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Revista da SPAGESP

versão impressa ISSN 1677-2970

Rev. SPAGESP vol.21 no.2 Ribeirão Preto jul./dez. 2020

 

ARTIGOS

 

Coordenando grupos em sala de espera: analisando o processo

 

Coordinating groups in a waiting room: analyzing the process

 

La coordinación de grupos en la sala de espera: analizando el proceso

 

 

Samantha Pires Oliveira Freitas Pedrosa1; Eliane Regina Pereira2

Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia-MG, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo se propõe a discutir os desafios na formação para o trabalho com grupos e o papel dos coordenadores, com base na experiência de coordenação de grupos de sala de espera realizado em uma Unidade Básica de Saúde, a partir de um estágio de graduação em Psicologia. Através de recortes do diário de campo, buscamos discutir a mediação grupal nesse contexto de intervenção, ressaltando possibilidades, expectativas e dificuldades vivenciadas. Considerando a escassez de trabalhos publicados com relação à temática de grupos em sala de espera e ênfase em grupos informativos, o presente trabalho buscou ampliar a discussão para grupo enquanto processo, expondo reflexões sobre nossa postura e intervenções, discussões ampliadas para pensar coordenação de grupos e formação profissional.

Palavras-chave: Grupo; Psicologia histórico-cultural; Psicologia da saúde.


ABSTRACT

This article proposes to discuss the challenges in training for group work and the role of coordinators, based on the experience of coordinating groups in a waiting room held in a Basic Health Unit, from a graduation internship in Psychology. Through field diary clippings, we sought to discuss group mediation in this context of intervention, highlighting possibilities, expectations, and difficulties experienced. Considering the scarcity of studies regarding the theme of groups in the waiting room, besides an emphasis on informative groups, this study aimed to expand the discussion to the group as a process, exposing reflections on our posture and interventions, extended discussions to think coordinating groups and professional qualification.

Keywords: Group; Historical-cultural psychology; Health psychology.


RESUMEN

Este artículo se propone discutir los desafíos en la formación para el trabajo con grupos y el papel de los coordinadores, con base en la experiencia de coordinación de grupos de sala de espera realizado en una Unidad Básica de Salud, a partir de una etapa de graduación en Psicología. A través de recortes del diario de campo, buscamos discutir la mediación grupal en ese contexto de intervención, resaltando posibilidades, expectativas y dificultades vivenciadas. Considerando la escasez de trabajos publicados con relación a la temática de grupos en sala de espera y énfasis en grupos informativos, el presente trabajo buscó ampliar la discusión para grupo en cuanto proceso, exponiendo reflexiones sobre nuestra postura e intervenciones, discusiones ampliadas para pensar coordinación de grupos y formación profesional.

Palabras clave: Grupo; Psicología histórico-cultural; Psicología de la salud.


 

 

Considerando as produções de grupo fundamentadas na concepção da Psicologia Histórico-Cultural, tem-se como principais expoentes Silvia Lane e Martín-Baró, autores que, segundo Martins (2003), definem grupo enquanto uma experiência histórica, que se constrói em um tempo e espaço determinado, sendo produto de relações que vão ocorrendo no cotidiano, e ao mesmo tempo, expressa múltiplas determinações e as contradições encontradas na sociedade contemporânea.

Em seu trabalho acerca do processo grupal, Lane (1984, p.1) parte de uma noção de grupo que o considera como "condição necessária para conhecer as determinações sociais que agem sobre o indivíduo", ou seja, não considerando este como dicotômico em relação ao indivíduo, em que indivíduo em grupo e indivíduo sozinho são considerados como opostos. Além disso, ressalta sua ação como sujeito histórico e parte da noção de que toda ação transformadora da sociedade só é possível quando indivíduos se encontram em grupo.

Ao realizar uma revisão de teorias sobre grupo, Lane (1984) expõe, por um lado, um posicionamento tradicional, em que a função de grupo seria definir papéis, e com isto, garantir a identidade social dos indivíduos e sua produtividade através da harmonia e manutenção das relações sociais. Por outro lado, apresenta as teorias que ressaltam o caráter de mediação do grupo entre indivíduos e a sociedade, além de evidenciar o processo em que o grupo se produz e as determinações sociais existentes nas relações formadas.

O presente trabalho parte da segunda posição, ou seja, apresenta a concepção de grupo não enquanto um objeto pronto, mas definido como um processo grupal, que conforme concebido por Lane (1984) traz para o centro da discussão o caráter histórico e dialético do mesmo. Assim, considerando as elaborações de grupo existentes a partir da perspectiva da Psicologia Histórico-Cultural e com base numa experiência de estágio de graduação em Psicologia, a partir de intervenções realizadas semanalmente na sala de espera de uma Unidade Básica de Saúde de uma cidade no interior de Minas Gerais, este trabalho objetiva apresentar o modo como os grupos eram conduzidos, com destaque para os desafios vivenciados durante a formação para o trabalho com grupos e o papel dos coordenadores em grupos de sala de espera.

O trabalho com grupos no campo da saúde é relativamente recente, Dimenstein (1998) discute que a década de 1970 caracterizou-se pelo modelo médico, com o privilégio de práticas voltadas para a assistência individual e curativa. Conforme apontado por Borges, Batista e Dalla Vecchia (2011), nesse mesmo cenário desenvolve-se discussões acerca da análise e intervenção grupal, formulações que se desenvolvem a partir de um contexto de ampla mobilização social (popular, estudantil e sindical) de resistência aos governos ditatoriais, perspectiva esta que percebe o grupo como "condição para conhecer o ser social, para apreender esse ser social enquanto ser histórico, e para toda ação transformadora na sociedade" (p. 381).

Corroborando com os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde, o trabalho com grupos passou a ser fomentado e discutido no âmbito das políticas de saúde, especialmente considerando os mesmos como importante estratégia de humanização e promoção de saúde (Brasil, 2009). Contudo, Andaló (2006) expressa preocupações com o movimento tecnicista, no qual as técnicas de coordenação são aplicadas à revelia do processo grupal.

Em uma breve pesquisa realizada nas bases de dados em texto completo indexadas na Biblioteca Virtual em Saúde – Psicologia (BVS-Psi), utilizando a combinação de palavras-chave "grupo" e "sala de espera", é possível notar a escassez de trabalhos publicados com relação ao tema. Dentre os artigos publicados, percebe-se grande ênfase em grupos informativos, ressaltando a sala de espera como local para ensinar crianças e seus pais, além do uso da informação na tentativa de aumentar a adesão a determinados tratamentos médicos (Santos & Miyazaki, 1999). Os artigos com ênfase em grupos informativos expõem também resultados que indicam que os participantes utilizam os grupos de sala de espera como um espaço para aprender mais sobre a doença, conversar e sanar dúvidas (Barbosa, Luiz, Domingos, & Fernandes, 2008).

O presente estudo justifica-se pela necessidade em realizar avanços com relação às reflexões sobre grupo enquanto processo, para além do movimento tecnicista apontado por Andaló (2006). Além disso, diferente dos grupos informativos, buscamos apresentar a potencialidade da sala de espera como um espaço de trocas de experiências e compartilhamento de histórias de vida, reflexão e construção de novos sentidos sobre si mesmo, sobre o outro e suas vidas. Desta forma, partir da coordenação, buscamos a apropriação de novos significados, com os quais os participantes possam reorganizar suas ações e vidas (Andaló, 2006), reflexões estas pouco exploradas em estudos realizados no contexto da sala de espera.

A sala de espera, território comum a diversas unidades de saúde, se constitui em um espaço tumultuado, marcado por pacientes que transitam e aguardam atendimento, pelos profissionais que, em voz alta, chamam os pacientes para a consulta, por cadeiras enfileiradas normalmente em frente a uma televisão ou dispostas ao redor da sala.

Inicialmente, as pessoas que se encontram na sala de espera não constituem um grupo propriamente dito, mas um "agrupamento", um conjunto de pessoas que partilham o espaço comum da sala de espera, podendo constituir-se um grupo. De acordo com Bettoni e Andrade (2002), este modo de estar, associado apenas através de relações formais (como a fila para espera de um ônibus ou as compras do supermercado), é definido por Sartre como "serial". Na série, a relação entre os indivíduos não é capaz de objetivar uma iniciativa em comum, entretanto, "é a partir da serialidade, e dentro dela, que os grupos se formam" (Bettoni & Andrade, 2002, p. 70).

Ao chegar à sala de espera nos deparávamos com pessoas que conversavam entre si antes de iniciarmos o grupo, trocavam experiências e falavam de suas vidas cotidianas, de sua saúde, do atendimento na unidade de saúde e, em vários momentos, percebíamos grande interesse pela televisão. Nos questionávamos sobre: Como realizar o convite para o grupo de forma cuidadosa, para que as pessoas decidissem (ou não) participar? Como pedir para abaixar o som da televisão se esta parecia atrair a atenção de várias pessoas?

O início de cada grupo era um dos grandes desafios enfrentados na experiência de estágio para a formação para o trabalho com grupos, isso porque o convite para levantar, mudar as cadeiras de lugar e compor o grupo, constituído em forma de roda de conversa, parecia estranho àquelas pessoas, estranho ao lugar. O convite era feito na parte da frente na sala de espera – bem ali onde se encontra a televisão – nos virávamos para as pessoas e falávamos sobre a proposta. Ao realizar o convite para a conversa, vários olhares de estranhamento eram voltados para nós, ressaltávamos que a participação era livre e buscávamos coordenar esse momento deixando abertura para que a participação fosse de fato livre. Apesar de supostamente, os usuários do serviço precisarem ficar na sala de espera para o atendimento, nossa proposta de intervenção grupal, permitia mobilidade para fora da roda organizada, desse modo, enquanto algumas nos ajudavam a organizar as cadeiras para formar a roda, outras pessoas, se levantavam e sentavam fora na roda organizada, próximos as paredes da Unidade de Saúde.

Em meio aos olhares de estranhamento, por vezes escutávamos a palavra "palestra" entre os usuários do serviço, o que nos remete à ideia anteriormente apresentada de que a sala de espera é um espaço conhecido também pelos grupos informativos e palestras realizadas por profissionais de diversas áreas. Diferente destas, nossa proposta de intervenção buscava manter uma relação horizontal com os sujeitos presentes na sala de espera, estes assumiam um papel ativo fundamental no processo grupal e estavam presentes nos grupos não apenas para escutar, mas para serem ouvidos.

 

MÉTODO

Visando apresentar o modo como os grupos eram conduzidos, com destaque para o papel dos coordenadores no contexto de intervenção supracitado, realizamos uma articulação teórica com recortes do Diário de Campo, registrado de agosto de 2013 a agosto de 2014. Apesar da sala de espera ocorrer a vários anos na mesma unidade, coordenada pela mesma supervisora, esse recorte foi selecionado, pois o mesmo faz parte de uma pesquisa aprovada pelo Comitê de Ética, sendo que todos os participantes assinaram TCLE.

O diário de campo, conforme apresentado por Costa e Coimbra (2008), "constitui um recurso metodológico revelador da nossa condição de pesquisador, traduz o universo intenso e denso dos vários caminhos percorridos" (p. 128), desta forma, ao nos implicar na escrita do diário de campo, podemos analisar não apenas recortes de cenas, mas refletir sobre nossas ações e papel como coordenadores, importante recurso no contexto de formação no qual estávamos imersas.

Os registros em diário de campo eram realizados semanalmente por uma estagiária, enquanto outras duas estagiárias ficavam responsáveis pela coordenação do grupo de sala de espera. A estagiária relatora buscava anotar as falas dos participantes e intervenções dos coordenadores tais como eram realizadas no momento do grupo.

Ao iniciar o grupo, avisávamos aos participantes que iríamos fazer anotações sobre os acontecimentos no grupo e a conversa, ressaltando que os nomes seriam preservados, questionávamos ao grupo sobre o que achavam dos registros e, caso concordassem, iniciávamos o grupo com as apresentações. Em nosso grupo de estágio, composto por quatro estagiárias, todas puderam vivenciar a experiência como relatora e como coordenadora dos encontros. Além disso, semanalmente a estagiária relatora levava seu relato em supervisão, onde era lido e discutido em conjunto com a supervisora, antes do planejamento do encontro seguinte.

Para o presente artigo, foi realizada uma leitura exaustiva dos diários de campo visando selecionar recortes que contribuíssem para a apresentação do modo como os grupos eram conduzidos no contexto da sala de espera. Escolhemos recortes que ressaltassem o papel das coordenadoras dos grupos nos diversos momentos decorridos durante o processo grupal.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

RECURSO ESTÉTICO COMO DISPARADOR DA CONVERSA

Em cada grupo realizado na sala de espera levávamos um recurso estético a fim de ampliar as possibilidades para que os participantes do grupo falassem sobre suas afetações e vivências singulares, compartilhando e trocando experiências com os demais participantes, que até então esperavam, muitas vezes em silêncio, pelo atendimento. Os recursos estéticos levados aos grupos eram poemas, contos, músicas, fotografias, imagens ou vídeos, dentre outras formas de linguagem que não necessariamente sejam definidas como arte, mas que possam ampliar os sentidos de vida dos participantes do grupo e possibilitar uma relação estética, que conforme discutido por Zanella e Sais (2008) são pautadas em uma sensibilidade que possibilita olhar, admirar e problematizar a realidade, permitindo que os encontros e desencontros que caracterizam a existência humana sejam vividos intensa e sensivelmente.

Para compreender a forma como concebemos os recursos utilizados, é importante destacar a extensão do conceito de estético a todos os processos, objetos ou atos que em determinadas condições mostram qualidades estéticas. Assim, conforme apresentado por Vázquez (1999), embora a arte seja objeto de estudo fundamental para a Estética, não pode ser exclusivo.

Os recursos só são efetivamente estéticos na situação estética, antes ou fora dela possuem apenas uma existência física e potencial, ou seja, estes são constituídos enquanto tal na relação com um sujeito, em que o objeto cumpre sua função estética a partir da contemplação, audição ou leitura por parte da intervenção correspondente deste sujeito (Vázquez, 1999). O objeto estético é um objeto dos sentidos e através da relação estética é possível "uma experiência pautada por uma sensibilidade que descola a ambos, sujeito e objeto, do imediato, a existência física e concreta" (Zanella, 2004, p. 138). A relação estética vivenciada nos encontros da sala de espera, portanto, implica que a atenção dos participantes do grupo fosse deslocada à forma sensível dos recursos escolhidos, possibilitando diferentes formas de olhar e problematizar a realidade.

Os recursos estéticos eram experimentados, primeiramente em supervisão, pelo grupo de estagiárias e supervisora, momento no qual buscávamos recursos que nos afetassem enquanto sujeitos e, ao mesmo tempo, como coordenadoras dos grupos. São as músicas, as imagens ou contos vivenciados, antes por nós, que utilizamos no início de cada grupo à medida que percebíamos, na prática, que tais recursos são disparadores das conversas e viabilizam uma sensibilidade que possibilita a ampliação dos sentidos e afetações.

Os grupos realizados na sala de espera possibilitaram encontros nos quais através dos recursos estéticos e das conversas disparadas por estes, buscávamos promover fissuras em modos de vida naturalizados e enrijecidos, aumentando a potência de agir. Sawaia (2006) destaca que o sujeito é potencialidade em ato e sua realização se dá, exclusivamente, nos encontros e experiências vivenciadas nestes.

O recurso estético é entendido por nós, na sala de espera, como um modo de permitir ao sujeito vivenciar esta potência de expansão. Conforme apresentado por Sawaia (2006) a estética é uma das qualidades que permite essa vivência, tendo em vista que indica uma forma de conhecer e ser através da sensibilidade, e nesse sentido, a autora citando Vigotski afirma que a afetividade atravessa a estética, na medida em que a experiência e sensibilidade são caracterizadas pelas afetividades, seja através do sofrimento ou da alegria.

Ao discorrer acerca da afetividade Sawaia (2006) também recorre à Espinosa e afirma que esta é a capacidade do homem de afetar e ser afetado, em que simultaneamente é resultado corpóreo e mental dessas afecções. Considerando que as experiências vivenciadas nos encontros e a afetividade são singulares, os recursos estéticos eram escolhidos pelo grupo de estagiárias e supervisora, mas não era escolhida a priori uma temática específica para ser abordada, sendo que a coordenação do grupo era realizada respeitando os sentidos e discursos particulares de cada um dos participantes.

Sawaia (2009) define o conceito de "sofrimento ético-político", relacionado ao sofrimento que se paralisa em uma forma de potência de padecimento e permite que os sujeitos apenas reajam, sem que haja ação. A autora recorre à Vigotski e Espinosa ressaltando a importância de encontros potencializadores de liberdade e felicidade, e afirma que a transformação social requer formas de ação no sofrimento ético-político, o que buscávamos possibilitar nos encontros realizados.

Ao permitir que os sujeitos presentes nos grupos tivessem a possibilidade de refletir sobre seus cotidianos, de maneira que pudessem expressar afetos e significados construídos acerca da vida, da desigualdade social, dos medos vivenciados e demais experiências compartilhadas, foi possível realizar a mediação grupal através de questionamentos que promovessem reflexões, desenvolvendo a potência de ação do sujeito consigo, com o outro e com o mundo.

CONDUZINDO A CONVERSA: A PERGUNTA E A CURIOSIDADE

Se convidar para formar um grupo em sala de espera já é um desafio, imagine conduzir o grupo. Qual o papel dos coordenadores? Conforme discutido por Andaló (2006), o papel dos coordenadores está associado à concepção que os próprios profissionais possuem de grupo, neste sentido, os caminhos metodológicos utilizados nos processos grupais estão atrelados a uma concepção de homem e mundo. O presente trabalho, compreende que o sujeito é constituído nas e pelas relações sociais, se constitui social e historicamente, apropriando-se da cultura e, ao mesmo tempo, objetivando-se nesta.

O conceito de mediação, fundamental para a concepção histórico-cultural, é apresentado por Andaló (2006) como categoria utilizada na compreensão dos processos grupais, no qual se ressalta a ideia de grupo como mediador entre a particularidade e a totalidade social, ou seja, o grupo como responsável pela mediação entre os indivíduos e a formação sócio-histórica a qual pertencem, não podendo ser compreendido de modo desvinculado ao contexto mais amplo da sociedade. Ao mesmo tempo, o coordenador nos grupos é destacado como mediador entre o vivido e sua compreensão racional, que não estando imerso na situação vivida relatada no contexto grupal, busca captar aspectos amplos e profundos, realizando o que Andaló (2006, p. 86) apresenta como "leitura crítica da realidade".

A mediação é entendida como um processo, tendo em vista que "ela expressa relações concretas e vincula mútua e dialeticamente momentos de um todo, indicando que nada é isolado" (Andaló, 2006, p. 34). Assim, as relações mediadas na sala de espera expressam a própria sociedade, são atravessadas por ela e, ao mesmo tempo, as constituem. Com a mediação semiótica, pressuposto da teoria de Vigotski (Zanella, Da Ros, Reis, & Franca, 2004), o homem e os produtos de sua atividade deixam de ser percebidos como uma realidade "em si", deixam de ser meros elementos da natureza e tornam-se parte de uma realidade específica, possuindo sentidos, determinados pela relação concreta que os homens com ela estabelecem.

Nosso modo de mediar as conversas nos grupos foi quase exclusivamente através das perguntas, tendo nos recursos estéticos os disparadores das conversas. A pergunta é caracterizada por Brun e Hoette (1997) como uma intervenção em si mesma, tendo em vista que ao perguntar o coordenador promove reflexões e possibilita que os sujeitos sejam deslocados de suas estruturas de narrativa cristalizadas, além de gerar nos próprios coordenadores novas formas de pensar o processo grupal. Brun e Hoette (1997) utilizam as palavras "terapeuta" e "processo terapêutico". Contudo, para o presente estudo optamos por utilizar as palavras "coordenador" e "processo grupal". Buscamos com as perguntas produzir novos sentidos, promover fissuras em modos de vida e em pensamentos enrijecidos, fazíamos perguntas que visassem ampliar os sentidos movimentados no grupo.

Semanalmente, ao escolher o recurso estético que seria utilizado no início dos grupos de sala de espera, nos deparávamos com diferentes afetações, pensávamos em perguntas e caminhos que poderiam ser percorridos durante o grupo. Percebíamos posteriormente que tais questionamentos ou caminhos previamente pensados não se concretizavam, não faziam sentido na conversa iniciada ou não partiam das falas dos participantes, mas contemplavam principalmente nossas expectativas para o encontro. Isso fazia com que nossa mediação, ou seja, nossas perguntas fossem cortantes, afiadas, prontas para eliminar nossa ansiedade em perguntar e nossa dificuldade em dialogar.

Em um dos grupos levamos uma imagem como recurso estético, a qual representava uma criança com grandes asas sendo cortadas com uma tesoura por um homem e uma mulher. As expectativas e ideias principais eram possibilitar reflexões ao conversar sobre como a sociedade e os diversos contextos em que vivemos nos influenciam e nos moldam, limitam nossa possibilidade de voar, ou simplesmente de ter asas. As angústias vivenciadas pelo movimento entre as expectativas e a experiência em si do grupo são relatadas no diário de campo de uma das coordenadoras:

Apresento a imagem que circula entre as pessoas. Questiono: o quem veem, pensam e/ou sentem ao ver essa imagem? As pessoas vão falando dos limites aos filhos, da preocupação em estar por perto "pra eles não irem para o mau caminho" e vão contando de vidas muito bem sucedidas nas relações com os filhos. Filhos exemplos e pais satisfeitos e orgulhosos. As falas vão me paralisando. Faço perguntas para tentar instigar uma reflexão a respeito dessas expectativas com os filhos; ou questiono: Quando damos limites tiramos a liberdade dos filhos? Como estabelecer essas relações? Reconhecemos nossos próprios limites na educação das crianças? As perguntas são ouvidas, acolhidas e com respostas otimistas e exemplares, vão contando de lares harmônicos, de pais que conversam e dialogam sempre, de finais felizes. Me angustio. Não sei o que problematizar. Minhas falas não ampliaram as reflexões? (...). Talvez tenha ficado presa nas minhas expectativas e agora penso em como trabalhá-las no próximo grupo (Diário de Campo, data 05 de setembro de 2013).

Ao levarmos esta imagem buscávamos produzir fissuras no discurso da "educação com limites sinônimo de filhos felizes", mas ao contrário o grupo caminhou pelo lugar do conforto e do discurso padrão. Nos questionamos sobre como mediar uma conversa em que as falas cristalizadas são dominantes, quais perguntas poderíamos ter feito e, como a coordenadora afirma no relato, refletimos se nossos questionamentos não ampliaram as reflexões.

Com relação às perguntas, importantes no contexto da mediação grupal, Brun e Hoette (1997) afirmam que estas devem ser elaboradas a partir das respostas e, por estas serem imprevisíveis, não existe bons questionamentos dos quais possam ser utilizados a priori, "a boa ou má pergunta será, portanto, o produto dessa interação entre o perguntador e o perguntado" (p. 10). Ao refletir sobre a formação para o trabalho com grupos, a partir dos questionamos expressados em diário de campo, é possível perceber que a dificuldade em lidar com as expectativas, dentre outros fatores, pode fazer com que profissionais se apeguem a perguntas previamente elaboradas e estruturas fechadas para mediar um grupo, o que pode ter acontecido neste dia específico. Tínhamos tamanha clareza da discussão proposta, do caminho libertário das nossas reflexões, que fomos sufocados pelos discursos cotidianos da necessidade de "limites" e simplesmente não nos entregamos à conversa.

Em outro grupo levamos como recurso estético imagens diversas. Nossa proposta era possibilitar um espaço de conversas, a partir das imagens que mais marcaram e afetaram os participantes do grupo de sala de espera, sendo que os temas das conversas partiriam das impressões destes. Para isto, ao iniciar este e outros grupos realizados, procurávamos fazer perguntas de abertura que realmente ampliasse e possibilitasse que os participantes do grupo compartilhassem sobre o que mais havia lhes provocado.

Ao abrir a possibilidade de diálogo para o grupo, questionando-os sobre qual imagem havia marcado e o que pensaram e sentiram a respeito, destacou-se o desenho em que uma mulher caminhava com um livro na mão e, enquanto um homem passava ao seu lado, olhava para ela e de seus olhos saíam duas mãos em direção ao seu corpo. Esse grupo foi conduzido por duas coordenadoras e oito pessoas participaram mais ativamente da conversa, no recorte de cena aqui apresentado os participantes serão representados pelos nomes Gabriel, Julia, Camila e Cida:

Gabriel [mostrando a imagem]: Eu acho que esse é um desenho típico do homem.
Julia: É típico mesmo, porque nos homens quando dá vontade de pegar, eles olham e já imaginam acontecendo.
Gabriel: Isso é muito normal na sociedade. Coordenadora 1: E o que vocês acham disso?
Julia: É, pode ser normal, mas se usamos roupas curta é para nos sentir bem. Eu adoro usar saias e uso porque acho bonito, não é para me mostrar. Feio é o homem ficar mexendo.
Gabriel: Mas as mulheres gostam quando os homens mexem.
Coordenadora 1: Aqui na roda tem muitas mulheres, como vocês se sentem quando isso acontece?
Julia: Eu me sinto mal, os homens podem achar normal, mas isso é machismo.
Camila: Acho péssimo.
Cida: Antigamente ainda existia pudor, nos dias atuais as mulheres andam quase nuas. Falamos de direitos iguais, mas as mulheres também estão passando dos limites.
Coordenadora 2: Vocês acham que os homens também passam dos limites?
Cida: Passam, mas porque a mulher não se valoriza.
Coordenadora 2: Falamos sobre as mulheres usarem roupas curtas, vocês acham que isso dá o direito de os homens mexerem com elas?
Julia: Não acho, a mulher se arruma para se sentir bem, é importante ter bom senso e saber usar, mas não vejo problemas em decote e roupa.
(Diário de Campo, data 12 de dezembro de 2013)

A partir do recorte do grupo de sala de espera, percebemos que algumas falas são marcantes, naturalizadas e expressavam o machismo existente na sociedade. Os sujeitos dessa experiência, sem desconsiderar as singularidades presentes no processo grupal, são constituídos no e pelo grupo, tendo em vista que ali se expressa a sociedade de forma geral, seus valores, crenças, sendo possível ressignificar essas características a partir das relações sociais (Zanella & Pereira, 2001).

Ao mediar o grupo realizando perguntas a partir de uma postura de curiosidade, buscávamos compreender inicialmente o que estava sendo dito acerca das opiniões com relação à imagem destacada pelos participantes: Gabriel falou "é típico de homem", Julia disse "é normal na sociedade" e o restante do grupo pareceu concordar com eles. Questionamos o que pensavam a respeito disso a fim de fazer circular no grupo diferentes opiniões e tivemos duas respostas principais, por um lado Julia afirmava que "feio é homem mexer" e, por outro, Gabriel fala que "as mulheres gostam". As perguntas posteriores também foram realizadas no sentido de ampliar o que estava sendo dito, visando promover reflexões no grupo sem desvincular este do contexto mais amplo da sociedade.

O encontro com o outro caracteriza toda atividade humana mediada (Zanella, 2005). Assim, ao mediar os grupos no contexto da sala de espera, buscamos possibilitar (re)significações, produzir novos sentidos, dúvidas, problematizar o que se encontra cristalizado, resgatando os participantes como sujeitos históricos, constituídos também nas relações possibilitadas pelos grupos na sala de espera, além de permitir que se reconheçam como autores de sua história individual e coletiva. As conversas realizadas nos grupos de sala de espera permitiram que os diversos sentidos fossem circulados, as contradições e falas naturalizadas eram apresentadas e colocadas em questão, o que fizemos através das perguntas e postura de curiosidade frente ao que nos era dito.

LIDANDO COM A CONVERSA: O SILÊNCIO E OUTROS DESAFIOS

Em alguns momentos ao longo de nossa formação para o trabalho com grupos discutimos acerca das dificuldades em lidar com a conversa quando estamos no lugar de coordenador de grupos, nos falam sobre o silêncio, sobre as falas contraditórias, as falas enrijecidas e nos contam sobre situações em que os participantes choram ao falarem, dentre outros momentos desafiadores de um grupo. Na sala de espera foi possível ter um contato próximo à vivência de coordenar e refletir sobre diferentes formas de lidar com tais desafios. O que fazer quando o silêncio dispersa o grupo? Como lidar com falas naturalizadas? Especificamente no contexto da sala de espera, o que fazer quando percebemos que o convite para o grupo não faz com que a televisão deixe de ser o centro das atenções?

O silêncio na sala de espera constituiu, para nós, momentos difíceis de serem sustentados, considerando que os grupos eram abertos e não contavam com uma continuidade e frequência definidas. Com o movimento acelerado da sala de espera, o entra e sai dos pacientes para atendimento e o barulho intenso do ambiente, vivenciamos momentos em que o silêncio fez o grupo se dispersar e, por isso, o incômodo causado na presença deste e os medos de que não fosse possível de ser sustentado causava, em alguns momentos, angústia no processo de coordenar:

Eu estava um pouco insegura quando perguntei o que cada um tinha pensado a partir daquela música, o que tinham sentido, o que ficou marcado... E fiquei ainda mais incomodada com o silêncio que se seguiu. Foi-se um tempo que me pareceu muito grande até que a primeira pessoa falou. Tentei levar a discussão para o grupo, perguntando o que os outros pensavam sobre o que havia sido dito, se concordavam, se não... E a resposta foi, novamente, o silêncio (Diário de Campo, data 12 de setembro de 2013).

Percebemos que alguns silêncios correspondem ao tempo que a pessoa leva para pensar na pergunta realizada, são silêncios produtivos, que mobilizam a conversa e são importantes no processo grupal. O silêncio, nesse caso, permite que os participantes pensem e se apropriem de novos significados, com os quais possam reorganizar suas ações. Westphal (2006), ao apresentar sobre a temática da promoção de saúde, discute a importância da reflexão sobre potencialidades e problemas existentes em espaços de convivência (escolas, hospitais, unidades de saúde, locais de trabalho, espaços de lazer ou no município como um todo), considerando que a saúde é produzida socialmente e que convivemos em diferentes espaços. Retomando a ideia do grupo como mediação entre o contexto amplo da sociedade e a particularidade (Andaló, 2006), o silêncio que produz reflexões é, entretanto, um importante recurso para promoção de saúde, podendo ampliar-se da singularidade dos participantes do grupo ao nível macrossocial.

Embora existam momentos em que o silêncio possibilite reflexões, no recorte acima, entretanto, a coordenadora conta de um momento em que o silêncio paralisou o grupo, não mostrava que o grupo estava pensando e parecia imobilizar a conversa. Como lidar com o silêncio que paralisa? Como saber quando que o silêncio deve ser respeitado? Eram perguntas que nos realizávamos ao longo dos grupos e supervisões.

A partir de diferentes orientações teóricas, terapeutas e pesquisadores têm discutido sobre os desafios da coordenação de grupos e o manejo do silêncio nesse contexto, contudo, a forma como lidávamos com o silêncio corrobora com as ideias apresentadas por Shotter (2009) sobre comunicação dialógica, discutindo sobre possibilidades criativas e inovadoras que são detectadas nas ocorrências espontâneas, nos diversos momentos dialógicos e relação dinâmica com outras pessoas ao nosso redor.

Com relação ao contexto grupal vivenciado na sala de espera buscávamos uma comunicação que não ocorresse dentro de códigos preestabecidos ou formas de expressão deliberadamente escolhidas, conforme discutido por Shotter (2009), mas que possibilitássemos modos colaborativos de interação. Desta forma, os diversos silêncios vivenciados durante a coordenação de grupos na sala de espera nos convidavam a adaptar nossas formas de comunicação às mudanças próprias que nossa comunicação causava. No caso do grupo em questão, as dificuldades com o silêncio poderiam estar relacionadas com nossas expectativas enquanto coordenadoras, com o movimento do grupo naquele dia ou com as dificuldades com o recurso estético, tendo em vista que este poderia não ter afetado o grupo como esperávamos.

Em outro grupo de sala de espera conseguimos contornar o silêncio perguntando sobre ele, neste grupo levamos diversas imagens de Gustav Klimt como recurso estético, o silêncio inicial pareceu ocorrer devido à certa insegurança do grupo com relação às imagens e as falas iniciais se seguiram no sentido de tentar interpreta-las. Esse grupo contou com a mediação de duas coordenadoras e as participantes serão aqui representadas pelos nomes Carol, Ana, Maria e Elisa:

Carol: Aqui vejo moças do Egito [breve silêncio].
Ana: Nessa eu vejo crianças.
Carol: Essas pessoas aqui parecem aquele povo do passado, das cavernas [outro silêncio se seguiu].
Coordenadora 1: Não precisamos falar apenas do que estamos vendo nas imagens.
Carol: Nessa aqui vejo uma reflexão.
Coordenadora 1: Qual reflexão você pensou?
Carol: Parece ser uma busca por melhorar a vida.
(Diário de Campo, data 31 de outubro de 2013)

Contornamos o silêncio inicial falando que não precisaríamos conversar apenas sobre o que era visto nas imagens, em alguns momentos era preciso também ressaltar que não buscávamos chegar à uma resposta única, que não existia certo ou errado para o recurso e que estávamos abertas para conversar sobre o que quisessem. A fala de Carol deu abertura para conversarmos sobre o que buscam no cotidiano, sobre saúde, equilíbrio e como lidar quando não encontram o que é buscado, além das dificuldades enfrentadas. Percebíamos novos momentos de silêncio e achamos oportuno questionar sobre ele:

Coordenadora 1: Estamos ficando em silêncio alguns momentos, porque vocês acham que isso está acontecendo hoje?
Maria: Estou muito cansada, com sono, mas hoje ainda está sendo um dia melhor que ontem.
Elisa: Hoje está menos calor, mas eu tenho que trabalhar demais e não durmo direito a noite, aí cansa.
Coordenadora 2: Esse cansaço tem sido comum na vida de vocês?
(Diário de Campo, data 31 de outubro de 2013)

No grupo em questão a pergunta realizada deu origem a um novo silêncio, que diferente do recorte anterior, pareceu mobilizar o grupo e mostrar que os participantes estavam refletindo sobre o que havia sido perguntado. Este silêncio, por sua vez, apesar de causar angústia aos coordenadores e ser difícil de ser sustentado junto ao movimento e barulho da sala de espera, possibilitou reflexão e permitiu contribuir para a produção de novos sentidos, além de promover saúde.

Conforme apontado anteriormente, não era escolhida a priori uma temática específica para ser abordada durante os grupos de sala de espera, contudo, em alguns encontros foram definidos temas considerados pelo grupo de estagiárias e pela supervisora como de relevância para promoção de saúde dos participantes, com base nas conversas realizadas em salas anteriores. Desta forma, realizar grupos temáticos sem fechar as possibilidades de conversa no tema previamente pensado foi outro desafio vivenciado na formação para o trabalho com grupos, considerando que nosso posicionamento ao coordenar foi realizar perguntas a partir dos sentidos e discursos particulares de cada um dos participantes.

Ao pensar em temas para estes grupos específicos, escolhemos recursos estéticos que dialogassem com as temáticas escolhidas, contudo, a coordenação não era realizada em torno destes, tentamos ao longo dos grupos separar nossas expectativas da experiência em si vivenciada na sala de espera. Assim, para conversar sobre infância levamos imagens que remetessem à infância, para conversar sobre desigualdade social levamos música ou imagens que dialogassem com o tema, mas não necessariamente o movimento do grupo ia no sentido dos recursos estéticos escolhidos.

Se coordenar grupos é um desafio, coordenar grupos de sala de espera traz dificuldades e desafios ainda maiores, o que muitas vezes faz com que esse espaço seja pouco utilizado por profissionais e nos remete novamente aos grupos informativos, em que os sujeitos apenas escutam. Ao vivenciar as intervenções nesse espaço, percebemos que o que inicialmente é tido como dificuldade pode tornar-se um simples detalhe frente aos diálogos reflexivos possibilitados pelos grupos de sala de espera.

Nos primeiros grupos, o barulho e a grande movimentação de pessoas nos chamava atenção e nos angustiava. O primeiro parou de ser uma dificuldade quando decidimos, no grupo de duas ou três coordenadoras, sentar em lugares opostos na roda formada, o que percebemos ser importante também para horizontalizar a relação entre as coordenadoras e os usuários do serviço, participantes do grupo. A movimentação de pessoas, por sua vez, mostrou-se potente quando percebemos que algumas pessoas se juntavam ao grupo quando escutavam, do lado de fora deste, e interessavam-se pela conversa. Além disso, o fato da pessoa levantar para o atendimento em meio a uma fala não nos impossibilitava de conversar com ela em outro momento, em alguns grupos percebemos que pessoas levantavam mobilizadas ao serem chamadas e, com isto, esperávamos o atendimento terminar para conversarmos novamente.

A televisão da sala de espera foi algo que nos movimentou no decorrer da experiência. Em determinado momento percebemos que a televisão pequena e discreta do canto havia sido trocada por outra grande, colorida e disposta no meio da sala de espera. As pessoas se encontravam, em silêncio, assistindo à programação do momento e notamos a diferença assim que chegamos à UBS. Percebemos que a televisão grande passou a chamar mais atenção das pessoas e dispersava o grupo em alguns momentos, tentamos cuidar disso no início de cada grupo ao pedir permissão para diminuir o volume no momento em que fazíamos o convite para o grupo. Além disso, começamos a fazer uso da televisão e levávamos vídeos, curtas-metragens e outros tipos de recursos estéticos para serem utilizados nos grupos.

Lidar com as falas enrijecidas e as falas contraditórias é um desafio em qualquer grupo, seja na sala de espera ou em outros espaços possíveis. Em um grupo realizado no início da experiência de grupos em sala de espera, estávamos falando sobre a infância antiga e a infância atual, quando Rafael apresenta um discurso rígido e machista, fala que mulheres não podem trabalhar e que com a liberdade conquistada atualmente os filhos "estão sendo prejudicados e as famílias maltratadas" (Diário de Campo, p. 51). A angústia de uma das coordenadoras ao lidar com as falas enrijecidas de Rafael pode ser percebida no recorte do Diário de Campo:

Pensamos que logo que Rafael começa a falar, já pressupomos que tem algo ali a ser desconstruído e que é o que pensamos que está certo. Uma das coordenadoras comentou comigo o quanto é difícil ser "Paulo Freire" nessas situações, o quanto é difícil aceitar que o Rafael fala de coisas que são verdades para ele e que o são por causa da sua história de vida (Diário de Campo, data 14 de novembro de 2013).

Assim como no recorte anteriormente apresentado de uma fala machista realizada por Gabriel (recorte do Diário de Campo apresentado na página 15), no recorte acima Rafael fala a partir de suas vivências singulares e seu discurso vai de encontro à história de vida também das coordenadoras, suas crenças e valores. Enquanto coordenadoras as falas nos afetam e, portanto, não é possível vivenciar uma postura de neutralidade ao coordenar grupos. Nossa mediação, ao realizar perguntas dialógicas, não pretende ignorar e desconsiderar o que é falado e vivenciado pelo outro, mas busca possibilitar reflexões e permitir que diversos sentidos circulem no grupo.

Os desafios experimentados no processo, fossem eles relacionados ao discurso padrão dos participantes do grupo ou aos diferentes momentos de silêncio vivenciados na sala de espera, foram fundamentais para a constituição do nosso modo de fazer grupos. O movimento realizado de fazer os grupos semanalmente, escrever sobre eles no diário de campo e discutir em supervisão nos permitiu perceber os erros e acertos que perpassaram as intervenções realizadas, e, com isto, pensar e discutir sobre formas de lidar com a conversa, de vivenciar o processo grupal.

ENCERRANDO A CONVERSA

No contexto da sala de espera a forma e o momento no qual encerrávamos os grupos eram variados e dependiam, em partes, do movimento da unidade em cada dia. Já realizamos grupos em que todas as pessoas foram chamadas para o atendimento e o grupo se encerrou desta forma, além de outros grupos nos quais diversos usuários entraram e saíram da roda formada, de forma que a conversa parecia sempre intensa e potente. Assim, os grupos na sala de espera ocorreram com um tempo médio de uma hora de duração, sendo variável de acordo com o movimento da UBS.

Ao encerrar os grupos não buscávamos chegar a uma conclusão ou síntese do que havia sido dito a cada encontro e, portanto, o momento da finalização era usado para ressaltar os dias e horários que os grupos eram realizados, reafirmando o convite aos usuários do serviço. Em alguns grupos fomos surpreendidos com perguntas sobre nossa opinião acerca da conversa, do recurso estético ou dos grupos de forma geral, tentávamos ter o cuidado de não deixar que nossas impressões e afetações sobressaíssem às dos participantes ou fechassem possibilidades de reflexões. Desta forma, enquanto coordenadoras ressaltávamos que não tínhamos uma verdade pronta ou conclusão para o que havia sido conversado e que estávamos fazendo o grupo para construirmos, juntos, diferentes formas de pensar.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao coordenar grupos de sala de espera em uma UBS vivenciamos desafios e dificuldades no convite para participação do grupo, na condução das conversas e no encerramento. A mediação realizada através das perguntas, as expectativas, vivências de coordenação e os diários de campo nos permitiram refletir acerca das possibilidades e impossibilidades vivenciadas no processo de coordenar os grupos. Entretanto, os grupos foram marcados principalmente pelas possibilidades. Em permitir um espaço onde os sujeitos compartilhassem suas histórias de vida e vivências singulares, tivessem a possibilidade de ressignificar modos de vida naturalizados e ter contato com as contradições, de movimentar afetos e vivenciar bons encontros, que aumentassem a potência de agir. E, sobretudo, nos permitiu reconhecer os grupos e a sala de espera como um espaço de promoção de saúde, um espaço potente e político.

O presente trabalho buscou apresentar o modo como os grupos eram conduzidos e ressaltar os desafios vivenciados durante a formação para o trabalho com grupos e coordenação de grupos no contexto da sala de espera. Contudo, não pretende fechar a discussão a partir do recorte de uma experiência de intervenção em psicologia da saúde, mas pensar a formação para o trabalho com grupos, considerando que a formação e atuação em Psicologia encontram-se direcionadas principalmente à clínica tradicional e individual.

É notável a escassez de trabalhos publicados com relação à temática de grupos em sala de espera e, dentre os artigos pesquisados, foi possível perceber forte ênfase aos grupos de caráter informativo. Desta forma, além de apresentar uma experiência de intervenção em grupos, o presente estudo fortalece a importância de se ampliar a formação para o trabalho com grupos. Esta formação, portanto, precisa ser pensada para além dos manuais de jogos e dinâmicas de grupos, tendo em vista que estes podem enrijecer a prática do coordenador e desconsiderar o movimento grupal quando não utilizados de forma reflexiva. Andaló (2006, p. 18) afirma que tem sido observado "um processo de banalização preocupante numa perspectiva claramente tecnicista", o que pode resultar na falsa ideia de que coordenar grupos é uma atividade simples e que não demanda conhecimentos teóricos diferenciados.

É necessário que os grupos sejam espaços de co-construção junto aos participantes e, não espaços onde o coordenador dirige o grupo e toma decisões sobre qual a melhor forma de um sujeito "mudar seu comportamento, ou estabelecer estratégias de saúde, etc". Assumir uma postura de horizontalidade na coordenação dos grupos e fugir do lugar de especialista, pode nos dar pistas para problemas enfrentados hoje, como as dificuldades de adesão a determinados grupos.

O foco na coordenação e no papel do coordenador deste trabalho buscou discutir o trabalho com grupos a partir de uma perspectiva que não fosse tecnicista e enrijecida, mas que destacasse que os coordenadores também são constituídos no e pelo grupo e, portanto, devem buscar refletir constantemente sobre sua prática, além de considerar a experiência em si dos sujeitos no grupo.

 

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Endereço para correspondência
Eliane Regina Pereira
E-mail: eliane@ufu.br

Recebido: 10/06/2018
Reformulado: 01/07/2019
Aceito: 22/10/2019

 

 

1 Samantha Pires Oliveira Freitas Pedrosa é psicóloga pela Universidade Federal de Uberlândia e especialista em Psicologia em Saúde pelo Programa de Residência em Área Profissional de Saúde - Multiprofissional vinculado à Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia.
2 Eliane Regina Pereira é professora do Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia.

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