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Psicologia Hospitalar

versão On-line ISSN 2175-3547

Psicol. hosp. (São Paulo) v.2 n.2 São Paulo dez. 2004

 

EM FOCO

 

8th Annual Meeting of Biofeedback Foundation European (BFE)

2nd Annual Meeting of International Society for Neuronal Regulatio (E-isnr)

 

 

Dirce M. Navas Perissinotti1

 

 

Foi muito fecundo o século que terminou quanto ao progresso dos aspectos relativos à tecnologia em diversas áreas.

A Psicologia, em distintas áreas, particularmente aquelas relacionadas às estratégias que se dedicam à cura do mal-estar do homem em si e na civilização, também recebeu contribuições inestimáveis com tal avanço. É inegável.

Técnicas relacionadas ao desenvolvimento do potencial humano vêm se concretizando e usufruindo de destaque nestes últimos anos com a chegada da “Década do Cérebro”. A Neurociência hoje é tema de artigos em jornais, revistas leigas e a cada reunião social sempre se encontra alguém comentando sobre algum dos achados neurocientíficos, desde os mais óbvios até os mais refinados. Inúmeras publicações estão disponíveis como manuais de auto-ajuda com o intuito de apaziguar alguma angústia, discutindo os porquês de alguém se comportar desta ou daquela forma e a resposta é “culpa” do sistema límbico, da amígdala ou do córtex pré-frontal.

Modismos à parte é evidente que a terapêutica psicológica pós “Década do Cérebro” vem se beneficiando das descobertas neurocientíficas.

Há quem diga, por outro lado, que a Psicologia estaria se contaminando por “forças funestas” da biologização e perdendo sua característica filosófica. Outros, no entanto, afirmam que a Psicologia é biológica. Outros ainda, articulam um novo “re”encontro com Freud, através da Neurociência.

Digamos que todos têm sua razão, mas ninguém está certo. O cerne da questão da Psicologia e das psicoterapias, nos parece, é levar ajuda ao sofredor, seja por um caminho ou por outro.

Neste panorama a técnica de Biofeedback vem despontando há décadas como uma das mais preconizadas como eficaz sob a mira da articulação corpo-mente.

O Biofeedback é um método psicofísico, um dos ramos de investigação científica da conexão corpo-mente. A Psicofisiologia é definida como o campo de estudo que examina as relações entre as atividades mentais e funções físicas. Interessa-se pelas características mentais que afetam o corpo, assim como as experiências das informações corporais e as alterações induzidas nele pelas emoções. A Psicofisiologia aplicada é disciplina que se utiliza dessas informações para propósitos práticos, especialmente a investigação do controle das funções corporais e problemas de saúde, incluindo o mental.

O Biofeedback surge no final dos anos 60 para descrever os procedimentos, desenvolvidos desde 1940, para o desenvolvimento de estratégias que alteram a atividade das funções corporais que voluntariamente não seriam controladas.

Desde o início a técnica foi desenvolvida por psicólogos visando tornar conscientes as funções corporais normalmente inconscientes, através de técnicas de monitoramento, proporcionando o desenvolvimento de controle por aprendizagem implícita. Objetiva novos insights entre o comportamento biológico e o mental. Atualmente cresce aplicação das neuroterapias e em especial o Neurofeedback, que ao monitorar as ondas cerebrais oferece informações sobre mudanças na atividade elétrica do cérebro e auxilia os doentes a modificarem seus padrões. Parte-se da proposição de que o cérebro apresenta freqüência de ondas em ressonância que são subharmônicas. Algumas dessas freqüências, conhecidas por sinais identificados através do eletrencefalograma (EEG), quando treinadas são consideradas como neuroterapia.

Em fevereiro último (2004) ocorreu o 8th Annual Meeting of Biofeedback Foundation European (BFE) conjugado ao 2nd Annual Meeting of International Society for Neuronal Regulatio (E-isnr), em que profissionais da área se reuniram. Ocorrido na Universidade de Ciências Aplicadas de Zurique em Winterthur,Suíça, entre 24 e 28 de fevereiro de 2004, as duas Sociedades se uniram para a organização do evento. Houve mais de 280 participantes de 33 países diferentes, registrando-se como o maior evento desde a fundação da BFE há cerca de 10 anos. No evento workshops foram demonstrados os últimos avanços técnicos e tecnológicos em Biofeedback e Neurofeedback. Fóruns de discussão e sessões científicas foram à época dedicada à Neurociência básica e aplicada.

A programação iniciava-se às 9:00h e prosseguia até 21:00h, com intervalo de uma hora e meia para o almoço em refeitório da própria universidade, o que certamente foi uma ímpar oportunidade de relacionamento entre os participantes. Foi possível passar todos esses dias sob a luz da Ciência e suas implicações fisio-filosóficas.

A conferência de abertura apresentada pelo programa foi pronunciada por Wolfgang Klimesch, da Universidade de Salzburg, Áustria, que discutiu um modelo para a geração de potenciais evocados (ERPs), seguido de comentários de Barry Sterman da Universidade de Los Angeles (UCLA), que fechou a sessão da tarde com o trabalho sobre a seqüenciação de resposta de componentes do EEG e suas implicações para a aprendizagem.

A apresentação de Adrian Burgess, Imperial College of London, Inglaterra, discutiu a conectividade funcional na esquizofrenia. Gert Pfurtscheller, da University of Graz, Áustria, apresentou revisão sobre o significado da sincronização e dessincronização de eventos-relacionados às ondas alpha, beta e gamma utilizadas atualmente em Neurofeedback e Neuroterapia.

John Gruzelier (Imperial College London), Silvana Galderisi (University of Naples II, Itália), Juri Kropotov (Institute of the Human Brain, São Petersburg) e Wolfgang Miltner da University of Jena, Alemanha, apresentaram tópicos relacionados à neuroreabilitação.

Dietrich Lehmann e Roberto Pascual-Marquis, ambos do Institute for Brain-Mind Research-KEY, versaram sobre a análise de microestados, sLORETA e Análise de Componentes Independentes (ICA).

Da University of Tübingen (Birbaumer's lab), que há anos vêm desenvolvendo pesquisas com densa publicação especializada, relacionadas a memória e dor, apresentaram em sua comunicação pesquisas desenvolvidas sobre padrões base de EEG em pacientes fisicamente incapacitados e fMRI e Biofeedback. Thomas Elbert (University of Konstanz) apresentou dados de ondas anormais mapeadas pela magnetoencefalografia em diferentes transtornos psiquiátricos e enfatizou diferentes valores de ondas de atividade lenta e medidas de diagnóstico e prognóstico em psiquiatria (doença mental) e neurologia.

O programa oferecido pela BFE em cursos e palestras em auditórios simultâneos objetivava o aprofundamento da formação na área de Biofeedback e Neurofeedback. Entre os diferentes temas tivemos “Aplicações clínicas do Biofeedback” com Alexandra Nante da Philipps-Universität Marburg, Fachbereich, Alemanha. Lynda Thompson do ADD (Attention Deficit Disorder) Center da Universidade de Toronto com o curso “Fundamentos para o treinamento em Biofeedback e Neurofeedback”. Gabe Sella com “Harmonia muscular e movimento”. Don Moss com “Treinamento por Biofeedback em exercícios respiratórios e variabilidade cardíaca”. Donald Bars com “Utilização clínica de potenciais sensórios evocados”. Hermie J. Hermens dirigiu curso sobre “Aplicações do Biofeedback e as cefaléias”, além dos Profs. Ron Fuller, Daniel Hamiel, Daniëlle Matto, nomes de respeito que apresentaram cursos de aprofundamento no período.

Temas como “Incontinência e transtornos do assoalho pélvico”, “Dor e reabilitação” foram discutidos no programa de apresentação de trabalhos científicos.

Participamos com a apresentação oral do trabalho “Preliminary study of psychopathological disorders and quality of life in migraine patients and Biofeedback training” realizado pela Divisão de Psicologia do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina - Liga de Cefaléias e Algias Crânio-faciais da Clínica Neurológica, de autoria de Dirce M. Navas Perissinotti, em co-autoria com Elko Perissinotti, Getúlio D. Rabello e Mara C. S. De Lucia.

Compartilhamos do entusiasmo que encontramos no evento, pois em nosso país há carência de eventos relacionados ao assunto. Observamos que algumas peculiaridades são comuns à situação européia e à brasileira, pois houve uma intensa discussão sobre quais profissionais estariam habilitados ao exercício do Biofeedback e Neurofeedback. A conclusão a que se chegou ainda carece de maior debate, uma vez que o resultado está intimamente relacionado ao fim a que a terapêutica se aplica: se psicoterapêutica ou fisiátrica, ou de manejo do estresse, entre algumas aplicações.

Ao término dos trabalhos o presidente do Encontro, Erik Peper, em seu pronunciamento, aponta para os avanços que a técnica de Biofeedback vem obtendo nos últimos anos e atribui a oportunidade aos caminhos que o conhecimento do ser humano, física e psiquicamente, vem desenvolvendo. Afirma que o movimento de expansão do conhecimento acerca do Biofeedback é empolgante, porém nos impõe enorme responsabilidade.

Concluímos a partir do evento que a Psicologia no Brasil, embora em muitos aspectos tenha tido grande desenvolvimento, ainda nos reserva um grande abismo entre o que tem sido feito dentro e fora de nosso país.

Muitos preocupados com a pura filosofia e muitos outros preocupados com a pura biologização, poucos dedicados à articulação.

 

 

1 Psicanalista, psicóloga da Divisão de Psicologia - ICHCFMUSP, com atividades junto à clínica de Neurologia, mestre e doutoranda pela FMUSP.

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