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Revista da SPAGESP

versão impressa ISSN 1677-2970

Rev. SPAGESP vol.21 no.2 Ribeirão Preto jul./dez. 2020

 

ARTIGOS

 

Casais que moram separados (Living Apart Together): Novas perspectivas para configurações familiares

 

Living apart together: new perspectives on family configurations

 

Parejas que viven separadas (Living Apart Together): nuevas perspectivas para configuración familiar

 

 

Cleuza Elizabete de Chaves1; Cláudia Mara Bosetto Cenci2; Icaro Bonamigo Gaspodini3

Faculdade Meridional - IMED, Passo Fundo-RS, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Casais que vivem em residências separadas (LAT – Living Apart Together) representam uma configuração conjugal diferente da tradicional. O objetivo deste estudo foi investigar a configuração conjugal de alguns casais LAT no norte do Rio Grande do Sul. Realizou-se uma pesquisa qualitativa e exploratória por meio de amostragem de conveniência. Foram entrevistados cinco casais, com base em um questionário sociodemográfico e entrevistas semiestruturadas. Os dados foram submetidos à análise temática e geraram duas categorias principais: relacionamentos LAT permanente e provisório. Os subtemas comuns às duas categorias foram conjugalidade, coparentalidade e suporte social. O desejo de coabitar mostrou-se presente somente na configuração LAT provisório e nenhum casal reportou experiência de preconceito contra seu tipo de relacionamento.

Palavras-chave: Configuração conjugal; Casais; Viver em residência separada.


ABSTRACT

Couples who living apart together (LAT) represent a new marital relationship, different from the traditional. The aim of this study was to investigate some LAT couples' marital relationships in the north of Rio Grande do Sul. Qualitative and exploratory research was designed with a convenience sample. We interviewed five couples with a sociodemographic questionnaire and a semi-structured interview. The material was submitted to thematic analysis, which results in two main categories: LAT relationships that are permanent and transitory. Common subthemes to both categories were conjugality, co-parenthood, and social support. The desire for cohabitation was present only in transitory LAT configuration and no couple reported experience of prejudice against their relationship.

Keywords: Marital relationship; Couples; Living in separate residence.


RESUMEN

Parejas que viven en residencias separadas (LAT – Living Apart Together) representan una configuración conyugal distinta de la tradicional. Este estudio objetivó investigar la configuración conyugal de dos parejas LAT al norte del estado de Rio Grande do Sul. Se realizó una investigación cualitativa y exploratoria en un muestreo por conveniencia y se entrevistó cinco parejas, con un cuestionario sociodemográfico y entrevistas semiestructuradas. Un análisis temático mostró la presencia de dos tipos de relaciones de pareja LAT, el permanente y el transitorio. Subtemas comunes a las categorías fueron configuración conyugal, coparentalidad y suporte social. El deseo de cohabitación estuvo presente solamente en la configuración LAT transitoria y ninguna de las parejas reportaron experiencias de prejuicio.

Palabras clave: Configuración conyugal; Parejas; Vivir en residencias separadas.


 

 

O contexto social, econômico, cultural e político no qual os casais estão inseridos atualmente é complexo e multifacetado. Nele, evidencia-se a busca de um relacionamento conjugal que considere a felicidade de ambos os cônjuges. Os indivíduos pertencentes a uma conjugalidade sentem-se autorizados a buscar reconhecimento profissional e a expressar ao cônjuge seus sentimentos e desejos (Féres-Carneiro, 1998). A autora refere que o casamento na contemporaneidade possui esta marca da busca pelo espaço individual e pela conquista da autonomia. Este comportamento expresso nas relações conjugais possibilita um ambiente relacional para a emergência de diferentes arranjos conjugais, distanciando-se cada vez mais do modelo tradicional de casamento (Féres-Carneiro & Magalhães, 2008; Heckler & Mosmann, 2014). Estes diferentes arranjos conjugais são originários de mudanças do macro e microssistemas humanos e exigem a adaptação dos subsistemas conjugais e dos seus contextos relacionais (Walsh, 2016).

Um desafio para o exercício da conjugalidade é a separação gradual da família de origem de ambos os cônjuges. Esta separação exige deles uma postura de adultos responsáveis por suas escolhas, dispostos a conversar e a tomar decisões relacionadas aos comportamentos esperados nos relacionamentos estabelecidos com seus familiares, às tarefas cotidianas próprias de uma residência, assim como às decisões sobre aquisição de bens materiais e da possibilidade de ter ou não ter filhos (Heckler & Mosmann, 2014; McGoldrick & Shibusawa, 2016). Durante a formação do subsistema conjugal, o casal passará por diferentes ciclos de desenvolvimento da sua conjugalidade, exigindo de ambos os cônjuges mudanças e adaptações ao longo do tempo para que a relação seja considerada satisfatória para ambos (McGoldrick & Shibusawa, 2016).

A conjugalidade é entendida como uma dimensão psicológica compartilhada pelo casal. Ela é resultado do entrelaçamento das individualidades dos cônjuges em um jogo contínuo. É deste entrelaçamento que eles criarão sua identidade conjugal, pois passará a existir um espaço intersubjetivo que é constantemente transformado pelos membros da díade a partir da vivência conjugal. Com a clareza da identidade conjugal, os cônjuges podem estabelecer diferentes formas de se relacionar, de conviver e de coabitar (Féres-Carneiro, 1998).

O termo Living Apart Together – LAT ("viver separadamente juntos") foi usado primeiramente na Holanda pelo jornalista Michel Berkiel ao escrever um artigo no Haagse Post, em 1978, sobre um fenômeno que havia observado e que ele próprio vivera com a pessoa que amava. A Holanda é o único país onde o termo LAT é integrado no discurso cotidiano (Levin, 2004; Trost, 1998). Para esses autores, LAT, por definição, é um casal do mesmo gênero ou oposto, que vivem juntos, mas não compartilham a mesma casa. Os dois são percebidos por seu entorno social como um casal e tratados da mesma forma que os casais casados ou que vivem em união de fato. Eles têm duas residências e famílias em que também outras pessoas podem viver como, por exemplo, crianças ou pais. O fenômeno das relações LAT é claramente diferente de comutar casamentos/coabitação.

Culturalmente, o casamento tem sido a instituição social para casais que estiveram juntos por um longo período. Alguns anos atrás, uma nova instituição social surgiu no mundo ocidental: a coabitação não-matrimonial, ainda que isso fosse mais demorado para ser aceito em alguns países do que em outros (Levin & Trost, 1999). Em contraste com os casais em casamentos que têm uma casa em comum, os casais que vivem em relações LAT têm um agregado familiar próprio, oriundos de outro(s) casamento(s).

Pesquisadores discutiram dados sobre a frequência de relações LAT na Suécia e Noruega, bem como algumas variedades do fenômeno. A análise sugeriu que a existência de coabitação como instituição social, ao lado do casamento, é uma pré-condição necessária para que as LATs sejam reconhecidas como uma instituição social (Levin, 2004; Levin & Trost, 1999). Sob outro prisma (Duncan, Carter, Phillips, Roseneil, & Stoilova, 2013; Stoilova, Roseneil, Crowhurst, Hellesund, & Santos, 2014) descrevem LAT como uma prática usada com flexibilidade para combinar intimidade com outras exigências e dimensões contextuais das trajetórias do curso de vida.

Conforme referido acima, duas configurações podem ser identificadas em casais LAT: permanente ou de fase temporária/transição. Na primeira situação, o casal tem o desejo de manter a relação morando em casas separadas. Geralmente são casais que experimentaram o fim de seu casamento devido à dificuldade de manter a união ou por morte de seu parceiro. Esses homens e mulheres não têm nenhuma intenção de investir em uma vida comum e consideram sua relação como companheirismo (Levin, 2004; Roseneil, 2006). A segunda situação expressa um desejo mais ou menos forte de coabitar com seu parceiro. O atual acordo de LAT não é uma decisão deliberada, mas racional, motivada em grande parte por uma combinação de considerações práticas, tais como o cuidado de crianças menores, distância entre as residências dos parceiros ou pelo trabalho (Levin & Trost, 1999). Além disso, um terceiro grupo intitulado "Namorados LAT" relata não estarem prontos para viver juntos ou que seria muito cedo para coabitarem. O "Não estar pronto" concerne a razões emocionais (Duncan & Phillips, 2010). De outra maneira não pensam sobre a coabitação, pois veem sua relação em termos de um "namorado/namorada especial" (Duncan et al., 2013).

O fenômeno LAT pode ser percebido com tendências para a falta de compromissos estruturais e confiança nos laços emocionais, bem como uma manifestação de individualização. Apesar da crescente aceitação social das parcerias não-tradicionais, em muitos aspectos as relações LAT ainda são vistas como desviantes (e sem comprometimento). Por este motivo, Kobayashi, Funk e Khan (2016) elaboraram análises interpretativas com casais LAT no Canadá a fim de explorar como os participantes exercem o senso de compromisso. Em geral, os casais descreveram seus compromissos como fortes e enraizados na fidelidade sexual, no intercâmbio mútuo de apoio, afeto, com uma orientação de longo prazo, na disposição de trabalhar as dificuldades. Alguma ambivalência ao discutir o comprometimento pode ser explicada com referência ao forte desejo dos participantes de manterem a independência dentro do relacionamento (Kobayashi et al., 2016).

Apesar do interesse aumentado em abordar-se diferentes contextos ou configurações conjugais, há uma carência na literatura brasileira sobre a configuração de casais LAT. Assim, o objetivo do presente estudo foi investigar a configuração conjugal de alguns casais LAT no norte do estado do Rio Grande do Sul.

 

MÉTODO

DELINEAMENTO

Trata-se de uma pesquisa qualitativa, de corte transversal, exploratória e descritiva (Creswell, 2010).

PARTICIPANTES

Participaram da pesquisa casais que se relacionam há mais de seis meses, que habitam em residências separadas, maiores de 18 anos, heterossexuais, com ou sem filhos, com ou sem trabalho e domiciliados na região norte do estado do Rio Grande do Sul. Para melhor caracterização dos participantes os dados do questionário sociodemográfico estão organizados por casal LAT:

Casal 1: Possuem 06 anos de relação LAT e não possuem filhos desta relação: Ele (46 anos), ensino médio completo, policial militar, renda mensal de 1.500,00 a 2.000,00, divorciado, tem dois filhos (25 e 23 anos) da primeira relação e uma filha de 7 anos do segundo relacionamento. Atualmente está na terceira relação do tipo de configuração LAT. Ela (39 anos), ensino superior completo, auxiliar contábil, renda mensal de 1.500,00 a 2.000,00 divorciada, tem uma filha de (11 anos) de outra relação.

Casal 2: Possuem 16 anos e 6 meses de relação LAT e não têm filhos desta relação. Ele (53 anos), ensino médio completo, analista de custos, renda mensal acima de 2.000,00, divorciado, tem uma filha (31 anos) de outra relação. Ela (44 anos), ensino superior completo, coordenadora administrativa, renda mensal de 1.500,00 a 2.000,00, solteira e não tem filhos.

Casal 3: Possuem um ano de relação LAT, não têm filhos desta relação. Ele (32 anos), ensino médio completo, Chef de cozinha, renda mensal de 1.500,00 a 2.000,00, divorciado, tem dois filhos (8 e 11anos) de outra relação. Ela (29 anos), ensino superior em andamento, recepcionista, renda mensal de 1.500,00 a 2.000,00, solteira não tem filhos de outra relação.

Casal 4: Possuem 12 anos de relação LAT. Ele (62 anos), ensino fundamental completo, mecânico, renda mensal acima de 2.000,00, divorciado, tem dois filhos (26 e 39 anos) de outra relação. Ela (47 anos), ensino superior completo, professora, renda mensal acima de 2.000,00, solteira, tem uma filha (21 anos) de outra relação.

Casal 5: Possuem três anos de relação LAT, ambos solteiros, não têm filhos de relação anteriores. Ele (31 anos), ensino médio completo, instrutor de trânsito, renda mensal de 1.500,00 a 2.000,00. Ela (22 anos) estudante de ensino superior em andamento, renda mensal acima de 2.000,00 proveniente da mãe, gestante de sete meses da atual relação.

INSTRUMENTOS

Os instrumentos utilizados para esta pesquisa foram um questionário de dados sociodemográficos e um roteiro de entrevista semiestruturada. O questionário elaborado pela pesquisadora coletou informações tais como idade, escolaridade, profissão, número de filhos, estado civil e renda dos participantes. O roteiro de entrevista semiestruturada foi formulado a partir dos principais pressupostos teóricos encontrados na literatura revisada sobre o tema. As questões norteadoras partiram de quatro eixos: 1) Informações sobre a relação conjugal: Quanto tempo estão juntos? Como foi a decisão de viver em residências separadas? Em que momento esta decisão foi tomada? O que pensam sobre viver em residências separadas? Conhecem outras pessoas que vivem em residências separadas?; 2) Suporte social: Como os amigos enxergam a relação de viver em residências separadas? Como as famílias de origem percebem esta relação? O que os colegas de trabalho dizem sobre viver em residências separadas?; 3) Discriminação social: "Sofreu algum tipo de constrangimento por estar morando em casa separada? Se sim, o que sentiu?"; 4) Coparentalidade: "Tem filhos desta relação? Se sim com quem os filhos residem? O que os filhos pensam sobre a relação?".

PROCEDIMENTOS

Após parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Faculdade Meridional – IMED (CAAE: 73085717.6.0000.5319) os pesquisadores divulgaram o tema de pesquisa nas salas de aula da graduação em Psicologia da IMED e assim recebeu indicação de um possível casal participante e contato do mesmo. A estratégia para acessar os casais foi de conveniência e a técnica a denominada bola de neve (Vinuto, 2014). A pesquisadora responsável pelas entrevistas entrou em contato por telefone com o casal e agendou a entrevista de acordo com a disponibilidade dos mesmos. No dia do encontro, a pesquisadora apresentou-se, explicou os objetivos da pesquisa e entregou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) aos participantes, de acordo com todas as exigências éticas das resoluções nº 466, de 12 de dezembro de 2012 (Conselho Nacional de Saúde [CNS], 2012) e nº 510, de 07 de abril de 2016 (CNS, 2016). Juntos o casal respondeu o questionário de dados sociodemográficos assim como a entrevista. A entrevista foi gravada em áudio e posteriormente transcrita na íntegra pela pesquisadora responsável, respeitando as diretrizes do checklist COREQ (Tong, Sainsbury, & Craig, 2007). Este material será arquivado por um período de cinco anos no NEFAC/IMED (Núcleo de Estudos e Intervenções em Indivíduos, Casais e Famílias).

As entrevistas foram transcritas e os dados submetidos à análise temática (Braun & Clarke, 2006), seguindo-se seis fases: (1) familiarizando-se com os dados coletados: envolveu a "leitura repetida" de forma ativa procurando significados e padrões no conteúdo das entrevistas; (2) gerando códigos iniciais relevantes a partir dos dados das entrevistas; (3) pesquisando temas: foram reunidos os códigos iniciais, agrupados e organizados numa lista com diferentes códigos identificados; (4) revendo temas potenciais e gerando mapas temáticos de análise; (5) definindo e nomeando cada tema e (6) produzindo o relatório científico de análise com estratos relacionados ao tema de pesquisa.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A Figura 1 mostra os resultados referentes à análise temática da configuração conjugal dos cinco casais LAT (provisório e permanente) no norte do Rio Grande do Sul. Os temas são demostrados pelos losangos, os subtemas pelos círculos e suas ramificações representadas pelos retângulos. As chaves e setas mostram a inter-relação dos temas e subtemas-ramificações. Os temas principais foram casais LAT permanentes e casais LAT provisórios. Na configuração LAT provisório os casais relataram o desejo de coabitar em algum momento da sua história relacional. Os subtemas presentes nas duas configurações foram conjugalidade, coparentalidade e suporte social. No subtema conjugalidade evidenciou-se a intenção de coabitar ou não, os sentimentos em relação a configuração LAT, a presença de relações anteriores, os acordos com relação as finanças e a relação com as famílias de origem. No subtema coparentalidade evidencia-se a percepção dos filhos sobre a conjugalidade atual dos pais. No subtema suporte social, emergiu a percepção da discriminação da sociedade em geral e amigos com relação a configuração LAT.

 

 

Inicialmente, no subtema Conjugalidade apresenta-se as reflexões das duas configurações conjugais – permanente e provisória - sobre coabitar ou não. Observou-se que o casal 1, LAT permanente, não pensou no assunto, mas ao ser questionado sobre a coabitação futura refere não ter este desejo. No casal 2, LAT permanente, ambos referem querer permanecer nas suas residências, um deles vem de um divórcio e acredita que o relacionamento é melhor com cada um no seu espaço, conforme o seguinte excerto: "O nosso relacionamento se dá melhor cada um com seu espaço, com sua liberdade, morando na sua casa [sic]". No casal 3, LAT provisório, para eles de imediato teriam ido morar juntos, mas justificam ter dificuldades financeiras para fazê-lo neste momento, no entanto afirmam querer coabitar. No casal 4, LAT permanente, ele decidiu por esta configuração para manter suas finanças separadas, ela por medo das brigas provenientes da convivência e não pretendem coabitar. No casal 5, LAT provisório, eles entendem que necessitam de tempo para conhecer o possível cônjuge. Ele argumenta que "Por enquanto é bom conhecer melhor o outro, vê se dá para aguentar depois" e, ela complementa "É isso aí". Referem que coabitarão no próximo ano em função do nascimento da filha.

Dos casais entrevistados, três relataram o desejo de permanecer na configuração LAT permanente e dois referiram o desejo de coabitar futuramente. Os argumentos utilizados por estes casais são semelhantes aos encontrados em pesquisas realizadas por Levin (2004) e Kobayashi et al., (2016). Os autores referem que existem casais que gostariam de viver juntos, mas por um motivo ou outro, não puderam fazê-lo e aqueles casais que podem apresentar forte desejo de manter a independência em seu relacionamento com propósito de evitar riscos, baseados em experiências negativas com relacionamentos passados.

Os casais relataram sobre o tempo de relação na configuração LAT e os sentimentos referentes a ela: O casal 1 está nesta configuração há seis anos e relatam tranquilidade, além de referirem passar bom tempo juntos "Bem tranquilo, porque a gente na verdade mora cada um na sua casa, mas praticamente todos os dias tá junto". O casal 2 está há dezesseis anos e meio nesta relação e sentem-se bem e com liberdade "Eu me sinto muito bem, na verdade, poder ter a liberdade de coisas básicas do dia a dia [...]. Fazer as coisas da maneira que você sabe e do jeito que você quer então eu me sinto bem [...]". O casal 3 está nesta configuração há um ano, sentem-se bem e encontram-se quase todos os dias "Tem um dia sim um dia não, mas a gente fica quase todos os dias juntos, posamos juntos ou ela vai lá em casa ou na casa dela [...]". O casal 4 está há doze anos na configuração LAT, tem sentimentos de liberdade "Eu tenho minha liberdade né, [...], claro liberdade no modo de dizer assim, sai ir lá jogar uma cartinha com os amigos, com os primos [...]". O casal 5 está nesta configuração há três anos e vivenciam sentimentos de liberdade "O meu sentimento é mais liberdade, tá em casa sozinho eu não tenho compromisso com nada [...]".

As verbalizações dos casais entrevistados são semelhantes aos relatados na pesquisa de Funk e Kobayashi (2016), com casais LAT que relataram passar a mesma quantidade de tempo juntos que casais que coabitam, suas relações são mais saudáveis ou de melhor qualidade. Reimondos, Evans e Gray (2011) identificaram que apesar dos casais LAT não compartilharem da mesma residência, a frequência de contato é muito alta - cerca de 75% dos indivíduos mantém contato pessoal pelo menos três vezes por semana.

Ainda em relação ao subtema conjugalidade os casais relataram sobre suas relações anteriores, aspectos relacionados à confiança com relação ao cônjuge e experiências financeiras. Observou-se que, com exceção do casal 5, nos demais, em pelo menos um dos cônjuges já havia ocorrido vivência de coabitação (configuração tradicional de casamento). Os casais relataram que tem confiança na forma de relação estabelecida por eles: "Bem tranquila. Até agora nunca tivemos problemas de confiança" (Casal 1). "É boa, da minha parte é muito boa, convive bem, pessoa muito boa, bem tranquilo" (Casal 3). Os relacionamentos LAT (Carter, Duncan, Stoilova, & Phillips, 2016) apresentam compromisso e confiança, uma vez que o casal não está apenas vinculado por contrato legal, apresentando desejo de ficar juntos.

Com relação às experiências financeiras, todos os casais entrevistados referiram possuir rendas separadas e administração individual das finanças: "É individual, cada um administra as suas finanças" (Casal 1). "Eu tenho o meu, ele tem o dele. Eu não sei quanto ele ganha, eu não sei se ele sabe o quanto eu ganho, né" (Casal 2). "Na verdade, ele tem o salário dele eu tenho o meu, né" (casal 3). "Cada um tem a sua" (Casal 4). Poucas são as pesquisas que abordam como casais LAT lidam com os aspectos financeiros de suas relações. Um estudo foi realizado na Bélgica com participação de 54 homens e mulheres na configuração LAT (Lyssens‐Danneboom & Mortelmans, 2014) e os autores observaram um padrão no manejo do dinheiro nesta configuração conjugal, ou seja, todos controlavam e mantinham seu dinheiro em fundos individuais, sem utilização de conta conjunta.

No subtema Família de origem os casais 1, 2 e 5 entendem que suas famílias, em especial seus pais, não demonstraram nenhum estranhamento ou questionamento sobre a sua configuração LAT. Entretanto, os casais referem não ter dado espaço para ouvir a família sobre o assunto "Minha não questiona" (Casal 1). "A gente nunca questionou eles, pensando o que eles acham né, mas acho que eles acham natural, acho que eles se acostumaram também" (Casal 2). "A minha, a minha não expressa nada a respeito de nós viver separado ou mesmo se nós tivesse junto eles não opinão"[sic.] (Casal 5). Nos casais 3 e 4 os pais são mais tradicionais e não tocam no assunto "Ela não fala, não toca no assunto, daí é só eu e ela, e ela é um pouco mais fechada, então ela não toca no assunto assim, e se eu converso com ela, as vezes eu comento né, a única coisa que ela diz é que não é para se preocupar com ela" (casal 3). "A minha mãe evolui bastante haha, porque ela é daquelas famílias tradicional [...] ela tem o ponto de vista dela e ela não muda, não adianta"[sic.] (Casal 4).

No subtema coparentalidade evidenciou-se que os casais entrevistados, no momento da entrevista, não tinham filhos em comum da configuração LAT (somente uma gestação). No casal 1, um dos cônjuges tem filhos de relações anteriores (25 anos e 23 anos da primeira relação e uma filha de 7 anos da segunda relação). O participante verbalizou que os seus filhos não falam sobre a sua relação LAT atual. No casal 2, um dos cônjuges tem uma filha de 31 anos de uma relação anterior. Ele relata que a sua filha não expressa opinião sobre a sua configuração LAT até porque eles possuem pouca convivência em função do trabalho dela. No casal 3, um dos cônjuges tem dois filhos, de 11 anos e 8 anos respectivamente, de uma relação anterior e ela não tem filhos. Ele refere não ouvir nenhum comentário negativo dos filhos com relação à configuração LAT. No casal 4, ambos os cônjuges possuem filhos de casamentos anteriores. Ele tem um filho de 39 anos e uma filha de 26 anos e ela tem uma filha de 21 anos. Os cônjuges relatam que seus filhos não demonstraram nenhum preconceito com relação à configuração LAT dos pais. O desconforto está relacionado a não aceitação da companheira do pai. No casal 5, ambos os cônjuges não têm filhos de relações anteriores. A coparentalidade é evidenciada quando no sistema familiar maridos e esposas assumem papéis parentais. Os relatos dos casais não mostraram tais papéis por não haver filhos das relações LAT no momento da pesquisa.

No subtema Suporte social os casais não relataram ter percebido e/ou vivenciado situações de discriminação em relação à configuração LAT de amigos, no trabalho ou nas relações sociais em geral "Nunca ninguém questionou, nem aprovando nem desaprovando" (Casal 1). "Acho que alguns até tem inveja hahaha, [...] quando a gente diz que gente mora separado" (Casal 2). "Olha nossos amigos, a princípio o feedback que a gente tem assim quando se conversa sobre relacionamento e tal é bem positivo, né" (Casal 3). "Normal, eu acho que todo mundo não reclama, não" (Casal 4). "Não, preconceito não" (Casal 5).

Os relatos de aceitação social, dos casais entrevistados, diferem da pesquisa realizada por Duncan, Phillips, Carter, Roseneil & Stoilova (2014). Os autores descreveram reações negativas das pessoas em geral em relação a configuração LAT e referem que as pessoas, de forma geral, esperam a coabitação como parte do desenvolvimento natural dos relacionamentos.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo teve o propósito de investigar a configuração conjugal de casais LAT no norte do Rio Grande do Sul. Identificou como tema principal dois tipos de configurações, a saber, LAT permanente e LAT provisório. Na configuração LAT provisório os casais declararam o desejo de coabitar em algum momento da sua história relacional. Os subtemas presentes nas duas configurações foram conjugalidade, coparentalidade e suporte social. No subtema conjugalidade mostrou-se a intenção de coabitar ou não, os sentimentos em relação a configuração LAT, a presença de relações anteriores, os acordos com relação as finanças e a relação com as famílias de origem. No subtema coparentalidade evidenciou-se a percepção dos filhos sobre a conjugalidade atual dos pais. E, no subtema suporte social, os participantes não perceberam ou vivenciaram situações de discriminação em relação à configuração LAT.

Entre as limitações deste estudo percebe-se a baixa variabilidade de características sociodemográficas dos participantes da pesquisa, o que implica que a compreensão presente está baseada em casais de pessoas brancas e heterossexuais. Sugere-se que futuros estudos sejam realizados em uma amostra maior e mais diversificada de etnia/raça e orientação sexual.

 

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Endereço para correspondência
Cleuza Elizabete de Chaves
E-mail: cleuzachaves597@gmail.com

Recebido em: 23/01/2020
Reformulado em: 27/02/2020
Aceito em: 15/03/2020

 

 

1 Cleuza Elizabete de Chaves é mestre em Psicologia pela IMED.
2 Cláudia Mara Bosetto Cenci é doutora em Psicologia Clínica (PUC/RS). Docente do Programa de Pós-graduação em Psicologia da IMED.

3 Icaro Bonamigo Gaspodini é doutorando em Psicologia na UNISINOS, com bolsa CAPES/PROSUP. Professor do curso de Psicologia da IMED.

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