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Revista da SPAGESP

Print version ISSN 1677-2970

Rev. SPAGESP vol.23 no.2 Ribeirão Preto Jul./Dec. 2022

http://dx.doi.org/https://doi.org/10.32467/issn.2175-3628v23n2a2 

https://doi.org/10.32467/issn.2175-3628v23n2a2

ARTIGOS

 

Intervenção em práticas educativas positivas com educadores sociais: avaliação do processo de implementação

 

Intervention in positive educational practices with social educators: implementation process' evaluation

 

Intervención en prácticas educativas positivas con educadores sociales: evaluación del proceso de implementación

 

 

Bruna Wendt1; Débora Dalbosco Dell'Aglio2

Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre-RS, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo deste estudo é apresentar a avaliação do processo de implementação do Programa Cuida, o qual buscou oferecer mecanismos de apoio para ampliar as habilidades educativas positivas de educadores sociais de instituições de acolhimento. Participaram do estudo 47 educadores sociais (M=44,28 anos; DP=9,34) do sul do Brasil. Foram utilizados como instrumentos a ficha de avaliação do desempenho do moderador, a ficha de avaliação de satisfação dos participantes e o diário de campo do moderador. Os dados foram analisados a partir de análises estatísticas descritivas e da triangulação de dados. A maioria dos educadores sociais se mostrou satisfeito/muito satisfeito com os conteúdos abordados e as aprendizagens da intervenção, bem como com o moderador do programa. As repercussões da intervenção se mostraram mais relacionadas às estratégias de comunicação e de resolução de conflitos, qualificando, sobretudo, o relacionamento entre colegas. Ao final, são apontadas limitações do estudo e sugestões para estudos futuros.

Palavras-chave: Acolhimento institucional; Educador social; Intervenção; avaliação.


ABSTRACT

The aim of this study is to present an evaluation of the implementation process of the Programa Cuida, which sought to offer support mechanisms to expand the positive educational skills of social educators of residential care institutions. Participants were 47 social educators (M=44.28 years; SD=9.34) from southern Brazil. The instruments used were a moderator's performance evaluation form, participants' satisfaction evaluation form and the moderator's field diary. The data were analyzed using descriptive statistical analysis and data triangulation. Most of the social educators who participated in the program were satisfied/very satisfied with the content approach and the learning of the intervention, as well as with the program moderator. The repercussions of the intervention were more related to communication and conflict resolution strategies, qualifying, above all, the relationship between colleagues. Finally, the limitations and suggestions for future studies are pointed out.

Keywords: Out-of-home care; Social educator; Intervention; Evaluation.


RESUMEN

El objetivo de este estudio es presentar la evaluación del proceso de implementación del Programa Cuida, que buscó ofrecer mecanismos de apoyo para expandir las habilidades educativas positivas de los educadores sociales de las instituciones de acogida. El estudio incluyó a 47 educadores sociales (M= 44,28 años; DT = 9,34) del sur de Brasil. Como instrumentos se utilizaron el formulario de evaluación del desempeño del moderador, el formulario de evaluación de la satisfacción de los participantes y el diario de campo del moderador. Los datos se analizaron a partir de análisis estadísticos descriptivos y triangulación de datos. La mayoría de los educadores sociales se mostraron satisfechos / muy satisfechos con el contenido cubierto y con el aprendizaje de la intervención, así como con el moderador del programa. Las repercusiones de la intervención estuvieron más relacionadas con las estrategias de comunicación y resolución de conflictos, calificando, sobre todo, la relación entre compañeros. Finalmente, se señalan las limitaciones del estudio y sugerencias para futuros estudios.

Palabras clave: Acogimiento institucional; Educador social; Intervención; Evaluación.


 

 

O acolhimento institucional é uma medida de proteção provisória e excepcional destinada a crianças e adolescentes cujos direitos foram ameaçados ou violados (Brasil, 1990). As instituições devem garantir a proteção integral de crianças e adolescentes acolhidos diante da condição peculiar de sujeitos em desenvolvimento, oferecendo todos os recursos necessários para suprir suas necessidades básicas, como moradia e alimentação e, também, suas demandas emocionais, afetivas e sociais, estimulando, com absoluta prioridade, a convivência familiar e comunitária.

A qualidade do cuidado oferecido é uma das características que interfere no impacto e nos efeitos do acolhimento para o desenvolvimento da criança. O educador social é o responsável direto pelo cuidado dos acolhidos, constituindo-se como sua principal referência protetiva e afetiva (Marzol et al., 2012). Assim, as práticas educativas implementadas por ele, ou seja, as ações e estratégias empregadas na orientação e socialização do comportamento de crianças e adolescentes (Alvarenga & Piccinini, 2007), são essenciais para o bem-estar do acolhido e para a construção de vínculos mais saudáveis e protetivos.

Muitos estudos apontam a urgência de intervenções junto aos educadores sociais (Barros & Naiff, 2015; Guerra & Del Prette, 2018; Ito & Azevêdo, 2021), de modo a adequar as práticas institucionais a uma perspectiva mais positiva de cuidado e educação. O estudo de Guerra e Del Prette (2018) indica um repertório deficitário de habilidades sociais dos educadores e o uso de práticas educativas pouco afetivas e inconsistentes, por vezes autoritárias ou negligentes.

Frente a essa demanda, o Programa Cuida foi construído com vistas a ofertar mecanismos de apoio para ampliar as habilidades e capacidades educativas dos educadores sociais de instituições de acolhimento de crianças e adolescentes. O programa estrutura-se em oito encontros grupais de duas horas cada, possui um formato multicomponente e é conduzido através da metodologia experiencial.

O formato multicomponente consiste na combinação de diferentes abordagens e técnicas (psicoeducação, atividades individuais, dinâmicas grupais, tarefas de casa e técnicas de manejo do estresse, como o relaxamento) para trabalhar conteúdos diversificados pertinentes à temática central (práticas educativas), como a regulação emocional, a comunicação assertiva, as estratégias de resolução de conflitos e o cuidado de si. Além de informar, as intervenções multicomponentes visam a ampliar, dentre outros aspectos, as habilidades sociais e o pensamento crítico dos participantes. A introdução de uma intervenção multi-métodos é preferível, já que oferece um repertório mais variado de abordagens e procura atender às diferenças individuais e culturais ao longo do processo de aprendizagem (Czerka & Mechlinska-Pauli, 2009; Durgante & Dell'Aglio, 2019).

A metodologia experiencial (Martín-Quintana et al., 2009) configura-se como uma forma de intervenção que parte das trocas de experiências para construção coletiva do conhecimento, valorizando as vivências e o saber prévio dos integrantes do grupo. Desta forma, evita-se a propagação de teorias prontas e de verdades absolutas, qualificando o participante como protagonista da intervenção. Através do diálogo e da reflexão conjunta, acessa-se com maior clareza as crenças, expectativas e opiniões dos participantes, facilitando a produção de novas aprendizagens (Máiquez-Chavez et al., 2000). Tal metodologia também foi utilizada em outras intervenções com grupos de pais (Máiquez-Chavez et al., 2000; Martín-Quintana et al., 2009) e educadores sociais (Bersch, 2017).

O Programa Cuida foi construído a partir dos pressupostos teóricos da Parentalidade Positiva, definida, pelo Conselho da Europa (Recomendação Rec(2006)19), como o comportamento de progenitores e cuidadores primários que permitam o desenvolvimento pleno da criança e garantam seus direitos, tendo como base práticas não-violentas de disciplina, orientação, empoderamento e reconhecimento (Council of Europe, 2006). Diversos estudos recentes vêm demonstrando que o uso da Parentalidade Positiva está associado a melhores níveis de bem-estar emocional e a menor incidência de sintomas depressivos, transtornos alimentares e uso abusivo de drogas (Chen et al., 2019). Da mesma forma, as práticas parentais positivas parecem funcionar como fatores de proteção diante de experiências adversas na infância (Yamaoka & Bard, 2019).

No Brasil, os programas de educação parental ainda são escassos, articulam-se a partir de iniciativas acadêmicas pontuais e não englobam, em específico, os pressupostos da Parentalidade Positiva (Bolsoni-Silva & Borelli, 2012; Neufeld et al., 2018). Já na Europa, os programas em Parentalidade Positiva são recomendados e apoiados pelo Conselho Europeu desde 2006 (Council of Europe, 2006), demonstrando, assim, a importância de políticas governamentais que fomentem a educação parental e promovam intervenções precoces e preventivas para desenvolver mecanismos de apoio parental. No acolhimento institucional, diante do afastamento familiar, são os educadores sociais que exercem o papel parental.

Estudos que tenham o objetivo de, não apenas, implementar uma intervenção no contexto do acolhimento institucional, como também avaliá-la a partir de critérios sistemáticos de avaliação de resultados (Mendes Lopes et al., 2013), ainda são limitados no Brasil. Pilati e Abbad (2005) apontam que quem promove a intervenção, além de instruir, deve procurar compreender de que forma e em que medida essa atividade produz os efeitos esperados ou não.

Sarriera et al. (2018) ressaltam que esse tipo de avaliação auxilia no embasamento das decisões quanto à continuidade ou não da intervenção, bem como quanto à necessidade de mudanças. O protocolo de avaliação pode incluir a avaliação do processo (para verificar se o processo de implementação está alinhado com a proposta de intervenção no que se refere à estrutura, procedimentos, recursos); avaliação da eficácia (para verificar os resultados e a mudanças nas variáveis analisadas ao final da intervenção, o que, normalmente, inclui um delineamento pré e pós intervenção); e a avaliação de impacto, por meio da inclusão de um grupo controle (para verificar se as mudanças nas variáveis investigadas podem, de fato, serem atribuídas à intervenção).

Embora a avaliação de eficácia ou de resultados seja comum, os estudos de avaliação do processo de implementação de intervenções ainda são escassos, sendo executados, frequentemente, de forma não-sistemática. Alguns autores vêm apontando que a avaliação de processo tende a auxiliar na compreensão dos efeitos (ou da falta) de uma intervenção, bem como identificar barreiras e facilitadores para a sua implementação (Moore et al., 2015; Murta et al., 2007). Para Moore et al. (2015), a avaliação de processo pode ser utilizada para avaliar a fidelidade e a qualidade da implementação, esclarecer mecanismos causais e identificar fatores contextuais associados à variação dos resultados.

Para avaliação do programa Cuida foi realizado estudo quase experimental, com inclusão de um grupo controle e avaliações de processo, eficácia e impacto. O objetivo deste estudo, especificamente, é apresentar a avaliação do processo de implementação da intervenção, a partir de análises estatísticas descritivas e da triangulação de dados provenientes de diferentes fontes e meios. Para a avaliação de processo foram analisadas as taxas de retenção de participantes; a satisfação com o programa e com o moderador; a compreensão e aplicabilidade dos conteúdos pelos participantes; a avaliação do moderador pelos observadores (habilidades sociais e fidelidade ao programa) e os dados do diário de campo do moderador. Além disso, foram analisadas as repercussões do Programa para os participantes, nas suas relações interpessoais com colegas e acolhidos, suas impressões gerais e sugestões.

 

MÉTODO

PARTICIPANTES

A amostra não probabilística foi composta por 47 educadores sociais (M=44,28 anos; DP=9,34), sendo 37 mulheres e 10 homens. Todos trabalhavam em instituições de acolhimento do sul do Brasil e concluíram todas as etapas no Programa Cuida. Os critérios de inclusão para compor a amostra foram: a) Ter, no mínimo, Ensino Médio concluído; b) Desempenhar a função de educador social em instituição de acolhimento de crianças e adolescentes há, pelos menos, seis meses; c) Aceitar participar das avaliações antes (T1) e após o término do programa (T2).

INSTRUMENTOS

Foram utilizados os seguintes instrumentos:

(1) Questionário Sociodemográfico: para investigar informações dos participantes como sexo, idade, escolaridade, estado civil, tempo de profissão e cursos de capacitação anteriores.

(2) Ficha de avaliação dos observadores (adaptada de Durgante, 2019): Cada sessão foi avaliada ao longo do programa, bem como a performance do(a) moderador(a), através de um questionário respondido pelos observadores previamente treinados. Este questionário foi elaborado com base em estudos prévios para a avaliação de efetividade de programas de intervenção (Murta et al., 2014; Wagner et al., 2016). O questionário inclui 12 questões em escala likert (variando entre 1=Fez pouco a 4=Fez completamente) sobre: habilidades sociais e integridade/fidelidade do(a) moderador(a) para com os processos na implementação da intervenção, adesão dos participantes às dinâmicas e técnicas sugeridas durante as sessões e três questões descritivas para relato de acontecimentos significativos, temas emergentes e outras observações.

(3) Ficha de avaliação de satisfação dos participantes (adaptada de Durgante, 2019): com nove questões em escala likert (1-Insatisfeito; 2-Regular; 3-Satisfeito; 4-Muito satisfeito) e cinco questões abertas, avalia a satisfação com o programa, a compreensão dos conteúdos abordados e a aplicação do aprendizado. É aplicado após o término do programa.

(4) Diário de campo do moderador para registros de observações, interpretações e inferências feitas ao término de cada sessão do programa.

PROCEDIMENTOS E CONSIDERAÇÕES ÉTICAS

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, sob o parecer 2.723.700. Segue as diretrizes da Resolução nº 510/2016 (Conselho Nacional de Saúde, 2016).

A equipe foi composta por um moderador e por seis observadores previamente treinados que se alternaram em duplas ao longo dos oito encontros de cada um dos sete grupos realizados. A divulgação do programa incluiu palestras para as equipes técnicas das instituições de acolhimento da rede municipal e estadual, bem como anúncios/convites em redes sociais, como o Facebook.

Os encontros ocorreram de outubro de 2018 a outubro de 2019 no Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. No primeiro encontro os participantes preencheram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e o questionário sociodemográfico e, no último encontro, os participantes responderam à Ficha de avaliação de satisfação com o programa. Já os observadores treinados preencheram as Fichas de avaliação do desempenho do moderador ao longo dos encontros.

Foram analisadas 47 Fichas de avaliação de satisfação com o Programa, respondidas pelos participantes, 112 Fichas de avaliação do desempenho do moderador, respondidas pelos observadores (o oitavo encontro não foi avaliado por ter a finalidade exclusiva de encerramento e confraternização) e as anotações do diário de campo do moderador.

Para análise dos itens em escala likert das fichas preenchidas pelos participantes e observadores foram utilizadas estatísticas descritivas (amplitudes, frequências, médias e desvios-padrão). Para análise das respostas às questões abertas das fichas de avaliação, conteúdos provenientes do diário de campo e das fichas preenchidas pelos observadores utilizou-se a análise de conteúdo (Bardin, 2004).

Após a realização das análises descritivas e de conteúdo do material, foi utilizada a estratégia de triangulação de dados, a partir de diferentes meios de coleta (observações, diário de campo, questionários e autorrelatos dos participantes), diferentes fontes de coleta (percepções dos participantes, observadores e do moderador), e em diferentes momentos (antes, durante e após o programa). Tal estratégia tende a ampliar a validade interna e o rigor científico de pesquisas qualitativas (Santos et al., 2018) e é indicada para estudos de avaliação de processo de implementação de intervenções (Steckler & Linnan, 2002).

 

RESULTADOS

AVALIAÇÃO DO PROCESSO PELOS INDICADORES QUANTITATIVOS - PARTICIPANTES E OBSERVADORES

Foram realizadas análises estatísticas descritivas das variáveis definidas como critérios para avaliação da implementação do programa, observando-se: (1) As taxas de retenção dos participantes; (2) Avaliação da satisfação com o programa e com o moderador, e compreensão e aplicabilidade dos conteúdos pelos participantes; e (3) A avaliação do moderador pelos observadores (habilidades sociais e fidelidade ao programa).

Quanto à Retenção: dos 56 participantes que iniciaram o programa, 47 o concluíram, evidenciando uma taxa de evasão de 16%, aproximadamente. Alguns educadores justificaram o afastamento alegando alteração nos turnos de trabalho, admissão em um segundo emprego, doença, entre outros. Considerando aqueles que concluíram o programa (n=47), a frequência nos encontros foi superior a 80%, possibilitando a emissão do certificado de participação.

Quanto à Avaliação de satisfação dos participantes com o moderador e com o programa a variação dos escores obtidos em escala de autorrelato de quatro pontos (1-Insatisfeito; 2-Regular; 3-Satisfeito; 4-Muito satisfeito), preenchida por 47 respondentes após finalização do programa (T2), para as seguintes questões, foram:

Satisfação dos participantes com o programa e o moderador: Item 1.'Em geral, como se sentiu durante o programa', escores entre 2 e 4 (M= 3,59; DP=0,54); Item 2. 'Qual a sua satisfação global com o programa', variação entre 2 e 4 (M=3,59; DP=0,58); Item 3. 'Qual a sua avaliação do coordenador do grupo', variação entre 3 e 4 (M=3,84; DP=0,37); Item 4. 'Qual a sua satisfação com as aprendizagens no programa' variação entre 3 e 4 (M=3,70; DP=0,46); Item 5. 'Qual a sua satisfação com o tempo de duração das sessões', variação entre 2 e 4 (M= 3,18; DP=0,58); Item 6. 'Qual a sua satisfação com o horário das sessões?', variação entre 2 e 4 (M=3,34; DP=0,60); Item 7. 'Foi fácil assistir a todas as sessões do programa?', variação entre 2 e 4 (M=3,30; DP=0,50).

Satisfação dos participantes com relação à Compreensão e Aplicabilidade dos conteúdos do programa: Item 8. 'Entendeu os conteúdos abordados durante as sessões' os escores variaram entre 3 e 4 (M=3,50; DP=0,50); Item 9. 'Quanto você aplicou na vida cotidiana os conteúdos abordados no programa', variação entre 2 e 4 (M=3,23; DP=0,52).

Quanto à Avaliação do Moderador pelos Observadores, foram calculados os escores em relação às Habilidades Sociais (cinco itens) e à Integridade/Fidelidade (sete itens) do moderador. O escore relativo à avaliação do moderador foi calculado a partir da média dos escores atribuídos pelos observadores nas sete sessões avaliadas, variando entre 1=Fez pouco e 4=Fez completamente. Os escores dos itens relativos às Habilidades Sociais variaram entre 1 e 4 (M=3,94; DP=,21), e para Integridade/fidelidade de 1 a 4 (M= 3,82; DP=,40).

AVALIAÇÃO DO PROCESSO PELOS INDICADORES QUALITATIVOS - PARTICIPANTES, OBSERVADORES E MODERADOR

Para análise dos dados qualitativos, foram consideradas as seções descritivas das fichas de avaliação de satisfação com o programa (participantes), fichas de avaliação do desempenho do moderador (observadores) e do diário de campo (moderador). Foi utilizada a análise de conteúdo, conforme as três etapas sugeridas por Bardin (2004): Análise inicial, exploração do material e interpretação inferencial. As categorias e subcategorias, definidas a posteriori, foram assim organizadas: (1) Repercussões do Programa; (2) Relações interpessoais (2.1 Com acolhidos e 2.2 Com colegas); (3) Impressões gerais; (4) Sugestões.

A primeira categoria, repercussões do programa, inclui as percepções dos participantes, dos observadores e do moderador sobre as mudanças percebidas a partir do contato com o Programa Cuida. Os participantes observaram mudanças relacionadas à maioria dos conteúdos abordados no programa: regulação emocional, comunicação assertiva, estratégias de resolução de conflitos e autocuidado/autoeficácia. Acerca da regulação emocional, respostas como "penso mais antes de agir", "agir com mais calma" e "tenho mais tolerância e paciência frente às situações em geral", denotam o uso mais frequente de estratégias adaptativas de regulação das próprias emoções. Quanto à comunicação assertiva, os educadores fizeram uso de elogios e palavras/atitudes de incentivo como estratégias mais adaptativas de comunicação com os acolhidos. Sobre estratégias de resolução de conflitos, respostas como "aprendi a escutar mais", "aprendi a dialogar mais" e "percebi a importância da negociação e de combinações com os acolhidos", demonstram que os educadores incorporaram ao seu cotidiano novas maneiras de resolver os conflitos, tanto com acolhidos, como com os colegas. Quanto ao autocuidado/autoeficácia, a maioria das respostas esteve associada à ampliação da capacidade de crítica e análise de si e do seu trabalho e ao maior senso de competência e confiança.

Os observadores registraram manifestações positivas dos participantes quanto às repercussões do programa, tais quais: "melhora na comunicação", "promover um espaço de trocas", "lidar melhor com os conflitos", "as encenações me auxiliaram a pensar em outras estratégias" e "as tarefas da semana me ajudaram a repensar a prática no cotidiano". Assinalaram, ainda, algumas considerações acerca da dificuldade dos educadores de aplicarem os aprendizados do programa nas suas instituições, pois nem todos os colegas de trabalho tinham realizado a capacitação.

O moderador, em seu diário de campo, registrou que os participantes manifestaram, ao longo da intervenção, a importância de refletirem, coletivamente, sobre alternativas de manejo das situações conflituosas a partir de relatos dos colegas, bem como sobre formas de implementar estratégias de autocuidado, auxiliando-os a estabelecer prazos e flexibilizar metas.

A segunda categoria, relações interpessoais, agrupa todas as menções feitas a respeito de mudanças percebidas no campo relacional dentro do contexto institucional. Na subcategoria relação com os acolhidos, os participantes deram respostas como, "aprendi que é importante aumentar a autoestima dos acolhidos", "procurei criar e fortalecer os vínculos com os acolhidos", "aprendi a ter mais flexibilidade com os acolhidos" e "estou mais protetiva em relação aos acolhidos", reforçando a relevância do papel protetivo e afetivo do educador social. Na subcategoria relação com os colegas foram identificadas respostas como, "aprendi a perceber mais as dificuldades e necessidades dos colegas", "me sinto mais amparada pelos colegas", "busco mais a ajuda dos colegas", evidenciando a importância do trabalho em equipe e do fortalecimento de relações mais empáticas e respeitosas. Observadores e moderador também destacaram a relevância das trocas entre educadores sociais de diferentes turnos e a exploração de pontos de vista diversos, aspectos que podem ter colaborado para a percepção sobre a qualificação das relações com os colegas, citada anteriormente.

A terceira categoria, impressões gerais do programa, inclui respostas relativas às percepções globais quanto ao programa e quanto às aprendizagens ao longo da intervenção. Os participantes mencionaram aspectos como, "o programa norteou o trabalho", "o cotidiano se tornou mais fácil", "percebi que estava acomodada" e "voltei a ter esperança".

Os participantes, conforme os observadores, consideraram o programa inovador, já que intervenções direcionadas aos educadores não são oferecidas com frequência. Os educadores reconheceram no programa a possibilidade de lançarem novos olhares e repensarem sua prática, um espaço seguro e sigiloso para compartilharem suas experiências e sentimentos, além de serem escutados. Observadores destacaram, ainda, que a "experiência prévia da moderadora como técnica" foi mencionada pelos participantes como aspecto relevante. A necessidade da melhoria na gestão do tempo foi registrada por observadores e moderador, tendo em vista que, frequentemente, os encontros extrapolavam as duas horas previamente acordadas.

Na quarta e última categoria, sugestões, foram registradas respostas que denotam o desejo de ampliação do programa como, "dar continuidade ao programa com outros temas", "maior carga horária de curso", e "maior divulgação" e "oportunizar um turno à noite" e outras respostas que sugerem mudanças como, "fazer em outro local" e "ter um estacionamento no local". Os observadores, em consonância, destacaram que a aplicação do programa em um local com estacionamento foi uma sugestão frequente e que a ampliação do mesmo também foi pontuada pelos participantes: "estender o programa às equipes técnicas e diretivas" e "novos módulos". Além desses aspectos, no diário de campo do moderador, foi registrada a sugestão de inclusão de temáticas mais específicas ao conteúdo do programa, como sexualidade e drogadição, as quais geravam dúvidas nos educadores e não são abordadas com frequência em outras capacitações.

 

DISCUSSÃO

Nesta seção, os dados provenientes dos diferentes tipos de questões respondidas pelos participantes e pelos observadores, assim como das anotações do diário de campo do moderador, são discutidos conjuntamente, a partir da triangulação de dados (diferentes meios, fontes e tempos de coleta), a fim de compreender e articular, com maior nitidez, os resultados obtidos (Santos et al., 2018).

Destaca-se, primeiramente, conforme apontado pelos educadores sociais, a relevância de iniciativas como o Programa Cuida, onde encontraram um espaço seguro e sigiloso para repensarem suas práticas e compartilharem suas angústias, dúvidas e experiências, atividade pouco usual no cotidiano destes profissionais. O formato grupal possibilitou que os participantes conhecessem outras realidades e, inclusive, se deparassem com dificuldades semelhantes, apresentadas por educadores alocados em outras instituições. O suporte dos colegas de grupo também foi citado como um dos aspectos mais positivos em um estudo que buscou avaliar o processo de implementação de uma intervenção com psicólogos (Damásio et al., 2014).

Ressalta-se, também, a importância do uso da Metodologia Experiencial ao longo das intervenções. Ao contrário de metodologias meramente informativas, nas quais o participante é receptor passivo de informações, a Metodologia Experiencial contribuiu e facilitou as trocas no grupo. Como salientam Garcia et al. (2016), é justamente nesse entremeio que há o fortalecimento das competências educativas e de cuidado, bem como a proposição de novas estratégias e práticas. O uso do formato multicomponente também precisa ser valorizado como um diferencial do Programa Cuida, já que agregar diferentes conteúdos e técnicas parece resultar em efeitos mais significativos do que aqueles provenientes de intervenções de cunho exclusivamente informativo.

Outros estudos brasileiros, cujo objetivo foi aplicar e avaliar intervenções, também adotaram este formato (Durgante & Dell'Aglio, 2019; Murta et al., 2016). Aspectos como o formato grupal e multicomponente e a metodologia usada referem-se à dimensão de implementação, ou seja, como a intervenção foi realizada. Segundo Moore et al. (2015), investigar tais aspectos em uma avaliação de processo auxilia na construção de parâmetros para a replicação da intervenção e, também, na formulação de políticas públicas mais assertivas.

Quanto às avaliações de satisfação aplicadas no pós-intervenção, ressalta-se que a maioria dos educadores sociais que participou do Programa Cuida se mostrou satisfeita ou muito satisfeita com os conteúdos abordados e as aprendizagens da intervenção, bem como com o moderador do programa. Berkel et al. (2011) salientam que a satisfação dos participantes, embora não seja suficiente, é um dos indicadores de êxito das intervenções. Esses dados endossam os bons resultados de retenção dos participantes do Grupo Experimental, tendo em vista que 84% da amostra inicial finalizou o programa. Esta taxa é considerada satisfatória para um estudo longitudinal, uma vez que dados recentes de estudos nacionais e internacionais com outras amostras apontam taxas de evasão entre 40% e 80% após o recrutamento ou início da intervenção (Teague et al., 2018).

Na avaliação dos participantes, o item mais bem avaliado (média mais alta) foi em relação ao moderador do grupo, seguido da satisfação com as aprendizagens. Embora esses resultados possam ser limitados por questões de desejabilidade social, observou-se, a partir da triangulação dos dados, que esses resultados também foram verificados nas avaliações descritivas dos participantes e nas avaliações dos observadores, a respeito das habilidades sociais do moderador e de sua fidelidade para com os processos de implementação da intervenção.

A experiência prévia do moderador na área do acolhimento institucional também foi mencionada pelos educadores como elemento relevante para o processo. Garcia et al. (2016), ao avaliarem uma proposta de intervenção em educação parental no sul do Brasil, destacaram, da mesma forma, o papel do moderador como potencializador de vínculos e de sentimentos de confiança, bem como regulador dos níveis de bem-estar no grupo. Além do bom vínculo com o moderador, atenta-se para outros fatores que possam ter atuado como mecanismos facilitadores das mudanças e da manutenção dos educadores no programa, como o local central e de fácil acesso onde foi realizado, e a oferta de certificados de extensão universitária.

Moore et al. (2015) sugerem, também, que os mecanismos de impacto possam ser investigados a partir de análises estatísticas de mediação e moderação, a fim de avaliar quais variáveis possam estar influenciando nessa relação. Novos estudos para avaliar os mecanismos de impacto do Programa Cuida deverão ser desenvolvidos.

Quanto à avaliação quantitativa, constatou-se que os participantes ficaram menos satisfeitos com o tempo de duração das sessões e com a aplicabilidade dos conteúdos na vida cotidiana. Quanto ao primeiro tópico, sobre o tempo das sessões, é possível que as médias ligeiramente mais baixas indiquem o interesse em poder trabalhar por mais tempo as temáticas de cada encontro, sendo, inclusive, sugerida pelos participantes a ampliação do programa, a partir de novos módulos e da oferta a outras equipes da instituição de acolhimento. Atenta-se, ainda, para o fato de que, embora o estudo de viabilidade (Wendt & Dell'Aglio, 2021) tenha resultado na readequação dos conteúdos para melhor se ajustarem às duas horas previstas, frequentemente os encontros extrapolavam esse tempo, visto que os educadores sociais sempre tinham muito a compartilhar com o grupo. Esse aspecto, também registrado pelo moderador em seu diário de campo, pode ter ocasionado a insatisfação de alguns participantes, sendo relevante que seja amplamente revisado em futuras aplicações.

A aplicabilidade dos conteúdos na vida cotidiana, referente à dimensão de contexto (Moore et al., 2015; Pfadenhauer et al., 2017), é um tópico que precisaria ser melhor investigado, para verificar se os conteúdos trabalhados foram percebidos como de difícil aplicação devido à forma como foram abordados, por questões pessoais dos participantes ou, ainda, por condições estruturais dos diferentes contextos de trabalho. Alguns educadores mencionaram nas fichas de avaliação e nos seus relatos que a dificuldade de implementarem práticas educativas mais positivas provinha do fato de que muitos colegas, os quais não haviam participado do Programa, possuíam visões distintas a respeito da educação e cuidado do acolhido, gerando, por vezes, discórdias. Conforme mencionam Moore et. al (2015), mesmo que a intervenção seja relativamente simples, sua interação com o contexto pode ser altamente complexa. Deste modo, se faz necessário um estudo mais detalhado que investigue quais aspectos do contexto institucional funcionaram como barreiras ou facilitadores da generalização dos resultados e aplicabilidade na vida cotidiana.

Ainda assim, ressalta-se que muitos participantes destacaram que algumas das temáticas trabalhadas, como as habilidades de comunicação assertiva e as estratégias de resolução de conflitos, serviram, também, para melhorar a convivência com os colegas de equipe, conforme identificado na subcategoria relações com os colegas. Compreende-se que a qualificação das relações institucionais como resultado observado é um aspecto extremamente positivo, visto que uma das queixas mais frequentes trazida pelos educadores estava atrelada às dificuldades de comunicação com os colegas de outros plantões. Bersch (2017), em sua intervenção com educadores sociais, também identificou os conflitos entre colegas como uma das queixas centrais.

A respeito das repercussões do programa, os participantes apontaram resultados positivos relacionados a todos os conteúdos trabalhados ao longo do programa, sobretudo, acerca das estratégias de comunicação assertiva e de resolução de conflitos. Ressalta-se que ambas são habilidades sociais (Del Prette & Del Prette, 1996) passíveis de treinamento e profundamente relacionadas. Uma revisão teórica conduzida por Del Prette e Del Prette (2005) identificou que a comunicação assertiva, a qual preza pelo compartilhamento de opiniões de forma respeitosa e empática, produz ganhos individuais e também coletivos, já que auxilia na resolução mais adaptativa de conflitos provenientes das interações sociais, no caso específico do contexto institucional, com acolhidos e com colegas, sejam eles outros educadores sociais, técnicos ou coordenadores.

Algumas atividades pontuais realizadas ao longo dos encontros como o role-play (encenação de situações cotidianas), o método de exploração de soluções (Martínez-González, 2009) e o uso da negociação (ganhar-ganhar), podem ter auxiliado no processo de mudança mencionado pelos educadores. Em particular, a técnica de role-play, utilizada largamente na Terapia Cognitivo-Comportamental (Beck, 2014) e sugerida com método possível pela Metodologia Experiencial (Máiquez-Chavez et al., 2000), demandou que os educadores, muitos dos quais atuavam há mais de 10 anos na área, repensassem suas práticas e maneiras de solucionar os problemas. Conforme Beck (2014), as simulações de vivências, a troca de papéis e outros modos de interação, permitem que os participantes compartilhem pensamentos automáticos, trabalhem respostas mais adaptativas e desenvolvam novas habilidades sociais. O método de exploração de soluções e a estratégia de negociação procuraram estimular o uso do diálogo e a flexibilização na tomada de decisão.

Na categoria de impressões gerais do programa, as respostas obtidas relacionaram-se às percepções globais dos educadores sociais quanto ao programa e suas aprendizagens. Respostas como "o programa norteou o trabalho" e "aprendi ferramentas" demonstram que a intervenção, em geral, atingiu seus objetivos de oferecer conhecimento teórico e prático acerca das práticas educativas positivas. Outras menções como "os dias se tornaram mais leves" apontam para o papel de suporte e apoio que o programa teve nas atividades diárias dos educadores. Espaços de escuta e de compartilhamento de emoções como supervisões, capacitações e psicoterapias podem melhorar a qualidade de vida destes profissionais e, consequentemente, qualificar o cuidado ofertado aos acolhidos.

Quanto às sugestões, quarta e última categoria evidenciada, os educadores ficaram divididos em suas proposições. Algumas se referem ao interesse de ampliação do programa, melhorando a divulgação, realizando novos módulos, incluindo novos temas e abrindo turmas em outros turnos. Estas sugestões demonstram que os educadores reconhecem a relevância e a eficácia do programa no seu dia-a-dia. Outros participantes sugeriram mudanças, sobretudo, logísticas e estruturais, apontando para a importância do estacionamento e nominando outros possíveis locais para a realização da intervenção.

Por fim, cabe ressaltar que, conforme salientam Luz et al. (2017), um estudo como este não pretende esgotar a temática, nem permite concluir em que medida os indicadores de processo afetam a intensidade dos resultados, entretanto, há evidências sobre a relação entre a qualidade da implementação e os resultados de programas preventivos (Durlak & DuPree, 2008). Atenta-se, também, acerca da relevância do uso da triangulação de dados, a qual permitiu que o processo de implementação da intervenção fosse melhor avaliado, já que auxiliou no cruzamento de dados provenientes de diferentes fontes e de diferentes etapas da aplicação, buscando garantir sua validade. Assim, conforme apontam Berkel et al. (2011), pode-se compreender de forma mais ampla como a intervenção foi conduzida e recebida pelos participantes, facilitando a realização de alterações e a interpretação dos resultados.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo teve como objetivo apresentar os resultados da avaliação do processo de implementação do Programa Cuida, a partir de critérios apontados pela literatura como relevantes para compreender a qualidade da proposta, que consideraram as taxas de retenção de participantes, a satisfação dos participantes com o programa e com o moderador, a compreensão e aplicabilidade dos conteúdos pelos participantes, assim como a avaliação do moderador pelos observadores (habilidades sociais e fidelidade ao programa), discutindo-os nas dimensões de implementação, de mecanismos de impacto e contexto. Para tanto, foram utilizadas análises estatísticas descritivas e a triangulação de dados provenientes das fichas de avaliação da satisfação dos participantes, fichas de avaliação do desempenho do moderador e registros do diário de campo do moderador.

A maioria dos educadores sociais que finalizou a intervenção se mostrou satisfeito ou muito satisfeito com os conteúdos abordados e as aprendizagens da intervenção, bem como com o moderador do programa, resultando em uma alta taxa de retenção. Os educadores referiram mudanças em suas práticas educativas, sobretudo no que se refere às estratégias de comunicação assertiva e de resolução de conflitos. Assim, conforme a análise de dados realizada, pode-se concluir que a intervenção foi desenvolvida a partir de objetivos socialmente válidos e procedimentos aceitáveis, contribuindo para a reflexão e melhoria das práticas educativas positivas de educadores sociais de instituições de acolhimento. Embora a validade social, ou seja, a aceitabilidade social dos procedimentos e a importância social dos efeitos (Fawcett, 1991; Wolf, 1978), não seja suficiente para garantir os resultados, é um pré-requisito importante para a implementação e disseminação da intervenção no mundo real (Barbosa & Murta, 2019).

Ainda são evidentes as lacunas nas políticas públicas de apoio direcionadas às instituições de acolhimento, em especial aos educadores sociais. Assim, desenvolver e avaliar sistematicamente programas preventivos que promovam práticas positivas junto a esses profissionais mostra-se fundamental para que os serviços sejam melhorados e os princípios de cuidado e proteção sejam efetivamente e integralmente cumpridos. Entende-se que, nesse sentido, o Programa Cuida é pioneiro e inovador. A proposta de intervenção desenvolvida e avaliada neste estudo pode contribuir para embasar futuros projetos de intervenção com educadores sociais e destaca-se por ter sido avaliada a partir de critérios científicos, o que ainda não é prática usual no Brasil.

Compreende-se, também, que este estudo contribui para a área da Psicologia do Desenvolvimento Humano por ter um delineamento longitudinal, buscando acompanhar e descrever as mudanças relacionadas à intervenção. Estas mudanças manifestaram-se tanto nas práticas educativas utilizadas pelos educadores sociais, como também no seu desenvolvimento pessoal, já que o Programa trabalhou aspectos relacionados ao autoconhecimento, crenças e autocuidado. A qualificação técnica e pessoal do educador pode produzir, ainda, efeitos diretos e indiretos no desenvolvimento físico, social e psicológico das crianças e adolescentes acolhidos, acompanhados por esses profissionais. Deste modo, ofertar suporte técnico aos educadores sociais é essencial para o fortalecimento da rede de proteção e para assegurar que os direitos de crianças e adolescentes não sejam novamente violados.

Destaca-se como limitações deste estudo o uso de fichas de autorrelato para avaliar a satisfação dos participantes, visto que, embora tenham preservado o anonimato, podem ter sido enviesadas pelo fenômeno da desejabilidade social. Assim, outras formas de mensurar resultados precisam ser ponderadas. Aspectos relacionados à duração dos encontros, ao local da intervenção e à divulgação do programa a partir de outros meios precisam ser revistos para próximas aplicações. Finalizando, sugere-se a continuidade de intervenções como a proposta neste estudo, com replicações em novos grupos, em diferentes contextos, buscando avaliar de forma mais ampla a aplicabilidade, eficácia e efetividade do Programa Cuida, bem como os fatores contextuais que atuam como facilitadores ou como barreiras na generalização dos resultados.

 

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Endereço para correspondência
Bruna Wendt
E-mail: brunawendt@yahoo.com.br

Recebido: 09/10/2021
Revisado: 29/04/2022
Aprovado: 10/05/2022

 

 

1 Bruna Wendt é Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e docente do curso de Psicologia da Instituição Evangélica de Novo Hamburgo.
2 Débora Dalbosco Dell'Aglio é professora colaboradora do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade La Salle.

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