SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.3 número1O vazio do homem da pós modernidade: uma reflexão sobre as influências dos comportamentos adictos no paciente portador obesidade mórbidaContribuição para o estudo normativo do Hooper Visual Organization Test (VOT) índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Psicologia Hospitalar

versão On-line ISSN 2175-3547

Psicol. hosp. (São Paulo) v.3 n.1 São Paulo jul. 2005

 

ARTIGOS

 

Depressão e síndromes isquêmicas miocárdicas instáveis: diferenças entre homens e mulheres1

 

 

Glória Heloise PerezI, José Carlos NicolauII, Bellkiss Wilma RomanoII, Ronaldo LaranjeiraIII

I Instituto do Coração (InCor) - HCFMUSP - Serviço de Psicologia
II Instituto do Coração (InCor) - HCFMUSP – Unidade Clínica de Coronariopatia Aguda
III UNIFESP – Departamento de Psiquiatria

 

 


RESUMO

Objetivo: Investigar, em portadores de Síndromes Isquêmicas Miocárdicas Instáveis (SIMI) estratificados por gênero, se características sócio-demográficas, diagnóstico clínico, tabagismo, consumo de álcool e ansiedade estão associados com depressão.
Métodos: Foram entrevistados 345 pacientes hospitalizados consecutivos, com SIMI. As entrevistas incluíram questões sobre características sócio-demográficas, tabagismo, avaliação de depressão (Prime MD e BDI), de ansiedade- traço e ansiedade- estado (IDATE), e de consumo de álcool (AUDIT).
Resultados: Depressão se correlacionou significativamente com gênero feminino, idade inferior a 50 anos, e escores médios mais elevados de ansiedade- traço e ansiedade- estado. Os homens (245) com depressão eram frequentemente mais jovens que 50 anos, fumantes, e apresentavam escore médio de ansiedade- traço e ansiedade- estado mais elevados do que os não deprimidos. A análise multivariada aponta que, no gênero masculino, idade está negativamente associada (OR 0,9519, 95% IC 0,9261-0,9784) e escores mais altos de ansiedade-traço estão positivamente associados (OR 1,0691 95% IC 1,0375- 1,1017) com depressão. Na amostra feminina (100), mulheres com depressão diferenciam-se das sem depressão por apresentarem escore médio mais alto de ansiedade-traço e de ansiedade-estado. Na análise multivariada da amostra feminina, escore mais alto de ansiedade-traço associou-se de forma independente à depressão (OR 1,1267 95% IC 1,0632-1,1940).
Conclusão Conclui-se que, em pacientes com SIMI hospitalizados, as mulheres, os homens com menos de 50 anos e os ansiosos têm mais chance de apresentarem depressão.

Palavras-chave: Depressão, Infarto do miocárdio, Angina instável, Ansiedade.


ABSTRACT

Objective: To investigate patients with acute coronary syndromes (ACS) stratified by gender, if sociodemographic characteristics, clinical diagnostic, smoking, alcohol consumption and anxiety are associated with depression.
Methods: Interviews were conducted with 348 consecutive in-patients with myocardial infarction (206) or unstable angina (139). Interviews included questions about demographic characteristics, smoking, depression (Prime-MD, BDI), state of anxiety, trait anxiety (STAI) and alcohol consumption (AUDIT).
Results: In the global population, the presence of major depression correlated significantly with the female gender, below 50 years of age, and with higher trait anxiety and state anxiety scores. Depressed males (245) were more frequently younger than 50 years of age, were typically smokers, and showed scores of trait anxiety and state anxiety higher than the non depressed. Multivariate analysis showed that for males, depression was negatively associated with age (OR 0.9519, 95% IC 0.9261-0,9784) and positively associated with higher trait anxiety scores (OR 1.0691 95% IC 1.0375- 1.1017). Considering the female sample (100), the following was found: depressed women, relative to the non-depressed, showed higher trait and state anxiety scores. The multivariate analysis of the female sample showed that higher trait anxiety scores were independently associated with depression (OR 1.1267 95% IC 1.0632-1.1940).
Conclusion: In ACS hospitalized patients, female gender, men younger than 50 years of age and those prone to anxiety, are more likely to present symptoms of depression.

Keywords: Depression, Myocardial infarction, Angina, Unstable, Anxiety.


 

 

Introdução

A doença arterial coronária (DAC) e a depressão são duas enfermidades que têm grande impacto na saúde, pois ambas apresentam alta prevalência nos dias atuais, e têm seus efeitos refletindo-se tanto na mortalidade como na qualidade de vida do homem contemporâneo.

A depressão tem uma complexa relação com a DAC. Evidências apontam-na como fator de risco 1-4, e também como fator influente na morbidade 1, na mortalidade 3,5-7 e na qualidade de vida 8 do paciente com DAC.

A depressão apresentou-se como associada à DAC e como fator psicológico de maior risco para doença cardíaca, num estudo de metanálise que incluiu dados publicados entre 1945 e 1985 9. A literatura, no que se refere à associação entre DAC e depressão, relata prevalências que variam de 14 a 60% 1,5,7, situando-se entre 15 e 44% 3,5,10,11 nos pacientes com infarto do miocárdio ou angina instável.

Como fator de risco, a depressão comporta-se como um fator isolado para o desenvolvimento da DAC, mas freqüentemente associa-se a outros marcadores de risco. Estudos com populações de não cardiopatas apontam que ela apresenta associação com obesidade (prevalência de depressão em 51% dos obesos com Transtorno de Compulsão Alimentar Periódica e em 14% dos obesos sem este transtorno) 12, diabetes (prevalência 3 vezes maior de deprimidos entre diabéticos do que na população em geral) 13 e tabagismo (prevalência de 18,5 a 60,6%) 14.

A depressão também pode influenciar o desenvolvimento e o curso da DAC, como salientam Glassman e Shapiro 2, pois além do impacto negativo do humor deprimido no tratamento da cardiopatia , as evidências apontam que os seus concomitantes físicos têm uma influência direta no funcionamento cardíaco. O desânimo, a apatia, a intolerância à frustração e a falta de flexibilidade psíquica, peculiares ao humor deprimido, criam condições desfavoráveis, levando à falta de motivação para a adesão ao tratamento medicamentoso e mudança de estilo de vida. Além disso, os fatores fisiológicos da depressão, tais como aumento da agregação plaquetária, hiperatividade do sistema simpático-adrenal, diminuição da variabilidade da freqüência cardíaca e do limiar para fibrilação ventricular , têm influência direta na evolução da DAC 15. Estes mecanismos patofisiológicos e as falhas de adesão ao tratamento e mudança de estilo de vida justificam os maiores riscos da reincidência do infarto agudo do miocárdio (IAM) e mortalidade entre os deprimidos.

Cabe salientar ainda que a depressão na DAC tende a ser pouco reconhecida pelo cardiologista, pois nem sempre se apresenta como um quadro típico, com a presença de h umor deprimido, perda acentuada de interesse ou prazer nas atividades habituais, sentimentos de inutilidade ou culpa, pensamentos recorrentes de morte, ideação suicida. Ao contrário, são mais freqüentes os sintomas somáticos, como cansaço, falta de energia, lentidão psicomotora, perda ou aumento de apetite, insônia ou hipersonia que podem ser confundidos com a sintomatologia da cardiopatia 15. É importante considerar também que a depressão pode se apresentar na sua forma atípica, por exemplo com a presença de irritabilidade, hiperfagia e hipersonia, ao invés de perda de apetite e insônia, respectivamente. Todas essas características do quadro depressivo na DAC determinam uma tendência a falhas de diagnóstico e tratamento.

Estudos com pacientes não cardiopatas também apontam que deprimidos têm mais dificuldade de abandonar o tabagismo 16 e o abuso do álcool 17 . Portanto, reconhecer e tratar a depressão significa diminuir os riscos de insucesso no tratamento da doença cardíaca.

As evidências sobre o amplo impacto negativo da depressão no desenvolvimento, curso, gravidade e tratamento da DAC nos advertem para os benefícios de aprofundar o conhecimento das peculiaridades da depressão associada à DAC. Estudos com populações estrangeiras apontam que depressão no IAM ou na angina instável associa-se aos mesmos fatores psicossociais incidentes em não cardiopatas: gênero feminino, estado civil solteiro, falta de amigos íntimos 3,18 . Mas, diferente dos não cardiopatas, na DAC a depressão não estaria associada ao tabagismo 3,19 . Que seja do nosso conhecimento, inexistem estudos sobre o assunto em brasileiros portadores de SIMI.

Assim, o objetivodeste estudo foi o de investigar se características sócio-demográficas, diagnóstico clínico, tabagismo, consumo de álcool e ansiedade estão associados com depressão, numa população de pacientes com Síndromes Isquêmicas Miocárdicas Instáveis (SIMI), comparando homens e mulheres.

 

Casuística e Método

Ética

O protocolo do estudo foi submetido e aprovado pela Comissão de Ética para Análise de Projetos de Pesquisa da instituição na qual foi realizado, em 10/05/00.

Casuística

O estudo foi realizado com uma amostra de 345 pacientes consecutivos com diagnóstico de SIMI, sendo 206 com Infarto Agudo do Miocárdio (IAM) comprovado por quadro clínico-eletrocardiográfico e/ou marcadores bioquímicos de necrose miocárdica, e 139 com Angina Instável (AI). Todos os pacientes encontravam-se hospitalizados, tendo sido contactados ainda na Unidade de Emergência ou já na Unidade Coronária de Terapia Intensiva, entre Julho/2000 e julho/2001.

Procedimento

As entrevistas foram realizadas por uma psicóloga assistente de pesquisa após obtenção do termo de consentimento livre e esclarecido, sempre durante a internação, a partir de 3 o dia no caso de IAM ou a partir do 2 o dia de evolução no caso de angina instável. Foram excluídos pacientes que apresentavam doença não cardiológica grave associada, prejuízo cognitivo, uso de antidepressivo e idade maior que 80 anos.

A entrevista não foi realizada no mesmo dia do estudo hemodinâmico nos pacientes submetidos a ele, evitando-se assim eventual viés da mobilização psicológica determinada pelo exame. As entrevistas foram realizadas em média 4,15 +1,56 dias pós-IAM. Os casos de AI foram entrevistados em média com 2,94 +1,30 dias de evolução . Este estudo compreende dados parciais de uma investigação sobre fatores associados e preditivos da manutenção do tabagismo em pacientes portadores de SIMI, o que explica uma amostra de 135 fumantes, 109 ex-fumantes e 104 não fumantes. Vinte e quatro pacientes recusaram-se a participar do estudo.

A entrevista compreendia a aplicação de:

    Questionário elaborado com a finalidade de levantamento de dados sócio-demográficos e histórico do tabagismo.

    Escala Critério de Classificação Econômica Brasil (CCEB) para avaliação do padrão econômico 16.

    Prime MD – Avaliação de Distúrbios Mentais para Atenção Primária (módulo Humor) 17,versão traduzida para o português por Fráguas Jr e Henriques Jr .Uma escala breve (17 itens) para diagnóstico de transtornos de humor baseada no Manual de Transtornos Mentais – 4ª edição (DSM-IV) desenvolvida para a pesquisa em atenção primária. Esta escala foi utilizada para o diagnóstico de depressão.

    Inventário de Depressão de Beck (BDI) 18,19. Trata-se de uma escala de 21 itens, com escores de resposta variando de 0 a 3, que avalia a presença e gravidade de sintomas depressivos, mas não é apropriada para o diagnóstico de depressão. O ponto de corte 20 utilizado foi : menor que 10, sem depressão ou depressão mínima; de 10 a 18 depressão leve a moderada; de 19 a 29 depressão moderada a grave; de 30 a 63 depressão grave.

    Inventário de Ansiedade Traço-Estado (IDATE) para avaliação de ansiedade-traço e ansiedade-estado 21. Este inventário é composto de 2 escalas com 20 itens cada. Uma delas avalia ansiedade-estado, que caracteriza-se pela percepção subjetiva de sentimentos de tensão e apreensão acompanhados de reações do sistema nervoso autônomo 22 em um momento particular. Ansiedade-traço, avaliada pela outra escala, diz respeito a uma tendência relativamente estável de perceber as situações como ameaçadoras e de reagir a elas com estado de ansiedade 22 Dadas as dificuldades dos pacientes da população estudada, detectadas em estudo anterior 23, para responder segundo as alternativas em escala de tipo Likert de 5 pontos (como é o caso no IDATE), criamos cartões com representação gráfica das alternativas.

    AUDIT – The Alcohol Use Disorder Identification Test 24, na versão traduzida por Figlie 25, é um questionário de 10 itens com escores variando de 0 a 40 que avalia consumo, abuso e dependência de álcool.

 

Análise Estatística

Na análise univariada utilizou-se o teste qui-quadrado para a comparação das variáveis categóricas gênero, faixa etária, escolaridade, classificação socioeconômica, diagnóstico clínico, tabagismo e faixas de escore de BDI. O Teste T de Student foi usado para comparar médias de idade, de escore de AUDIT (consumo de álcool) e de escore do IDATE (ansiedade-traço e ansiedade-estado). O Teste T foi revisado com o Teste de Levene para Igualdade de Variâncias, quando as amostras apresentavam variâncias. Valor de p<0,05 foi considerado estatisticamente significante.

Considerando depressão (Prime-MD) como variável dependente, as variáveis significantes na análise univariada foram avaliadas em 3 modelos de regressão logística: com a amostra total, com a amostra masculina e com a amostra feminina. Foi utilizado o método Stepwise, sendo que as variáveis não significantes foram removidas de acordo com o Teste Estatístico Wald.

As variáveis significantes para depressão na análise univariada consideradas como variáveis independentes na análise multivariadada da amostra total, foram gênero, idade, ansiedade-estado e ansiedade-traço. Para a amostra masculina idade, tabagismo, ansiedade-traço e ansiedade-estado foram as variáveis independentes incluídas no modelo de regressão logística; para a amostra feminina ansiedade-traço e ansiedade-estado foram incluídas como variáveis independentes.

O tratamento estatístico foi realizado utilizando-se o SPSS para Windows, versão 8.0.

 

Resultados

Amostra total

A população estudada apresentou idade média de 59,45 +10,52 anos, predominância de homens 71,0% (n=245), com companheiro(a) 69,2% (n=240), com baixa escolaridade (até 1º grau 55,9% (n=193) e de classificação socioeconômica predominantemente C 24,4% (n=84) e B2, 24,0% (n=83) (Tabela 1).

Tabela 1- Distribuição da Frequência de Depressão por Características Sócio-demográficas, diagnóstico Clínico, Tabagismo, Consumo de Álcool, Ansiedade-traço e Ansiedade-estado

 

 

*Variáveis contínuas apresentadas em Médias + Desvio Padrão
**Variáveis categóricas apresentadas em frequências e porcentagens

A freqüência de depressão foi de 46,7% (n=161). Pacientes com diagnóstico de depressão apresentaram idade média menor (p=0,003), mais freqüentemente se situavam na faixa etária abaixo de 50 anos (p=0,009), eram mais freqüentemente mulheres, e apresentaram escores médios mais altos de ansiedade-traço (p<0,001) e ansiedade-estado (p<0,001) (tabela 1).

Os resultados do BDI demonstraram que as mulheres apresentaram mais freqüentemente níveis mais graves de depressão do que os homens (p<0,0001) (tabela 2 ).

Tabela 2 Distribuição das Freqüências de Gravidade de Depressão Comparando Homens e Mulheres

 

 

A análise multivariada aponta que gênero feminino (OR 2,4026, 95% IC 1,4424 – 4,0020), idade inferior a 50 anos (OR 1,9722 95% IC 1,1055-3,5185) e escores mais elevados de ansiedade-traço (OR 1,0825 95% IC 1,0541 –1,1117), se associaram significativa e independentemente com depressão.

Amostra Masculina

A análise univariada da amostra masculina aponta que aqueles com depressão eram freqüentemente mais jovens (p<0,0001), com idades inferiores a 50 anos (p=0,001), fumantes (p=0,018), e apresentavam escores médios para ansiedade-traço (p<0,001) e ansiedade-estado (p=0,030) mais altos do que aqueles que não apresentavam depressão (tabela 3).

Tabela 3 - Distribuição da Freqüência de Depressão por Características Sócio-demográficas, Tabagismo, Consumo de Álcool, Ansiedade-traço e Ansiedade-estado na Amostra Masculina

 

 

*Variáveis contínuas apresentadas em Médias + Desvio Padrão
**Variáveis categóricas apresentadas em frequências e porcentagens

A análise multivariada aponta que idade está negativamente associada (OR 0,9519 95% IC 0,9261-0,9784) e escores mais altos de ansiedade-traço (OR 1,0691 95% IC 1,0375- 1,1017) estão positivamente associados com depressão.

Amostra Feminina

Na análise univariada da amostra feminina observa-se que mulheres que apresentam depressão diferenciam-se das que não têm este diagnóstico, apenas por apresentarem escore médio mais alto de ansiedade-traço (p<0,0001) e de ansiedade-estado (p=0,001)(tabela 4).

Na análise multivariada, escore mais alto de ansiedade-traço se mostrou significativamente associado com depressão (OR 1,1267 95% IC 1,0632-1,1940).

Tabela 4- Distribuição da Freqüência de Depressão por Características Sócio-demográficas, Tabagismo, Consumo de Álcool, Ansiedade-traço e Ansiedade-estado na Amostra Feminina

 

 

*Variáveis contínuas apresentadas em Médias + Desvio Padrão
**Variáveis categóricas apresentadas em frequências e porcentagens

 

Discussão

Observa-se uma prevalência alta de depressão (46,7%) na população estudada, sendo mais alta do que a encontrada em outros estudos com portadores de SIMI, que apontam resultados variando de 15 a 44% 3,5,14,15,. Esta diferença não pode ser explicada pela idade, pois nesta amostra a mesma se apresentou bastante similar àquela encontrada em outros estudos 3,5. A utilização de instrumentos ou critérios de avaliação diferentes, ou o grande número de homens fumantes (que são mais freqüentemente deprimidos do que os não fumantes), incluídos na amostra, eventualmente poderiam justificar esta diferença . Por outro lado, pode tratar-se de uma peculiaridade de amostras brasileiras, porém a falta de estudos nacionais anteriores sobre o tema não nos permite confirmar esta hipótese.

Apesar de que, para algumas variáveis tais como escolaridade, estado civil, classificação econômica, diagnóstico clínico, consumo de álcool, ansiedade-traço e ansiedade-estado, haver o mesmo padrão de relação com depressão para ambos os gêneros, em alguns aspectos detectou-se diferenças importantes neste padrão. Por exemplo, as mulheres apresentam depressão mais freqüentemente e em níveis mais graves do que os homens.

A maior prevalência de quadros depressivos entre mulheres está de acordo com dados da literatura que analisaram populações estrangeiras 6,19,21,28, sugerindo-se inclusive que a maior incidência de depressão entre as mulheres poderia contribuir para a maior mortalidade hospitalar encontrada no sexo feminino 31,33.

As explicações para uma maior prevalência de quadros depressivos em mulheres incluem, desde possíveis artefatos estatísticos, em função de apresentarem maior tendência de busca de atendimento e maior facilidade em reportar aspectos emocionais (aumentando a possibilidade de diagnóstico), até aspectos biológicos e psicossociais particulares. Entre os aspectos biológicos, postula-se a importância dos fatores hormonais, transmissão genética e diferenças de estrutura e funcionamento cerebral 33. Os fatores psicossociais dizem respeito ao estilo e mecanismos psicológicos diferentes, bem como ao papel social e familiar exercido pela mulher diante das mudanças sociais e exigências profissionais cada vez maiores 34 .

No sexo feminino, depressão não está associada com idade, ao contrário do que ocorre nos homens. Os homens com SIMI e idade menor de 50 anos são mais freqüentemente deprimidos do que os mais idosos. Na situação de IAM ou AI, o fato da depressão ser mais freqüente entre os homens mais jovens pode ser a tradução do impacto emocional da vivência de uma doença tão grave, numa idade produtiva . Entre os homens mais jovens, o impacto psicológico causado pela vivência do IAM ou episódio de AI, tais como a perda da condição de saudável, da capacidade produtiva, e em última análise o medo da morte, pode ser maior do que para os mais velhos, sendo a depressão uma forma de manifestação deste impacto. Por outro lado, pode-se considerar que os homens mais jovens, por questões de ordem cultural ligadas ao estereótipo atual de masculinidade, tenham menos dificuldades de perceber e poder expressar seus sentimentos de fragilidade (conseqüentemente reportando mais sintomas depressivos), do que os mais velhos, para os quais o conceito de masculinidade internalizado está associado à não manifestação das emoções 35.

Outro ponto a ser considerado para justificar a associação de depressão com idades menores seria o eventual impacto de um quadro depressivo que teria se instalado previamente à estabilização do quadro cardiológico do paciente. Nesta situação, sendo a depressão um fator de risco para DAC, poderia justificar o aparecimento de SIMI mais precocemente nos deprimidos, em relação aos não-deprimidos. No entanto, como depressão prévia não foi investigada neste protocolo, esta hipótese não pode ser confirmada. Considerando-se diferenças dos nossos resultados com o de populações estrangeiras nota-se a associação com idade 18,19 e a não associação com estado civil sem companheiro 18,19 .

Depressão está associada com ansiedade-traço tanto para mulheres como para homens, neste estudo. Entende-se esta associação pelo fato da ansiedade-traço ser uma característica de funcionamento psíquico que inclui a percepção subjetiva relativamente constante de sentimentos de tensão e apreensão, o que é sinal revelador de insuficiência de recursos psíquicos e capacidade adaptativa limitada a situações adversas, determinando consequentemente uma maior predisposição para a depressão.

Implicações clínicas

Nossos dados reforçam a importância de se pesquisar sintomas depressivos em pacientes hospitalizados com SIMI, principalmente se mulheres, homens com menos de 50 anos e ansiosos. Evitar falhas de diagnóstico e tratamento de depressão pode ser importante fator de evolução mais favorável da DAC, diminuindo-se os riscos de não adesão ao tratamento, de reincidência e mortalidade por SIMI.

Limitações do Estudo

A inclusão de história prévia de depressão e início do quadro atual na investigação nos permitiria uma discussão mais rica dos nossos dados, podendo confirmar algumas das hipóteses levantadas.

Conclui-se que, em pacientes com SIMI hospitalizados, as mulheres, os homens com menos de 50 anos e os ansiosos, têm mais chance de apresentarem depressão.

 

Referências

Carney RM, Rich MW, Fredland KE, Saini J, Tevelde A, Simeone C, Clark K. (1988) Major depressive disorder predicts cardiac events in patients with coronary artery disease. Psychosom Med;50:627-33.        [ Links ]

Glassman AH, Shapiro PA. (1988) Depression and the course of coronary artery disease. Am J Psychiatry X 155:4-11.        [ Links ]

Lespérance F, Frasure-Smith N, Juneau M, Théroux P. ( 2000) Depression and 1-Year Prognosis in Unstable Angina. Arch Intern Med160:354-60.        [ Links ]

Ford E, Mead LA, Chang PP, Levine DM, Klag MJ. (1994) Depression predicts cardiovascular disease in men: the precursors study. Circulation 90:614.        [ Links ]

Frasure-Smith N, Lesperance F, Talajic. (1993) Major Depression following myocardial infarction: impact on 6 month survival. JAMA 270:1819-61.        [ Links ]

Aromaa A, Raitasalo R, Reumanen A, et al. (1994) Depression and cardiovascular diseases. Acta Psychiatr Scand 377: 77-82.        [ Links ]

Frasure-Smith N, Lesesperance F, Talajic M. (1995)Depression and 18-month prognosis after myocardial infarction. Circulation 91:999-1005.        [ Links ]

Beck CA, Joseph L, Beslile P, Pilote L. (2001) Predictors of quality of life 6 months and 1 year after acute myocardial infarction. Am Heart J 142:271-9.        [ Links ]

Booth-Kewley S, Friedman HS. (1987) Psychological predictors of heart disease: a quantitative review. Psychol Bull 101: 343-62.        [ Links ]

Everson AS, Goldberg DE, Kaplan GA, Cohen RD, Pukkala E, Tuomilehto J, Salonen JT: (1996) Hopelessness and risk of mortality and incidence of myocardial infarction and cancer . Psychossom Med 58:113-121.        [ Links ]

Schleifer SJ, Macari-Hinson MM, Coyle DA et al. (1989) The nature and course of depression following myocardial infarction. Arch Intern Med 149:1775-89.        [ Links ]

Yanovski SZ. (1993) Binge Eating Disorder: current Knowledge and future directions. Obes Research 1: 306-18.        [ Links ]

Gavard J, Lustman P, Clouse R. (1993) Prevalence of depression in adults with diabetes. An epidemiological evaluation. Diabetes Care 16:1167-78.        [ Links ]

Kahler CW, Brown RA, Strong DR, Lloyd-Richardson EE, Niaura R. (2003) History of major depressive disorder among smokers in cessation treatment: associations with dysfunctional attitudes and coping. Addictive Behaviors 28:1033-47.        [ Links ]

Telles RMS, Rays J, Ramires JAF, Wajngarten M, Scalco M, Neri A (2000) Coronariopatia e Insuficiência Cardíaca In: Fráguas Jr R, Figueiró, JAB. Depressões em Medicina Interna e em outras Condições Médicas – Depressões Secundárias São Paulo: Ed. Atheneu, 2000.        [ Links ]

Anda RF, Williamson DF, Escobedo LG, Mast EE, Giovino GA, Remington PL. (1990) Depression and the dynamics of smoking. JAMA 264:1541-1549        [ Links ]

Cornelius JR, Bukstein O, Salloum I, Clark D (2003) Alcohol and psychiatric comorbidity. Recent Dev Alcohol. 16:361-74.        [ Links ]

Lesperance F, Frasure-Smith N, Talaric M. (1996) Major depressive before and after myocardial infarction: its nature and consequences. Psychosom Med 58:99-110        [ Links ]

Sorensen C, Brandes A, Hendricks O, Thrane J, Friis-Hasche E, Haghfelt T e col. (2005) Psychosocial predictors of depression in patients with acute coronary syndrome Acta Psychiatr Scand111: 116-24 Disponível em: www.anep.org.br/codigosguias/CCEB.pdf

Spitzer RL, Williams JBW, Kroenke K, Linzer M, deGruy FV, Hahn SR, Brody D, Johnson JG. (1994) Utility of a New Procedure for Diagnosing Mental Disorders in Primary Care The PRIME-MD 1000 Study. JAMA 272: 1749-56.        [ Links ]

Beck AT, Steer RA. (1987) Beck Depression Inventory Manual. Toronto, Canada: Psychological Corp, Harcourt, Brace, Jovanovich, 1987.        [ Links ]

Goresnstein C, Andrade L. (1998) Inventário de Depressão de Beck: Propriedades Psicométricas da Versão em Português. Rev Psiq Clin 25(5) edição especial 245-50.        [ Links ]

Beck AT, Steer RA, Garbin MG. (1988) Psychometric properties of the Beck Depression Inventory : twenty-five years of evaluation. Clinical Psychology Review 8:77-100.        [ Links ]

Spielberger CD, Gersuch RL, Lushene RE (1979) Inventário de Ansiedade-traço-Estado (State-Trait Anxiety Inventory – STAI) – Trad. Ângela M.B. Biaggio e Luiz Natalício. Rio de Janeiro: Ed CEPA, 1979.        [ Links ]

Spielberger CD (1975) Anxiety: state-trait-process. In: Spielberger CD, Sarason IG, Stress and anxiety. USA: Hemisphere Publishing Corporation, 1975.        [ Links ]

Lamosa BWR, Martyniuk CS, Tedde MIL (1983) Ansiedade e Coronariopatia. Arq Bras Cardiol 40;33-5.        [ Links ]

Babor TF, Grant M (1989) From clinical research to secondary prevention: International collaboration in the development of the Alcohol Use Disorders Identification Test (AUDIT). Alcohol Health and Research World 13: 371-4.        [ Links ]

Figlie NB, Pillon SC, Laranjeira RR, Dunn J (1997) O AUDIT identifica a necessidade de interconsulta específica para dependentes de álcool no Hospital Geral? J Bras Psiquiatr 46:589-93.        [ Links ]

Frasure-Smith N, Lespérance F, Masson A, Juneau M, Talajic M Bourasa M. ( 1999) Gender, depression and one-year prognosis after myocardial infarction. Psychosom Med 61: 26-37.        [ Links ]

Carney RM, Fredland Ke, Smith L, Lustman PJ, Jaffe AS. (1991) Relation of depression and mortality after myocardial infarction in women. Circulation 84:1876-7.        [ Links ]

Vaccarino V, Krumholz HM, Berkman LF, Howitz RI. (1995) Sex differences in mortality after myocardial infarction. Is there evidence for an increased risk for women? Circulation 91:1861-71.        [ Links ]

Aldrighi JM, Lima SMRR, Fráguas Jr R. Menopausa e Climatério In Fráguas Jr R, Figueiró, JAB (2000) Depressões em Medicina Interna e em outras Condições Médicas – Depressões Secundárias. São Paulo: Ed. Atheneu, 2000.        [ Links ]

Lima MS. (1999) Epidemiologia e impacto social. J Bras Psiquiatr 21:1-5        [ Links ]

Ramos MS. (2000) Um olhar sobre o masculino: reflexões sobre os papéis e representações sociais do homem na atualidade In Goldemberg M (org). Os novos desejos. Rio de Janeiro: Ed Record , 2000.        [ Links ]

 

 

1 Pesquisa realizada com suporte da FAPESP nº 99/12716-1.

Creative Commons License