SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.5 número2Torre de Hanói: proposta de utilização do instrumento para sujeitos de 13 a 16 anosMorbidade depressiva em gestantes hipertensas: um estudo com o PRIME-MD e IDS-C índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Psicologia Hospitalar

versão On-line ISSN 2175-3547

Psicol. hosp. (São Paulo) v.5 n.2 São Paulo  2007

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

Um estudo sobre auto-imagem e crenças alimentares em adolescentes

 

A study about self-image and alimentary beliefs among adolescents

 

 

Fabiano de Souza Botelho1; Niraldo de O. SantosI,II,2; Marlene M. da SilvaI,II,3; Cláudia F. LahamI,4; Arthur B. Garrrido Jr.III,5; Mara Cristina S. de LuciaI,II,6

IDivisão de Psicologia do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
IICentro de Estudos em Psicologia da Saúde
IIIDepartamento de Gastoenterologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo teve como finalidade verificar como o adolescente se sente com relação ao seu peso e qual considera seu peso ideal; observar o grau de distorção da auto-imagem e associar a freqüência de crenças alimentares. A pesquisa foi realizada com adolescentes, sendo 214 sujeitos entre 14 e 18 anos, de classe média. A coleta de dados foi feita através de dois instrumentos, sendo um inventário de múltiplas escolhas, composto por questões fechadas sobre dados socioeconômicos e perguntas relacionadas a sentimentos frente a hábitos alimentares e a Escala de Crenças Alimentares e de Saúde. Constatou-se que a maioria das meninas com IMC menor que 19 Kg/m2, sentiam-se com o peso dentro da normalidade, e cerca de um terço destas viam-se acima do peso ideal. Concluiu-se que houve uma discrepância significativa na freqüência quando comparadas entre os gêneros; e crenças alimentares ocorreram em toda amostra.

Palavras-chave: Auto-imagem; Crenças alimentares; Adolescentes.


ABSTRACT

The purpose of this study was to observe how the adolescent feels with regard to his or her weight and what the adolescent considers his ideal weight to be; to observe the degree of self-image distortion and to associate these with the frequency of alimentary beliefs. The research was carried out on adolescents, among 214 middle class subjects between 14 &–18 years of age. The data collection was made through two instruments, a multiple choice inventory which was composed of closed questions on socioeconomic data, and questions relating to feelings on alimentary habits and to the Health Beliefs Alimentary Scale. It was seen by the data that the majority of the females with a BMI less than 19kg/m felt that they had normal weight, and about one-third of these saw themselves as above the ideal weight. Conclusion: There was significant discrepancy in frequency in the between-gender comparisons. Also, that alimentary beliefs had occurred in all samples was verified.

Keywords: Self-image; Food beliefs; Adolescents.


 

 

As mudanças emocionais e psicológicas decorrentes da transição da adolescência até a fase adulta, esta conhecida pela assimilação do código social e valor moral, remetem o jovem a uma posição antagônica quanto à sua identidade e as exigências de um mundo globalizado.

Este processo de mudanças nos âmbitos social e sexual do adolescente pode gerar crenças, que funcionariam como uma contenção emocional frente à ebulição de um mundo novo e pragmático. Segundo Aarnio e Lindeman (2004), a função da crença seria sustentar e organizar o mundo deste indivíduo, impondo controle e enrijecendo o pensamento, como uma tentativa de organização frente às demandas de um mundo instável dos temas direcionados à comida e ao bem-estar físico.

O adolescente, ao se apoiar nessas crenças, seria levado a acreditar que seus comportamentos são sempre bons para sua adaptação à realidade, mantendo-o, assim, longe de qualquer sentimento ou pensamento que ameaçassem este equilíbrio, já que crenças são entendidas como convicções e dogmas tidos como verdadeiros e inquestionáveis (Mijolla, 2005).

Dias (2000) mostra que as mudanças geradas na adolescência implicam em impactos emocionais nas esferas familiar e social, sendo vivenciadas como um marco na crise identitária do jovem entre a subjetividade e os valores tradicionais.

A autora afirma ainda que há um choque entre o velho e o novo, sendo o jovem levado pelos valores flutuantes da época, como regimes, esportes e moda, reafirmando a fase da moratória, proposta por Erickson (1998), onde existe uma crise existencial, gerando a busca de respostas para as suas expectativas, caracterizada por “crenças e valores flutuantes”.

Diante da crise existencial, própria da adolescência, Jeammet e Corcos (2005) demonstram existir uma estreita relação entre a constituição da identidade e o corpo nessa fase. Esta relação gera uma tentativa de buscar modelos identificatórios para levar o adolescente até a fase adulta. Segundo os autores, muitas vezes, existe a procura por uma imagem ideal proposta pelo grupo ou pela mídia, podendo esbarrar no surgimento de crenças alimentares associadas a altos índices de dietas feitas por adolescentes, já que o corpo se torna destinatário de descarga das tensões sociais e sexuais, podendo a comida funcionar como via de descarga emocional.

Com o objetivo de se adotar critérios que exprimam a realidade entre a comida e o peso, identificando possíveis comprometimentos da saúde, foram realizados estudos sistemáticos e de padronização internacional. Uma medida muito utilizada e divulgada atualmente é o Índice de Massa Corporal (IMC), adotado inclusive pela Organização Mundial de Saúde, sendo obtido através da seguinte fórmula: peso (em Kg) dividido pela altura (em m) elevada ao quadrado. Baseados neste índice, foram estabelecidos critérios de classificação. Assim, IMC menor que 19 representa indivíduos abaixo do peso; IMC entre 19 e 25 compreende a faixa de peso normal; IMC entre 25 e 30 considerado como sobrepeso; IMC entre 30 e 40 indica indivíduos obesos; e IMC maior que 40 representa obesidade mórbida. (Anjos, conforme citado por Lobato e Mondoni, 2004).

Enquanto o uso das classificações e índices obedece a critérios de saúde, culturalmente a questão estética ocupa papel de maior destaque na sociedade. Essa “cultura da beleza” cria dificuldades na percepção de que um corpo esteticamente perfeito nem sempre corresponde a um corpo saudável. No universo adolescente, onde o ambiente é de auto-afirmação, essa busca pelo belo torna-se ainda mais evidente e freqüente.

Levisky (1998) propõe a existência de um antagonismo vivido pelo jovem diante das mudanças corporais e psíquicas que afligem na transformação do corpo infantil para um corpo adulto, onde a imagem percebida contrasta com a imagem real. Posteriormente, Schoen-Ferreira, Aznar-Farias e Silvares (2003) reafirmam as mudanças corporais associadas à constituição da identidade, implicando na adoção dos papéis sociais e assimilação dos códigos morais relativos ao seu grupo social, podendo transpor o período cronológico que marca esta fase da vida.

Nesta tentativa de assimilação da cultura e diante das tensões existentes frente a sua identidade, o alimento pode surgir como aliado do adolescente para aplacar altos níveis de ansiedade e expectativas. Lindeman e Stark (1999) demonstraram existir um estreito paralelo entre pensamentos mágicos e razões ideológicas, para justificar as escolhas alimentares pelos jovens, e, quando perguntados, demonstram que tais crenças são imperceptíveis, uma vez que a principal justificativa na escolha dos alimentos está relacionada, em primeira instância, à saúde, subseqüentemente às razões ideológicas e por último, ao prazer. Assim, os autores inferem que diante da pressão social, o prazer pode estar atrelado à culpa e à insatisfação, levando à negação do próprio corpo.

Wamsteker et al. (2005) apontam que a perda de peso está associada à percepção que o indivíduo tem de si. No estudo dos autores, aqueles que negaram haver uma relação entre o psicológico e o seu peso tiveram menos sucesso nas dietas experimentadas. Tal situação demonstra o estado de crise que permeia a adolescência, vindo a culminar em histórias de dietas relacionadas com auto-crenças negativas, desencadeando uma tendência aos transtornos alimentares (Oconnor, Simmons & Cooper, 2003).

Os estudos de Waller, Dickson e Ohanian (2002) demonstram que crenças estruturais diante do comportamento alimentar e a auto-imagem em bulímicos levam a um padrão relativamente específico de associação com modelos alimentares não-saudáveis, onde as crenças são atreladas a hábitos prejudiciais à própria saúde, podendo gerar o aparecimento dos transtornos alimentares como a bulimia.

Oakes (2005) identifica que existe uma tendência à percepção do alimento estar ligada ao seu valor social e não ao seu valor calórico, crença esta que vem impulsionar a ingestão de alimentos bem ou mal conceituados, não havendo critérios de discernimento quanto ao comportamento alimentar. O estudo de Oakes e Slotterback (2005) sugere a crença de que alimentos constituídos por gordura são pragmaticamente tidos como alimentos ruins, em contrapartida, alimentos considerados bons são úteis para a promoção da saúde e emagrecimento, bastando não ter gordura, independentemente de seu valor calórico.

Herrmann (2001) propõe que, diante da tentativa do indivíduo em manter-se frente às expectativas do grupo ou das demandas da realidade, este precisa familiarizar-se com as normas e valores morais, tendo muito claro aquilo que julga certo ou errado. Isto o leva a uma percepção enrijecida frente ao mundo que o cerca, negando tudo aquilo que lhe foge da percepção, onde os comportamentos dentro do cotidiano estão representados na relação mundo-família.

Ainda conforme o autor, a reação da pessoa diante dos trilhos de conduta estabelecidos pela família movimenta as suas ações para uma realidade calcada naquilo que lhe foi pré-estabelecido dentro do núcleo familiar. Isto o leva, por vezes, a negar acontecimentos ocorridos pelas suas ações, quando estas não convergem para aquilo que lhe foi ensinado, gerando assim verdades paradigmáticas na relação entre o sujeito e o mundo, direcionando-o a comportamentos repetidos e compulsivos, desencadeando uma via de descarga frente à realidade, descarga esta direcionada, muitas vezes, à fantasia, dentre elas as superstições.

Freud (1909/1996) menciona como forma encontrada para a contenção dos traumas vividos na infância, o amparo no cotidiano, como tentativa de controle de tais tensões internas, usando como recurso, em algumas situações, as superstições como verdades absolutas, para aplacar a agressividade frente à realidade conhecida pelas regras e valores da cultura. Esta posição diante de polos opostos faz com que o indivíduo seja remetido ao isolamento do mundo, através de mecanismos que o levam à fantasia, com a função de mantê-lo protegido contra as dúvidas que pairam sobre a sua consciência acerca do mundo.

Tal tentativa do aparelho psíquico em lutar contra fontes agressivas durante o processo da constituição da identidade depende da relação entre a comparação de dois mundos, o interno e o externo, onde o primeiro é responsável pela percepção individualizada da realidade e o segundo é responsável pelas pressões exercidas pelos valores e normas sociais de um determinado grupo social. Num estudo sobre a percepção de temas como a desigualdade social, violência, expectativas de mudanças no âmbito profissional e pessoal em adolescentes de um grande centro urbano, Matheus (2003) demonstra que os adolescentes baseiam-se no modelo internalizado de família, seja ela de forma idealizada como algo a ser atingido, ou de um olhar mais concreto, dependendo das pressões que o jovem sofre diante da realidade pragmática, como por exemplo, a distância entre as classes sociais, inerentes a uma metrópole.

O adolescente, diante das ameaças internas, do julgamento social e da construção da sua imagem durante o processo de identificação com o outro, gera aquilo que Cahn (1999) nomeia de área de ilusão, onde habitam as crenças, caracterizadas em um espaço condutor entre as esferas criativa, cognitiva e afetiva. A principal função da crença seria amenizar o processo conflitivo do adolescente na sua constituição entre o corpo, a psique e o mundo natural, sugerindo um estado de sentimento de vazio, pela dúvida de não saber estabelecer para a sua razão a melhor forma de permear as suas vivências entre o afeto e a esfera intelectual. A área de ilusão tem em seu cerne a construção das ideologias, sendo caracterizada como um sistema fechado, onde o processo intelectual atua em contrapartida com os desejos internos de auto-realização.  

Paralelamente, Dolto (1984/2004) faz a relação entre o conceito de “esquema corporal” e “imagem do corpo”, onde o primeiro seria representação mental de uma constatação anatômica, independentemente da vontade do ser humano, sendo inicialmente experimentado em partes a serem integradas para um todo que o fará  sentir completo. Este processo só é possível graças ao segundo conceito proposto, denominado de imagem do corpo, estando ligada ao inconsciente, interpolando entre os fragmentos das relações das experiências emocionais e o contato físico com a realidade, de forma que o corpo torna-se alvo das pulsões no processo de constituição do sujeito.

 

OBJETIVOS

• Verificar como o adolescente se sente com relação ao seu peso e qual considera o seu peso ideal;

• Observar o grau de distorção da auto-imagem, avaliando separadamente cada faixa de IMC;

• Associar a freqüência de crenças alimentares ao comportamento alimentar.

 

CASUÍSTICA E MÉTODO

No período compreendido entre 11 de abril e 11 de novembro de 2005, foram participantes dessa pesquisa 214 estudantes do ensino técnico profissionalizante dentro de uma instituição particular de ensino na cidade de Campinas-SP. Destes, 55 eram meninos e 159 meninas, na faixa etária entre 14 e 18 anos, com a média de idade de 15 anos e renda familiar média de 03 a 04 salários mínimos7 por mês no período da realização da pesquisa.

Dos 490 alunos de primeiro e segundo anos inicialmente convidados para a realização do presente estudo, somente 214 estudantes atenderam às exigências requeridas, como a participação voluntária, a matrícula e presença em sala de aula, além do termo de consentimento livre esclarecido, assinado pelos responsáveis. A amostra foi constituída de acordo com uma técnica não probabilística intencional e por conveniência.

Aos estudantes convidados, foi esclarecido o objetivo geral da pesquisa, informando tratar-se de um estudo direcionado a crenças alimentares e comportamentos direcionados à comida.

No primeiro momento foi lido o termo de consentimento livre esclarecido para todos os alunos presentes em sala, de forma a salientar que poderiam participar da pesquisa, voluntariamente, aqueles que trouxessem o termo assinado por seus responsáveis legais. Após os termos assinados e recolhidos, foi solicitada a auto-aplicação dos instrumentos. Tal procedimento foi repetido em todas as salas de aula.

Do total de 214 estudantes, foram formados 4 subgrupos: a) IMC menor que 19 Kg/m2; b) IMC de 19 a 25 Kg/m2; c) IMC de 25 a 30 Kg/m2 e; d) IMC maior que 30 Kg/m2.

A coleta de dados foi feita através de dois instrumentos. O primeiro consistiu em um inventário de múltiplas escolhas, composto por dezessete questões fechadas, sendo a primeira parte do mesmo voltada para questões socioeconômicas, já a segunda parte, direcionada à percepção da auto-imagem, métodos de emagrecimento e perguntas relacionadas a sentimentos frente a hábitos alimentares.

Para esta pesquisa interessaram as respostas (fornecidas pelos estudantes) relativas ao: gênero, idade, renda familiar mensal, altura, peso atual, peso ideal (de acordo com a percepção do sujeito) e de como ele se sentia com relação ao seu peso.

O IMC foi calculado pelo autor a partir das informações coletadas nas questões referentes a peso e altura. Antes da aplicação do inventário foi explicado sobre a definição de IMC e sua classificação.

O segundo instrumento foi a Escala de Crenças Alimentares e de Saúde (anexo A), caracterizado por 18 afirmações relacionadas a crenças mágicas gerais e produtos animais como contaminantes dos alimentos e as suas influências sobre a personalidade. As afirmações foram formuladas a partir de crenças sobre similaridade e contágio dos alimentos. Pela similaridade, onde um alimento pode apresentar as mesmas propriedades que a doença, exemplificada pela afirmação: “Uma doença deve ser tratada com remédios que tenham propriedades similares às doenças”. Pelo contágio, onde as propriedades de um alimento podem influenciar outros, devido às suas características, exemplificada pela afirmação: “Uma falta de equilíbrio na ingestão de alimentos está por trás de muitas doenças”.

Cada questão continha uma crença alimentar, onde o sujeito poderia escolher entre cinco alternativas: discordo completamente; mais discordo do que concordo, nem concordo nem discordo; mais concordo do que discordo; concordo completamente.

A permissão para o presente estudo foi proveniente da Comissão de Ética da Divisão de Psicologia do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Os dados obtidos foram analisados quantitativamente.

 

RESULTADOS

O presente estudo apresenta dois tipos distintos de resultados. O primeiro refere-se à relação entre IMC e auto-imagem. O segundo associa o IMC com as crenças alimentares.

Em ambos, os resultados representam uma amostra de 214 adolescentes, sendo 55 meninos e 159 meninas, com faixa etária entre 14 e 18 anos, distribuídos dentro de seus respectivos subgrupos por IMC, divididos em gênero, assim apresentados na Tabela 1.

 

 

Com relação aos sentimentos sobre o peso atual (PA) do adolescente e sua crença sobre qual seria o peso ideal (PI), chegou-se à inferência denominada “auto-imagem percebida”, já que o sujeito não respondeu diretamente como se via frente ao seu peso, mas sobre sua expectativa de peso e seu peso real. Observou-se um número considerável de adolescentes que acreditaram estar acima do peso ideal, independente da classificação de acordo com IMC, conforme Tabela 2.

 

 

Para avaliar o grau de percepção que o sujeito tem em relação ao seu peso, aqui denominada de auto-imagem relatada, foi usada uma questão onde ele respondia objetivamente como se sentia com relação ao seu peso, assinalando a alternativa que melhor expressava os seus sentimentos. As cinco possíveis respostas variavam entre “sentir-se muito gordo” a “estar muito abaixo do peso”. Foi interessante notar que, tanto nos meninos quanto nas meninas, o sentimento predominante foi de se sentirem dentro do peso normal, mesmo entre aqueles que apresentavam IMC abaixo de 19kg/m2, conforme Tabela 3.

 

 

Relação entre IMC e crenças alimentares

Para essa relação foram utilizadas somente as respostas da Escala de Crenças Alimentares e de Saúde (anexo A).

Foram consideradas somente as questões onde os sujeitos responderam “concordo totalmente”, obedecendo ao critério de que, para tal escolha, o sujeito partiu do pressuposto da certeza na resposta diante da crença afirmada no inventário.

Diante da freqüência das respostas deste inventário, estabeleceu-se o indicativo de crenças, obtido pela divisão entre o número de respostas “concordo totalmente” (máximo de 18) pelo número de indivíduos do mesmo gênero, dentro de cada IMC, resultando na variável: crenças por indivíduo do mesmo gênero, comparando tal índice com o IMC de meninos e meninas.

Nos meninos, o número de crenças está diretamente proporcional ao IMC, ou seja, no momento em que o peso aumenta as crenças se tornam mais freqüentes; enquanto que, a partir do mesmo índice, nas meninas, o número de crenças se encontra inversamente proporcional ao IMC, diminuindo a freqüência na medida em que o peso delas aumenta.

Separando-se o número de crenças por indivíduo em relação ao gênero, resultou para as meninas (n=159), a média de 1,31 crenças por indivíduo e um desvio padrão de 1,34. Portanto pode-se afirmar que, em média, existe uma crença por menina, dentro da população pesquisada, já que o desvio padrão está mais próximo da média (p=0,03).

Os meninos apresentaram a média de 1,70 crenças por indivíduo e desvio padrão de 1,57. Assim, pode-se afirmar que a maior parte dos meninos pesquisados (n=55), tem aproximadamente duas crenças (p=0,13).

Os valores abaixo demonstrados referem-se à proporção de cada gênero do total dos 214 sujeitos, separados por IMC, analisados separadamente (meninos e meninas), conforme demonstrado pela Tabela 4.

 

 

DISCUSSÃO

É notória a influência das ideologias dentro dos grupos e dos meios de comunicação em massa na definição de padrões de beleza e estética na sociedade contemporânea, fenômeno também demonstrado por Schoen-Ferreira e cols. (2003),podendo surgir dentre as muitas formas para se atingir tais padrões, a comida, funcionando como um mecanismo mais eficiente neste objetivo tanto em meninos quanto em meninas.

A amostra estudada levanta uma preocupação com a obediência aos padrões estéticos, já que a grande parte da população apresenta IMC abaixo de 25 kg/m2, o que sugere certa facilidade na instalação de transtornos alimentares, quando as tensões são direcionadas para o alimento, como citado por Waller e cols. (2002), desencadeados pela obsessão em atingir padrões de beleza, levando a uma auto-imagem distorcida, favorecendo assim o aparecimento de crenças negativas, tornando-se um terreno fértil para a constituição da bulimia, por exemplo.

Constatou-se que a imagem corporal em adolescentes tende a aparecer mais distorcida conforme o IMC vai diminuindo, já que os jovens acima do peso (com IMCs maiores que 25 Kg/m2) têm uma percepção mais próxima da realidade, ou seja, eles se encontram na faixa de sobrepeso e obesidade, sentindo-se gordos ou muito gordos.

Pode-se sugerir que, os adolescentes da amostra com o IMC mais elevado, foram levados a encontrar na comida uma forma de combater as fontes angustiantes frente às mudanças do corpo e a busca do amadurecimento pessoal, dentro do grupo no qual eles estão inseridos, como citado por Jeammet e Corcos (2005).

Nota-se também que, segundo Mijolla (2005), as crenças teriam a função de auxiliar o aparelho psíquico a organizar e a combater as demandas provindas da sociedade, sugerindo que ausências de crenças podem remeter o adolescente a um pensamento voltado para uma realidade concreta e pragmática em detrimento do simbólico, atuando de formas diferentes em ambos os sexos.

Na medida em que o IMC diminui (índices menores que 25 Kg/m2), a distorção da auto-imagem corporal começa  a se tornar mais evidente, atingindo toda a população estudada, principalmente as meninas, já que elas representam a maioria da amostra com IMC abaixo de 19 Kg/m2. Nota-se que essas meninas, consideradas abaixo do peso para os índices de saúde, em sua maioria, sentem-se com peso normal, apontando uma discrepância da auto-imagem com relação ao peso.

Considerando que a população estudada é representada por jovens, estando estes sobre forte influência dos padrões de comportamento do grupo social em que estão inseridos, nota-se nas meninas uma maior preocupação em se manterem magras, contribuindo assim para o aparecimento de crenças com a função estabilizadora de sustentar e organizar seus pensamentos, como proposto por Aarnio e Lindeman (2004).

Na medida em que o peso aumenta, as crenças aparentemente dificultam esta capacidade de organização, desestabilizando-as e levando-as a um pensamento mais voltado para a distorção da auto-imagem, já que se sentem mais gordas do que realmente são (utilizando como parâmetro o IMC). Dias (2000) citou em seus estudos o momento em que o jovem transita para o mundo adulto como sendo repleto de transformações principalmente por impactos emocionais nas esferas familiar e social.

O jovem, diante um mundo repleto de desafios e possibilidades, mas muitas vezes não podendo alcançá-los devido aos limites vivenciados frente à família e as suas relações com o mundo, demonstra que o corpo passa a ter uma função de descarga diante de tais tensões emocionais, como ressaltado por Jeammet e Corcos (2005), o que juntamente com a instabilidade de humor, remete a um campo fértil para o aparecimento de crenças e superstições, de acordo em Herrmann (2001). Assim, haveria uma busca por crenças quando as ações dos outros não convergem para aquilo que se espera deles.

Aarnio e Lindeman (2004) citam em seus estudos o aparecimento de crenças como forma de sustentar e organizar o mundo deste indivíduo. Vale notar que, na avaliação da auto-imagem em meninas com IMC menor que 19 Kg/m2, algumas se sentiam gordas ou muito gordas, e ainda um número considerável se sentia com peso normal.

Interessante é observar nessas meninas, que, apesar de magras, incide o aparecimento de uma cobrança frente aos modelos de beleza, notando um maior descontentamento na maneira em que as mesmas colocam-se frente ao mundo, tal exigência sugere desencadear uma maior distorção da auto-imagem, levando à busca de um corpo ideal, talvez em detrimento de outras áreas afetivas.

Partindo deste cenário, sugere-se que o número de crenças por indivíduo associa-se à distorção da auto-imagem, já que na população masculina, o número de crenças está diretamente proporcional ao IMC, ou seja, na medida em o IMC aumenta o número de crenças aumenta, enquanto que na população feminina, o número de crenças se encontra inversamente proporcional ao IMC, mostrando que a distorção da auto-imagem é menor em meninas com IMCs maiores, talvez por estarem longe dos padrões estéticos de beleza. Partindo do pressuposto de que as crenças têm a função de organizar e sustentar o mundo desse indivíduo frente às realidades (Aarnio & Lindeman, 2004), a freqüência de crenças por indivíduo nas meninas no subgrupo com IMC acima de 25 Kg/m2  foi menor que o número de crenças existentes na população com IMC menor que 19 Kg/m2.

 A preocupação em conseguir atingir o peso ideal, mesmo entre aquelas que estão com IMC dentro do esperado, sugere que a distorção da auto-imagem está associada a um ideal de corpo, contrastante do real, podendo emergir tentativas de compensação frente à frustração, construindo superstições e verdades absolutas, como propôs Freud (1909/1996).

Quanto menor o IMC, maior a necessidade das crenças para organizar o seu mundo interno. Na medida em que o peso vai aumentando a força de crenças diminui, dificultando assim a capacidade de simbolização e intuitiva na menina, aproximando-a de um universo concreto e pragmático, tornando a comida uma fonte de deslocamento das pulsões para o corpo, partindo do conceito de Dolto (1984/2004), entre a relação do esquema corporal e imagem do corpo, distanciando assim o real e o simbólico.

O contexto descrito pode desencadear um deslocamento das tensões internas para o comportamento alimentar, onde, quanto mais dentro do peso normal se encontra uma adolescente, maior a pressão das necessidades impactantes afetando o mundo real (conhecido pelas regras e padrões sociais de comportamento).

O comportamento dos meninos na amostra demonstra que a organização do mundo interno obedece a padrões opostos aos da população feminina.

Nos meninos, conforme o IMC vai aumentado, o número de crenças por indivíduo também aumenta. Tal elevação da freqüência de crenças pode sugerir que, ao contrário das meninas, a necessidade de crenças pode estar relacionada ao ganho de peso e as exigências feitas frente ao universo masculino, inferindo que quanto maior o peso, talvez seja menor a capacidade de atender as demandas e papéis sociais impostos aos homens.

Pode-se destacar que, em meninos magros, as crenças estão menos presentes, sugerindo que o universo masculino pode estar mais voltado à realidade pragmática e concreta, e, na medida em que o peso aumenta, existe um deslocamento das pulsões para a comida e para a fantasia, de forma que a comida funcione como um mecanismo de contenção, na tentativa de se estabelecer um elo entre a fantasia e a realidade.

Alguns autores, como Aarnio e Lindeman (2004) e Mijolla, (2005), sugerem a existência de crenças alimentares para organizar o mundo interno dos indivíduos, mas que, na população estudada, funcionariam de forma diferente nos meninos e meninas, já que as demandas da sociedade são diferentes para homens e mulheres, e durante o percurso para atingirem a fase adulta, são trilhados de formas diferentes para ambos os sexos.

 

CONCLUSÕES

• Há uma maior freqüência de sujeitos abaixo do peso e dentro da normalidade.

• A distorção da auto-imagem é muito freqüente, principalmente nas meninas.

• As crenças alimentares encontram-se presentes na população estudada, e tiveram uma freqüência diferente nos meninos e nas meninas, onde se observou que, na população masculina, o número de crenças está diretamente proporcional ao IMC, enquanto que o mesmo índice na população feminina encontra-se inversamente proporcional ao IMC.

 

REFERÊNCIAS:

Aarnio, K., & Lindeman, M. (2004).Magical food and health beliefs: a portrait of believers and functions of the beliefs. Appetite, 43, 65-74.        [ Links ]

Cahn, R. (1999).  Do sujeito e do objeto do crer. In Cahn, R. O adolescente na Psicanálise (pp 141-166). Rio de Janeiro: Companhia de Freud.        [ Links ]

Dias, S. (2000). The body feeling of strangeness and the diagnosis in adolescence.Psicol. USP, 11(1). Recuperado em 27/08/2005, da SciELO (Scientific Eletronic Library Online), http://www.scielo.br/ptp        [ Links ]

Dolto, F. (2004). Esquema corporal e imagem do corpo. In Dolto, F. A imagem inconsciente do corpo. (pp 01-37). São Paulo: Perspectiva. (Trabalho original publicado em 1984).        [ Links ]

Erickson, E. (1998). Estágios maiores no desenvolvimento psicossocial. In Erickson, E. O ciclo da vida completo (pp 51-67).  Porto Alegre: Artmed.         [ Links ]

Freud, S. (1996). Notas sobre um caso de neurose obsessiva. In Freud, S. Duas Histórias clínicas (O “pequeno Hans” e o “Homem dos Ratos”) (pp 137-217). Edição Standard Brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, vol X. Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1909).

Herrmann, F. (2001).  A Moral no País da Fadas. In Herrmann, F. Andaimes do real: Psicanálise do Quotidiano (pp 93-126). São Paulo: Casa do Psicólogo.        [ Links ]

Jeammet, P., & Corcos, M. (2005). O lugar da puberdade e da adolescência no desenvolvimento da personalidade. In Jeammet, P., & Corcos, M. Novas problemáticas da adolescência: evolução e manejoda dependência (pp. 29-50). São Paulo: Casa do Psicólogo.        [ Links ]

Levisky, D. L. (1998). Adolescência: reflexões psicanalíticas (pp. 21-67). São Paulo: Casa do Psicólogo.        [ Links ]

Lindeman, M., Keskivaara, P., & Roschier, M. (2000). Assessment of Magical Beliefs about Food and Health. A journal of Health psychology, 5(2), 195-209.        [ Links ]

Lindeman, M., & Stark, K. (1999). Pleasure, Persuit of Health or Negotiation of Identity? Personality Correlates of Food Choice Motives Among Yong and Middle-aged Women. Appetite, 33, 141-161.        [ Links ]

Lobato, M. Z., & Mondoni, M. S. (2004). Bases nutricionais na anorexia e bulimia nervosas. In Busse, R. S. Anorexia, Bulimia e Obesidade (pp 231-269). Barueri: Manole.        [ Links ]

Matheus, T. C. (2003). O discurso adolescente numa sociedade na virada doséculo. Psicol. USP, 14(1). Recuperado em 04/09/2005, da SciELO (Scientific Eletronic Library Online), http://www.scielo.br/ptp        [ Links ]

Mijolla, A. (2005). Dicionário Internacional de Psicanálise: conceitos, noções, biografias, eventos e instituições. Rio de Janeiro: Imago.         [ Links ]

Ministério do Trabalho e do Emprego (2005). Emprego e Renda, evolução do salário mínimo. Retirado em 04/12/2006, do Ministério do Trabalho, http://www.tb.gov.br/sal_min/default.asp        [ Links ]

Oakes, M. E., & Slotterback, C. S. (2005).  Too good to be true: dose insensitivity and stereotypical thinking of foods’ capacity to promote weight gain. Food Quality and Preference, 16(8), 675-681.

Oakes, M. E. (2005). Stereotypical thinking about foods and perceived capacity to promote weight gain. Appetite, 44(3), 317-324.        [ Links ]

Oconnor, M., Simmons, T., Cooper, M. (2003). Assumptions and beliefs, dieting, and predictors of eating disorder-related symptoms in yong women and yong men. Eating Behaviors, 4, 1-6.        [ Links ]

Schoen-Ferreira, T. H., Aznar-Farias, M., & Silvares, E. F. M. (2003). A construção da identidade em adolescentes: um estudo exploratório. Estud. psicol. (Natal), 8(1). Recuperado em 27/08/2005, da SciELO (Scientific Eletronic Library Online), http://www.scielo.br/ptp        [ Links ]

Waller, G., Dickson, C., & Ohanian, V. (2002). Cognitive content in bulimic disorders Core beliefs and eating attitudes. Eating Behaviors, 3, 171-178.        [ Links ]

Wamsteker, E. W., Geenen, R., Iestra, J., Larsen, J. K., & Zelissen Van Staveren, W. A., (2005). Obesity-Related Beliefs Predict Weight Loss after an 8-Week Low-Calorie Diet. Journal of the American Dietetic Association, 105(3), 441-444.        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Fabiano de Souza Botelho
Rua Dr. Alfredo Zacharias, 1510, casa 96 - Vila Pagano - Valinhos &– SP.
CEP: 13277-280. E-mail: fboter@uol.com.br

 

 

1 Psicólogo Especialista em Distúrbios Alimentares e Obesidade pelo Centro de Estudos em Psicologia da Saúde (CEPSIC) da Divisão de Psicologia do Instituto Central (DIP/ICHC) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP) - Brasil
2 Mestre pela FMUSP, Psicólogo da Divisão de Psicologia do ICHC-FMUSP. Coordenador do Curso de Especialização em Distúrbios Alimentares e Obesidade do CEPSIC - Brasil
3 Psicóloga da Divisão de Psicologia do ICHC-FMUSP. Coordenadora do Curso de Especialização em Distúrbios Alimentares e Obesidade do CEPSIC - Brasil
4 Mestre pela FMUSP, Psicóloga da Divisão de Psicologia do ICHC-FMUSP. Co-orientadora da Pesquisa Multissetorial “Crenças relacionadas à alimentação”.
5 Professor Doutor Associado do Departamento de Gastoenterologia &– FMUSP- Disciplina do Aparelho Digestivo - Unidade de Cirurgia da Obesidade Mórbida - Divisão de Clínica II do ICHC-FMUSP-Brasil
6 Doutora em Psicologia pela PUC-SP. Diretora da Divisão de Psicologia do ICHC-FMUSP. Presidente do CEPSIC. Coordenadora do Curso de Especialização em Distúrbios Alimentares e Obesidade. Orientadora da Pesquisa Multissetorial “Crenças relacionadas à alimentação” - Brasil
7 Valor do salário mínimo R$ 300,00 (Fonte: Ministério do Trabalho, 2005).

 

 

Creative Commons License