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Psicologia Hospitalar

versão On-line ISSN 2175-3547

Psicol. hosp. (São Paulo) v.3 n.1 São Paulo jul. 2005

 

ARTIGOS

 

Representação da doença e internação e níveis de ansiedade e depressão em pacientes com hipertireoidismo internados comparados a pacientes ambulatoriais

 

Representation of the illness, and levels of anxiety and depression. In interned patients with hyperthyroidism as compared to ambulatorial patients

 

 

Tatiana Bukstein Vainboim

 

 


RESUMO

Sabe-se que a presença de uma doença orgânica afeta emocionalmente o indivíduo. O objetivo do presente trabalho foi investigar a representação da doença e da internação em pacientes com diagnóstico de Hipertireoidismo internados, com o intuito de observar possíveis associações com os níveis de ansiedade e depressão comparando-os a pacientes ambulatoriais. Participaram da pesquisa 30 pacientes, sendo que 9 estavam internados e os 21 restantes encontravam-se em tratamento ambulatorial. Foram utilizados dois instrumentos de investigação: entrevista psicológica semi-dirigida e Escala HAD (Hospital Anxiety Depression), sigla pela qual é conhecida a Escala de avaliação de ansiedade e depressão em contexto hospitalar. Observou-se que os índices de ansiedade e depressão foram mais elevados em pacientes ambulatoriais do que em pacientes internados. No que diz respeito à representação da internação, constatamos que, entre os pacientes com hipertireoidismo, a internação e o tratamento cirúrgico são esperados, vendo nestes procedimentos uma maneira pouco realista de não terem que lidar com a cronicidade da doença. Conclui-se, assim, que o hipertireoidismo é uma condição médica que traz conseqüências importantes na qualidade de vida e no psiquismo dos pacientes, fazendo com que intervenções psicológicas sejam de grande importância para o tratamento multidisciplinar no Setor de Endocrinologia.

Palavras-chave: Hipertireoidismo, Psicologia hospitalar, Ansiedade, Depressão, Representação social.


ABSTRACT

It is naturally understood that the presence of organic illness affects people emotionally. The goal of the present study has been to investigate the representation of the illness and the internment of interned patients diagnosed with Hyperthyroidism. The intention of the study was to observe possible association with the levels of anxiety and depression, comparing them to ambulatory patients. There were 30 patients that participated in the study, 9 were interned and the remaining 21 were given outpatient attention. Two instruments of inquiry had been used: the Semi Structured Psychological Interview and the HAD (Hospital Anxiety Depression) Scale, an abbreviation for the Evaluation Scale for Anxiety and Depression, in a hospital context. It was observed that both anxiety and depression levels were higher in ambulatory patients. With reference to the representation of the internment, we found that, among the patients with Hyperthyroidism, internment and surgical treatment is to be expected, as no real way of dealing with the chronic nature of this illness is to be found in these instruments. It has been concluded, therefore, that Hyperthyroidism is a medical condition that brings important consequences in terms of quality of life and the psycheological state of the patient, such that psychological intervention is of great importance to the multidisciplinary treatment of the Endocrinology Sector. 

Keywords: Hyperthyroidism, Hospital psychology, Anxiety, Depression, Social representation.


 

 

1. INTRODUÇÃO

O hipertireoidismo, de acordo com Silva (1999), faz com que o metabolismo do corpo fique acelerado. Isso ocorre quando há hormônio tireoidiano em demasia no sangue. Hiper significa muito. Consideramos de extrema importância verificar quais serão os níveis de ansiedade e depressão nesses pacientes, já que a própria doença é descrita como apresentando um quadro de irritação, ansiedade, taquicardia, emagrecimento, tremores, insônia, entre outros.

Hale (1987) diz que o hipertireoidismo ocorre em 1,8% da população adulta e é mais raro em crianças. Mulheres são mais afetadas que homens e a idade média diagnosticada é de quarenta e oito anos.

A causa mais comum do hipertireoidismo é uma doença auto-imune, quando o próprio corpo produz proteínas que atacam o órgão, chamada Doença de Graves. Em todas as doenças auto-imunes, Solomon (apud Mello Filho, 2002) afirma que para o seu desencadeamento, há a ação de fatores estressantes e, ao mesmo tempo, falha de mecanismos psicológicos e possíveis alterações prévias de personalidade.

Os sinais e sintomas mais freqüentemente encontrados no hipertireoidismo são: nervosismo, aumento da sudorese, intolerância ao calor, palpitações, cansaço, perda de peso, diarréia, tremores, exoftalmia (olhos saltados), dificuldade de dormir, aceleração dos batimentos cardíacos, agitação, muita energia apesar de muito cansaço, queda de cabelos, menstruação irregular, fraqueza muscular, mudanças na espessura da pele e bócio (aumento de volume na região anterior do pescoço).

Há basicamente três opções para tratar o hipertireoidismo. São elas: medicamentos, radiação ou cirurgia.

Após a resolução do quadro, seja usando iodo radioativo ou cirurgia, o paciente deverá ser avaliado periodicamente. Alguns pacientes apresentam um certo grau de hipotireoidismo após a cirurgia. Aí serão submetidos à terapia de reposição hormonal durante o resto da vida.

De acordo com Ward et al. (1986), as três modalidades terapêuticas são capazes de curar ou permitir a remissão do hipertireoidismo, em condições ideais de aplicação, em prazo de tempo maior ou menor. Mas não basta apenas existir em métodos eficazes de tratamento, tem que haver a efetividade de um método terapêutico. A efetividade compõe-se de vários fatores, tais como: possibilidade do paciente ter acesso a um local onde terá sua doença diagnosticada corretamente, disponibilidade de realizar exames laboratoriais, existência de médicos que promovam um tratamento adequado ou com o mínimo de complicações possíveis, a existência de drogas eficazes ao tratamento e a aderência do paciente a esta medicação e ao tratamento como um todo.

1.1 Considerações a respeito da depressão e ansiedade

Depressão, segundo Lafer (2000), é uma desordem psiquiátrica que pode surgir nos mais variados quadros clínicos. Embora a característica mais comum dos estados depressivos seja a predominância dos sentimentos de tristeza e vazio, muitos pacientes referem como sintoma principal a perda da capacidade de experimentar prazeres nas atividades em geral, e redução do interesse pelo ambiente e associa-se com freqüência a perda de energia.

A depressão, segundo Galizzi (2000), quando associada a uma outra condição médica, pode ser advinda de uma resposta ao adoecer, de uma alteração fisiológica direta da doença ou uma co-morbidade.

No hospital, Fráguas Jr. e Figueiró (2000) ressaltam que a depressão pode aumentar significativamente o tempo de internação.

A ansiedade é um fenômeno estruturante da existência humana, ou seja, necessário para a condição do homem. Além de ser uma experiência eminentemente individual e real, marca no mais profundo e no mais íntimo de nossa singularidade. Quando na condição de alerta de uma ameaça interna ou externa, a ansiedade tem uma função defensiva diante dos perigos que provam ameaçar a existência do homem.

Segundo Freud em “Ansiedade e Vida Instintual” (1932/33),

Descrevemos a ansiedade como um estado afetivo – isto é, uma combinação de determinados sentimentos da série prazer-desprazer, com as correspondentes inervações de descarga, e uma percepção dos mesmos. (p. 85).

A ansiedade pode ser caracterizada por alguns elementos em comum como uma sensação difusa, altamente desagradável e freqüentemente vaga de apreensão, acompanhada por uma ou mais sensações corporais, como por exemplo, sensação de vazio na boca e no estômago, súbita necessidade de evacuar, cefaléia, batimentos cardíacos acelerados, sudorese, aperto do tórax, inquietação e um desejo de movimentar-se, podendo, assim, apresentar um estado de atenção sensorial e tensão motora aumentada.

Como já citado anteriormente, a ansiedade em si não é algo patológico, mas essencial ao homem. Sem esta, o ser humano perderia o estímulo que o faz agir, que o estimula a agir. A ansiedade é necessária num estado normal para a sobrevivência do ser.

No entanto, não há uma fronteira nítida que possibilite distinguir entre a ansiedade considerada normal e a ansiedade patológica especificamente. Quantidades aproximadamente equivalentes de ansiedade afetam vários indivíduos, nem sempre da mesma maneira. Na prática médica, é mais adequado considerar a “taxa de ansiedade contínua”, cuja tolerância deve ser julgada individualmente para cada pessoa. Contudo, este aspecto é altamente seletivo e as causas e os tipos de tensões que provocam a reação de ansiedade variam enormemente de indivíduo para indivíduo.

1.1.1 Depressão e ansiedade nos pacientes portadores de hipertireoidismo 

De acordo com Fráguas Jr. e Figueiró (2000), o sistema endócrino é ligado ao sistema nervoso intimamente, o que favorece uma série de sintomas ou condições clínicas envolvendo reações psíquicas em decorrência de doenças metabólicas.

Ballone (2003) diz que as alterações psiquiátricas têm sido relacionadas com alterações da tireóide. Para o autor, é difícil explicar se elas ocorrem porque a tireóide interfere no psiquismo ou se o psiquismo interfere na tireóide. O que é fato é que o tratamento psiquiátrico melhora muito a função da tireóide alterada e vice-versa. Além disso, segundo o autor, a associação de antidepressivos é excelente com o hormônio tireoidiano.

Baseado no texto do mesmo autor, no que diz respeito às alterações psíquicas no hipertireoidismo, Ballone (2003) refere a presença de um quadro depressivo acompanhada de alto grau de ansiedade. Freqüentemente, os pacientes queixam-se de fadiga associada à insônia. Alguns transtornos psicóticos, de aspecto confusional e delirante, sobretudo, se manifestam em casos de fortes crises agudas, ou de fases muito avançadas de hipertireoidismo. Há também o hipertireoidismo apático, que normalmente afeta as pessoas idosas, caracterizado pela depressão, apatia e perda de peso.

Para Fráguas Jr. e Figueiró (2000), o tratamento para depressão em pacientes portadores de hipertireoidismo é iniciado se os sintomas não se resolverem com o tratamento específico da doença em si. Após o diagnóstico e início do tratamento, é recomendado aguardar de quatro a seis semanas para introduzir o antidepressivo, a menos que os sintomas depressivos sejam muito graves, exigindo então tratamento imediato.

O hipertireoidismo, segundo Del Porto e Lopes (2000), possui manifestações clínicas às quais se sobrepõem, em parte, aquelas dos transtornos afetivos e de ansiedade, como queixas de nervosismo inespecífico, tremores, labilidade emocional, perda de peso, fadiga, inquietude e palpitações.

Em todos os casos, quando existem manifestações psicóticas, é necessária a prescrição de antipsicóticos e neurolépticos, mesmo durante o tratamento endocrinológico.

1.2 Internação

De acordo com Bennett (2002), a internação é geralmente considerada como uma experiência estressante, que tem início com o aparecimento dos primeiros sintomas que não podem ser tratados em casa. Pode caracterizar uma ameaça à saúde, à incerteza dos tratamentos, à dor, ao desconforto, e implica estar afastado de casa, da rotina, da privacidade e da independência.

De acordo com Mello Filho (2002), durante o período de internação, a situação de cada paciente vai depender da evolução de sua enfermidade em interação com a estrutura hospitalar, representada pela capacitação técnica da equipe e pelo relacionamento entre as pessoas e de cada um para com o paciente.

O tratamento de hipertireoidismo pode envolver uma cirurgia para retirada parcial ou total da tireóide. Nesses casos, Sebastiani (2003) nos lembra que há o medo da cirurgia, e que esse medo nunca é totalmente imaginário. Para este autor, há o medo da dor, da anestesia, medo de mostrar o medo, e sobretudo o medo da morte.

O atendimento psicológico tem muito a contribuir em todas as situações, pois haverá a minimização do sofrimento do paciente no processo de doença e internação, a melhoria na qualidade de vida desse paciente e a humanização do ambiente hospitalar. A atuação do psicólogo junto ao paciente busca ajudá-lo a compreender, enfrentar e elaborar o processo de doença e internação, além de auxiliá-lo na sua recuperação e reintegração ao seu ambiente familiar e social, bem como ao retorno das suas atividades. Assim, o paciente sentindo-se compreendido, torna-se mais seguro e amparado, podendo enfrentar a dor e sofrimento de maneira mais tranqüila.

1.3 Representação social da doença

Sabemos que é no corpo da pessoa que os fenômenos de saúde – doença acontecem, pois o corpo é o seu modo de estar no mundo, é o local da experiência do viver. As representações nos permitem interpretar, pensar e agir sobre a realidade e são essenciais na compreensão dos fenômenos sociais, simbólicos e importantes para a comunicação. A saúde é um estado natural, enquanto que a doença deriva da inserção no corpo, real ou simbólica, de elementos nocivos, prejudiciais.

A noção de representação social é importante, uma vez que o grande volume de teorias e fenômenos transmitidos na sociedade não poderiam ser entendidos somente na experiência individual. Contudo, a representação de uma realidade ou objeto não corresponde à percepção real dessa realidade ou objeto, uma vez que esta tem o papel ativo de modelar o que apreende do exterior e reproduzir essa realidade ou objeto, reconstruindo-o.

Moscovici (1978) destaca que essa reformulação ocorre principalmente devido ao fato de o indivíduo ser ativo e não meramente passivo diante do mundo. Ele pode, às vezes simplesmente reproduzir os significados recebidos, mas em outras, a apropriação que faz da realidade passa por um processo de reorganização dos significados que lhe foram fornecidos. Uma das maneiras do indivíduo se apropriar dos aspectos da realidade seria via representação social.

Cada indivíduo atribui um significado ao processo de adoecer e cada paciente tem uma maneira de representar sua doença. O que acontece quando surge algo novo nesse corpo? Como o sujeito lidará com esse desconhecido? Será que ele irá se utilizar de recursos psíquicos, tais como ansiedade e depressão? É o que pretendemos investigar neste estudo.

 

2. OBJETIVOS

2.1. Objetivo Geral

Investigar a representação da doença e da internação em pacientes com diagnóstico de Hipertireoidismo internados no Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, com o intuito de observar possíveis associações com os níveis de ansiedade e depressão comparando-os a pacientes ambulatoriais.

2.2. Objetivos Específicos

  • Investigar as representações de pacientes internados portadores de Hipertireoidismo em relação a sua doença e/ou motivo de internação;
  • Investigar os níveis de ansiedade e depressão dos pacientes internados e compará-los aos pacientes ambulatoriais.

 

3. MÉTODO

Foram convidados a participar do estudo pacientes com diagnóstico de Hipertireoidismo. 

3.1. Casuística

Considerando os objetivos da pesquisa, o estudo foi realizado com a participação de 30 pacientes do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Dentre essa amostra, 9 pacientes estavam internados na enfermaria da Clínica da Endocrinologia e os 21 pacientes restantes encontravam-se em tratamento ambulatorial na I Clínica Médica, no setor de Endocrinologia.

Nossa intenção inicial foi a de constituir 2 grupos com 15 pacientes cada. Porém, durante o tempo previsto para a coleta dos dados, não houve um número suficiente de pacientes internados com hipertireoidismo em nosso serviço.

Os pacientes convidados a participar desse estudo apresentaram idade superior a 18 anos, tanto do gênero feminino quanto masculino. Na enfermaria, os pacientes deveriam estar hospitalizados há pelo menos 2 dias (48 horas) e não mais do que 7 dias, ou seja, foram avaliados entre o 3º e o 7º dia de internação.

3.2. Instrumentos

Os pacientes que participaram desse estudo foram submetidos a uma entrevista psicológica semi-dirigida e à Escala HAD (Hospital Anxiety Depression, sigla pela qual é conhecida a Escala de avaliação de ansiedade e depressão em contexto hospitalar).

3.2.1. Entrevista semi-dirigida

De acordo com Bleger (1983), a entrevista semi-dirigida no contexto hospitalar é caracterizada pela sua facilidade de aplicação, adaptabilidade, possibilitando ao sujeito a expressão mais espontânea de suas emoções e opiniões, se comparada a instrumentos mais padronizados, como por exemplo questionários fechados. Permite também a avaliação científica do conteúdo, tanto através de uma abordagem quantitativa como qualitativa, a partir da categorização das respostas.

Foi utilizada a Entrevista Psicológica semi-dirigida, para que fosse possível ter acesso às significações que cada paciente atribui à sua condição clínica e qual a representação de sua doença. Nos casos dos pacientes internados foi avaliado, também, como sentem e reagem frente a uma situação de internação.

3.2.2 Escala HAD

Foi utilizada a escala HAD com o intuito de avaliar os níveis de ansiedade e depressão dos pacientes que aceitaram participar deste estudo.

A HAD foi traduzida e validada para utilização em nosso meio por Botega et al. (1995). É composta por 14 questões de múltipla escolha, subdivididas em 2 subescalas – uma para ansiedade e outra para depressão, com sete ítens cada uma, facilitando uma aplicação razoavelmente rápida, mas ainda assim, personalizada da escala, quando pertinente. A avaliação dela é simples. É um dos instrumentos de triagem mais utilizados para o contexto hospitalar, apresentando a vantagem de ter disponível adaptação e normas para a população brasileira.

Os dados foram analisados quantitativa e qualitativamente.

 

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Ainda que a proposta principal deste estudo tenha sido fazer uma análise comparativa entre pacientes com hipertireoidismo internados em relação a pacientes ambulatoriais, iniciaremos esta discussão tecendo comentários acerca de todo o grupo que compôs a amostra, ou seja, 9 pacientes avaliados na enfermaria e 21 pacientes ambulatoriais. Acreditamos que estes dados são úteis para, em seguida, chegarmos a uma melhor compreensão dos aspectos avaliados em cada grupo, separadamente.

No presente estudo, 90% dos participantes eram do gênero feminino e apenas 10% do gênero masculino. Nossos dados coincidem com as descrições encontradas na literatura acerca do assunto: “(...) aproximadamente 10 vezes mais freqüente na mulher, afeta ao redor de 2% de todas as mulheres” (Silva, 1999). Em discussão com os médicos do nosso serviço, nenhum deles soube explicar a causa da maior incidência no gênero feminino. Segundo eles, este fator ainda não é claro para a medicina. Porém, eles confirmaram que esses dados são válidos não somente para o hipertireoidismo, mas as mulheres são, em geral, mais acometidas pelas doenças endocrinológicas do que os homens.

Em relação à idade, encontramos em nossa população uma distribuição de 43% entre 18 e 39 anos, 40% entre 40-59 anos e 17% entre 60-79 anos. De acordo com a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (2003), em torno de 10% das mulheres acima de 40 anos manifestam algum problema na tireóide. Pode-se perceber que esse dado coincide com nossos resultados, já que 57% dos nossos sujeitos estavam nesta faixa etária. Cabe lembrar que a causa mais comum do hipertireoidismo é uma doença auto-imune, chamada Doença de Graves. Nesses casos, Jorge (2002) diz que a predominância sobre essa faixa etária se deve à presença dos hormônios femininos que podem favorecer o aparecimento das doenças auto-imunes. O sistema imunológico cria auto-anticorpos que estimulam a tireóide a produzir seus hormônios em grande quantidade, caracterizando assim, o quadro de hipertireoidismo.

Em relação à gravidade da doença, 50% dos pacientes considera a doença como sendo grave, devido ao tipo de sintomatologia que apresenta, tais como: aceleração dos batimentos cardíacos, tremores, agitação, excesso de energia, apesar de muito cansaço, fraqueza muscular, nervosismo, sudorese, palpitações, entre outros.

“É ruim e grave ter hipertireoidismo... os sintomas, a depressão, insônia, nervosismo...” (E. P. R, 22 anos, ambulatório).

“Sempre achei que era grave, pelo que eu sentia. Quando comecei o tratamento parecia que me tiraram da cova. Foi bem ruim. Eu tremia muito, emagreci muito”. (M. F. C, 46 anos, ambulatório).

Diante da condição médica estudada, 83% falaram que a doença e/ou internação lhes causou limitações.

 

 

Gráfico 1- Distribuição de acordo com os tipos de limitações

Em todos os casos, predominaram as limitações físicas, também relacionadas aos sintomas que o hipertireoidismo acarreta, como já citado anteriormente. Cabe ressaltar que, dentre os sintomas, há também o exoftalmo, que é um sinal muito significativo, presente em metade dos casos, situação em que os olhos estão protuberantes, saltados, devido a um aumento na gordura retro-orbitária, ou seja, localizada atrás dos olhos (Dedivitis, 2004).

“Descobri tarde o hipertireoidismo. Quando descobri já tinha afetado os meus olhos, fiquei super revoltada, não queria sair de casa, só chorava, foi horrível”. (C. L. F, 28 anos, ambulatório).

“Incomoda muito na aparência, eu pareço meio cadavérica. Os sintomas são difíceis, a vista inchou, me incomodou, meu rosto mudou, fraqueza, calor, palpitação”. (M. A. O. 34 anos, enfermaria).

Em relação às expectativas relacionadas ao tratamento mencionadas por todos os participantes da pesquisa, a maior parte (47%) estava relacionada ao controle e melhora da condição médica. Acreditamos ser esse o maior índice de respostas, pois os próprios médicos do nosso serviço, quando explicam ao paciente sobre sua doença, têm a preocupação de mencionar como será o tratamento, atribuindo que com a adesão do mesmo, haverá uma melhora geral, inclusive em relação aos sintomas, que são as maiores queixas desses pacientes.

“A minha expectativa é melhorar”. (C. L. F, 28 anos, ambulatório)

“Com o tratamento aqui, sei que vou melhorar” (C. C. S, 31 anos, ambulatório)

“É mais controle... cura eu acho que não tem”. (L. F. S, 48 anos, ambulatório)

Muitos apresentaram receios quanto à recidiva da doença (43%), já que o tratamento para o hipertireoidismo consiste em fazer acompanhamento médico por toda a vida. Este aspecto parece-nos relacionado ao grau de ansiedade que estes pacientes apresentaram (como veremos mais adiante). Constatamos que a recidiva da problemática afeta estes pacientes, pois é o que os confronta com a impotência diante do desconhecido e medo da morte.

“Tenho medo de piorar”. (M. A. L, 42 anos e C. L. F, 28 anos, ambulatório)

“Não quero piorar”. (S. B, 39 anos, ambulatório)

“Tenho medo de passar por cirurgia de novo, porque tive tanto medo, tinha medo de morrer (...)”. (J. C. S, 33 anos, ambulatório).

Dos pacientes incluídos neste estudo, 80% referiram já ter passado por uma situação de internação hospitalar. Destes, 86% devido a complicações do hipertireoidismo. Este índice se justifica, na medida em que o hipertireoidismo é considerado uma doença com períodos de instabilidade e de descompensação que requer cuidados terapêuticos específicos encontrados em um ambiente hospitalar. Os dados abaixo são relacionados, especificamente, aos pacientes que se encontravam internados durante a aplicação do protocolo.

Em relação às causas da internação, 45% referiram descompensação do hipertireoidismo, 33% para realizar cirurgia e 22% para tratamento com iodo. Esses números foram bastante significativos, já que estamos falando aqui de dois tratamentos mais utilizados, entre os três existentes. Uma das opções de tratamento, cabe lembrar, é dedicada à cirurgia da tireóide, a tireoidectomia, seja ela parcial ou total. E uma outra opção é o paciente se internar para realizar o tratamento com iodo. Cabe aqui dizer que tanto uma intervenção quanto a outra são consideradas invasivas, exigindo do paciente recursos psíquicos capazes de enfrentar estes momentos.

Porém, ainda que o motivo da internação destes pacientes não seja simples, chamou-nos a atenção a forma com que se referiram à internação. Este aspecto será melhor discutido abaixo.

Dos pacientes internados, a maior parte (56%) mencionou aspectos positivos em relação à internação. Grande parte das respostas estava relacionada ao entorno hospitalar e aos cuidados vindos da equipe. No que diz respeito a este último aspecto, foi possível perceber que a maneira como a equipe da enfermaria de endocrinologia trata os pacientes faz com que os mesmos se sintam mais acolhidos, deixando explícito que este setor preocupa-se com a Humanização Hospitalar, amenizando a angústia que a condição de internação costuma gerar.

A este respeito, Mello Filho (2002) refere que:

(...) é o tipo de relacionamento humano que existe dentro de uma enfermaria, mais que o seu aspecto físico, que a faz mais fria ou acolhedora, mais “terapêutica” ou iatrogênica. Assim, conhecemos grandes enfermarias em que, tradicionalmente, os pacientes e os membros do corpo assistencial se entedem e se sentem bem, predominando, portanto, mecanismos de interação positivos. (p. 123) 

“Queria agradecer ao hospital, diretor, médicos e enfermeiros pela oportunidade que me deram”. (M. G. A. A, 36 anos, enfermaria)

“De positivo, o tratamento é muito bom, o pessoal é atencioso”. (J. L. G, 43 anos, enfermaria)

“Tudo positivo. Acho que os médicos têm interesse na doença e no paciente... Confio no corpo médico do HC...” (S. O. M, 55 anos, enfermaria)

Os dados apresentados a seguir são referentes à HAD (Escala de avaliação de ansiedade e depressão). Podemos observar, na tabela abaixo, que os índices de ansiedade e depressão foram mais elevados em pacientes ambulatoriais do que em pacientes internados.

 

 

Tabela 1 - Média e Desvio Padrão - Amostra de Hipertireoidismo

 

 

Gráfico 2 – HAD - hipertireodismo

“Não sei se é grave, o pessoal fala que dá seborréia, dor no coração, ansiedade. Eu fui para a Psiquiatria, eu nem sabia, eu achava que era estado emocional, e quando fiz exame de sangue, é que descobri o hipertireoidismo. O maior problema é a ansiedade”. (M. A. L, 42 anos, ambulatório).

“Porque comecei a emagrecer, ansiosa, o meu coração parecia que ia sair pela boca...” (L. F. S, 48 anos, ambulatório)

“Também tem a ansiedade e depressão, essa vida nervosa que a gente leva”. (M. C. P. B, 65 anos, ambulatório).

Apresentamos abaixo, de acordo com Botega et al (1995), a classificação para as subescalas de ansiedade e depressão da HAD correspondente aos pacientes deste estudo:

 

 

Tabela 2 - Classificação para as subescalas de ansiedade e depressão da HAD

Como podemos observar na Tabela 2, segundo a classificação sugerida por Botega et al (1995), a ansiedade está presente em 33% de pacientes internados (11% ansiedade leve e 22% moderada) e em 76% dos pacientes que estavam em tratamento ambulatorial (38% ansiedade leve, 5% moderada e 33% grave). Em relação à depressão, esta está presente em 11% de pacientes internados (11% depressão grave) e em 14% dos pacientes que estavam em tratamento ambulatorial (5% depressão leve e 9% grave).

Podemos atribuir esses resultados ao fato de que, quando o paciente vem ao ambulatório, ele está cansado de vir às consultas para fazer o controle e ver se melhorou ou piorou o seu quadro clínico. Em contrapartida, quando este se encontra na enfermaria, ele tem esperança de melhorar ou curar, em curto prazo. No momento em que ele está internado, é como se esquecesse desse mesmo controle que ele passará a fazer no ambulatório. É como se houvesse a sensação de uma resolução mais rápida para o seu problema.

Segundo Mello Filho (2002), a própria estruturação física e funcionamento do ambulatório, com interrupções, destituídos de privacidade, tira a exclusividade de uma relação a dois. Este fato, aliado ao problema do tempo de consulta e ao prognóstico, pode causar também mais ansiedade nos pacientes. De acordo com o mesmo autor, sentir-se enfermo, consciente ou inconscientemente, provoca ansiedade. Acreditamos que essa sensação aumenta nos casos de pacientes com hipertireoidismo que vêm se tratar no ambulatório.

Não podemos desconsiderar que, como apresentamos na introdução, no hipertireoidismo, por se tratar de uma doença que interfere no metabolismo e toda a regulação imunoendócrina, a ansiedade pode se manifestar, inclusive, como conseqüência de disfunções orgânicas em alguns pacientes.

A partir da nossa experiência clínica no tratamento psicoterápico de pacientes com hipertireoidismo, constatamos que a depressão é comumente um fator que gera um mal-estar que pode levar a posicionamentos diferentes, de acordo com cada paciente. Em alguns casos, a depressão aparece como o que os impulsiona para buscar uma ajuda, um tratamento. Quando o grau de depressão é considerado grave (como o encontrado em 20% da nossa amostra – 9% ambulatório e 11% em enfermaria), o paciente pode apresentar um alto grau de inibição e apatia que exigem intervenções mais diretivas e que exigem a cuidadosa discussão junto à equipe.

Do ponto de vista metabólico, devido ao tratamento medicamentoso utilizado para normalizar a produção hormonal excessiva (T3 e T4), é esperado que alguns pacientes acabem migrando para um pólo oposto e, assim, apresentem sintomas depressivos como conseqüência.

Além dos fatores acima expostos, não podemos deixar de enfatizar que a depressão, como lembra Galizzi (2000), quando associada a uma condição médica, pode ser advinda de uma resposta ao adoecer, de uma alteração fisiológica direta da doença, ou uma co-morbidade.

 

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A doença e a hospitalização são situações inesperadas na vida de uma pessoa e implicam uma ameaça ao equilíbrio físico, emocional e social. Quase sempre são cercadas de ansiedade, angústias, fantasias, medos, questionamentos e dúvidas. As suas relações familiares e com o mundo, seu trabalho, seu modo de ser são, na maioria das vezes, afetados.

Retomando o objetivo do presente trabalho, observou-se que os índices de ansiedade e depressão foram mais elevados em pacientes ambulatoriais do que em pacientes internados. No que diz respeito à representação da internação, constatamos que, entre os pacientes com hipertireoidismo, a internação e o tratamento cirúrgico são esperados, vendo nestes procedimentos uma maneira pouco realista de não terem que lidar com a cronicidade da doença.

Com esses resultados, notou-se a importância de realizar um programa que acolhesse a demanda desses pacientes, um trabalho priorizando o atendimento multiprofissional, promovendo não somente as consultas médicas, mas também assistência psicológica, um trabalho em equipe. Fica aqui a sugestão de incluir grupos de atendimento psicológico para pacientes com hipertireoidismo, a fim de minimizar o sofrimento do paciente no processo de doença e hospitalização, auxiliá-lo no processo de recuperação e reintegração ao ambiente familiar e social, bem como ao retorno de suas atividades diárias, possibilitando assim, uma diminuição desses níveis de ansiedade e depressão elevados.

Mediante a análise qualitativa dos resultados, acreditamos ser interessante a produção de estudos que possam avaliar a qualidade de vida nos pacientes portadores de hipertireoidismo, motivando assim novas pesquisas com essa população.

Digamos que o sentimento mundial sempre é afetado quando acontece alguma coisa importante. Sempre pensamos que estamos protegidos das doenças e fraquezas humanas e que nada disso se passará com um dos nossos familiares, e de repente, nos deparamos com uma dura realidade. Infelizmente, precisamos ver e sentir de perto todas as impunidades, para absorvermos quanto da inteligência humana é usada para destruir... O certo, o obsoleto, o inatingível, o questionável!

 

6. REFERÊNCIAS

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Bennett P.(2002) Introdução Clínica à Psicologia da Saúde. Lisboa: Climepsi; 2002.        [ Links ]

Bleger J. (1983) Temas de Psicologia: Entrevista e grupos. 1ª ed. Brasileira, 6ª reimpressão. São Paulo: Martins Fontes; 1983.        [ Links ]

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