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Psicologia Hospitalar

versão On-line ISSN 2175-3547

Psicol. hosp. (São Paulo) vol.7 no.1 São Paulo  2009

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

O adolescente e o processo de hospitalização: percepção, privação e elaboração

 

The adolescent and the process of hospitalization: perception, privation and development

 

 

Marilise Honicky1; Rosanna Rita Silva2

Universidade Estadual do Centro-Oeste - UNICENTRO

 

 


RESUMO

Uma doença, e consequente hospitalização, podem trazer às pessoas, em qualquer momento de suas vidas, ansiedade e medo. Compreender as especificidades psicológicas desse processo junto aos adolescentes constitui-se tarefa relevante. A pesquisa objetivou compreender a relação estabelecida entre adolescentes que tiveram longas ou sucessivas hospitalizações e a instituição hospitalar, bem como com sua doença. O método empregado foi o clínico-qualitativo e os instrumentos foram entrevistas semidirigidas e fotografias produzidas pelos jovens. Pôde-se identificar que cada adolescente percebeu a doença de modo singular, dependendo essencialmente das limitações que estas geraram em suas vidas. Em relação ao hospital, foi percebido como triste, invasivo, limitador da liberdade e que não dava oportunidade de participação no tratamento. Além disso, sentiram-se privados do convívio com a família, grupo mais valorizado como presença necessária para suportar os momentos de hospitalização. Os adolescentes demonstraram, assim, desejo de serem ativos e considerados em suas peculiaridades no ambiente hospitalar.

Palavras-chave: Psicologia; Hospital; Adolescência.


ABSTRACT

A disease, and subsequent hospitalization, can bring to people at any time of their lives anxiety and fear. Understanding the psychological peculiarities of that case close to adolescent’s task is to be relevant. The research aimed to understand the relationship between adolescents who have had long or successive hospitalizations and medical institution, and with their diseases. The method used was the clinical-quality and the resources were semi-directed interviews and photographs produced by the adolescents. It was identified each adolescent realized the disease so unique way, depending primarily the limitations that they generated in their lives. In relation to the hospital, was perceived as sad, invasive, and limiting the freedom that gave no opportunity to participate in treatment. Moreover, felt they were deprived of living with their families, group the most valued presence as needed to support the moments of hospitalization. Adolescents showed therefore wish to be considered in assets and its peculiarities in the hospital environment.

Keywords: Psychology; Hospital; Adolescence.


 

 

1. INTRODUÇÃO

Para caracterizar a adolescência, Clímaco (1991) aponta que se faz necessário relacioná-la com condicionantes diversos como os históricos. Com isto, o conceito de adolescência sofre variações no tempo e no espaço e só poderá ser compreendido quando vinculado a uma sociedade e/ou a um segmento social, assim, o conceito que se conhece hoje, não é o mesmo que o de outras épocas.

Há também outras formas de compreensão do adolescente, como a partir da ótica da Psicanálise (Levy, 2001) que o caracteriza como um sujeito em transformação, em busca de uma identidade própria que por isso passa a revisar seu mundo interno e suas heranças infantis, a fim de elaborar seu novo corpo e as pulsões desencadeadas pela puberdade. Ao mergulhar em seu mundo interior, realiza uma revisão de suas relações para conseguir relacionar seu passado e enfrentar seu futuro, o que permite realizar os lutos fundamentais, que são, para Aberastury et al. (1981), o luto pelo corpo infantil perdido, pela identidade infantil e pelos pais da infância. Este adolescente passa a flutuar da dependência para a independência, podendo mostrar-se confuso e ambivalente. Os pais muitas vezes não compreendem essas flutuações do filho, fato que dificulta a elaboração destes lutos. Assim, pode-se dizer que, a partir da visão do adulto, este é um período que é tido como de desequilíbrios e instabilidades externas, confuso, contraditório e doloroso, caracterizado por atritos, tanto com o meio familiar quanto com o meio social.

A presença externa dos pais começa a ser gradativamente desnecessária para os adolescentes, pois estão internalizados, incorporados à sua personalidade, sendo possível o início do seu processo de individualização. A separação agora não só é possível como necessária (Knobel, 1981).

Para o Estatuto da Criança e do Adolescente (Brasil, 1990), os adolescentes são assim considerados quando têm entre doze e dezoito anos de idade, e estão sujeitos, assim como uma pessoa de qualquer outra idade, tanto a doenças de rápida solução quanto a doenças crônicas e ambas, muitas vezes, podem resultar em hospitalização, temática explorada na presente pesquisa.

Uma doença rompe o equilíbrio vital, invade, irrompe a vida de uma pessoa de forma incontrolável e, muitas vezes, violenta, revelando algo inesperado que abre espaços na vida psíquica para sentimentos angustiantes. Nesse contexto, a hospitalização pode trazer alterações profundas na vida do paciente e de sua família, por ser uma vivência especialmente significativa, estranha e impactante para o paciente, como aponta Nigro (2004).

Com o aparecimento da doença, uma série de sentimentos confusos e dolorosos pode acompanhar o indivíduo, o que se agrava com a hospitalização, que traz consigo o medo do desconhecido. Com a internação, o paciente tem sua rotina rompida, seus hábitos anteriores terão de se transformar frente à nova realidade, passando, assim, a se ver obrigado a separar-se de seu ambiente familiar e de seus interesses momentâneos. Sua condição de dependência é reforçada, e pode ser sentida pelo paciente como agressão, pois sua rotina é substituída pela rotina hospitalar (Santos & Sebastiani, 2003).

O indivíduo pode vivenciar a hospitalização como perda, ruptura, separação, mudança das referências, o que traz prejuízo à sua noção de identidade e ocasiona mais sofrimento diante de sua imagem já alterada. Os efeitos da hospitalização podem ter peculiaridades de acordo com cada faixa etária, segundo Chiattone (2003), mas de uma maneira geral os efeitos são a negação da doença, revolta, culpa, sensação de punição, ansiedade, depressão, projeção, solidão e regressão emocional.

Neste sentido, o adolescente, em meio a diversas mudanças, apresenta necessidades e especificidades próprias que devem ser contempladas ao ser hospitalizado. Primeiramente, como ressalta Campos (1995), há carência de locais especializados para o atendimento de cada faixa etária, particularmente para os adolescentes. Apenas nos grandes centros concentra-se este atendimento, mas ainda assim, há falta de profissionais com esta visão específica da adolescência, que apresenta condições de vida e necessidades diferenciadas.

O impacto que a hospitalização gera no adolescente depende de sua própria personalidade e da capacidade de tolerar frustrações. Segundo Ambrós, Scortegogna, Scortegogna Júnior e Ambrós (2004) pode-se também acrescentar que as características da doença e do tratamento, o estágio em que a doença se encontra, o grau de sofrimento que ela provoca, a participação da família e dos amigos nesse processo, a história de vida do adolescente e a forma como este enfrenta situações de crise também contribuem. Desta forma, o adolescente pode reagir de diversas maneiras, como aponta Nigro (2004), podendo rebelar-se, agitar-se e reclamar ou, como outros, entristecer-se frente a este novo conflito que pode gerar uma situação emocional grave.

Ambrós et al. (2004) ainda relatam acerca da experiência, que chamam de despersonalização, que o adolescente pode vivenciar, essa situação acarreta uma descontinuidade na percepção de sua vida, rompendo uma história até então coerente e organizada. Os autores citam ainda reações como condutas de isolamento, regressivas e de dependência dos pais e da equipe hospitalar, o adolescente para garantir a presença constante, principalmente da mãe, pode utilizar inclusive de atitudes infantis.

Quando o adolescente é internado em um hospital, sente-se privado do convívio com os amigos, afasta-se do ambiente escolar, passa a vivenciar sentimentos de dor, angústia e tristeza, além de separar-se da família, o que pode gerar sentimentos como raiva, ciúmes e ansiedade, segundo pesquisa de Armond (1996).

Na busca da afirmação de sua identidade e frente a mudanças internas e em sua relação com o meio, percebe-se que o adolescente demanda relações diferenciadas. Da mesma forma, quando hospitalizado, apresenta peculiaridades próprias, inerentes ao momento que está vivenciando. Estas questões conduziram ao interesse de realizar esta pesquisa que teve como objetivos compreender como os adolescentes vivenciam a hospitalização; identificar qual a percepção que apresentam de sua doença; entender como vivenciam as privações geradas pela hospitalização e conhecer como elaboram suas vivências do período de hospitalização, após a alta hospitalar.

 

2. MÉTODO

A pesquisa teve início após receber a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Estadual do Centro-Oeste (COMEP/ UNICENTRO), tendo sido aprovada sob o protocolo número 09729/2007.

Para participar da pesquisa, o adolescente colaborador deveria ter estado internado entre seus treze e dezessete anos de idade e sua última hospitalização não ter ultrapassado um período máximo de três anos. Desta forma, poderiam participar adolescentes com até vinte anos de idade. E, como último critério, ter permanecido hospitalizado durante o período mínimo de um mês ou ter realizado com frequência procedimentos hospitalares por um período mínimo de um ano.

Primeiramente, entrou-se em contato pessoal com profissionais da área da educação e da saúde solicitando que indicassem possíveis participantes para a pesquisa. A partir das indicações selecionou-se os que preenchiam as características pré-estabelecidas para participar da mesma. Em seguida, ocorreu o primeiro contato via telefone, no qual se explicou superficialmente sobre o que se tratava a pesquisa, se gostaria ou não de participar e, caso consentisse, marcava-se o horário mais cômodo para o adolescente.

Os jovens, que participaram voluntariamente da pesquisa, residiam no interior do Paraná e de Santa Catarina e aqui terão nomes fictícios para que suas identidades sejam preservadas: Daiane com quatorze, Vanessa com dezesseis e Mateus com dezenove anos.

As entrevistas aconteceram em maio de 2008, inicialmente foram explicadas todas as questões referentes à pesquisa, objetivos, compromisso, sigilo, voluntariado, tanto para o adolescente quanto para seus responsáveis, para quando este era menor de dezoito anos, para que, desta forma, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido fosse assinado.

Posteriormente, a entrevista com o adolescente era iniciada, sendo ainda esclarecido e consentido pelo participante que fosse gravada. Cada participante era incentivado a falar livremente e do modo que achasse melhor.

Utilizou-se a entrevista semidirigida com questões abertas, em que os momentos de direção da entrevista são alternados entre o entrevistador e o entrevistado, o que significa ganho para reunir os dados, segundo os objetivos propostos pela pesquisa, conforme aponta Turato (2003). Desta forma, foi possível que, durante a entrevista com cada participante, a ordem dos assuntos do roteiro fosse alterada e as questões ampliadas ou inseridas.

Ainda no mesmo encontro, ocorreu um segundo momento, no qual o adolescente recebeu uma máquina fotográfica digital após ser instruído pelas pesquisadoras que deveria criar cenas que representassem sua experiência no hospital, podendo tirar quantas fotografias quisesse e da forma que achasse melhor. Optou-se por esta técnica como mais um instrumento de expressão para deixar a entrevista mais rica. Este procedimento foi utilizado com base na Técnica do Desenho-Estória de Walter Trinca (1997), que consiste na criação de desenhos livres juntamente com o recurso de contar histórias, dando um título para sua criação.

Com as fotografias já prontas, o adolescente foi convidado a olhar cada imagem produzida e criar um título, além de relatar o porquê tirou aquela fotografia. Conforme o relato do participante as pesquisadoras procederam com um inquérito buscando mais informações.

Com as três entrevistas já realizadas e transcritas deu-se início à fase da análise do material obtido, sendo que foram analisadas em conjunto as entrevistas, as fotografias e o inquérito das fotografias. Para isto, utilizou-se o método clínico-qualitativo de conteúdo, que busca dar interpretações aos significados expostos pelos indivíduos sobre diversos fenômenos relacionados ao campo saúde-doença, conforme define Turato (2003). A análise iniciou-se com a leitura flutuante das informações, não sendo priorizado inicialmente nenhum elemento. Este contato permitiu que as pesquisadoras fossem invadidas por impressões e orientações (Bardin, 1977), assim a análise não permaneceu só no que estivesse explícito, mas também em mensagens implícitas, no não-dito entre as palavras, como aponta Turato.

Após as leituras de assimilação, ocorreu a fase de categorização, na qual foram classificados os elementos constitutivos de um conjunto em razão da repetição e relevância dos elementos, conforme cita Bardin (1977). Na sequência, fez-se a subcategorização, processo que coloca em destaque tópicos particulares que merecem ser mais discutidos, porém se encontram dentro de uma categoria e dependem de sua temática. As categorias de análise obtidas foram percepção da doença, percepção do hospital e percepção de sua vida após a alta hospitalar. Na segunda categoria, as subcategorias foram acompanhantes no hospital e o que lhe fazia sentir falta nesse período. E, para a terceira categoria, percepção de superação da experiência de hospitalização.

 

3. RESULTADOS

Daiane, quatorze anos, relatou que soube de sua doença ao ser hospitalizada aos oito anos de idade. Ficou no hospital durante cinco dias, sendo dois deles na Unidade de Terapia Intensiva. Na ocasião lhe informaram que tinha diabetes, disse que no momento "Eu nem sabia o que era isso [...] eu fiquei com raiva." E acrescentou que não tinha a doença.

Desde os oito anos ela ficou hospitalizada cerca de seis vezes ao ano durante aproximadamente dois dias cada uma e, além disso, realizou consultas ambulatoriais periódicas. A sua última internação ocorreu cerca de dois meses antes da entrevista.

No hospital, Daiane relatou que ficou triste, queria sair dali, pois não tinha nada para fazer. Diz que foi tempo perdido estar naquele local. Contou que tinha vontade de só dormir. Adorava a companhia da mãe no hospital, pois assim tinha com quem conversar. Sentia falta de não poder brincar e ficou chateada por não poder levar nada para se distrair.

Ao sair do hospital relatou que ficou alegre e que nos primeiros dias sentiu-se um tanto fraca, mas que logo voltou a fazer tudo o que sempre costumava fazer e podia ir brincar com os amigos. Reclamou de ter que aplicar a insulina: "Eu fico nervosa quando tenho que tomar injeção, eu fico com uma raiva, tenho vontade de quebra". E de não poder comer doce e pizza, porém em certas ocasiões ficava ansiosa e tinha que comer o que desejava.

Disse ainda que seguia as orientações médicas em relação à alimentação e atividade física e que desta gostava, porém achou que não fosse necessário cuidar por não ter nada. Daiane ponderou não gostar de falar sobre suas experiências no hospital.

Daiane tirou duas fotografias, para a primeira (veja a figura 1) deu o título de A furada, e comentou: "eu não gosto dela, ela é muito feia [...] eu não gosto de me pica todo dia". E sua segunda imagem (veja a figura 2) muito mais legal, segundo Daiane foi intitulada de Pizza, disse que tirou esta foto porque "lá no hospital não podia comer pizza, lá comia chá com bolacha, [...] daí davam para comer, pizza lá não davam". Ao responder o inquérito disse que a injeção foi a primeira coisa que lembrou ao pensar em hospital. E em relação à segunda fotografia disse que, em algumas ocasiões, comia outra coisa pensando que era o que queria comer, mas às vezes ficava nervosa e tinha vontade de quebrar tudo por não poder comer o que desejava.

 

Figura 1: Foto Daiane A furada.

 

Figura 2: Foto Daiane Pizza.

 

A adolescente Vanessa, de dezesseis anos, relatou que não sabia contar exatamente toda a sua trajetória de hospitalizações. "Eu não lembro, parece que alguma parte foi apagada assim, da minha cabeça, tem coisas que eu realmente não lembro, fatos que aconteceram." Disse lembrar apenas o que mais lhe marcou, não se lembrou de certas datas e hospitalizações.

Aos nove anos, Vanessa caiu e bateu sua coluna em uma escada, ao puxar seu irmão que caiu sobre ela, para impedi-lo de ser atropelado. Na hora sentiu muita dor e foi levada ao hospital, neste informaram que nada de grave havia acontecido. Contou que a dor foi intensificando e o joelho flexionando, mas não soube contar quanto tempo depois do acidente isto ocorreu e nem como foi que soube da amplitude do problema que havia adquirido.

Vanessa, em suas palavras, tinha uma contratura articular em flexo de joelho direito e por isto ficou sem caminhar por quatro anos, ficava apenas deitada ou sentada. Durante este tempo não gostava de sair muito de casa e deixou de frequentar a escola. Sua vida passou a se restringir à sua casa, parou, como ela disse.

A primeira hospitalização de Vanessa foi no hospital da cidade onde residia e durou cerca de uma semana. Contou que ficou diversas outras vezes no hospital por períodos de uma semana ou menos, tanto devido ao joelho quanto a outras patologias em razão de sua imunidade estar muito baixa, mas não soube dizer ao certo quantas vezes. Durante certo período, foi também todos os dias para receber soro, por não conseguir se alimentar. Aos onze anos ficou durante vinte dias hospitalizada em uma cidade maior próxima da sua. Relatou que gostou deste hospital, pois tinha um jardim onde podia estar em contato com a natureza, tomar sol e brincar com pássaros e um macaquinho que ali havia.

Muitas vezes, Vanessa ficou hospitalizada para realizar exames e procedimentos cirúrgicos, que em sua maioria fracassaram, na visão dela. Há cerca de três anos ficou internada duas vezes, cada uma delas por nove dias, na capital do estado, onde realizou dois procedimentos cirúrgicos e , após longo tempo de recuperação, voltou a andar.

Gostava apenas de receber a visita de seus irmãos, familiares, amigos do Curso de Artesanato que fazia e amigos da rua onde morava, pois segundo ela lhes traziam ânimo. Via o hospital como um lugar onde pessoas estranhas boas e outras vezes ruins cuidavam-na e que a prenderam ali.Sentia-se muito assustada e triste por ver o sofrimento dos outros e inclusive pessoas com situações piores da que a dela.

Reclamou do atendimento do hospital de sua cidade e por só poder ficar no quarto. E disse que o tratamento do último hospital em que esteve era mais humano, os médicos a motivavam e, neste, Vanessa gostava de ir à brinquedoteca e à capela.

Comentou que sua mãe lhe acompanhava sempre no hospital, e não aceitava nem mesmo suas irmãs mais velhas no lugar da mãe. Emocionou-se ao falar da mãe, descrevendo-a como seu escudo protetor. Sua mãe não estava com ela apenas durante as cirurgias e nos exames que não permitiam acompanhantes.

No hospital, "o que fazia mais falta era a minha casa, as minhas coisas, sabe, os meus irmãos, assim tudo, a minha família, isso que eu sentia muita falta". Já em relação, à doença não gostava de depender de seus pais, queria poder voltar a ter uma vida normal.

Sobre quando saía do hospital, Vanessa relatou tristeza, porque nada resolveu lá dentro, [...] alegria de voltar para casa. Já em relação à última vez que ficou hospitalizada, ao sair viu que voltaria a ter uma vida normal, o que a deixou feliz. Voltou a caminhar e aos poucos sua vida foi voltando a ser como antes. Não soube dizer como superou, apenas acrescentou que sua mãe lhe ajudou muito nessa trajetória e que apagou tudo o que passou. Vanessa não gosta de falar sobre isto e preferiu que as pessoas não soubessem de sua história. Disse que foi um aprendizado doloroso, mas que serviu para torná-la mais responsável.

Vanessa criou três imagens por meio das fotos, para duas delas deu o título de Vida (veja as figura 3 e 4), relatando que tirou estas fotografias Porque você está em um quarto fechado, sem ver um outro, sem ver o mundo, se está chovendo, se tem sol, [...] você é impedida de ver, então quando você sai é a primeira coisa que você olha é isso. Sua terceira foto foi intitulada de Prisão (retrato da sala onde foi realizada a entrevista, que aqui foi omitida devido à possibilidade de identificação da participante), Vanessa informou que esta foto dizia respeito ao tempo que ficava em casa e sempre na sala, preferia ficar ali porque podia ver o movimento da rua, mas em sua cabeça era como uma prisão, por passar a maior parte do tempo ali, mas também não queria sair. Ela diz que foi o tempo que sua vida parou e que passou a se resumir àquele local. No inquérito relacionado às duas primeiras fotografias, disse que hoje a sensação é de liberdade por poder entrar em contato com a natureza ,o que lhe fazia falta e que ela adora. E em relação à foto Prisão disse que sentia o hospital também como uma prisão, pois no hospital não a deixavam sair e em casa não queria sair.

 

Figura 3: Foto Vanessa Vida.

 

Figura 4: Foto Vanessa Vida.

 

O outro participante da pesquisa foi Mateus de dezenove anos que, assim como Daiane, tinha diabetes do tipo 1. Ao ficar sabendo da doença, não sabia ao certo do que se tratava e, por isto nada sentiu. Por volta dos quinze anos passou a não aceitar a doença muito bem, pois "explicaram como que era o diabetes [...] como que tratava, ai vivia bem né, depois comecei a ver como era a vida de adolescente". Hoje disse ter aprendido a conviver com ela, mas acrescentou que certas vezes ainda tem dificuldade de saber como lidar com a doença.

A primeira vez que Mateus ficou hospitalizado foi na cidade onde mora, durante uma semana, após foi para a capital do estado onde realizou um tratamento ambulatorial durante também uma semana. Ao voltar para sua cidade ia ao hospital todos os dias para receber soro durante cerca de um ano e meio e por certo período voltou para a capital para realizar consultas mensais. Voltou a ficar hospitalizado por duas semanas e, a partir disso, a ir para o hospital receber soro de três a quatro vezes por mês durante um longo período. Na ocasião da entrevista fazia aproximadamente um ano que apenas realizava consultas periódicas.

Mateus relatou que era muito ruim ficar no hospital, que sentia medo por não saber o que iria acontecer. Não queria e não gostava de ficar no hospital, queria ter uma vida normal igual à de seus amigos. Revoltou-se por ficar só deitado, sem ter nada para fazer, pensou inclusive em fugir, mas desistiu por saber que o melhor para ele era permanecer ali. Enquanto estava no hospital sentia falta de liberdade. Acrescentou que os médicos e as enfermeiras conheciam apenas a doença de seu paciente, mas não sabiam como lidar com eles.

Sempre que Mateus esteve hospitalizado sua mãe o acompanhava durante a noite, pois como contou, ela trabalhava o dia todo. Disse que enquanto estava sozinho era muito ruim, já quando sua mãe estava junto, Era muito bom, ela me ajudava bastante.

Mateus é quem aplica a insulina, e hoje o faz duas vezes ao dia, mas já chegou a aplicar quatro vezes neste mesmo período. Para Mateus, sair do hospital Foi muito bom, toda a liberdade de novo. E acrescentou que se sentiu aliviado por haver pessoas em situações mais graves que a sua internadas junto dele.

Ele tinha algumas restrições que devia seguir, principalmente em relação à alimentação. Contou que antes não gostava muito de doce, mas que hoje "Eu sinto mais vontade do que é proibido, né?". Às vezes se revoltava, ficava ansioso e acabava comendo.

Reclamou ainda por não poder sair, beber, acampar, viajar, coisas que os jovens fazem. Desta forma, em relação às privações, algumas vezes aceitou, em outras se revoltou por não poder fazer o que os outros fazem. Disse ficar triste, mas que logo passa, porém admitiu que certas vezes acabou fazendo o que não podia.

Relatou que para ele falar sobre suas hospitalizações era "Normal, como se fosse coisa do passado". Disse que já esqueceu e que fala sobre isso de maneira tranquila e sem nenhum sentimento envolvido. Mateus não realizou a parte da pesquisa na qual as fotografias eram criadas, desta forma suas informações se restringiram à entrevista.

 

5. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

A pesquisa demonstrou que cada adolescente teve uma percepção singular de sua doença, pode-se dizer que esta diferiu conforme o modo de ser de cada um, da doença, com quantos anos soube, o grau de sofrimento e dor que já sentiu; fatores estes que não apareceram de maneira tão evidente; e também conforme a aceitação da doença, a invasão corporal, as restrições que a doença gerou e como o adolescente lidou com estas restrições.

Desta forma, entendeu-se que diversos fatores implicam a percepção que o adolescente tem de sua doença. Campos (1995) pontua que a doença transcorre a partir do modo de ser das pessoas, sendo esta a expressão maior de sua crise e que já se elabora antes de sua manifestação, assim o que diferencia o modo de cada pessoa sentir a doença é apenas sua própria maneira de ser.

Os três adolescentes disseram que, no momento em que souberam de sua doença nada sentiram, principalmente por não saberem do que se tratava e quais eram as implicações dela advindas. O que pode ser observado: "Eu não senti nada na hora, só depois que foram me falar o que era o diabetes". (Mateus). Santos e Sebastiani (2003) apontam que de alguma forma o diagnóstico repercutirá no paciente, gerando a necessidade deste se adaptar à vida agora com a doença, assim pode se entender que não necessariamente o momento do diagnóstico o paciente sentirá como impactante.

Porém, esta percepção da doença que os adolescentes apresentaram inicialmente se modificou após compreenderem do que realmente se tratava sua doença e principalmente os cuidados e restrições que passariam a ter, em sua maioria se revoltaram, disseram que passaram a sentir raiva. Em certas situações aceitaram, mas em outras não conseguiram conviver bem, como relatou Mateus. Assim, permaneceu em atitudes de ambivalência.

Daiane negou enfaticamente sua doença: "Mas eu não tenho", em suas palavras, demonstrou sentir raiva e revolta principalmente por ter que aplicar insulina todos os dias. Mateus e Vanessa também se utilizaram do mecanismo de negação, Vanessa chegou a relatar que o tempo em que esteve doente foi o tempo que sua vida parou, negando assim não só sua condição de doente como também tudo que lhe ocorreu. Demonstrou ainda que situações muito ansiógenas foram esquecidas. "Eu não lembro, parece que alguma parte foi apagada assim, da minha cabeça, tem coisas, que eu realmente não lembro".

Percebeu-se que os adolescentes buscaram fugir de algo que lhes trazia sofrimento e incômodo, e ao negar estas questões não precisavam entrar em contato com elas. Campos (1995) coloca a negação como um mecanismo de defesa contra a dor, o paciente tenta, assim, evitar o encontro com a verdade que pode lhe trazer muito sofrimento.

Os adolescentes que participaram da pesquisa demonstraram utilizar-se muito da negação e por longo tempo, como no caso de Daiane, que há seis anos soube de sua doença e ainda a nega. Kübler-Ross (1994), em seus estudos, aponta a possibilidade da negação diante de uma doença ou da possibilidade de morte, e Favarato e Gagliane (2008) transpõem, em sua pesquisa este mecanismo de defesa comumente usado pelos adolescentes, pontuando que na adolescência a onipotência está muito presente, assim acreditam na imortalidade e que podem controlar totalmente suas vidas, e no caso também suas doenças. Desta forma, aceitar uma doença e suas limitações exige do adolescente um esforço psíquico relativamente grande, assim é comum que se utilizem de mecanismos de defesa para se livrarem do que estão vivenciando e para evitarem entrar em contato com suas angústias e vulnerabilidades.

Os adolescentes também se sentiram invadidos e agredidos pelos procedimentos que deviam realizar em seu corpo e pelos que foram realizados enquanto hospitalizados. Em Daiane isto ficou mais visível, demonstrou sentir-se invadida na primeira fotografia (veja a figura 1) ao intitulá-la de A furada, pode-se pensar tanto no sentido de que a injeção causava um furo em seu corpo, assim sentindo que algo lhe invadia, mas também tomando a polissemia da palavra que pode remeter à gíria utilizada pelos adolescentes referida a situações difíceis. O que pode ainda ser visto em sua fala: "É ruim porque todo dia de manhã tem que aplicar aquela coisa chata". Ou ainda percebiam ,como no caso de Vanessa, que a doença lhe mantinha restrita corporalmente, por impossibilitá-la de realizar tarefas simples sozinha.

Segundo Aberastury et al. (1981), o adolescente passa por um processo de reconstrução e aceitação de um novo corpo, no qual precisa realizar o luto pelo corpo de criança perdido e aceitar o novo corpo com os caracteres sexuais secundários. Assim, em meio a esse processo, as próprias alterações da doença são vivenciadas com angústia e revolta, e quando seu corpo é manipulado, sentem-se invadidos na sua privacidade e agredidos (Favarato & Gagliani, 2008).

No caso dos três adolescentes entrevistados, suas doenças lhes demandavam alguns cuidados e privações, cada qual conforme a sua problemática, sendo que, quanto maior a privação, mais negativa a percepção da doença. Vanessa foi a adolescente que demonstrou seguir mais as prescrições médicas, chegava a ter um cuidado extra, pois tinha medo que seu problema voltasse. Daiane, por negar a doença, chegou a negar a necessidade de realizar tais prescrições, mas em sua maioria acatava para sua vida tais limitações. Mateus e também Daiane disseram que tentavam seguir as recomendações, porém muitas vezes se revoltavam e acabavam realizando o que não deviam.

Mateus reclamou ainda por não poder fazer o que os jovens normalmente fazem como sair, beber, viajar e acampar, porém algumas vezes realizou estas atividades, desta forma burlou as indicações médicas, assim como burlou também a pesquisa realizando apenas a primeira parte, o que demonstrou o quanto Mateus tem dificuldade de realizar e seguir o que lhe era pedido. Mateus foi o adolescente que mais apresentou questões próprias da idade que está passando e que procurou burlar as limitações a ele impostas de uma maneira ou outra, desta forma realizou o que queria e não lhe era permitido, para assim não ter que se haver com sua doença de modo tão real e presente em sua vida. "Às vezes eu aceito tal, mas às vezes eu revolto assim, por não poder fazer o que o outro faz e tal, às vezes eu faço não vou dizer que não, que eu não dou umas escapadas" (Mateus).

O que ficou evidente foi que os adolescentes buscam negar estas necessidades das mais variadas formas, para não entrarem em contato com seu sofrimento (Campos, 1995) e assim não terem que se haver com suas doenças.

A pesquisa demonstrou também que o adolescente não permanece passivo ou indiferente frente à experiência de estar hospitalizado. Assim, conforme relato dos participantes, eles não queriam e não gostaram de ficar no hospital, reclamaram que não havia nada para fazer nele, afinal suas rotinas com diversas atividades eram quebradas, além de se incomodarem por serem submetidos a procedimentos invasivos e manejados por estranhos, queriam ter uma vida normal, como os outros adolescentes, ficar em casa com suas coisas e com sua família. Armond, (1996) em sua pesquisa, encontrou muitos adolescentes que relatam a vontade de voltar para casa, na verdade querem voltar a estar juntos de sua família. Estas questões foram percebidas respectivamente na fala de Daiane e Mateus: "Eu queria sair, eu não queria ficar lá [hospital]. Eu não gostei nada, não queria ficar internado. Eu queria ter uma vida normal, igual eu tinha amigos que, eu revoltei, até porque ficar lá internado ficava lá deitado, sem poder fazer nada".

O repouso restrito ao leito, a falta de privacidade, os procedimentos hospitalares e o uso de equipamentos modificam o sentimento de controle e poder do adolescente, no momento em que busca uma identidade própria (Armond & Boemer, 2004). Assim, conforme os adolescentes relataram que não tinham nada para fazer e por quererem voltar a ter controle sobre a sua vida, faz-se importante, como apontado por Perosa, Gabarra, Bossolan, Ranzani e Pereira (2006), a necessidade da participação destes nas escolhas de seu tratamento.

A pesquisa apontou que o hospital foi percebido pelos participantes como um local ruim que lhes gerou medo, tristeza, sofrimento e desespero, principalmente porque não sabiam o que iria acontecer quando o processo se iniciava. O que foi encontrado nas falas: eu ficava triste de ficar só lá. (Daiane); aí eu me sentia muito assustada. (Vanessa) e na fala Medo e suspense do que vai acontecer lá dentro. (Mateus).

A doença pode acarretar diversos sentimentos confusos e dolorosos à pessoa, o que é agravado com a hospitalização que, como afirmam Santos e Sebastiani (2003) traz consigo o medo do desconhecido, por o indivíduo estar passando por uma situação totalmente nova e desconhecida. Nigro (2004) ainda acrescenta que o hospital é visto como persecutório por crianças e pode-se dizer também para os adolescentes, por ser um lugar estranho e ameaçador.

Para os participantes, no hospital havia um ambiente muito pesado, de muito sofrimento, que inclusive lhes fazia mal. Isto por ter pessoas de diversas idades e com situações piores internadas no mesmo local que eles. "Alívio ao sair porque lá dentro do hospital tinha uma, às vezes até muitas pessoas piores do que a minha doença." (Mateus).

O convívio com pacientes de diferentes idades e patologias com sofrimentos maiores que o do adolescente pode acentuar a dor, a angústia e a revolta deste, podendo inclusive dificultar a aceitação de sua doença e hospitalização, segundo Armond (1996). O que leva a ressaltar a importância de locais específicos para a permanência do adolescente no hospital que, como aponta Campos (1995), restringe-se aos grandes centros.

Os adolescentes em geral tinham consciência de que o melhor para eles era ficarem hospitalizados, porém não viam o instante de receber alta e voltar para casa. Daiane achou que foi desnecessário ter ficado hospitalizada, disse que o tempo passado no hospital foi perdido, assim negou também a necessidade de permanência neste. Mateus se revoltou, inclusive chegou a pensar em fugir do hospital, mas pode-se dizer que foi o adolescente que mais demonstrou consciência da importância do tratamento no ambiente hospitalar. Já Vanessa, que ficava muito triste enquanto hospitalizada, sempre sentia medo de ter que voltar ao hospital e não queria, além de, segundo sua percepção, as internações de nada adiantarem por não resolverem nada, porém como as últimas hospitalizações resultaram na resolução de seu problema, passou a demonstrar consciência da necessidade da hospitalização.

Nigro (2004) afirma que o adolescente, ao ser hospitalizado, pode reagir de diversas formas, podendo ficar triste e deprimido ou ainda rebelar-se, ficar agitado e reclamar. O que pôde ser observado nos adolescentes participantes da pesquisa: "Muito ruim, eu queria sair, fugir, dar um jeito, mas não, eu sabia que era o melhor eu ficar ali". (Mateus).

Quando Mateus relatou que pensou em fugir, o hospital foi igualado a uma prisão, remetendo a ter que se submeter ao domínio do hospital e dos profissionais de saúde. Além de, em sua maioria, não terem qualquer possibilidade de decisão própria ou mesmo participação na decisão. A tentativa de igualar o hospital a prisão apareceu também na terceira fotografia tirada por Vanessa intitulada Prisão.

Em sua pesquisa Teixeira de Paula (2007) relata estratégias lúdicas e tecnológicas que crianças e adolescentes utilizam para enfrentar a hospitalização. A autora utiliza a comparação de criança/adolescente hospitalizado à criança/adolescente presa, pois suas possibilidades se restringem às enfermarias do hospital. A criança/adolescente perde sua autonomia, é afastada de seus familiares, amigos, escola e pertences e passa a ser submetida a diversas regras, como horários de medicação, alimentação e visitas, controle de higiene, entre outras.

A rotina no hospital foi diferenciada segundo a percepção dos adolescentes pela presença de brinquedotecas, animais, com os quais podiam brincar e espaços externos como um jardim para passear. Esta realidade esteve mais presente nas hospitalizações de Vanessa, e conforme ela, tais atividades contribuíram para amenizar um pouco as questões que a hospitalização lhe gerava, assim entendeu-se que a estrutura do hospital contribuía para tornar a hospitalização mais suportável. Estas questões apareceram na fala de Vanessa: "lá naquele hospital que eu fiquei era um hospital mais bonito, assim, dava para você sair, dar uma volta, o hospital era bem grande [...] tinha bicho, tinha um macaquinho que eu ia ver ele todo dia".

Viegas e Cunha (2007) relatam sobre a importância de criar brinquedotecas compatíveis com cada idade nos hospitais. O canto dos adolescentes, como pode ser chamado, deve dispor de jogos de cartas, de tabuleiros, quebra-cabeças, revistas e livros. Pode ainda haver o canto do computador com programas interativos, jogos eletrônicos e vídeo games.

A presença da mãe como acompanhante do adolescente no hospital evidenciou-se imprescindível. O que demonstrou a necessidade, a dependência que estes adolescentes tinham pela figura da mãe por estarem hospitalizados. Descreveram-na não apenas como uma companhia, mas como uma protetora, escudo protetor nas palavras de Vanessa. Pois, por mais que o adolescente esteja buscando a independência e autonomia, quando hospitalizado acaba tornando-se dependente, pois o adolescente regride em seu desenvolvimento psíquico e emocional à medida que o sofrimento físico e a angústia aumentam, passa assim, a regredir em seu comportamento e a exigir a presença constante da mãe (Armond, 1996). Importante pontuar que o adolescente está em busca de sua própria identidade e independência, o que ocorre de maneira gradativa, assim flutua entre a dependência e a independência até que a presença dos pais não se faça mais necessária (Aberastury et al., 1981 & Knobel, 1981).

Os momentos em que ficaram sozinhos foram sentidos como ruins e muitas vezes até ameaçadores. Sentiam que algum mal lhes poderia acontecer quando suas mães não estivessem presentes para protegê-los e cuidar. Fizeram alvoroço, escândalo e até choraram quando não as tinham próxima, como se chamando a atenção garantissem sua presença. Armond (1996) também encontrou em sua pesquisa que os adolescentes se utilizam de choro, chantagens e até ameaças para garantir a presença da mãe. Ambrós et al. (2004) citam o uso de comportamentos regressivos e atitudes infantis para este fim. "Eu fazia aquele escândalo [...] eu me sentia assim como se alguém me fizesse mal lá dentro [...] como se eu ficasse desprotegida sem ela, e eu queria só ela para ficar do meu lado". (Vanessa).

A hospitalização foi sentida como privação de diversas coisas com as quais os adolescentes estavam acostumados, porém conseguiram apenas nomear o que lhes fazia falta, mas não conseguiram expressar exatamente como vivenciaram estas privações. Já que a hospitalização era vivenciada como privação, o que fazia falta era justamente a liberdade, de ver os outros, o mundo lá fora, de ter uma vida normal, fazer o que as pessoas da sua idade fazem, poder estar em casa, com a família e com suas coisas. O que foi percebido nos relatos: "De liberdade né, porque lá você tem que ficar repousando". (Mateus) e "O que fazia mais falta era a minha casa, as minhas coisas, sabe, os meus irmãos, assim tudo, a minha família, isso que eu sentia muita falta". (Vanessa). Os adolescentes, segundo pesquisa de Almeida, Rodrigues e Simões (2005), percebem a hospitalização como afastamento do convívio social, dos familiares, dos amigos e da escola e o impedimento da manutenção de hábitos de vida.

A sensação de sair do hospital foi tão boa, que segundo os adolescentes, foi inexplicável, um sentimento que não tinha como nomear. Disse Mateus não tem como explicar. De forma geral, uma sensação de alívio por deixar um local com tanto sofrimento, de alegria por voltar para casa e de liberdade, afinal, como disseram, saíram da prisão.

A relação de falar sobre a experiência da hospitalização foi bem diferente para cada um dos adolescentes. Mateus não se importou, falou sempre que precisou, já Daiane: "eu acho chato", simplesmente disse não gostar de falar sobre o assunto e Vanessa chegou inclusive a esconder das pessoas.

Pareceu que Vanessa preferiu racionalizar a vivência de sua hospitalização, para assim encontrar algum significado para tudo o que viveu, pois relatou que a experiência de estar hospitalizada resultou em crescimento pessoal e que foi um aprendizado doloroso que possibilitou torná-la responsável. Como toda vivência a experiência da hospitalização também pode gerar amadurecimento emocional, segundo Viegas (2007).

De uma forma geral, o modo que os adolescentes encontraram para superar esta experiência foi a negação. Trataram como algo do passado e apagado da memória, pois muitas vezes não sabiam relatar exatamente como aconteceu ou o que sentiram. Mateus assim falou: não sinto nada ao falar assim, é como uma coisa que já passou e eu esqueci até, entende, eu falo normal, sem nenhum receio sem nada. EVanessa ainda acrescentou que nasceu de novo quando não mais precisou voltar ao hospital e pôde voltar a andar e ter uma vida normal, sendo responsável por suas conquistas.

 

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os adolescentes participantes da pesquisa perceberam sua doença de forma particular, apresentando, cada um, formas singulares de adoecer, nas quais se levavam em conta questões como as características da doença, o grau de sofrimento e, sobretudo, as privações dela decorrentes. Mas pode-se afirmar que, de maneira geral, demonstraram ambivalência em suas atitudes, pois em alguns momentos aceitavam os cuidados necessários e sabiam de sua importância, mas por vezes mostraram-se revoltados e burlavam.

Em relação ao hospital, a pesquisa mostrou que os adolescentes perceberam-no como um local que gerou medo, tristeza e angústia, especialmente pelo desconhecimento do que aconteceria a cada nova hospitalização. Viram a instituição hospitalar como limitadora e invasiva, privando-os de participação no processo do tratamento. Foi marcante em seus discursos e representações a demanda de atendimento humanizado e adequado às suas peculiaridades, bem como um local específico para sua permanência. O hospital ainda é representado como limitador da liberdade e do contato com a família.

A sensação que os adolescentes tiveram após a alta hospitalar foi indescritivelmente prazerosa, segundo eles. De um modo geral, a forma que encontraram para superar a vivência da hospitalização foi por meio de mecanismos de defesa como a negação, o esquecimento manifesto no não querer falar sobre e da racionalização.

Faz-se interessante pontuar que a pesquisa ofereceu a escuta a estes adolescentes, o que foi visto como importante por eles e ainda por ser mais uma possibilidade de elaborarem a vivência da hospitalização que, para cada um, à sua maneira, foi uma experiência marcante. Nesse sentido, pode-se apontar para a relevância da atuação do psicólogo hospitalar junto a essa realidade, possibilitando o atendimento sistemático às diversas necessidades dos jovens e de suas famílias.

Espera-se que a pesquisa suscite a reflexão dos profissionais de saúde que trabalham com esse contexto, procurando disponibilizar ao adolescente o cuidado diferencial que ele busca e demanda. Para finalizar pontua-se como interessante serem realizadas mais pesquisas relativas a esse tema, pois ainda são reduzidas, principalmente em relação a como o adolescente elabora e supera esta vivência da hospitalização, que de alguma forma é impactante e marcante.

 

REFERÊNCIAS

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1 Graduanda do 5º ano de Psicologia pela Universidade Estadual do Centro-Oeste - UNICENTRO.
2 Mestre e Docente do Departamento de Psicologia da Universidade Estadual do Centro-Oeste - UNICENTRO.

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