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Revista da SPAGESP

Print version ISSN 1677-2970

Rev. SPAGESP vol.22 no.1 Ribeirão Preto Jan./June 2021

 

ARTIGOS

 

Recebimento e encaminhamentos de notificações de casos de violência sexual pelo conselho tutelar

 

Receiving and forwarding notifications of cases of sexual violence by brazilian child protective services

 

Recepción de notificaciones y derivaciones de casos de violencia sexual por el consejo tutelar

 

 

Lucas dos Santos Subtil dos Anjos1,I; Adalberto de Araújo Trindade2,II; Jean Von Hohendorff3,II

ICentro Universitário IDEAU, Getúlio Vargas-RS, Brasil
IIFaculdade Meridional-IMED, Passo Fundo-RS, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Objetivou-se compreender os procedimentos de recebimento e encaminhamento de notificações de casos de violência sexual realizados por conselheiros tutelares. Para isso, foram realizadas 10 entrevistas semiestruturadas com conselheiros/as tutelares de duas cidades do norte do Rio Grande do Sul. Os resultados indicaram pouca clareza na definição de violência sexual e de notificação. Foram consideradas notificações exitosas aquelas em que há informações de identificação de prováveis vítimas e agressores/as, enquanto as notificações não exitosas possuem poucas informações desses. Referente aos encaminhamentos, observou-se que há êxito quando os serviços da rede dialogam e se articulam e não êxito quando aspectos burocráticos predominam. Buscando uma melhoria no recebimento e nos encaminhamentos das notificações sobre violência sexual faz-se necessária a formação continuada por meio de capacitações, bem como a construção de fluxogramas para o efetivo trabalho.

Palavras-chave: Delitos sexuais; Notificação compulsória; Defesa da criança e do adolescente; Serviços de proteção infantil.


ABSTRACT

We aim to understand the procedures of receiving and forwarding notifications of cases involving sexual violence against children performed by Child Protective Services (CPS). We carried out 10 semi-structured interviews with counselors from two cities of Rio Grande do Sul (a southernmost state in Brazil). The main results indicated little accuracy in defining sexual violence and notification. Successful notifications were those in which there is information that could identify victims and perpetrators. Unsuccessful notifications usually contain little information. Counselors observed successful outcomes in forwarding notifications when the services of the system dialogue and articulate, and unsuccessful ones when bureaucratic aspects predominate. We conclude it is necessary to invest in continuing education through capacitation, as well as constructing flowcharts for effective work in CPS.

Keywords: Sex offenses; Compulsory notification; Child advocacy; Child protective services.


RESUMEN

El objetivo fue comprender los procedimientos para recibir y reenviar notificaciones de casos de violencia sexual realizados por Consejos Tutelares (CT). Fueron hechas 10 entrevistas semiestructuradas con 10 consejeros tutelares de dos ciudades de Rio Grande do Sul. Los resultados indicaron poca claridad en la definición de violencia sexual y notificación. Las notificaciones exitosas son las que incluyen informaciones que permiten identificar posibles víctimas y agresores. Las notificaciones no exitosas contienen pocas informaciones. Se observó que hay éxito en las derivaciones cuando los servicios de la red dialogan y se articulan y no éxito cuando prevalecen los aspectos burocráticos. La formación continua a través de capacitaciones es necesaria, así como la construcción de diagramas de flujo para el trabajo efectivo del CT.

Palabras clave: Delitos sexuales; Notificación obligatoria; Defensa de niños y adolescentes; Servicios de protección infantil.


 

 

A violência sexual contra crianças e adolescentes (VSCA) caracteriza-se pelo envolvimento ou à exposição desses em atividades libidinosas para as quais não possuem plena compreensão (Brasil, 2017a), podendo ser perpetrada por adultos ou adolescentes que estejam em um estágio desenvolvimental superior ao da vítima (World Health Organization [WHO] & International Society for Prevention of Child Abuse and Neglect [ISPCAN], 2006). A ocorrência da VSCA possui caráter relevante na etiologia de distintos quadros psicopatológicos, tais como: transtorno de estresse pós-traumático, de ansiedade, de humor, transtornos alimentares e transtornos de personalidade como borderline e antissocial, entre outros (Hohendorff, Habigzang, & Koller, 2014). Além disso, podem resultar consequências físicas, agravos psicológicos e sentimentos como culpa, medo, raiva e tristeza (Martins & Jorge, 2010), acarretando danos ao desenvolvimento socioafetivo e cognitivo (Krindges, Macedo, & Habigzang, 2016). Destarte, a VSCA é considerada um grave problema de saúde pública (Brasil, 2017a; WHO & ISPCAN, 2006).

No ano de 2018, de acordo com os dados do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MDH), foram realizadas 17.093 notificações de VSCA em todo o país (Brasil, 2018a). Sendo assim, é possível concluir que ocorreram, pelo menos, 1.425 casos de VSCA por mês, e aproximadamente 47 casos diários, em todo o país. No primeiro semestre de 2019 foram notificados 10.046 casos de VSCA, resultando em, aproximadamente, 56 casos diários (Brasil, 2020).

Embora os dados disponibilizados pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos sejam alarmantes, muitos casos de VSCA não são notificados e acabam no anonimato. O panorama de subnotificação está relacionado a fatores como a ocorrência da violência sexual se dar, em sua maioria, longe da presença de testemunhas, e quando relatada, não apresentar evidências clínicas sendo frequentemente os/as agressores/as pessoas próximas às vítimas. Um levantamento realizado na cidade de Curitiba, em 2003, indicou que apenas 24,8% dos casos notificados de violência sexual contra crianças e adolescentes ocorreram fora da residência da vítima (Pfeiffer & Salvagni, 2005).

Perante casos suspeitos ou confirmados de violências cometidas contra crianças e adolescentes, os profissionais da saúde e educação, bem como a sociedade civil geral são obrigados a realizarem a notificação ao Conselho Tutelar (CT) da respectiva localidade (Brasil, 1990). A notificação consiste em uma comunicação obrigatória de um fato. Nos casos de violência sexual contra crianças e adolescentes deve ser feita pelo/a profissional junto ao CT. Após, o CT deve orientar a família ou ele mesmo fazer a notificação junto à delegacia. A notificação se diferencia da denúncia, uma vez que esta última é a peça processual que dá início a ação penal pública promovida pelo ministério público, a qual será julgada pelo Juizado da Infância e Juventude (Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Pragmáticas Estratégicas, 2011).

A notificação é uma ferramenta de defesa de direitos, de caráter compulsório, que visa promover cuidados e proteger crianças e adolescentes vítimas ou possíveis vítimas de violências (Brasil, 2017b). Por meio dela que casos de violência contra crianças e adolescentes são enfrentados, possibilitando a sua interrupção e a execução efetiva de políticas públicas de proteção à infância e adolescência (Deslandes, Mendes, Lima, & Campos, 2011).

Estudos nacionais sobre a rede de proteção indicaram que há falta de recursos humanos e financeiros e estrutura física (Macedo, Foschiera, Bordini, Habigzang, & Koller, 2019), falta de articulação e relacionamento entre os serviços (Santos & Costa 2011; Silva, Lunardi, Meucci, & Algeri, 2018), insuficiência dos serviços ofertados dificultando, assim, a efetivação dos encaminhamentos (Deslandes & Campos 2015) e a escassez de ações preventivas (Faraj, Siqueira, & Arpini, 2016). A maioria desses estudos foi realizada com profissionais da rede, dentre eles conselheiros/as tutelares (Deslandes & Campos 2015), equipe de serviços socioassistenciais (Silva et al., 2018, poder judiciário e delegacias especializadas (Faraj et al., 2016), por meio de entrevistas semiestruturadas, ou seja, estudos de caráter qualitativo (Deslandes & Campos, 2015; Faraj et al., 2016; Santos & Costa, 2011; Silva et al., 2018). Nenhum desses estudos visou investigar especificamente aspectos relacionados à realização de notificações de casos de VSCA ao CT. Também, não foram encontradas pesquisas com a proposta de construir instrumentos com o intuito de auxiliar profissionais da rede na realização de notificações.

Tendo em vista o exposto e a importância da realização da notificação para o rompimento da VSCA, o presente estudo objetivou compreender os procedimentos de recebimento e encaminhamento de notificações de casos de VSCA realizados por conselheiros/as tutelares. Além disso, investigou-se o que são consideradas notificações exitosas e não exitosas pela ótica dos/as conselheiros/as tutelares. A partir da análise dos resultados, foi proposto um checklist que poderá auxiliar profissionais e demais interessados na realização de notificações exitosas de casos de VSCA.

 

MÉTODO

DELINEAMENTO

Trata-se de um estudo qualitativo, descritivo, exploratório e de corte transversal.

PARTICIPANTES

Participaram do estudo 10 conselheiros/as tutelares, sendo sete mulheres e três homens, com idades entre 25 e 55 anos (média de 38 anos) pertencentes a três CTs de duas cidades de grande representatividade do norte do Rio Grande do Sul. O tempo de atuação na função de conselheiro/a tutelar variou entre nove meses a cinco anos. Oito conselheiros tutelares possuíam ensino superior completo e dois deles ensino superior incompleto. Questionados acerca de formação específica sobre VSCA, sete responderam que possuíam tal formação, enquanto três relataram nunca terem participado de formação específica sobre o tema.

A quantidade de participantes foi determinada a partir da proposta de Guest, Bunce e Johnson (2006), sobre a saturação teórica e das proposições de Malterud, Siersma e Guassora (2016), a respeito da qualidade da informação obtida. Foram incluídos conselheiros/as tutelares, de ambos os gêneros, titulares ou suplentes com, no mínimo, seis meses de atuação e que tivessem recebido, ao menos, uma notificação de violência sexual. Já os critérios de exclusão adotados foram a apresentação, mediante observação, de déficits cognitivos ou indicativos de quadros psicopatológicos evidentes (e.g., transtorno depressivo ou abuso de drogas). Não houve exclusão de participantes.

INSTRUMENTOS

Utilizou-se um questionário de dados sociodemográficos para caracterizar os/as conselheiros tutelares e um roteiro de entrevista semiestruturado para investigar as percepções dos/as conselheiros/as tutelares perante a notificação e os encaminhamentos de casos de VSCA, contendo perguntas como: "Qual o papel do Conselheiro Tutelar na notificação de casos de VSCA?". Ambos os instrumentos foram desenvolvidos pelos pesquisadores para este estudo.

PROCEDIMENTOS ÉTICOS E DE COLETA DE DADOS

Após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (CAAE 2.276.839), foram contatados, por conveniência, CTs de duas cidades de grande representatividade do norte do Rio Grande do Sul para estabelecer parceria para a coleta de dados. Reunidas as informações sobre os CTs foi realizado contato com o objetivo de apresentar sucintamente o estudo e levantar o interesse dos CTs. Confirmado o interesse, o estudo foi apresentado pessoalmente ao colegiado de cada CT. Em seguida, de acordo com os critérios de inclusão adotados e interesse dos conselheiros/as, foram agendados horários individuais para realizar a coleta de dados.

A coleta de dados ocorreu nas sedes dos CTs, por preferência dos participantes e mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Após, foi preenchido o questionário de dados sociodemográficos e conduzida a entrevista. Os participantes foram identificados por meio da letra "E" seguida de um número (e.g., E1). As entrevistas tiveram duração média de 55 minutos e foram realizadas pelo primeiro autor, psicólogo, mestrando em psicologia à época da coleta de dados, após treino prévio com o último autor, orientador do estudo. Contudo, houve necessidade de realização de entrevistas complementares, visando aprofundar as informações fornecidas pelos participantes. Foram realizadas sete entrevistas complementares que também foram realizadas pelo primeiro autor e tiveram duração média de 23 minutos. Todas as entrevistas foram gravadas em áudio e transcritas na íntegra e ocorreram entre os meses de março a setembro de 2018.

PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE DE DADOS

Os dados coletados pelas entrevistas foram analisados por meio da análise temática (Braun & Clarke, 2006), sendo composta por seis etapas: (1) familiarização com os dados coletados; (2) geração de códigos com o auxílio do Software NVivo 12; (3) busca de temas; (4) revisão de temas, que consiste no refinamento dos temas construídos, bem como, identificação de subtemas; (5) definição e nomeação final de temas e subtemas; e (6) produção de relatório. A partir dos resultados, desenvolveu-se um checklist com a finalidade de auxiliar profissionais e demais interessados na realização de notificação exitosas de VSCA.

 

RESULTADOS

A análise dos dados coletados a partir das entrevistas realizadas com os/as conselheiros/as tutelares de duas cidades do norte do estado do Rio Grande do Sul resultou em três temas. Os temas e subtemas são ilustrados na Figura 1.

 

 

O tema "VSCA e notificação: Confusão conceitual" apresenta as concepções e conceitos dos/as conselheiros/as tutelares referente ao que se caracteriza como VSCA, seus modos comuns de ocorrência e formas de percebê-la. Apresenta, também, como é compreendida a notificação pelos/as conselheiros/as.

As concepções da VSCA abarcaram tanto conceitos de caráter restrito, nos quais VSCA foi compreendida apenas quando ocorre a penetração do órgão genital ("É ali no exame que vai começar se comprovar se existiu abuso ou não. É ali que vai ficar provado, se aconteceu ou não o abuso sexual" - E7), como conceitos ampliados e condizentes com a legislação vigente. Esses conceitos ampliados transcendem a ideia de violência sexual como sinônimo de penetração. Abrangem situações em que ocorrem carícias, exibicionismo, voyerismo, entre outros ("É uma violência também, mas não foi consumado o ato. No exame não vai aparecer, se foi só o toque, não vai aparecer" - E6).

Referente a possíveis sinais de ocorrência da VSCA, os/as conselheiros/as relataram atentar para mudanças comportamentais, emocionais e evidências físicas (e.g., lesões corporais, sangramentos, feridas). A atenção frente a esses sinais é considerada como imprescindível para se constatar possíveis casos de VSCA.

Outra questão observada no relato dos/as conselheiros/as foi o conhecimento de algumas características similares de como ocorrem os mais diversos casos de violência sexual. Os/as conselheiros/as tutelares relataram perceber um modus operandi na forma como ocorre tal violência ("Bah, mas o cara parece ser gente boa, de confiança e tal. Sim, mas tu vai acreditar que o abusador é o bandidão? O cara sem escrúpulo? Não. Ele é o cara que vai conseguir de alguma maneira conquistar aquela criança, às vezes fornecendo um doce, um brinquedo, sendo carinhoso, dando atenção" – E1).

Uma ferramenta que visa romper com o ciclo da violência sexual e possibilita a proteção da provável vítima é a notificação ao CT. Os/as conselheiros/as tutelares apresentaram confusões conceituais, utilizando os termos notificação e denúncia como sinônimos ao longo de todas as entrevistas ("Quando chega a denúncia de abuso sexual a gente inicia nosso trabalho, a gente faz os encaminhamentos necessários" – E10).

O tema "Recebimento da notificação" apresenta o fluxo de recebimento da notificação de VSCA e as principais informações que devem ser inclusas na notificação. Ainda, apresenta o que foi considerado, pela ótica do/a conselheiro/a tutelar, um recebimento exitoso e um recebimento não exitoso de notificação de VSCA. Sendo assim, esse tema possui os subtemas: "Informações detalhadas" e "Escassez de informações".

O formato e o meio de recebimento da notificação de VSCA variaram consideravelmente. Os principais meios de recebimento da notificação relatados pelos/as conselheiros/as tutelares foram via Disque 100, telefonema anônimo, relatos presenciais nas sedes dos CTs, escolas, Unidades Básicas de Saúde (UBS) e hospitais.

No subtema "Informações detalhadas" percebeu-se que uma notificação é considerada exitosa quando contempla o maior número de informações possíveis que possibilite a ação efetiva do/a conselheiro/a tutelar. De acordo com os/as conselheiros/as tutelares as informações necessárias para se considerar uma notificação exitosa versam sobre dados de identificação da vítima ou possível vítima e do/a agressor/a ou possível agressor/a (e.g., nome da vítima, idade, endereço, quem é o/a agressor/a, telefones para contato).

Já no subtema "Escassez de informações" percebeu-se que a falta de informações básicas é um dos quesitos para considerar a notificação sem êxito e dificultar, assim, o trabalho dos/as conselheiros/as tutelares ("Só que nem sempre a gente recebe essa denúncia bem elaborada. É difícil. Porque a questão da ofensa é uma questão que tá muito trancada dentro de casa" - E8). Outro ponto levantado pelos/as conselheiros tutelares diz respeito à utilização do CT e, consequentemente, da notificação, de forma inadequada. Pessoas notificam casos inverídicos com o intuito de tirar proveito próprio (e.g., processos judiciais de guarda de crianças, alienação parental) ou para prejudicar a imagem de outrem (e.g., prejudicar ex-companheiro/a ou vizinhos/as).

Após o recebimento de uma notificação exitosa ou não exitosa de VSCA, o/a conselheiro/a tutelar necessita lançar mão de medidas protetivas e requerer os encaminhamentos necessários para cada caso. O tema "Encaminhamentos para efetivar a proteção" evidenciou como acontecem os encaminhamentos das notificações recebidas pelo/a conselheiro/a tutelar, para quais serviços da rede intersetorial são destinados, quais os formatos e seu conteúdo. Esse tema possui três subtemas que indicam as peculiaridades dos encaminhamentos, sendo eles: "Agilidade, desburocratização e adesão"; "Falta de articulação e comunicação" e "Potencialidades da rede".

Pôde-se perceber que os/as conselheiros/as tutelares consideraram cada caso como um suposto ou possível caso de VSCA, cabendo aos/as técnicos/as da rede avaliarem se há indícios de que a violência ocorreu de fato. Os principais serviços da rede que recebem os encaminhamentos, de acordo com os/as entrevistados/as, foram o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) e o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS). Os serviços de saúde (e.g., UBS e hospitais) também foram citados. Ficou evidente, também, a importância de se realizar boletim de ocorrência e noticia de fato ao Ministério Público perante possíveis casos de VSCA. Os encaminhamentos costumavam ser realizados via ofício, tendo como praxe a solicitação de resposta do recebimento do ofício.

No subtema "Agilidade, desburocratização e adesão", o êxito dos encaminhamentos foi percebido quando a rede intersetorial funcionava de forma efetiva. Tal fato ocorre quando os atendimentos são ágeis, desburocratizados e quando os serviços prestados são resolutivos ("Levamos ela para a delegacia. E nesse dia acabamos já afastando a criança da casa, acabamos colocando ela na casa de outra tia e informamos o judiciário e o judiciário já deixou a criança com essa outra tia" - E3). Um ponto fundamental apontado foi a adesão da vítima e de seus familiares aos serviços requeridos pelo CT à rede ("Têm muitos que é gratificante, porque tu faz o encaminhamento e a família segue. Se demora muito a família liga para saber. Que tu sabe que aquilo deu certo" - E6).

Por outro lado, o subtema "Falta de articulação e comunicação" apresenta as falhas observadas pela ótica dos/as conselheiros/as tutelares referente aos encaminhamentos de casos de VSCA. De forma geral, os participantes indicaram aspectos relacionados à falta de articulação e comunicação entre a rede como dificultadores à efetivação dos encaminhamentos ("Na audiência ela solicitou à juíza que a menina fizesse acompanhamento psicológico. Só que o Conselho já havia feito há um mês, encaminhamento para fazer o atendimento psicológico" - E1). Diante disso, há morosidade ("Foi um espanto pra nós, ela veio aqui e disse que ainda não tinha sido feito, que não havia encaminhado para o atendimento psicológico. Então assim, quem sai perdendo nisso é a criança" - E1) e burocracia ("Apesar de ter dado, levamos no pen drive, o delegado não aceitou no pen drive, queria em um CD. Aí tivemos que voltar aqui e passar para o CD e levar para o delegado" - E6) na efetivação dos encaminhamentos.

A falta de articulação e comunicação entre os serviços também pode ser influenciada pela falta de preparo profissional. O despreparo profissional para o manejo de casos de VSCA ("Eu acho que… têm muitas pessoas que não conseguem fazer isso, entendeu? Que realmente, estão ali por estar, 'ah… eu passei no concurso e tô aqui', entendeu?" - E7) e a falta de acolhimento por parte dos profissionais ("Acho que eles tinham que acolher o que a mãe tinha pra falar, e eles próprios já encaminham pra nós. Orientar a mãe, que tem que fazer um boletim de ocorrência. Eles mesmos poderiam ter feito isso" - E3) também foram citados. É preciso considerar, no entanto, conforme indicado pelos/as conselheiros/as, a sobrecarga de trabalho e o baixo número de profissionais nos serviços. ("A gente tem em média de 800 a 900 casos por conselheiro, têm uns que chegam a ter 1200-1300, o que tem menos tem 900 e o que tem mais tem 1300, somos em dez conselheiros em duas micros" - E6). Além disso, a não adesão das vítimas e seus familiares aos serviços da rede foi outro entrave para o êxito dos encaminhamentos indicados ("E o que às vezes me decepciona, vêm respostas 'a família não aderiu ao programa', entende? Então… isso é bem complicado. Aí a gente notifica a família, adverte, coloca toda a situação, e se mesmo assim eles não participarem, aí a gente encaminha para o Ministério Público tomar as providências judiciais" - E2).

Os/as conselheiros/as tutelares também apresentaram sugestões com o intuito de melhorias para realização mais exitosa de notificações e encaminhamentos de casos de VSCA. Sendo assim, o conteúdo do subtema "Potencialidades da rede" indica a necessidade de esclarecer e consolidar o papel de cada ator/a e serviço que compõem a rede, por meio de capacitações e reuniões constantes ("Talvez detalhar cada um, qual é a sua real função. Que um tem que fazer a parte criminal, outro atendimento da criança, outro atendimento mais técnico" - E9). Outra questão relevante é a necessidade de se construir e efetivar um organograma e um fluxograma que auxilie os encaminhamentos de casos de VSCA. Organogramas e fluxogramas possibilitariam maior articulação dos serviços da rede e promoveria a consolidação dos papéis desenvolvidos por cada serviço ("Não, hoje a gente não tem esse organograma físico. A gente sabe que tem vários municípios que já tem esse organograma bem esquematizado. Seria muito importante nós ter isso" - E4). Dessa forma, se garantiriam encaminhamentos nos quais os atendimentos são contínuos, ágeis e aderidos pela vítima e seus familiares ("O atendimento continuou e outro dia ela veio e disse que agora começou a dar resultado, agora que ela conseguiu aderir a outras coisas, voltou pra escola e não ver ninguém ou se sentir culpada como ela vinha" - E5). Por fim, destacaram a necessidade de se investir em ações para educadores, uma vez que, em ambientes escolares casos de violência sexual tendem a serem identificados com maior frequência ("A gente pegou uma denúncia da escola [...], e pediu socorro para a professora, dizendo que ela não poderia voltar para casa onde ela tava, porque ela era ofendida sexualmente pelo cunhado" - E7). Tais ações devem ter foco na capacitação para realização da notificação ("Ah, sem dúvida conhecer o Estatuto da Criança e do Adolescente, isso não tem como fugir, é um dos primeiros itens. E as capacitações, as capacitações são importantes. Acho que isso é essencial" - E7), possibilitando a implementação de medidas protetivas.

Conforme pode ser visto no mapa temático (Figura 1), os temas e subtemas possuem relação entre si. A confusão conceitual em relação aos conceitos de VSCA e notificação podem impactar no recebimento e encaminhamento de notificações, uma vez que é necessário saber o que é violência sexual e notificação para fazer cumprir com o papel protetivo do CT. Por exemplo, caso um/a conselheiro/a tutelar acredite que a VSCA consiste apenas em casos com penetração, pode desconsiderar todos os outros casos nos quais esse elemento não está presente.

É necessário que as notificações feitas aos CTs tenham informações detalhadas, permitindo localizar/identificar a suposta vítima e o/a suposto/a agressor/a com maior agilidade e facilidade. A escassez de informações, por outro lado, inviabilizaria, pelo menos em parte, a tomada de medidas protetivas, comprometendo a agilidade dos encaminhamentos necessários. Diante desses resultados, foi elaborado um checklist (ver material suplementar) como proposta para auxílio de profissionais a realizarem notificações. Tal instrumento levou em consideração os resultados da pesquisa, bem como a necessidade de que as notificações sejam, sempre que possível, documentadas, uma vez que sua realização é uma obrigatoriedade prevista em lei (Brasil, 1990).

O CT necessita de outros serviços da rede para efetivar a proteção da criança e do adolescente em situação de risco. Para tal, são realizados os encaminhamentos para efetivar a proteção. Tais encaminhamentos tendem a funcionar quando há agilidade e desburocratização por parte dos serviços, o que acaba influenciando a adesão das vítimas e seus familiares. Por outro lado, quando há falta de articulação e comunicação entre os serviços, os encaminhamentos são dificultados pela morosidade, burocracia e despreparo profissional, podendo fazer com que vítimas e familiares não tenham aderência aos serviços. Por outro lado, as potencialidades da rede indicam que é necessário investir em estratégias de capacitação com foco na definição clara de papéis de cada serviço. Tendo em vista seu contato sistemático com crianças e adolescentes, professores devem ser preparados para realizarem as notificações. Por fim, os serviços da rede devem definir organogramas e fluxogramas buscando esclarecer o fluxo de atendimento dos casos de VSCA, contribuindo, assim, para a agilidade e desburocratização dos encaminhamentos e aumentando a adesão dos usuários.

 

DISCUSSÃO

O objetivo deste estudo foi o de compreender, pela ótica de conselheiros/as tutelares, os procedimentos de recebimento e encaminhamento de notificações de casos de VSCA. Além disso, investigou-se o que são consideradas notificações exitosas e não exitosas. A partir dos resultados, foi construído um checklist que poderá auxiliar profissionais e demais interessados na realização de notificações exitosas de casos de VSCA. A análise dos dados resultou em três temas, sendo dois com subtemas.

O tema "VSCA e notificação: Confusão conceitual", bem como o tema "Encaminhamentos para efetivar a proteção", especificamente em seus subtemas "Falta de articulação e comunicação" e "Potencialidades da rede" indicam a necessidade de capacitação aos profissionais da rede. Especificamente em relação aos/as conselheiros/as tutelares, percebeu-se confusões conceituais frente ao que define VSCA. Muitos conselheiros/as tutelares ainda compreendem a VSCA em situações em que há penetração de órgão genital e negligenciam outras práticas violentas, tais como voyerismo, exibicionismo, carícias de cunho sexual, entre outras (Brasil, 2017a). O conceito de notificação e seu objetivo também precisam ser claramente trabalhados junto aos/as conselheiros/as. Embora haja publicação do Ministério da Saúde (Brasil, 2011) que indique a diferença entre notificação e denúncia, ainda é comum que materiais governamentais (e.g., campanhas publicitárias), utilizem o termo denúncia equivocadamente, o que contribui para a confusão conceitual percebida no relato dos/as conselheiros/as tutelares. A notificação consiste na comunicação obrigatória de um fato, enquanto a denúncia é a peça processual que dá início a ação penal pública promovida pelo Ministério Público, a qual será julgada pelo Juizado da Infância e Juventude (Brasil, 2011).

Recentemente, foi aprovada no Brasil a Lei nº 13.431/2017(Brasil, 2017a) que estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência. A Lei prevê a capacitação interdisciplinar continuada, preferencialmente conjunta, dos profissionais. Embora preveja a capacitação interdisciplinar, questiona-se a efetivação de tal medida diante de cortes orçamentários sistemáticos que vêm sendo realizados nos âmbitos da assistência social e saúde, por exemplo.

A partir dos resultados obtidos, é possível afirmar que as capacitações direcionadas aos/as conselheiros/as tutelares devem ser voltadas para conteúdos específicos como o conceito de violência sexual e, consequentemente, sua dinâmica. A relevância de definir a violência sexual corretamente aporta-se na possibilidade de desenvolver ações preventivas e, quando necessário, realizar as intervenções indicadas com capacidade de proteção. É por meio de como se compreende o fenômeno que se determina o modo como se reage a ele (Hunter, 1990). Sendo o CT o serviço que visa proteger e garantir os direitos das crianças e adolescentes de forma integral (Brasil, 1990) a não compreensão correta do conceito de violência sexual é um fator de risco para que a proteção das vítimas seja garantida. A capacitação profissional vai ao encontro da necessidade de formação continuada que a função do/a conselheiro/a tutelar exige (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente [CONANDA], 2006). Embora se perceba o panorama de falta de capacitação continuada, evidenciou-se a disposição dos/as conselheiros/as tutelares em mudá-lo.

As capacitações devem ser direcionadas para demais serviços e profissionais da rede. Nessas capacitações devem ser abordados conteúdos referentes à rede de proteção e de atendimento, especificamente quais são os seus serviços, seus objetivos e intervenções oferecidas. Os resultados do presente estudo indicaram a falta de articulação entre os serviços da rede, impactando na efetivação dos encaminhamentos e na adesão dos usuários.

O trabalho em rede envolve uma construção coletiva por meio de relacionamentos, negociações, interesses compatíveis, acordos, movimentos de interação e adesão (Moreira, Muller, & Cruz, 2012). Também se faz necessária a articulação de todos os serviços que atendam crianças e adolescentes em situação confirmada ou suspeita de violação de direitos. Tal articulação torna-se imprescindível uma vez que ações isoladas e fragmentadas não se mostram suficientes na prevenção, na responsabilização do/a agressor/a e no atendimento da vítima (Santos & Ippolito, 2011). Além disso, a precária articulação torna-se um problema para garantir medidas de proteção necessárias aos casos confirmados ou suspeitos de VSCA (Deslandes & Campos, 2015; Habigzang, Azevedo, Koller, & Machado, 2006).

De acordo com o relatado pelos/as conselheiros/as tutelares entrevistados/as, é necessária a definição de organogramas e fluxogramas que facilitem o trabalho em rede. Tal definição pode ser realizada em encontros de capacitação para conselheiros/as tutelares e demais profissionais da rede. O Decreto nº 9.063, de 10 de dezembro de 2018 (Brasil, 2018b), que regulamenta a Lei 13.431/17 (Brasil, 2017a), prevê a criação, em até 180 dias após a sua publicação, de um comitê de gestão colegiada da rede de cuidado e de proteção social das crianças e dos adolescentes vítimas ou testemunhas de violência, com a finalidade de articular, mobilizar, planejar, acompanhar e avaliar as ações da rede intersetorial, além de colaborar para a definição dos fluxos de atendimento e o aprimoramento da integração do referido comitê.

Tendo em vista que o trabalho dos/as conselheiros/as tutelares é fundamental para os demais serviços, as capacitações para esse público podem ser realizadas em módulos, sendo alguns apenas para conselheiros/as tutelares e outros para todos os serviços da rede. Módulos conjuntos podem fomentar o diálogo entre os diferentes serviços visando estabelecer, caso o município não tenha, um fluxograma da rede claramente definido. Durante os módulos conjuntos, o checklist proposto, a partir dos resultados deste estudo, pode ser compartilhado e discutido pelos serviços visando sua adaptação, caso necessário, à realidade local. Os/as conselheiros/as tutelares poderão dividir com os demais profissionais da rede intersetorial tal instrumento e explicar a necessidade de incluir o maior número possível de informações, a fim de que possam efetivar a proteção das prováveis vítimas.

A construção conjunta de fluxogramas para os municípios pode auxiliar no manejo de empecilhos para o alcance de êxito nos encaminhamentos realizados pelo CT. Redes de proteção com serviços trabalhando de forma articulada e conjunta têm o potencial de propor intervenções mais resolutivas (Faraj et al., 2016), o que pode auxiliar no enfrentamento da morosidade nos encaminhamentos e na sobrecarga de trabalho citados pelos conselheiros/as tutelares. Além disso, serviços com papéis claramente definidos podem atenuar a burocracia presente quando os diferentes serviços trabalham de forma isolada e com pouca comunicação. Uma rede mais coesa pode colaborar para maior adesão das famílias tendo em vista que a falta de resolutividade tem sido apontada como motivo para a não aderência aos serviços (Santos, Costa, & Silva, 2011).

Conforme citado pelos/as conselheiros/as tutelares, a comunidade escolar apresenta relevância por ser um contexto no qual crianças e adolescentes possuem vínculos afetivos e de confiança (Dessen & Polonia, 2007). Conselheiros/as tutelares, se bem capacitados/as, poderão trabalhar com professores a respeito do seu papel, os direitos de crianças e adolescentes conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente (Brasil, 1990), indicadores de violência e procedimentos para a devida notificação.

Considerando as situações atendidas pelos CTs e a importância deste serviço, o conteúdo do tema "Recebimento da Notificação" e demais subtemas, indicam outros fatores que implicam no êxito (ou não) das notificações e seus encaminhamentos. Tais fatores, de alguma forma, já foram indicados em estudos prévios. Embora nem todos tenham sido realizados especificamente com conselheiros/as tutelares. Dentre os fatores que implicam na falta de êxito das notificações de VSCA e encaminhamentos falhos, pode-se destacar o medo do envolvimento legal por parte de profissionais da saúde, ausência de proteção frente às ações necessárias e ausência de supervisão e apoio profissional (Moreira, Vieira, Deslandes, Pordeus, Gama, & Brilhante, 2014; Rates, Melo, Mascarenhas, & Malta, 2015).

Deve-se ressaltar, também, que divergências políticas, vaidades pessoais, rotatividade de profissionais que atuam na rede intersetorial são dificultadores para um atendimento satisfatório de vítimas ou possíveis vítimas de VSCA (Deslandes et al., 2011; Deslandes & Campos, 2015; Njaine, Assis, Gomes, & Minayo, 2006; Silva et al., 2018). Frente às necessidades elencadas pelos/as conselheiros/as tutelares (e.g., capacitações constantes, materiais que auxiliem no recebimento e encaminhamento de notificação, ampliação do número de profissionais que atuam na rede) desenvolveu-se um checklist, composto por itens considerados essenciais pela ótica dos/as conselheiros/as tutelares para realizar-se uma notificação exitosa, como uma proposta visando a maior qualificação perante a realização e o recebimento de notificações em casos de VSCA.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados do presente estudo indicam a necessidade de capacitação permanente aos profissionais da rede, possibilitando, assim, a oferta de serviços com maior efetividade, dirimindo possíveis equívocos conceituais. Além disso, fica evidente a necessidade de se estabelecerem, em nível municipal, organogramas e fluxogramas para atuação dos diferentes serviços. A falta de articulação e comunicação entre os serviços, bem como a falta de clareza sobre a atuação de cada um desses serviços acaba por dificultar a proteção de crianças e adolescentes. Estudos prévios (Deslandes et al., 2011; Njaine et al., 2006) demostraram dificuldades de os serviços da rede intersetorial atuarem de forma coordenada. É urgente, portanto, o investimento em estratégias para mudança deste cenário sob pena de revitimizar crianças e adolescentes.

Diante de suas limitações, os resultados aqui apresentados devem ser utilizados com cautela. Foram investigados conselheiros/as tutelares de apenas duas cidades, podendo não refletir a realidade de outros contextos. Cogita-se que os/as conselheiros/as tutelares que aceitaram participar do estudo possam ser os mais engajados e, assim, os resultados podem estar atrelados à percepção destes. Conselheiros/as tutelares menos engajados podem não se interessar por pesquisas, impossibilitando que suas opiniões possam ser investigadas. Por fim, como toda pesquisa baseada em autorrelato, a desejabilidade social pode ter influenciado os dados coletados. Mesmo diante de tais limitações, os resultados se somam ao de estudos prévios (Deslandes & Campos, 2015; Faraj et al., 2016; Macedo et al., 2019; Santos & Costa, 2011; Silva et al., 2011) que sistematicamente demonstraram a necessidade de maior investimento no fortalecimento dos serviços da rede. Estudos futuros com maior número de participantes, de diferentes cidades e estados e com uso de diferentes instrumentos de coleta de dados (e.g., grupos focais, análise documental) visando à triangulação de dados são recomendados.

Embora estudos com profissionais da rede já tenham sido realizados, não foram encontrados estudos específicos com conselheiros/as tutelares e com foco na notificação e nos encaminhamentos de casos de VSCA. Sendo assim, este pode ser o primeiro estudo a investigar tais aspectos de forma mais minuciosa. Em termos práticos, os resultados podem ser utilizados na formulação de estratégias de capacitação, pois se evidenciou que conteúdos como os conceitos de VSCA e de notificação, bem como a abordagem dos serviços da rede, seus objetivos e funções precisam ser esclarecidos. Por fim, buscou-se construir um checklist, de forma clara e objetiva, para auxílio à realização de notificações. Tal checklist foi construído a partir dos resultados obtidos neste estudo, principalmente referentes ao tema "Recebimento da notificação" e seu subtema "Informações detalhadas". A partir disso, foi construído, pelos autores, um exemplo de notificação por escrito que pode ser utilizado como modelo inicial para a escrita de notificações ao CT. Dessa forma, pretende-se qualificar as notificações realizadas ao CT e, assim, possibilitar celeridade aos encaminhamentos realizados. O checklist objetiva apresentar as informações consideradas essenciais, pela ótica dos/as conselheiros/as tutelares, para a realização de notificações exitosas de casos de VSCA. São essas informações que irão munir o trabalho do/a conselheiro/a tutelar e possibilitarão lançar mão das medidas protetivas necessárias em cada caso. A utilização do checklist pelos serviços da rede possibilitará sua avaliação em estudos futuros, visando comprovar sua aplicabilidade e efetividade.

 

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Endereço para correspondência
Lucas dos Santos Subtil dos Anjos
E-mail: lucasanjos@ideau.com.br

Recebido: 07/07/2020
Reformulado: 02/10/2020
Aceito: 05/10/2020

 

 

1 Lucas dos Santos Subtil dos Anjos é Mestre em Psicologia, Professor do Centro Universitário IDEAU – Campus Getúlio Vargas.
2 Adalberto de Araújo Trindade é psicólogo pela Faculdade Meridional-IMED.
3 Jean Von Hohendorff é Doutor em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Professor do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da IMED.

 

 

ANEXO

 

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