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Revista da SPAGESP

versão impressa ISSN 1677-2970

Rev. SPAGESP vol.21 no.2 Ribeirão Preto jul./dez. 2020

 

ARTIGOS

 

Processos de saúde-doença: diálogos entre as teorias psicanalítica, cognitivo-comportamental e sistêmica

 

Health-disease processes: dialogues among psychoanalytic, cognitive-behavioral and systemic theories

 

Procesos de salud-enfermedad: dialogos entre las teorías psicoanalítica, cognitivo-conductual y sistémica

 

 

Crístofer Batista da Costa1, I, II; Jéssica Limberger2, III; Mariana Flores Frantz3, IV; Tagma Marina Schneider Donelli4, IV; Clarisse Pereira Mosmann5, IV; Ilana Andretta6, IV; Elisa Kern de Castro7, V

ICentro de Estudos da Família e do Indivíduo, Porto Alegre-RS, Brasil
II
Faculdades Integradas de Taquara, Taquara-RS, Brasil
III
Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai, Erechim-RS, Brasil

IV
Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo-RS, Brasil

V
Universidade Lusíada de Lisboa, Lisboa, Portugal

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A compreensão dos processos de saúde-doença envolve distintos conhecimentos em saúde, já que são fenômenos complexos e multifatoriais. As teorias psicológicas têm especificidades na sua visão de homem, da saúde e doença em que persiste uma visão de saúde e doença que separa mente e corpo. Por meio de uma revisão narrativa da literatura científica buscou-se identificar como as Teorias Psicanalítica, Cognitivo-Comportamental e Sistêmica compreendem os processos de saúde-doença. As Teorias partem de uma perspectiva biopsicossocial, havendo indícios de superação da dicotomia corpo versus mente, e de maior preocupação em integrar conhecimentos para tratar pessoas. Considera-se necessário ampliar a compreensão dos processos de saúde-doença e discutir uma aproximação e interação entre as abordagens psicológicas e as diferentes áreas da saúde.

Palavras-chave: Processo saúde-doença; Teoria psicológica; Psicanálise, Teoria Sistêmica; Teoria Cognitivo-Comportamental.


ABSTRACT

The understanding of health-disease processes involves different knowledge in the health field since they are complex and multifactorial phenomena. The psychological theories have specificities in their view of man, health, and disease, in which a vision of health and illness persists that separates mind and body. The objective of this study was to identify how the Psychoanalytic, Cognitive-Behavioral, and Systemic theories understand health-disease, processes. These theories start from a biopsychosocial model, showing an overcoming of the body versus mind dichotomy, and increasing concern in integrating knowledge to help people. It is necessary to broaden the understanding of the health-disease processes and to discuss an approximation and interaction between the psychological approaches and the different areas of health.

Keywords: Health-disease processes; Psychological theory, Psychoanalysis; Systemic Theory; Cognitive-Behavioral theory.


RESUMEN

La comprensión de los procesos de salud-enfermedad implican en distintos conocimientos en salud, una vez que son fenómenos complejos y multifactoriales. Las teorías en Psicología tienen especificidades en su visión de hombre, de salud y enfermedad en que persiste una visión de salud y enfermedad que separa mente y cuerpo. Por medio de una revisión narrativa de la literatura científica este estudio buscó identificar cómo las teorías Psicoanalítica, Cognitivo-Conductual y Sistémica entienden los procesos de salud-enfermedad. Las teorías están amparadas en una visión biopsicosocial de la salud, lo que sugiere la superación de la dicotomía cuerpo versus mente, y una preocupación en integrar conocimientos para ayudar las personas. Es necesario ampliar la comprensión de los procesos salud-enfermedad y discutir un posible acercamiento e integración entre las teorías psicológicas y las diferentes áreas de la salud.

Palabras clave: Proceso salud-enfermedad; Teoría psicológica; Psicoanálisis; Teoría Sistémica; Teoría Cognitivo-Conductual.


 

 

Os processos de saúde e doença são multifatoriais e, portanto, necessitam ser compreendidos a partir dos seus contextos múltiplos (Straub, 2014). Os psicólogos que atuam na área da saúde nem sempre possuem uma formação especializada que sustente sua prática e, historicamente, tentaram adaptar as teorias psicológicas aos problemas de saúde mais amplos e que vão além da saúde mental, tornando sua prática limitada (Gorayeb, 2015). Ocorre que alguns conceitos clássicos estudados na formação do psicólogo (Schultz & Schultz, 1993), sem uma articulação adequada com autores contemporâneos que avançaram no conhecimento, podem ser de difícil aplicação na saúde por não estarem baseados em evidências e por não contemplarem uma visão de sujeito integrada e dentro do seu contexto sociopolítico, histórico e cultural (Castro & Bornholdt, 2004). Gorayeb (2010) enfatiza que Psicologia da Saúde não é sinônimo de Psicologia Clínica aplicada ao ambiente da saúde, a qual se dedica aos problemas comportamentais e/ou emocionais de pessoas e grupos.

A Psicologia da Saúde acompanha as mudanças do conceito de saúde que está em constante modificação ao longo dos anos, este que deixou de ser considerado apenas o adequado funcionamento dos órgãos, o desempenho das funções vitais e o equilíbrio entre o físico e o mental, e passou a buscar a integração entre mente e corpo. Segundo o modelo biomédico, a doença sempre possuiria uma causa física/orgânica excluindo, nessa perspectiva, as variáveis psicológicas, sociais e comportamentais da doença (Engel, 1977; Remor & Castro, 2018; Straub, 2014). A Psicologia Clínica que, até a Segunda Guerra Mundial, se dedicava essencialmente às doenças mentais, começa a se interessar pelas doenças físicas. Fecham-se os hospitais psiquiátricos e criam-se serviços de saúde mental em hospitais gerais levando o psicólogo a rever e atualizar teorias e intervenções (Ribeiro, 2011). Por isso, não é possível apenas transpor as habilidades e modo de operar da clínica para o campo da saúde (Gorayeb, 2010).

Em 1994, com a implementação da Lei n.º 241/94 consagrou-se a atuação do psicólogo no campo da saúde por meio da sua participação em programas de educação em saúde, aconselhamento psicológico, intervenção psicoterapêutica e em ações de formação e investigação em saúde. No século XX, a epidemia deixa de ser a tuberculose, difteria ou outras doenças, surgindo uma epidemia comportamental que exige. além das vacinas, a modificação de hábitos de vida e comportamentos (Ribeiro, 2011).

Atualmente, o conceito de saúde é mais complexo, já que se ocupa dos processos de saúde e doença, e da multiplicidade de variáveis pessoais e ambientais envolvidas a partir do paradigma biopsicossocial (Adler, 2009; Engel, 1977). A Organização Mundial de Saúde (OMS) conceitua saúde como "um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente ausência de afecções e enfermidades" (Organização Mundial da Saúde, 2020). A principal mudança reside na compreensão de que a saúde não é uma condição isolada e estática, mas envolve também a qualidade das relações e do contexto familiar, profissional, social, econômico, político, entre outros, em que o indivíduo está inserido e que, portanto, exercem influência sobre ele (Adler, 2009; Bezerra & Sorpreso, 2016; Engel, 1977). Uma questão central em Psicologia da Saúde é a mudança de foco da "doença" para a "saúde" (Remor & Castro, 2018; Ribeiro, 2011).

O psicólogo da saúde é, portanto, um cientista prático, que precisa saber trabalhar de forma interdisciplinar e se apropriar do vocabulário médico. Seu atendimento, na maioria das vezes, deve ser breve e em auxílio ao médico ou outro membro da equipe; ou seja, a demanda não vem do paciente (Ribeiro, 2011). Trabalha-se no próprio contexto onde o comportamento ocorre, por isso, é relevante que o psicólogo analise os fatores ambientais, culturais, psicológicos e emocionais que predispõem o adoecimento (Gorayeb, 2010). Ocupa-se de conhecimentos e procedimentos que abrangem desde a prevenção de doenças físicas e mentais, até a avaliação, diagnóstico e tratamento das enfermidades (American Psychological Association, 2003; Castro & Bornholdt, 2004).

Como área, a Psicologia da Saúde tem sua origem nesse modelo holístico já mencionado que busca compreender fatores que influenciam situações de saúde e doença considerando características pessoais e socioculturais (Remor & Castro, 2018). Embora a atuação do psicólogo na área da saúde, no contexto internacional, tenha se desenvolvido a partir da Psicologia da Saúde que se origina da Medicina do Comportamento e Saúde do Comportamento (Matarazzo, 1980), no Brasil há uma diversidade teórica e técnica em função de suas origens estarem pouco relacionadas com o contexto internacional (Remor & Castro, 2018). Portanto, os psicólogos que atuam no âmbito da saúde no Brasil não necessariamente atuam a partir da área conhecida como Psicologia da Saúde (Health Psychology), e sim a partir das especialidades definidas pelo Conselho Federal de Psicologia, quais sejam, Psicologia Clínica, Psicologia Hospitalar (Resolução CFP 02/2001) e Psicologia e Saúde (Resolução CFP 03/2016), com orientações teóricas e técnicas de sua atuação muito diversas, dependendo de sua formação e preferência pessoal.

Considerando a necessidade de transpor determinados conceitos utilizados em Psicologia da Saúde para diferentes teorias dentro da Psicologia, facilitando sua aplicabilidade nos contextos de intervenção em saúde, o objetivo desse artigo é identificar como as Teorias Psicanalítica, Cognitivo-Comportamental e Sistêmica compreendem os processos de saúde-doença, bem como, discutir pontos de convergência e divergência de abordagem em saúde entre esses referenciais teóricos.

 

MÉTODO

O presente estudo é uma revisão narrativa da literatura científica, modalidade caracterizada pela avaliação de uma questão de investigação ampla. A fonte de pesquisa e a seleção dos dados são frequentemente não especificadas e o material é submetido a interpretação e análise crítica do autor através de uma síntese qualitativa. As revisões narrativas são apropriadas para descrever e discutir o desenvolvimento ou "estado da arte" de um determinado tema ou fenômeno sob o ponto de vista teórico e/ou contextual (Rother, 2007).

Outra característica das revisões narrativas é a não adoção de critérios sistemáticos de busca, seleção e análise do material, o que pode comprometer o estudo. Buscando minimizar este aspecto, a proposta foi pensada e elaborada por um grupo de autores, entre estes, pesquisadores com profundo conhecimento teórico e experiência em suas áreas de pesquisa. Para a realização deste estudo foram consultados livros de autores reconhecidos em suas áreas e artigos científicos publicados em periódicos que utilizam avaliação por pares. O estudo está organizado nas seguintes seções: (a) O processo saúde-doença na Teoria Psicanalítica, (b) O processo saúde-doença na Teoria Cognitivo-Comportamental, (c) O processo saúde-doença na Teoria Sistêmica, (d) Interfaces e especificidades do processo saúde-doença nas Teorias Psicanalítica, Cognitivo-Comportamental e Sistêmica e (e) Considerações finais.

 

O PROCESSO SAÚDE-DOENÇA NA TEORIA PSICANALÍTICA

É partindo da lógica do inconsciente, ao qual dá grande destaque, que a Psicanálise inaugura uma maneira peculiar de compreensão dos conceitos de saúde e doença, subvertendo a lógica das polaridades ao não estabelecer uma hierarquia de critérios que delimite o que é saudável e o que é doente. Mais do que isso, busca questionar os fundamentos dessa organização e a constituição da subjetividade (Silva, 2009). Teixeira (2006) complementa salientando que, ao invés de buscar o restabelecimento da saúde perfeita, a Psicanálise sugere questionar as manifestações orgânicas e o sofrimento porque esses requerem do sujeito o reconhecimento dos afetos e da construção subjetiva da imagem corporal.

Historicamente, a Psicanálise rompe com os manuais classificatórios justamente por serem descritivos e generalistas, já que se preocupa em compreender os fenômenos de forma singular. Silva (2009) compreende que a Psicanálise desfaz a lógica de mau funcionamento mental não para opor-se ao campo da saúde mental, mas porque sua visão de homem não é compatível com um discurso de normalização que nega a dimensão subjetiva. Aí, coloca-se um impasse de articulação da Psicanálise com o campo da Psicologia e da psicopatologia. O modelo classificatório concebe o funcionamento em termos de adequado ou inadequado, normalidade ou anormalidade, saúde ou doença, positivo ou negativo. As disciplinas psicológicas, ao estabelecerem os parâmetros de saúde e doença, criam as doenças mentais (Silva, 2009).

Na contramão disso, a Psicanálise, apoiada nas ideias de Freud, rompe com a dicotomia saúde versus doença e considera o sintoma como saúde e a doença enquanto solução, por ser uma tentativa do aparelho psíquico de resolução do conflito (Silva, 2009). Foi a partir dos seus primeiros trabalhos sobre histeria que Freud apontou para o envolvimento de aspectos psíquicos em algumas manifestações somáticas. Entretanto, apesar de não propor uma teorização específica sobre a conexão entre os sistemas psicológicos e somáticos (Casetto, 2006), ele produziu conceitos largamente empregados na tentativa de compreendê-la. Alguns desses conceitos, como o de aparelho psíquico, pulsão, autoerotismo e relações de objeto, entre outros, aparecem com o propósito de dar sustentação à compreensão, não só do adoecer, mas do indivíduo que adoece (Marty, 1993).

Com o objetivo de adentrar o campo do adoecimento somático, psicanalistas americanos retomaram as concepções freudianas sobre a neurose e, em 1930, formaram a Escola de Psicossomática de Chicago. Por essa escola foram feitas as primeiras pesquisas sistemáticas sobre a psicossomática (Casetto, 2006). Duas décadas depois, pelo viés psicodinâmico, psicanalistas franceses publicaram artigos demonstrando interesse pela psicossomática. Psicanalistas da Sociedade Psicanalítica de Paris formaram um grupo de reflexão e de pesquisa sobre o assunto. Sob o impulso de Pierre Marty, foi criada a Escola de Psicossomática de Paris, que propõe pensar a patologia somática com base em uma perspectiva de continuidade evolutiva e funcional entre o orgânico e o psíquico. Dessa forma, a psicossomática psicanalítica parte do pressuposto de que o indivíduo é psicossomático, e não a doença em si. A somatização seria uma resposta adaptativa, e até mesmo defensiva, da qual todo ser humano lança mão quando circunstâncias internas ou externas ultrapassam seus modos psicológicos habituais de resistência (Casetto, 2006; Donelli, 2011; Ferraz, 2007; Marty, 1993).

A partir de uma perspectiva psicodinâmica, o corpo comunica a incapacidade do aparelho mental, momentânea ou persistente, de dar conta dos conflitos. Para McDougall (1991), espera-se que um adulto tenha tido a oportunidade de, ao longo do seu desenvolvimento, construir um aparato psíquico capaz de utilizar a via simbólica para dar conta de suas angústias. Quando isso não acontece, o sistema somático entra em cena como um invólucro destinado a conter os excessos que não foram metabolizados psicologicamente e, assim, adoece.

Para compreender o adoecimento é preciso, portanto, atentar para a história de vida e o momento atual em termos de um ambiente sustentador (Medeiros & Aiello-Vaisberg, 2010). Ávila (2003) refere que a saúde mental está associada à integração corpo-mente aliada a um ambiente natural e social. Para o autor não se pode pensar em saúde sem pensar no homem vivo e completo, integrante de um grupo, de uma família, de uma sociedade e do meio ambiente, considerando, inclusive, relações orgânicas, inorgânicas e simbólicas que ele estabelece. Além disso, a Psicanálise pressupõe a implicação do sujeito na sua doença, fazendo-o interrogar-se acerca de sua posição frente a si mesmo e dando-lhe possibilidades de ressignificar o adoecer orgânico (Teixeira, 2006).

Diante dos fenômenos psicossomáticos, a Psicanálise precisou lidar com uma nova realidade clínica. Ao lado da neurose e da psicose, novas manifestações clínicas demandaram do psicanalista uma adaptação técnica. As manifestações somáticas e pré-simbólicas se aproximam dos actings, dando origem ao adoecimento psicossomático não simbolizado e ao surgimento do sintoma (Ferraz, 2007). Da mesma forma, as doenças reconhecidas como psicossomáticas pela medicina retratam as fragilidades dos referenciais médicos e psicológicos, se utilizados isoladamente, em relação àqueles pacientes que padecem do real do corpo. As manifestações psicossomáticas vêm questionar as questões psicológicas envolvidas no processo de adoecer (Teixeira, 2006).

Ravanello e Farias (2012) chamam atenção para o fato de que, a partir da reforma psiquiátrica, a Psicanálise passou a ser convocada a atuar em contextos de promoção de saúde (em termos orgânicos e psíquicos). Teixeira (2006) destaca que a subjetivação na cultura contemporânea traz a necessidade de novas reorganizações teóricas e clínicas apontando para conhecimentos que não se enquadram no modelo biomédico. Nesse sentido, a Psicanálise poderia atuar diante de manifestações orgânicas ajudando o sujeito a se reposicionar (Ravanello & Farias, 2012).

A escuta do sofrimento não se limita ao consultório e ao atendimento individualizado, é preciso interrogar os modelos hegemônicos de clínica. Pode-se construir outros settings terapêuticos, como em ambulatórios de saúde e em atendimentos nos leitos hospitalares, por exemplo. É importante abrir novas possibilidades à expressão do sofrimento, transformando a escuta da história da doença para a escuta da história do paciente (Teixeira, 2006).

 

O PROCESSO SAÚDE-DOENÇA NA TEORIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL

Os modelos teóricos cognitivo-comportamentais são, por definição, a base do que se considera atualmente a Psicologia da Saúde, uma área da Psicologia que se preocupa com os processos de saúde-doença nos diferentes níveis de atenção (Matarazzo, 1980; Straub, 2014). Nessa perspectiva, a cognição é um dos fatores essenciais na compreensão da saúde e da doença, pois a maneira como o indivíduo lida com uma experiência estressante diz respeito a maneira como tal evento será avaliado e interpretado (Montgomery, 2004). Além disso, a mudança do comportamento humano, questão que tem sido foco da Psicologia por muitas décadas, também possui relevância na Psicologia da Saúde, ao contribuir na promoção da saúde dos cidadãos (Matarazzo, 1980).

Estudos acerca da influência da cognição nos comportamentos de saúde tiveram um grande crescimento nos últimos 40 anos, surgindo modelos e teorias, entre eles: o Modelo de Crenças em Saúde, a Teoria da Ação Racional, a Teoria do Comportamento Planejado, o Modelo Transteórico de Mudança e o Modelo de Autorregulação em Saúde (Brito, Mondelo, & Remor, 2018; Castro, Armiliato, Vital, & Seabra, 2018). Cada um desses modelos ou teorias tenta entender e explicar aspectos cognitivos e comportamentais que contribuem para a saúde e a doença (Marks, 2016), enfatizando que as pessoas são processadoras de informação e, portanto, nossas crenças e cognições estão diretamente relacionadas com a forma como lidamos com nossos comportamentos em saúde a partir de uma visão sociocognitiva (Brito et al., 2018).

De maneira geral, a abordagem Cognitivo-Comportamental aplicada aos processos saúde-doença compreende que não são os fatos em si que implicam em sofrimento psicológico, mas a maneira como as pessoas interpretam os fatos (Beck, 2013; Brito et al., 2018). Diante de uma situação estressante, como a descoberta de um câncer, por exemplo, uma pessoa que possui a crença de desamor ativada, possivelmente terá um sofrimento desadaptativo diante da situação. Seus pensamentos automáticos poderão estar relacionados à conteúdos como "sou fraco", "não vou conseguir fazer o tratamento". Tais pensamentos poderão contribuir para a não-adesão ao tratamento, acarretando inclusive em comorbidades psiquiátricas, como um quadro depressivo. Nessa perspectiva, torna-se relevante compreender o significado que o paciente atribui à doença, as crenças sobre a mesma e suas estratégias de enfrentamento (Castro & Barroso, 2012; Seabra, Peuker, Armiliato, Souza, & Castro, 2017). A partir da identificação dessas questões, os clínicos irão preocupar-se com a prevenção e tratamento das doenças, além de buscar compreender a etiologia, de acordo com os objetivos da Psicologia da Saúde (Matarazzo, 1980).

Salienta-se que o processo saúde-doença é visto a partir de um continuum, e que não é somente a presença de crenças disfuncionais ou pensamentos automáticos que vão determinar a doença, mas o prejuízo, a frequência e a intensidade com que tais crenças e pensamentos são ativados. Há uma busca por entender o paciente, os comportamentos problemáticos naquele momento e os respectivos estados emocionais e fisiológicos (Sudack, 2008). Os transtornos psicológicos ocorrem se os comportamentos do sujeito estão desadaptativos e disfuncionais, implicando em um nível elevado de sofrimento psicológico (Delatorre, Schaurich, & Dias, 2013). Por sua vez, indicativos de saúde apontam comportamentos adaptativos, ou seja, a funcionalidade do indivíduo e a capacidade de adaptar-se nos diferentes contextos de vida, com menor ativação de crenças disfuncionais e menores níveis de sofrimento psicológico (Beck, 2013).

Ressalta-se que a perspectiva Cognitivo-Comportamental pressupõe a mudança de comportamentos, bem como, a possibilidade de reestruturação cognitiva (Knapp & Beck, 2008). Assim, assume-se um modelo biopsicossocial na compreensão dos transtornos e suas variáveis multifatoriais envolvidas na etiologia, seguindo a psicopatologia descritiva do DSM-5 (American Psychiatric Association [APA], 2014).

Partindo do pressuposto de que novos comportamentos podem ser aprendidos e de que o objetivo último das intervenções psicológicas é a melhoria do estado de saúde das pessoas, as intervenções psicológicas cognitivo-comportamentais no campo da saúde se dirigem a trabalhar a melhora da qualidade de vida, redução de estresse, busca de apoio social, autocuidado e adesão aos tratamentos, educação em saúde, dentre outras (Nicassio, Meyerowitz, & Kerns, 2004). Para isso, o conhecimento por parte dos psicólogos das bases biológicas, psicológicas e sociais das doenças e a contribuição do comportamento para o adoecimento é imprescindível para atuar adequadamente no campo, além de competências de pesquisa em termos metodológicos para trabalhar e contribuir com as evidências científicas (Remor & Castro, 2018).

Dado o exposto, identifica-se que a Teoria Cognitivo-Comportamental compreende o processo saúde-doença tendo a cognição como um dos seus elementos fundamentais e reconhece uma visão integrada de saúde. Suas contribuições na Psicologia da Saúde dizem respeito às intervenções no sofrimento humano bem como, prevenção de agravos à saúde em contextos clínicos e de saúde.

 

O PROCESSO SAÚDE-DOENÇA NA TEORIA SISTÊMICA

Na Teoria Sistêmica, sob a perspectiva da escola estrutural, se compreendeu por muito tempo que a doença mental e algumas doenças crônicas podem surgir em função dos padrões de relação que se estabelecem entre os membros do sistema familiar (Minuchin, Colapinto, & Minuchin, 1999; Nichols & Schwartz, 2007). Alguns autores, porém, utilizam uma compreensão ampliada em que o sofrimento e o processo de adoecimento só podem ser avaliados em sua totalidade considerando o contexto micro e macro em que o indivíduo está inserido e no qual se constitui biopsicossocialmente (Gomes, Bolze, Bueno, & Crepaldi, 2014; Walsh, 2016).

De acordo com Backes et al. (2016, p. 29) viver saudável "é um processo singular, circular e interativo, dinamizado por meio de vivências de ordem e desordem, em busca de uma contínua auto-organização individual, familiar e social". Poder-se-ia considerar que saúde é um estado de harmonia do indivíduo consigo, em sua condição biológica, psicológica e espiritual, e com o contexto em que está inserido: familiar, comunitário, cultural e social. Destaca-se que essa teoria concebe uma visão de homem integrada/holística, portanto, não há como separar o intrapsíquico do interpessoal e do contexto cultural e histórico onde os fenômenos humanos ocorrem, já que se considera a interdependência e a retroalimentação entre estas diferentes instâncias que igualmente e mutuamente engendram os processos de saúde e doença (Backes et al., 2016; Gomes et al., 2014; Lorås, Bertrando, & Ness, 2017).

As interrelações que o indivíduo estabelece impossibilitam delimitar quais fatores provocaram o seu sofrimento e adoecimento, principalmente porque isso seria estabelecer uma relação de causa e efeito, em outras palavras, de causalidade linear, pressuposto há muito tempo deixado de lado pelos teóricos da área (Backes et al., 2016; Gomes et al., 2014; Walsh, 2016). Alternativamente, são explorados os fatores associados à manutenção e à permanência na condição de adoecimento. O foco reside na identificação dos fatores que impedem a mudança de perspectiva, tanto no que se refere à compreensão da doença, como nas alternativas de cuidado em saúde e prevenção de riscos futuros (McGoldrick & Shibusawa, 2016; Walsh, 2016).

O surgimento e a função do sintoma no indivíduo ou na família, muitas vezes, pode ser físico, psicológico e/ou relacional – característico da estrutura e dos padrões de interação entre os membros daquele sistema. Indivíduos e famílias com maiores níveis de funcionalidade seriam aqueles capazes de se readaptar e se reorganizar nos momentos de crise e transição nos estágios do ciclo vital, flexibilizar papéis e normas, estabelecer fronteiras nítidas entre os subsistemas e limites claros em termos de hierarquia, considerando a autoridade e responsabilidade dos pais sobre os filhos (Minuchin et al., 1999; Walsh, 2016).

De outra forma, sistemas familiares com menores níveis de funcionalidade se caracterizam pela rigidez de papéis, por padrões de comportamento e interação fixos, por falta de clareza na hierarquia ou excesso de autoridade, pela presença de violência em suas diferentes expressões e por fronteiras difusas ou totalmente permeáveis. Ainda, a paralisação em uma fase do ciclo vital específica quando se deveria avançar, pode representar uma dificuldade de ajustamento, associada, muitas vezes, aos níveis excessivos de co-dependência emocional que indicam dificuldades de individuação e diferenciação entre os membros da família (Coelho & Morais, 2014; McGoldrick & Shibusawa, 2016; Minuchin et al., 1999).

Na Teoria Sistêmica, a repetição de comportamentos pode caracterizar lealdades pouco conscientes e heranças transgeracionais transmitidas de forma intrafamiliar e extrafamiliar, ou seja, dos contextos econômico, cultural e social (Coelho, & Morais, 2014). Tais repetições ocorrem porque o indivíduo internaliza modelos de funcionamento e desenvolve percepções de mundo que orientam suas escolhas, comportamentos e ações na vida adulta. A violência sexual intrafamiliar e o uso abusivo de álcool e outras drogas são exemplos de fenômenos explicados transgeracionalmente (Camicia, Silva, & Schmidt, 2016). Nesse sentido, as ações do terapeuta frente ao sintoma do paciente precisam considerar tanto os possíveis motivos que levaram ao surgimento da doença, quanto aos que estão associados à sua manutenção.

Consideramos uma pessoa que desenvolveu diabetes, seu quadro se caracteriza por não adesão ao tratamento e descumprimento das orientações do profissional de saúde quanto à medicação e cuidados necessários. Uma hipótese pode ser de que essa pessoa vive em um contexto em que hábitos de alimentação pouco saudáveis estão associados ao desenvolvimento, à manutenção e às dificuldades enfrentadas ao longo do tratamento. Outra hipótese leva em consideração o fator hereditariedade e a repetição de comportamentos, o indivíduo tem internalizado que o tratamento não é efetivo considerando que outros familiares não foram bem-sucedidos ao tratar a doença (Nichols & Schwartz, 2007).

Uma intervenção sistêmica levaria em consideração as hipóteses levantadas de forma inclusiva e concorrente, já que não é necessário determinar uma única explicação. Provavelmente, devido à complexidade do fenômeno, vários processos ocorrem concomitantemente e culminam na dificuldade de adesão ao tratamento. Uma visão não sistêmica, buscaria apenas uma causa e tentaria extirpá-la, correndo o risco, ao não dar conta da complexidade, de ser ineficaz (Heatherington, Friedlander, Diamond, Escudero, & Pinsof, 2015). Nesse sentido, o profissional deve considerar a perspectiva individual, por meio da identificação das repetições, ressignificação das percepções disfuncionais sobre a doença, e a perspectiva relacional, por meio do envolvimento de outros membros da família no processo, possibilitando a mudança de hábitos e padrões de interação no ambiente e prevenindo possíveis recaídas. Deverá considerar o contexto no qual condições financeiras e dificuldades de acesso aos serviços de saúde, por exemplo, podem estar prejudicando o tratamento. Identificar as dificuldades reais que impedem o tratamento e auxiliar o paciente a decidir por si mesmo é uma alternativa que tem maior potencial de fazer com que as mudanças sejam efetivas (Lorås et al., 2017).

Em síntese, saúde não é a ausência de uma condição qualquer de sofrimento, adoecimento ou de dificuldades inerentes às diferentes etapas pelas quais os indivíduos e famílias podem passar (Minuchin et al., 1999; Walsh, 2016). O processo de saúde-doença para a Teoria Sistêmica refere-se à flexibilidade, à capacidade de reorganização e adaptação as constantes e rápidas mudanças sociais, à independência e autonomia em relação à família de origem de modo que o indivíduo seja consciente das suas decisões e expectativas. Finalmente, a saúde associa-se à habilidade para resolver conflitos nas diferentes áreas da vida e enfrentar adversidades inerentes ao desenvolvimento pessoal, conjugal, profissional, social e outras que surgem de maneira imprevisível (Coelho & Morais, 2014).

 

INTERFACES E ESPECIFICIDADES DO PROCESSO SAÚDE-DOENÇA NAS TEORIAS PSICANALÍTICA, COGNITIVO-COMPORTAMENTAL E SISTÊMICA

Estima-se que a dicotomia saúde versus doença e, consequentemente, mente versus corpo esteja em processo de ser superada nas referidas teorias psicológicas, compreendendo que a saúde pode ser vista como um estado que alterna equilíbrio-desequilíbrio-equilíbrio, constantes que caracterizam um sistema de autorregulação próprio de cada indivíduo. O entendimento da doença ou sintoma depende, portanto, não só de questões individuais, mas também do contexto no qual as pessoas estão inseridas, ponto comum entre as três teorias.

Outro pressuposto importante e que se mostra comum às teorias refere-se à compreensão de que alguns sintomas ou mesmo doenças, físicas ou mentais, podem ser sinal de saúde. O sintoma pode cumprir uma função protetiva, uma vez que serve de alerta ao indivíduo e aos que o rodeiam de que algo não vai bem. Sem ele, o sujeito poderia perecer devido ao desconhecimento do seu estado de vulnerabilidade que se agravaria cada vez mais (Delatorre et al., 2013; Silva, 2009). Na obesidade, por exemplo: o sintoma (comer demais) revela a doença (obesidade) que pode remeter à relação de objeto e à forma do sujeito lidar com sua angústia (Psicanálise), à uma dificuldade de interpretar sinais de fome e à hábitos de saúde inadequados, associados às crenças que a pessoa possui (Cognitivo-Comportamental), ou à relações interpessoais em que foram estabelecidos padrões disfuncionais de interação reforçados mutuamente pelo próprio indivíduo e pelo ambiente (Sistêmica).

Diferenças na compreensão da saúde e da doença entre essas teorias ocorrem em relação aos conceitos centrais de cada uma delas e que se expressam em distintas abordagens em saúde. Enquanto para a Psicanálise o inconsciente é central em toda sua teoria e também para a compreensão da saúde e da doença, para a Teoria Cognitivo-Comportamental a interpretação cognitiva de eventos e os hábitos de saúde estão relacionadas com processos disfuncionais, e para a Sistêmica a complexidade, a retroalimentação e a interdependência são pressupostos centrais, já que maiores ou menores níveis de funcionalidade individual expressam o plano intrapessoal, interpessoal e contextual.

Além disso, a discussão acerca da divisão mente versus corpo, inaugurada por René Descartes (1596-1640), foi a base do conhecimento científico em saúde e através do qual se evoluiu (Schultz & Schultz, 1993). Nesse sentido, esforços têm contribuído para a superação definitiva, na prática clínica e não somente nos livros e artigos científicos, da separação entre psicológico e biológico no trabalho em saúde (Adler, 2009; Engel, 1977). A divisão mente versus corpo é considerada ultrapassada pelos autores contemporâneos estudados em cada uma das Teorias psicológicas apresentadas: Psicanálise (Ávila, 2003; Teixeira, 2006), Cognitivo-Comportamental (Castro & Barroso, 2012; Matarazzo, 1980; Sudack, 2008) e Sistêmica (Coelho & Morais, 2014; Heatherington et al., 2015; Walsh, 2016), assim como, há um evidente esforço de superação dessa perspectiva na abordagem em saúde nas distintas teorias.

Na Teoria Cognitivo-Comportamental, compreende-se que as crenças e os comportamentos em saúde, além da percepção que o sujeito tem sobre si mesmo, influenciam seus hábitos de vida contribuindo para que a pessoa seja mais ou menos saudável. A interferência de aspectos da mente na saúde ocorre através do comportamento, por um lado, já que o pensamento influencia o comportamento em saúde. Por outro lado, o estresse pode afetar a saúde de diferentes formas, incluindo obviamente alterações psicológicas, hormonais e do sistema imune, deixando o indivíduo vulnerável para certas doenças ou agravando condições já existentes (Otaran, Castro, & Remor, 2018). Ressalta-se que esse último aspecto não é específico da Teoria Cognitivo-Comportamental, mas é uma perspectiva que ajuda a explicar como mente e corpo são unidos e interagem nos processos de saúde e doença.

Para a Teoria Psicanalítica, as manifestações psicossomáticas exigem compreensões que não se limitem à leitura do corpo como organismo, propondo pensar a somatização com base em uma perspectiva de continuidade entre os sistemas somático e psíquico. Nesse sentido, o sofrimento que se mostra através do corpo não é diferente daquele que se expressa pela via simbólica do sintoma: ambos indicam algo que não pode ser contido através dos recursos psicológicos que o sujeito dispõe naquele momento da vida. Consequentemente, não seria possível referir que há um padecimento do sistema somático (ou orgânico) sem considerar também os processos subjetivos que lhe acompanham, e vice-versa, remetendo a um continuum entre corpo e mente.

Na Teoria Sistêmica, compreende-se que um sintoma que se expressa através da via biológica, psicológica ou ambas, está relacionado a um contexto micro e macro com baixos níveis de funcionalidade. Está superada a perspectiva de que todo o sintoma é somente produto das relações, desconsiderando o caráter individual da saúde. Atualmente, considera-se que a complexidade das interações, abarcando o nível individual (biológico e/ou psicológico) em interação com outras áreas da vida, pode produzir o adoecimento. Isso porque o indivíduo é um sistema aberto em constante interação com o meio externo, portanto, envia e recebe mensagens influenciando e sendo influenciado nessa troca (Backes et al., 2016). Nessa perspectiva, se há um sintoma (geralmente multifatorial e sistêmico), está em curso um processo de adoecimento. Se as relações, comportamentos e hábitos de determinado grupo familiar se estruturam de forma não adaptativa ao desenvolvimento biopsicossocial dos seus membros, pode ocorrer que um ou mais integrantes daquele sistema adoeça.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os avanços e retrocessos nas práticas profissionais do psicólogo no contexto da saúde mostram que a divisão mente versus corpo está em processo de ser superada enquanto compreensão, porém, não há uma integração satisfatória, principalmente nas especificidades do trabalho do psicólogo nos distintos contextos em que atua. Mostra-se necessário insistir nesta discussão para que efetivamente a atuação clínica, em nível de prevenção e intervenção nos contextos de saúde e frente aos processos de saúde-doença, transponham os desafios de se atuar unilateralmente, tratando biológico ou psicológico. Portanto, há necessidade de avanços no que se refere às áreas de atuação.

Compreende-se que embora as três teorias considerem em sua avaliação o contexto, a história de cada sujeito e que saúde e doença são processos dinâmicos que acompanham a história pregressa de cada indivíduo, a atuação frente ao processo de adoecimento ocorre por meio de abordagens distintas. Nesse aspecto, o diálogo entre as teorias pode ser mais desafiador já que cada uma se aproxima da Psicologia da Saúde de acordo com suas especificidades epistemológicas que levam, inevitavelmente, a diferentes intervenções e técnicas para lidar com os processos de adoecimento.

A Teoria Cognitivo-comportamental contribui e faz parte da Psicologia da Saúde na medida em que focaliza a intervenção nas mudanças de hábitos e comportamentos em saúde e suas cognições. Na Teoria Sistêmica, há o pressuposto de que a mudança individualizada é também relacional e está articulada com a mudança do contexto, micro e macrossocial, e vice-versa. Para a Psicanálise, há uma aproximação com a Psicologia da Saúde a partir do campo da psicossomática com o interesse em compreender e intervir em fenômenos que evidenciam o continuum entre o orgânico e o psíquico e nos quais o corpo adoece denunciando o fracasso dos processos psíquicos, sendo possível auxiliar o sujeito a se (re)apropriar de um sentido para o sintoma.

Ressalta-se que a Teoria Sistêmica tem buscado, por meio de evidências empíricas validadas cientificamente, manualizar procedimentos e intervenções para assegurar a efetividade dos tratamentos psicoterápicos e aprimorar o diálogo com outras áreas da saúde (Heatherington et al., 2015; Lorås et al., 2017). Aliado a isso, embora a singularidade da escuta seja um ponto central da Psicanálise, há hoje uma preocupação em mostrar a eficácia de tratamentos psicanalíticos e psicodinâmicos (Bastos, Guimaraes, & Trentini; 2015; Leonardi & Meyer, 2015). Isso se mostra primordial, já que a compreensão e o tratamento em saúde são realizados por diferentes áreas de conhecimento nas ciências da saúde. Por sua vez, a perspectiva Cognitivo-Comportamental apresenta historicamente uma articulação entre a pesquisa e a prática clínica, com forte amparo empírico para a eficácia das suas intervenções (Knapp & Beck, 2008).

As reflexões sobre os processos de saúde versus doença não se esgotam neste artigo. A discussão nas Teorias Psicanalítica, Cognitivo-comportamental e Sistêmica, propõe um diálogo e traça um esboço inicial de como, na prática clínica, ainda é necessário ampliar a compreensão da condição humana de saúde e adoecimento. Considerando que físico, emocional e social estão imbricados, o conhecimento psicológico é parte fundamental nos processos de avaliação, compreensão e tratamento.

A subjetividade, inerente à ciência psicológica e suas teorias e que perpassa as abordagens nos contextos de saúde, leva-nos a reiterar a importância de refletir, debater e propor pontos de intersecção, diálogo e atuação profissional conjunta (entre profissionais amparados em diferentes Teorias e abordagens) e interdisciplinar, proposições que podem ser desenvolvidas em outros estudos de revisão. É oportuno considerar a Psicologia da Saúde como área com potencial para estabelecer uma articulação entre as teorias apresentadas e as demais áreas da saúde. Sugere-se, ainda, que estudos futuros aprofundem a discussão sobre a necessidade de maior aproximação e interação entre o psicólogo e os demais profissionais de saúde, o que ocorre atualmente por meio da Psicologia da Saúde, porém, muito aquém do que é necessário para se avançar tanto em Psicologia, quanto no amparo aos indivíduos que padecem de sofrimento.

 

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Endereço para correspondência
Crístofer Batista da Costa
E-mail: contato@psicologocristofer.com.br

Submetido: 23/05/2018
Reformulado: 06/04/2020
Aceito: 15/04/2020

 

 

1 Crístofer Batista da Costa é professor no Centro de Estudos da Família e do Indivíduo (CEFI, Porto Alegre) e nas Faculdades Integradas de Taquara (FACCAT, Taquara, RS).
2 Jéssica Limberger é professora na Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai (URI, Erechim, RS).
3 Mariana Flores Frantz é doutora em Psicologia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos.
4 Tagma Marina Schneider Donelli é professora no Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos.
5 Clarisse Pereira Mosmann é professora do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos.
6 Ilana Andretta é professora no Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos.
7 Elisa Kern de Castro é professora da Universidade Lusíada de Lisboa.

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