rasera, E. F., & Godoy, R. R. M. (2010). Sentidos sobre a prática grupal no contexto de saúde pública. Psicologia em Estudo, 15(1), 35-44. doi: 10.1590/S1413-73722010000100005        [ Links ]

Santos, S. K. Z., & Ros, M. A (2016). Ressignificando promoção de saúde em grupos para profissionais da saúde. Revista Brasileira de Educação Médica, 40(2), 189-196. doi: 10.1590/1981-52712015v40n2e02272014.         [ Links ]

Santos, I. J. (2015). Grupo operativo e práticas de saúde em um Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF). (Dissertação de Mestrado). Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva. Universidade Federal da Bahia, Salvador.         [ Links ]

Silveira, L. M. O., et al. (2017). Grupo de acolhida em saúde mental: A psicologia na atenção básica. Conexão, 13(2), 293-305. Recuperado de: https://www.revistas2.uepg.br/index.php/conexao/article/view/9386        [ Links ]

Souza, L. P. S. E., Ruas, R. F. B., Brito, M. F. S. F., Leite, M. T. S., & Soares, S. M. (2017). Café e prosa com as Marias. Revista de Educação Popular, 16(1), 92-103. doi: 10.14393/REE-v16n12017_art08        [ Links ]

Tiveron, J. D. P., Guanaes-Lorenzi, C. (2013). Tensões do trabalho com grupos na Estratégia Saúde da Família. Psico, 44(3), 391-401. Recuperado de: http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistapsico/article/viewFile/12200/10414 Van der Sand,         [ Links ] I. C., Campos, I. F. A., Dreher, D. Z., & Rios, K. R. (2011). Metodologia de atenção à gestante e família: Relato de experiência com grupo operativo. Revista de Enfermagem da UFSM, 1(3), 497-505. doi: 10.5902/217976922918        [ Links ]

Zimmermann, D. E. (1993). Fundamentos básicos das grupoterapias. Porto Alegre: Artes Médicas Sul.         [ Links ]

 

Endereço para correspondência
Mariana Almeida Pfitscher
E-mail: mariana.almeida@ulbra.br

Recebido: 27/02/2020
Reformulado: 31/03/2020
Aceito: 20/04/2020

 

 

1 Luís Antonio Sangioni é graduando do curso de Psicologia da Universidade Luterana do Brasil, Campus de Santa Maria.
2 Naiana Dapieve Patias é graduada em Psicologia pelo Centro Universitário Franciscano, mestra em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Maria e doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atualmente é professora adjunta do Departamento de Psicologia na Universidade Federal de Santa Maria.

3 Mariana Almeida Pfitscher é graduada em Psicologia pela Universidade Luterana do Brasil - Campus Santa Maria, mestra em psicologia pela Universidade Federal de Santa Maria. Atualmente é coordenadora e docente no Curso de Psicologia da Universidade Luterana do Brasil, Campus Santa Maria.

Creative Commons License