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Psicologia Hospitalar

On-line version ISSN 2175-3547

Psicol. hosp. (São Paulo) vol.4 no.2 São Paulo Aug. 2006

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

Intervenção psicológica com grupo de acompanhantes da pediatria: relato de experiência

 

Psychological therapy with a pediatrics group of supporting companions: a report on na experience

 

 

Michele Moreira de Souza KleinI,1; Carla Ribeiro GuedesII,2

I Faculdades Integradas Maria Thereza, Niterói-RJ
II Universidade Estácio de Sá, Campus Resende-RJ

 

 


RESUMO

Esse artigo compreende uma síntese de um trabalho de intervenção psicológica com grupo de acompanhantes da enfermaria pediátrica de um hospital geral. No curso de seu desenvolvimento, muitos temas relacionados ao processo de adoecimento e hospitalização foram discutidos, possibilitando o compartilhar de experiências e a troca de informações. Além das contribuições teóricas, são descritos as possibilidades encontradas nesse tipo de intervenção e os resultados alcançados. Por último, é destacado como promissor a abordagem da família como parte integrante do tratamento da criança internada, à medida que o atendimento psicológico em grupo pode oferecer uma melhor qualidade na assistência.

Palavras-chave: Atendimento psicológico em grupo, Acompanhantes, Enfermaria pediátrica.


ABSTRACT

This article encompasses a synthesis of psychological therapy with a group of supporting companions at the pediatrics ward of a general hospital. In the course of the article´s development, many themes related to the process of illness and hospitalization were discussed, making it possible to share experiences and exchange information. In addition to the theoretical contributions, the possibilities found in this type of therapy and the results achieved are described. Finally, just how promising a family approach can be as an integral part of the treatment of a hospitalized child is described, such that the attending psychologist can offer better care.

Keywords: Psychologial attendance in group, Accompaniers, Pediatric infirmary.


 

 

INTRODUÇÃO

O presente estudo visa relatar a experiência de um trabalho de intervenção psicológica com grupo de acompanhantes, na maior parte familiares, da enfermaria pediátrica de um hospital geral, no município de Resende, Estado do Rio de Janeiro. Através desta pesquisa pretende-se apresentar uma forma de atuação do psicólogo no ambiente hospitalar, em especial na Pediatria, fazendo uso dos princípios e fundamentos práticos do grupo de suporte ou apoio.

Sendo os atendimentos psicológicos em grupo uma modalidade de atenção que pode ser utilizada em diferentes espaços institucionais de saúde, observamos a importância de promover um trabalho de grupo junto aos acompanhantes das crianças internadas e, de analisar os efeitos deste grupo como recurso de apoio psicológico em Pediatria.

A família se constitui como um sistema interdependente, no qual o problema de um afeta todos. Doença, hospitalização, procedimentos diagnósticos, terapêuticos e cirúrgicos ameaçam o sistema familiar, seus papéis e seus canais de comunicação. Assim, ela pode exercer influência na evolução desfavorável ou favorável de uma doença. Por isso, deve-se ressaltar a importância da sua abordagem como parte integrante do tratamento de um paciente hospitalizado.

Para Mello Filho (2004), lidar com a família do paciente exige algumas habilidades, como reconhecer suas ideologias, lideranças, crenças e, ao mesmo tempo, perceber o que o doente e sua doença representam para ela. Pois a sua reação dependerá da estrutura existente antes da doença, do seu tipo de vínculo com o paciente, do lugar que este ocupa na constelação familiar e da idade do paciente.

A hospitalização de uma criança pode gerar em seus familiares sentimentos de impotência, uma intensa angústia e desorganização psicológica, fazendo-a perder sua conexão com o mundo habitual e o controle que exercia sobre si mesma. Capobianco (2003) afirma que o aparecimento inesperado de uma doença evoca freqüentemente o sentimento de fracasso e culpa, por parte dos pais, nos cuidados com a criança. Somam-se a isso, as vivências advindas do tratamento, o temor face ao desconhecido, a incerteza do prognóstico, o contato obrigatório com diferentes profissionais, o diagnóstico de doença grave, o medo que a criança sinta dor ou morra, que ocasionam mudanças drásticas na rotina familiar.

Os recursos psicológicos dos pais, da própria criança e a estrutura familiar interagem e podem contribuir para a adaptação da criança à doença, afirmam Castro e Piccinini (2002). O suporte familiar é importante fonte de informação e influencia o modelo da criança lidar com a doença. A família pode servir como moderadora na atenuação dos efeitos negativos da doença e da hospitalização.

Portanto, é relevante uma atuação em nível de apoio psicológico aos familiares. Os pais têm seu sofrimento minimizado, ao se sentirem apoiados e seguros, podendo assim ajudar os filhos a suportarem o processo de doença e hospitalização. Para Castro e Piccinini (2002) o suporte social recebido pelos pais da criança internada, tanto de parentes e amigos quanto de profissionais de saúde, é de fundamental importância para o bem-estar da criança, pois ameniza o estresse desses pais, possibilitando uma maior tomada de consciência do problema da criança.

Para suprir algumas necessidades da família, como ter suas perguntas respondidas honestamente, ter explicações compreensíveis e ser informado sobre os fatos a respeito do progresso do paciente, Romano (1999) afirma que os grupos de apoio ou suporte são uma boa estratégia. Da mesma forma, Sugano, Sigaud e Rezende (2003) pontuam que o cuidado ao acompanhante não é utilizá-lo como colaborador do serviço de enfermagem na assistência de sua criança e, sim criar grupos de apoio ou suporte para pais cujos filhos estão hospitalizados.

Podemos entender suporte como os vínculos que contribuem para a integridade física e psicológica do indivíduo e, suporte social como formas de relacionamento grupal em que há trocas afetivas, cuidados mútuos e comunicação franca entre as pessoas (Campos, 2000).

Portanto, o grupo de apoio aos acompanhantes da enfermaria pediátrica pode constituir-se em um meio facilitador para a ocorrência de reflexão e tomada de consciência de aspectos importantes envolvidos no processo de doença e hospitalização de crianças. Além disso, o trabalho grupal implementado de modo criativo e adequado proporciona uma atmosfera de aceitação e ânimo para discussão e reflexão sobre novas atitudes perante as questões que se apresentam.

Sendo assim, procuramos, com o grupo de suporte aos acompanhantes, criar um espaço no qual pudessem falar das vivências com relação ao adoecimento e à hospitalização da criança, dando-lhes voz e escuta; proporcionar a percepção de que não estavam sós, pois podiam compartilhar seus sentimentos, possibilitando um lugar de troca de experiências; auxiliar a saírem de uma posição passiva para uma participação ativa, assumindo iniciativas que levassem ao esclarecimento de suas dúvidas; e, favorecer uma maior comunicação entre equipe-família-paciente.

 

CASUÍSTICA E MÉTODO

Para a organização dos encontros grupais com acompanhantes foram seguidos os princípios e os fundamentos práticos do grupo de suporte ou apoio, cujo principal objetivo é promover a coesão e o apoio entre os membros, a fim de elevar a auto-estima e a autoconfiança dos mesmos. A principal finalidade desse tipo de grupo é terapêutica, pois procura aliviar ou eliminar sintomas, desenvolver comportamentos saudáveis e proporcionar um aprendizado nas relações interpessoais. Troca afetiva, cuidado, comunicação e constância são suas bases (Campos, 2000).

A casuística de nosso estudo foi composta de acompanhantes de crianças internadas na enfermaria pediátrica do Hospital Municipal de Emergência Henrique Sérgio Gregori, um hospital público e de médio porte, do município de Resende, Estado do Rio de Janeiro, no período de abril a julho de 2006. Foram realizados onze encontros grupais. As sessões aconteciam semanalmente, com duração de noventa minutos, nas dependências da própria enfermaria pediátrica do hospital.

O grupo de acompanhantes se constituiu como aberto, pois os participantes não eram fixos e, também, como homogêneo, pois estes estavam passando pela mesma situação, isto é, acompanhando crianças internadas.

O trabalho iniciava-se a partir do convite feito pelo serviço de psicologia hospitalar, no momento do encontro, dizendo-se o motivo e o objetivo do grupo. O objetivo proposto aos acompanhantes era conversar sobre os sentimentos, pensamentos e dúvidas relativos à situação da doença e internação da criança, deixando-se clara também a não-obrigatoriedade da participação.

Os encontros, geralmente, seguiam a seguinte seqüência: apresentação da coordenadora e da observadora do grupo; apresentação dos acompanhantes participantes, que diziam seu nome, o nome e a idade da criança, o grau de parentesco com a criança e um relato sumário da doença e motivo de internação em enfermaria, segundo o entendimento deles. Eram esclarecidos novamente o motivo e os objetivos do encontro e, dava-se um tempo para cada participante falar sobre as experiências pessoais relativas à internação e à doença da criança. Durante a fala, eram realizadas intervenções e orientações pela coordenadora do grupo, sempre com o objetivo de fornecer alívio, diminuir ansiedade e esclarecer dúvidas. Se os acompanhantes desviavam-se do objetivo proposto no encontro, eram feitas intervenções no sentido de esclarecê-los quanto aos objetivos e ao limite de tempo do encontro, propondo atendimento individual em algum outro horário, se fosse o caso.

Como meio de disparar as discussões e as comunicações interpessoais, em alguns encontros, foram utilizadas duas técnicas de dinâmica de grupo. Uma delas consta de palavras escritas em cartelas: amor, doença, medo, saúde, família, dor, etc. Cada participante escolhia uma cartela aleatoriamente sem ver o que estava escrito. Voluntariamente, um participante lia a sua palavra e discorria o que viesse à mente ao lê-la. Os demais participantes eram convidados a falar também sobre a palavra já apresentada. A outra técnica segue esses mesmos procedimentos, porém com frases incompletas: Minha maior esperança é...; O que mais me entristece é...; Quando estou preocupado, numa situação nova, geralmente eu...; Quando penso no futuro, eu me vejo...; Quando tenho uma dificuldade, eu...; Neste momento, estou sentindo que...; A coisa mais importante para mim, no momento, é...

A coordenação dos grupos era feita por uma dupla do serviço de psicologia hospitalar: uma coordenava o grupo e a outra adotava a posição de observadora. Essas posições não eram definitivas, ou seja, a responsável pela coordenação do grupo em um encontro, assumia a posição de observadora em outro, e vice-versa.

Concordamos com Rufatto (2004) ao afirmar que o psicólogo deve ter um papel ativo, que facilita o grupo a perceber as implicações emocionais envolvidas na situação que está vivenciando. Assim, a postura da coordenadora do grupo era altamente ativa. Dinamizava os debates, clarificava os pontos importantes marcando as dificuldades verbalizadas, estimulava as comunicações interpessoais, oferecia continente aos conteúdos trazidos e explicitava os temas. Além disso, procurava manter um clima emocional favorável e de apoio entre os membros, ou seja, não incitava conflitos nem competição (que podiam aparecer) e, estimulava a coesão grupal.

Alguns encontros foram transcritos – transcrição feita após o término do encontro –, com o consentimento dos acompanhantes e, os relatos de alguns deles foram reproduzidos no item a seguir, como exemplos.

 

RESULTADOS

Fizeram parte do trabalho, acompanhantes entre 18 e 42 anos. Sendo que o número médio de participantes em cada encontro variou de dois a seis. Ao todo, quarenta e duas pessoas passaram pelo grupo. Destas, três participaram de dois encontros e uma participou de quatro encontros. Quanto ao grau de parentesco, a maior parte era de mães (trinta e duas). Entre as outras dez estavam quatro tias, quatro avós, uma amiga da família e apenas um pai.

Os temas mais discutidos nos encontros grupais com acompanhantes foram: internação (como vivenciam esse momento de ruptura da vida cotidiana); histórico das doenças, expectativas quanto a exames e cirurgias; relacionamento com a equipe de saúde; aspectos administrativos e institucionais (limpeza, qualidade da comida, horários); reflexões sobre o trabalho e a vida familiar (o afastamento forçado de suas atividades e do convívio familiar). A preocupação com o prognóstico é uma constante entre os pais, afligindo-os de modo bastante intenso. Suportar a ansiedade de uma situação imprevisível ou indefinida, a incerteza do diagnóstico e do prognóstico também foram assuntos abordados nos grupos.

A partir da transcrição dos encontros, percebemos as repercussões do grupo de suporte aos acompanhantes como recurso de apoio psicológico em enfermaria pediátrica.

O grupo proporcionou fatores terapêuticos citados por Muniz e Taunay (2000): a coesão grupal, ou seja, a união entre seus membros e, o incremento da solidariedade, com isso o desenvolvimento do sentimento de altruísmo, de um querer ajudar o outro.

"O grupo, para mim, deu a oportunidade de conhecer as companheiras de quarto, a sermos mais solidárias uma com as outras", disse C., mãe de L.C.N. de dois meses.

"Você não precisa ter vergonha, aqui todas estamos no mesmo barco e precisamos nos ajudar", disse R., mãe de F.K. de 2 anos.

"Podemos pensar juntas sobre isso", falou S., mãe de M.M.S. de 3 anos.

Segundo Muniz e Taunay (2000), os membros do grupo, sentindo-se apoiados entre si, têm mais condições de serem coesos e solidários. Criou-se uma cultura na qual os acompanhantes conversavam entre si, discutiam suas dificuldades, e podiam suprir o vazio afetivo provocado pela situação em que se encontravam, fortificando-se como grupo.

Por estarem juntos e discutindo problemas em comum, houve uma maior identificação. Os acompanhantes perceberam que não estavam sós, que estavam no "mesmo barco". Observamos a presença do fator universalidade de conflitos, pois os participantes perceberam que passam ou já passaram por conflitos semelhantes. Os pais mais inseguros e ansiosos tranqüilizaram-se ouvindo situações e sentimentos semelhantes em outros pais, durante as sessões, fazendo com que não se sentissem sozinhos na situação, nem sem esperanças.

O grupo de apoio aos acompanhantes ainda favoreceu maior comunicação entre equipe-família-paciente, aumento da informação e maior capacidade de verbalização, que foram descritos por Muniz e Taunay (2000) como repercussões positivas dos grupos terapêuticos.

O grupo favoreceu maior comunicação e diálogo entre equipe-família-paciente, à medida que os familiares sentiram-se mais encorajados a perguntar sobre procedimentos ou termos técnicos que não entendiam e também mais confiantes em informar à equipe sobre os sintomas das crianças que estavam acompanhando.

A partir dessa melhora na comunicação, ocorreu um aumento da informação. Os acompanhantes obtiveram maiores esclarecimentos sobre a doença e o tratamento da criança, ocasionando maior implicação na situação de adoecimento e hospitalização. Ou seja, houve uma passagem da postura passiva para uma participação ativa.

Observamos a evolução dos acompanhantes na capacidade de se expressarem e de organizarem suas idéias. Essa maior capacidade de verbalização abriu-lhes caminho para sair de um lugar dominado pela apatia e pela passividade.

"Consegui conversar com a assistente social sobre meus filhos e, pude ir vê-los", afirmou C., mãe de L.C.N. de dois meses, preocupada com seus outros filhos que foram levados para um abrigo.

O grupo de apoio também proporcionou muitos momentos de compartilhar experiências e também momentos de catarse, ou seja, os acompanhantes se sentiram à vontade para chorar e expressar verbalmente seus sentimentos, seus problemas e questões pessoais.

"Até esse momento, não tinha conseguido chorar por toda essa situação", relatou K., mãe de P.S.O. de três meses, que nasceu com uma cardiopatia no mesmo dia em que seu pai faleceu.

"Achei muito interessante esse quadro da parte da psicologia, onde posso desabafar, falar um pouco dos meus temores aqui dentro do hospital", falou A., mãe de I.R.C.S., de cinco meses.

"O grupo, para mim, foi uma experiência fantástica, tive a oportunidade de falar tudo aquilo que me angustiava", expressou C., mãe de L.C.N. de dois meses.

Podemos observar que o trabalho de intervenção psicológica grupal na Pediatria atingiu resultados expressivos, que correspondem aos benefícios de um grupo de apoio enumerados por Romano (1999): a percepção de que não estavam sós; o compartilhar sentimentos com pessoas na mesma situação; a redução da ansiedade; a aprendizagem de novos métodos de adaptação; uma melhor compreensão da doença e dos procedimentos do hospital; e, um maior controle cognitivo de uma situação confusa e desconhecida como é a hospitalização.

Portanto, percebemos que o grupo terapêutico de apoio aos acompanhantes contemplou as seguintes características descritas por Graça, Burd e Mello Filho (2000): serviu como continente, propiciou o holding e possibilitou a função de pensar. Ou seja, o grupo serviu como um "porto seguro", à medida que ofereceu um espaço para os conteúdos e para as angústias dos participantes, cuidando e dando suporte. E, também, favoreceu que os indivíduos pensassem sobre suas experiências emocionais, idéias e sentimentos.

"Ficamos muito frágeis e sensíveis, esperando médicos e remédios fazerem efeitos", relatou A., mãe de I.R.C.S., de cinco meses.

"Se não é essa reunião aqui, a gente ‘pira’ porque fica tudo subindo na cabeça.. Aqui a gente põe para fora", relatou L., mãe de F.A.R. de 5 anos.

Ainda que o trabalho tenha sido o de incitar a expressão de vivências relacionadas ao momento que estavam atravessando, o seu compartilhar com o grupo – o que se supunha trazer alívio e compreensão do que se passava internamente –, e o recebimento de informações, não se pode desprezar a evidência de que houve encontros nos quais alguns participantes não desejavam falar sobre seus sentimentos, colocando-se em uma postura de silêncio em todo o tempo de duração de uma sessão de grupo. Nesses encontros, procurávamos respeitar os seus silêncios, agindo de forma discreta e não invasiva em meio às suas prováveis reflexões.

O aspecto fundamental deste trabalho foi o espaço aberto aos acompanhantes para o expressar de vivências relativas a doença e hospitalização da criança internada, no qual a coordenadora atuava como uma facilitadora da livre expressão, posicionando-se de modo ativo no açulamento das discussões.

 

DISCUSSÃO DO TRABALHO

A hospitalização se constitui uma ameaça à integridade corporal e emocional do acompanhante, da criança e de sua família, afirmam Moreno e Jorge (2005). Essas autoras também destacam que a hospitalização provoca medo, não apenas em razão do ambiente desconhecido e da gravidade dos casos, mas principalmente porque afasta a criança de sua família.

Quando uma criança é internada, devemos ter em mente que, além de cuidar da criança enferma, teremos que levar em conta, quase com igual importância, as alterações no equilíbrio familiar decorrentes da doença (emocionais, financeiras, de rotina, etc.). O apoio à família é fundamental para que possamos contar com ela para o prosseguimento e a aceitação do tratamento, além da cooperação com as rotinas da enfermaria. Ao perceber que seus sentimentos e dificuldades são seriamente valorizados, os familiares passam a cooperar ativamente para a recuperação integral da criança. A restauração do equilíbrio familiar ocorrerá de forma mais satisfatória, mesmo que provisória. O trabalho de intervenção psicológica com grupo de acompanhantes da Pediatria permitiu que isso ocorresse, além de ter servido como dispositivo de suporte social, promovendo a coesão e o apoio entre os mesmos.

Percebemos que houve um incremento da solidariedade; uma elevação do nível de informações dos acompanhantes e das crianças a respeito da doença, do tratamento e dos procedimentos da instituição, possibilitando a adoção de uma postura mais ativa por parte desses acompanhantes; uma melhora na comunicação equipe-família-paciente e na capacidade de verbalização; além de ter propiciado momentos de catarse e de compartilhar experiências. A disponibilidade para receber, aceitar e participar ativamente do tratamento tornou-se bastante visível, o que facilitou o processo de reabilitação da criança internada.

Uma situação que observamos em nosso estudo foi o nível de exigência que as mães faziam consigo próprias. O grupo auxiliou-as no conhecimento de suas limitações e no aumento na confiança em outras pessoas que tinham possibilidade de auxiliá-las. Mães com sensação de que podem cumprir funções acima de sua capacidade, como cuidar do filho doente, outros filhos, família, casa, trabalho, etc., puderam ser tranqüilizadas quanto a dividir com o marido, a equipe, parentes e amigos as incumbências nessas ocasiões de crise, aumentando a confiança de que outras pessoas também podem cumprir satisfatoriamente funções a ela atribuídas.

Outras mães mostravam-se extremamente esgotadas, e essas situações tinham que ser detectadas, pois muitas vezes elas não verbalizavam suas queixas, por receio de serem afastadas da criança e de esta piorar. É importante que essas situações sejam detectadas, pois se continuarem, as mães não vão ter recursos suficientes para auxiliar na recuperação do filho, tendo ainda o risco de elas mesmas adoecerem.

Algumas mães relataram que a doença do filho as fere em sua função de protetora da criança, o que foi trabalhado nos grupos, fazendo-as se sentir menos culpadas pela doença do filho ou por sua recuperação. Principalmente na criança muito pequena, onde a identificação mãe-filho é mais intensa, o sofrimento do filho é sentido como um sofrimento a si própria, provocando uma situação de dependência emocional também na mãe, que os profissionais têm que entender e com a qual têm que saber lidar.

O tempo mínimo de noventa minutos de duração das sessões dos grupos e sua freqüência semanal mostrou ser eficaz para os objetivos propostos. Acreditamos que um tempo menor não teria a mesma eficácia, já que se deve dar oportunidade para que todos os pais possam falar e para que as suas observações possam ser comentadas, de modo a contribuir para o esclarecimento de suas preocupações, dúvidas e temores. Freqüentemente os pais ainda tinham muito o que falar, e era com certa dificuldade que aceitavam a interrupção combinada das sessões.

A e xperiência trazida por parte de cada acompanhante funcionou como estímulo, quando se constatou que outros têm ou tiveram as mesmas dificuldades e, de algum modo, conseguiram superá-las. Funcionou também como suporte, quando alguém demonstrou medo e angústia e recebeu dos demais o apoio necessário para não esmorecer.

Acreditamos que este trabalho foi um tanto frutífero, no sentido de ter permitido àqueles acompanhantes uma maior compreensão do que estavam vivendo em nível emocional e, a partir disso, terem se sentido mais capazes de experienciar todo o processo de adoecimento e hospitalização da criança de modo ativo. Confirmando, assim, o grande favorecimento do atendimento psicológico em grupo no contexto hospitalar, ambiente que pode provocar angústia, dor e tristeza, mas que possivelmente com uma atenção mais especializada torna-se menos desagradável e mais proveitoso para as futuras experiências da vida das pessoas.

 

COMENTÁRIOS FINAIS

Relatar a experiência de um trabalho de intervenção psicológica com acompanhantes da Pediatria e, apresentar uma forma de atuação do psicólogo nesse ambiente do hospital e com essa população, utilizando os princípios e os fundamentos práticos do grupo de suporte constituíram o objetivo deste estudo.

Nosso estudo mostrou que a dinâmica utilizada no grupo de acompanhantes foi adequada e atingiu os objetivos almejados, proporcionando a eles oportunidade de expressarem seus conflitos, fantasias e temores e receberem atenção e entendimento de suas queixas, produzindo alívio e tranqüilização de suas ansiedades. Constituiu-se como um importante fator de suporte psicossocial, na medida em que inseriu o acompanhante e a criança internada na rede de comunicação entre os membros da enfermaria pediátrica e entre estes e os profissionais de saúde. Além disso, o suporte social oferecido pelo grupo atuou reforçando o self, elevando a auto-estima e a autoconfiança dos participantes.

O grupo de apoio serviu como momento de reflexão dos familiares sobre suas vidas, especialmente a situação que atravessavam e suas repercussões, proporcionando momentos de insight, levando-os a experiências terapêuticas positivas. Esses efeitos positivos do grupo provieram do fato de que as pessoas em situações similares podem perceber que não estão sozinhas, passando a encarar seus sentimentos com realidade e coragem. A aceitação dos próprios sentimentos é o primeiro passo para aprender a lidar com eles. Com a diminuição do grau de estresse, os acompanhantes tornam-se capazes de desempenhar um papel vital e terapêutico junto a criança doente.

Pretendemos, portanto, neste estudo, contribuir para a discussão em torno de trabalhos de grupo de suporte. Nossa contribuição se debruça sobre a intervenção psicológica com grupo de acompanhantes da Pediatria. Sua realização permitiu compreender o quanto a intervenção psicológica com grupo de suporte representa um recurso terapêutico importante de apoio na diminuição do impacto sofrido com a doença e com a internação. E o quanto pode ser melhor aproveitado e aplicado nos hospitais gerais, oferecendo uma melhor qualidade na assistência às pessoas que acompanham crianças internadas.

 

REFERÊNCIAS

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Capobianco, C. S. M. (2003). O corpo em off: a doença e as práticas psi na pediatria hospitalar. São Paulo: Estação Liberdade.         [ Links ]

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Graça, L. A. C.; Burd, M., & Mello Filho, J. (2000). Grupos com diabéticos. In J. Mello Filho (Org.), Grupo e corpo: psicoterapia de grupo com pacientes somáticos (pp. 213-240). Porto Alegre: Artes Médicas.         [ Links ]

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Sobre as autoras

1 Michele Moreira de Souza Klein. Psicóloga pela Universidade Estácio de Sá, Campus Resende-RJ. Pós-graduanda do curso de especialização Psicologia, Subjetividade e Instituições de Saúde pelas Faculdades Integradas Maria Thereza, Niterói-RJ.
2 Carla Ribeiro Guedes. Orientadora do estudo. Psicóloga. Doutora em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Professora do curso de Psicologia

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