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Psicologia Hospitalar

versão On-line ISSN 2175-3547

Psicol. hosp. (São Paulo) vol.8 no.1 São Paulo jan. 2010

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

Estudo introdutório sobre transtornos de humor e ansiedade e identidade masculina em pacientes de enfermaria dermatológica

 

Introductory study about humor and anxiety disorders and male identity on patients of dermatologic nursery

 

 

Livia Maria de Araújo Cunha Bueno1; Maria Rita Polo Gascón2; Maria Lívia Tourinho Moretto3; Mara Cristina Souza Lúcia4

Divisão de Psicologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

 

 


RESUMO

As doenças de pele apresentam influência no psiquismo humano, afetando significativamente a comunicação, as relações sociais e o exercício pleno da função laboral. A presente pesquisa teve por objetivo avaliar a presença das sintomalogias depressiva e ansiosa e seus impactos na identidade masculina de 28 pacientes internados em enfermaria de Clínica Dermatológica. Os instrumentos utilizados foram o Questionário Sócio Demográfico, o Mini Exame de Estado Mental e PRIME-MD (módulo Humor e Ansiedade). Através de Análise Descritiva dos resultados do teste e de Conteúdo dos discursos dos pacientes foi possível verificar que a presença de depressão e ansiedade mostrou-se associada a alterações da auto-percepção da identidade masculina, principalmente após afastamento ou interrupção das funções laborais em decorrência da presença de lesões cutâneas.

Palavras-chave: Dermatologia; Transtornos de humor; Ansiedade; Identidade masculina.


ABSTRACT

Skin diseases have influence on human psyche, significantly affecting communication, social relationships and the full exercise of labor function. The objective of the present study was to evaluate the presence of Humor Disorders symptoms and their impacts on male identity of 28 Dermatologic Clinic internee patients. The instruments used were Social Demographic Questionnaire, Mini Exam of Mental Condition and Prime-MD (Humor and Anxiety Module). Through Descriptive Analysis of test results and Contend Analysis of patient's discourse it was possible to observe that the frequency of this kind of disorders could be associated to modifications of self-perception on male identity, especially after removal or interruption of the labor functions due to present of dermatologic injury.

Keywords: Dermatology; Humor diseases; Anxiety; Male identity.


 

 

1. INTRODUÇÃO

A pele um órgão de percepção e comunicação entre o psíquico e o meio externo, tem o papel simbólico de proteção e demonstra o estado interior e exterior de nossos órgãos, refletindo nossos processos e reações psíquicas (Hoffmann et al; 2005).

A pele e o sistema nervoso têm a mesma origem embrionária e estudos realizados vêm demonstrando que muitos mecanismos imunes do organismo podem ser influenciados pelo estresse (Rasmussen, 1990), indicando que fatores psicológicos podem ter repercussão sobre a saúde da pele e também que estimulações nas células nervosas da mesma também poderão gerar estados psicológicos. Sendo assim, começa a ser comprovado como emoções podem ter o mesmo efeito de imunossupressores e como situações psicológicas podem agir como desencadeadoras, mantenedoras ou até mesmo agravadoras de quadros clínicos (Azambuja, 2000).

A partir desta concepção, é possível afirmar que as enfermidades psicodermatológicas são condições que envolvem a interação entre mente e pele (Hoffmann et al; 2005). Em revisão bibliográfica realizada por Klobenzer (1988) e Folks & Kinney (1992), entre 1980 e 1990, foram encontradas 418 citações que associavam fatores psicológicos a doenças dermatológicas como dermatite atópica, urticária, psoríase, alopecia, dentre outras. Para Klobenzer (1996), a doença é freqüentemente precedida por um período de conflito psicológico no qual o indivíduo não se sentiu apto para enfrentar e elaborar.

A abordagem psicossomática é hoje um campo de estudo que vem ganhando cada vez mais espaço dentro das áreas de estudo da saúde humana como a medicina e a psicologia. Abrange o fenômeno do processo saúde e doença considerando o ser humano em sua integralidade biopsicossocial. Ao considerar o complexo mente e corpo em interação com um contexto social, modifica a visão reducionista a respeito do corpo abrindo possibilidades para que diversos profissionais da área da saúde possam realmente trabalhar em parceria; podendo contribuir mutuamente para melhor compreendimento e tratamento, tanto físico com psíquico, dos pacientes.

Aragão (2001) reforça essa idéia, ressaltando que há dois momentos marcantes durante a gravidez: um deles é o que se desencadeia a partir da percepção da mãe sobre os movimentos do bebê, favorecendo fantasias sobre o desconhecido dentro de si. Tais movimentos permitem-lhe criar significações sobre ele, e por meio das interpretações realizadas pela gestante estabelece-se um modo de comunicação entre a mãe e o bebê. Outro momento importante é a descoberta sobre o sexo do bebê. Carregar um bebê já sexuado ao mesmo tempo em que fecha as possibilidades do jogo imaginário em torno do sexo orienta mais nitidamente as fantasias maternas em torno do filho ou da filha.

Dentro da Psicanálise, Pines (1980) afirma que a pele forma um canal de comunicação pré-verbal, através do quais sentimentos não expressos podem ser vivenciados e observados. A doença apareceria como manifestação simbólica de algo que não se pode revelar (Azulay & Azulay, 1992). Quando não é possível a elaboração mental de algum conflito o psiquismo tenta fazê-lo por meio do corpo, utilizando a doença como via alternativa.

Anzieu (1989), afirma que a pele é o envelope do corpo e do psíquico. Sendo assim, através das experiências desse corpo, principalmente com a mãe, é que a criança poderia desenvolver seu eu psíquico, delimitando o limite entre o eu e outro/meio externo.

O psicanalista Donald Wood Winnicott (1990), também já fazia referência a uma integração entre psique e corpo, a qual denominou psicossoma. A psique seria a instância que liga o passado, o presente e as expectativas individuais, possibilitando o reconhecimento de que dentro de um corpo existe um indivíduo. O autor afirma que um desenvolvimento emocional sadio fornece um sentido para a saúde física e que a mesma traz um re-asseguramento muito importante para o desenvolvimento emocional. A integração entre psique e soma marcaria a chegada do bebê a uma existência psicossomática (Dias et al; 2007) e se daria, primeiramente, no contato desse bebê com a mãe. O holding e handling seguros da mãe proporcionam elaboração e sentido aos seus movimentos e sensações corporais, contribuindo para que o sentimento de ser real possa assentar-se no soma. Portanto, o alojamento da psique no corpo não é algo garantido geneticamente, mas uma conquista da saúde emocional, podendo, inclusive, ser ameaçada ao longo da vida (Ribeiro, 2005).

Partindo do princípio de que a qualidade das relações pode produzir algum tipo de sofrimento no indivíduo pode-se pensar que, primeiramente, o impacto dessas relações se dá num nível psíquico e num segundo momento, se esse impacto for mal elaborado, ele se dará num nível somático. Para Winnicott (1990) se um conflito na psique é relativamente consciente os instintos poderão ser remanejados através do autocontrole, com o mínimo de prejuízo possível. Porém, se esse conflito entre o impulso e o ego ideal é de ordem inconsciente os efeitos das tentativas de elaboração ou repressão do mesmo serão muito mais danosos para o corpo e desenvolvimento e realização do "self".

O conceito de "self" é descrito como "o potencial herdado do sujeito que, com a colaboração do ambiente, proporcionaria a sensação de continuidade de uma existência idiossincrática, dispondo de um corpo e de uma psique próprios e integrados" (Barbieri, 2002). Winnicott (1971/1975) vai assentar a noção de criatividade na noção de existência e a função da criatividade diria respeito à construção do indivíduo e de seu próprio mundo, através da expressão de um potencial humano de realização. No indivíduo adulto, uma das maneiras de realização saudável desse "self" se daria através do exercício do trabalho, como possibilidade deste indivíduo agir no mundo de forma criativa. Através do exercício de uma atividade/trabalho criativo o indivíduo conscientizar-se de suas potencialidades, edificar sua autonomia e existir num mundo compartilhado e, principalmente, sustentar sua identidade.

Ao mesmo tempo em que as identidades masculinas e femininas vêm passando por uma fase de transitoriedade na sociedade atual, ainda é presente a influência da sociedade patriarcal na cultura, no que diz respeito à definição de funções e papéis. O exercício do trabalho, ao longo da história, foi sendo construído como um dos representantes do papel social masculino na sociedade, bem como características de provedor, mantenedor, forte, viril e responsável pelo cuidado com a família (Silva et al, 2007). As doenças de pele afetam significativamente a comunicação, as relações sociais e principalmente o exercício pleno do trabalho. Essas influências podem produzir um efeito negativo na vida do sujeito masculino que adoece, de alguma maneira influenciando sua própria concepção do que é ser homem e seu papel na sociedade. Estudos que avaliem o impacto causado pela doença dermatológica na vida desses indivíduos são de grande valia para que se possa melhor compreender seu sofrimento, contribuindo para uma assistência mais completa aos mesmos.

 

2. OBJETIVO

Este trabalho teve por objetivo avaliar a presença da sintomatologia depressiva e ansiosa e o impacto de uma enfermidade dermatológica na identidade masculina de pacientes internados em enfermaria.

 

3. METODOLOGIA

3.1 Participantes:
Participaram dessa pesquisa 28 pacientes internados na Enfermaria da Clínica de Dermatologia de um hospital universitário da cidade de São Paulo, entre 18 e 70 anos, do sexo masculino, que apresentassem capacidade física, cognitiva e psicológica (avaliados pelo Mini Exame de Estado Mental), bem como consentimento em participar da pesquisa.

3.2 Instrumentos:
Foram utilizados três instrumentos: mini exame de estado mental, questionário sócio demográfico e PRIME-MD.

O Mini exame de estado mental, proposto por Folstein et al (1975), é utilizado para rastreio de comprometimento cognitivo. É composto por perguntas que avaliam orientação temporal, especial, memória imediata, cálculo e atenção.

O segundo instrumento utilizado foi o Questionário sócio-demográfico composto por 13 questões sobre dados demográficos e quatro perguntas clínicas: diagnóstico, tempo de tratamento, número de internações e mudanças em sua vida após o surgimento da doença.

O terceiro instrumento utilizado foi o PRIME-MD (módulo de Humor), desenvolvido por Robert L. Spitzer e colaboradores em 1994, validado em estudo com 1000 pacientes. É um instrumento composto por questões padronizadas que focam diretamente sintomas-chave diagnósticos pelo uso de um modelo de árvore de decisões, facilitando o diagnóstico diferencial.

3.3 Procedimento:
Após contato realizado com o paciente internado, explicação sobre a pesquisa e assinatura de termo de consentimento os seguintes instrumentos foram aplicados nesta ordem: questionário sócio-demográfico e Mini Exame de Estado Mental. Em seguida, nos participantes que cumpriram a condição de inclusão (nível cognitivo capaz de entender os questionamentos) foi aplicado o instrumento PRIME-MD.

As variáveis foram analisadas foram: idade, sexo, estado civil, tempo de evolução da doença e número de internação hospitalar (mediante Análise de Correlação (Coeficiente de Pearson), sendo considerada significativa a associação para p<005. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética da instituição. Os dados foram analisados em banco de dados anônimo e analisados com aplicativo SPSS13.0

Os dados obtidos a partir da pergunta "Quais foram as mudanças em sua vida após o surgimento da doença?" foram submetidas a uma análise de conteúdo temático segundo modelo proposto por Figueiredo (1998), baseado em procedimentos semi-estruturados de evocação/enunciação/verificação e interpretados.

 

4. RESULTADOS

A amostra foi representativa e constituída por 28 sujeitos, com idade média de 46,4 anos (DP=15) e 7,1 anos de escolaridade (DP= 4,8). Sendo a maioria casados (42,9%) e empregados (60,7%). (ANEXO I)

Os pacientes, em sua maioria (28,6%), relataram inicio dos sintomas de 3 a 5 anos e estava em sua primeira internação hospitalar (53,6%). (ANEXO II)

Dentre as afecções dermatológicas com maior prevalência destacam-se: Lesões Cutâneas em Investigação (25%), Psoríase (18%), Eczema (10%), Pênfigo Vulgar (7%), Epidemólise Bolhosa Adquirida (7%) e Hanseníase (7%).

Os resultados do PRIME-MD mostraram, uma freqüência de 32,1% de Depressão e 39,3% de Ansiedade. Na tabela 3 encontra-se a distribuição da freqüência de Transtorno de Humor. (ANEXO III)

Não foi encontrada significância estatística entre as variáveis sócio-econômicas e clínicas com os Transtornos de Humor estudados nesta pesquisa. Porém, foi possível observar que o paciente que apresenta depressão tende a sintomas e sinais de ansiedade concomitante (p<0,01, r= 0,699).

Os sintomas de maior prevalência citados pelos pacientes diagnosticados com transtorno de humor depressivo foram humor deprimido, agitação ou retardo psicomotor e insônia ou hipersonia. (ANEXO IV)

Os sintomas de maior prevalência citados pelos pacientes diagnosticados com transtorno de humor ansioso foram dificuldade para adormecer ou continuar a dormir, irritabilidade e incômodo e nervosismo, ansiedade ou inquietação. (ANEXO V)

Quando questionados sobre quais as mudanças que ocorreram após o surgimento da doença, os participantes entrevistados genericamente relataram sentimento de preocupação, impotência e inferioridade, que diziam respeito às dificuldades ocasionadas ao impacto de sua enfermidade, ou seja, da impossibilidade de continuar exercer ou possuir algo que lhes era fundamental para a constituição de sua identidade: o trabalho e autonomia.

Destacam-se, a seguir, os depoimentos dos pacientes entrevistados, que expressam, de forma mais significativa os temas analisados.

- Trabalho/ Perda da função provedora:
Em relação ao exercício do trabalho foram observadas mudanças negativas no desempenho parcial ou mesmo total da função laborativa, devido aparecimento das lesões dermatológicas. Exemplos:

"Mudou muita coisa. A doença impede de trabalhar, várias coisas (...) Perdi trabalho, pois não conseguia marcar os móveis devido a lesões na mão."(43 anos, eczema)

"Parei de trabalhar por causa da alergia. Estava acostumado a trabalhar."(65 anos, diagnóstico a esclarecer)

"No trabalho meu desempenho baixou totalmente."(45 anos, pênfigo vulgar)

Alguns pacientes relataram preocupação com a situação financeira da família, visto, que todos os participantes com relacionamento estável, eram chefes de família, exercendo a função de provedor. Exemplos:

"Quase não trabalho, agora sou sustentado, eu era o provedor. Não dá pra trabalhar, pois as mãos racham, é ruim demais, sem trabalho a cabeça fica oca, só pensa besteira."(54 anos, eczema a esclarecer)

"Se acontecer algo comigo o que será das minhas filhas?"(36 anos, diagnóstico não esclarecido)

Foram observadas, também, que além das mudanças na rotina familiar, alguns participantes, relataram mudanças de localidade, de rotina, tanto nas atividades de vida diária, como pessoal. Exemplos:

"Ficou muito difícil, tive que sair da minha cidade, deixar a mulher e filhos (...) Estou afastado do serviço." (24 anos, leishmaniose)

"A principal mudança foi no ritmo de vida. Fico muito cansado, era muito agitado. Não trabalho mais em casa à noite, a resistência diminuiu. Não consigo mais fazer a manutenção da casa." (58 anos, pênfigo vulgar)

Sentimentos de inutilidade e de improdutividade foram freqüentes, na fala dos participantes, que apresentaram prejuízo nas funções laborativas, devido surgimento ou piora do quadro clínico. Exemplos: "Me sinto uma pessoa inútil, perdi o trabalho por conta da doença."(45 anos, hanseníase)

"Fico preocupado com o que a doença pode me fazer, já que estou com mais idade, por causa dos dois fatores não sou mais produtivo." (62 anos, epidemólise bolhosa adquirida)

- Perda da autonomia/Dependência de outras pessoas:

Alguns pacientes relataram incômodo ao perderem a autonomia, mesmo que, de forma parcial, devido às suas condições físicas e, conseqüentemente, tornarem-se dependentes dos cuidados de outras pessoas.

"Só que agora dou trabalho aos outros."(71 anos,epidemólise bolhosa adquirida)

"Minha esposa tem mais trabalha, me ajuda no tratamento, limpa as casquinhas."(43 anos, psoríase)

- Mudanças no humor:

Entre as principais alterações de humor relatadas pelos pacientes estavam: ansiedade, depressão e irritabilidade. As principais causas citadas foram: surgimento das lesões, a dificuldade de exercer suas atividades profissionais e de vida diária e perda da autonomia. Exemplos:
"A irritação na pele abalou meu psicológico (...) Fico desorientado e perturbado."(36 anos, diagnóstico a esclarecer)

"Aconteceu um desequilíbrio total e emocional. Principalmente na parte laborativa A pior coisa é ficar doente, você descama o tempo todo. É horrível. Você fica dependente de tudo, prejudica das pessoas, acaba ficando nervoso por não conseguir fazer as coisas. Antes você tinha autonomia, agora você fraqueja." (47 anos, eczema)

"Mudou tudo. Perdi a motivação de viver (...) Me isolei de todo mundo." (45 anos, hanseníase).

 

5. DISCUSSÃO

A presente pesquisa permitiu identificar a freqüência de transtorno de humor (depressão e ansiedade) e quais os principais fatores que ocasionam impacto negativo nos pacientes dermatológicos do sexo masculino.

À partir dos dados obtidos através do resultado do PRIME-MD e análise do discurso dos pacientes pudemos observar a presença de depressão e ansiedade, como fatos ocorridos após o surgimento da doença associados, principalmente, à questão do exercício pleno do trabalho.

A questão com o trabalho, nesta pesquisa, mostrou-se associada à expressão e afirmação da identidade masculina dos participantes. Impossibilitados de realizar o exercício pleno do trabalho da forma como faziam antes, vêem-se impedidos de sustentar sua identidade trazendo em seus discursos sentimentos de inutilidade, impotência e falha na função masculina de provedor familiar (Silva et al, 2007). Esses sentimentos apareceram ligados a um incômodo em perceberem-se dependentes do auxílio de outras pessoas, até mesmo para a realização de cuidados básicos. A perda da autonomia na vida e da capacidade de cuidar de si gera um mal estar relatado pelos participantes, de forma a sentirem-se diminuídos e impotentes.

De acordo com Christophe Dejours (2004), o trabalho de um indivíduo não se reduz somente a um exercício de atividades de produção num mundo objetivo, mas sim implica-se em gestos, saber-fazer, engajamento do corpo, mobilização de inteligência, capacidade de refletir, interpretar e reagir às situações, bem como o poder de sentir, pensar e inventar. A atividade de trabalhar coloca à prova a subjetividade do indivíduo que sai acrescentada, enaltecida ou até mesmo diminuída ou prejudicada. Trabalhar é também transformar-se, é oportunidade oferecida à subjetividade para se manifestar, portanto o trabalho revela que é primeiramente pelo seu corpo que o sujeito investe no mundo para fazê-lo seu e habitá-lo (Dejours, 2004). Um indivíduo com alguma enfermidade no corpo (como nos casos dos participantes com doença dermatológica) vê-se impedido ou, no mínimo, prejudicado em sua capacidade de atuar no mundo, tendo sua expressão subjetiva e criativa prejudicada. Winnicott (1971/1975) também aponta para um prejuízo no potencial humano de realização do "self" a partir do momento em que o indivíduo se vê impedido de agir no mundo de forma criativa. Sendo assim, o sujeito privado de trabalhar possui, através da incapacidade de ação criativa no mundo e de expressão de suas potencialidades, a via de expressão autêntica de seu "self" e sustentação de sua identidade bloqueada, o que origina sentimentos de inutilidade, invalidez e impotência.

A partir dos dados encontrados, foi possível observar que a importância do trabalho para o ser humano perpassa ao simples ato de ganho monetário para tornar-se parte da sua identidade social e pessoal, de forma singular no gênero masculino. O exercício das atividades laborativas, através de questões subjetivas como autonomia e potência, é possivelmente um tema que permite elucidar conflitos psicológicos mal-elaborados, que muitas vezes são expressos através do corpo, desencadeando enfermidades a alterações de humor.

O planejamento experimental desta pesquisa foi exploratório transversal o que nos permitiu discutir o impacto da doença dermatológica no sexo masculino, clarificando, os aspectos psicossociais que permeiam a vida destes pacientes. O presente estudo mostrou-se importante como reflexão crítica, na medida, em que evidenciou de que modo a doença e o trabalho interferem na saúde física e mental dos pacientes. Acredita-se existir outros aspectos que influenciam ou afetam a vida dos portadores de doenças dermatológicas e, sendo assim, os dados e as reflexões apresentadas oferecem subsídios para futuras pesquisas.

 

6. CONCLUSÃO

A partir dos dados obtidos na pesquisa foi possível verificar que a freqüência de alterações de humor em pacientes do sexo masculino com doenças dermatológicas, internados em enfermaria, mostrou-se associada a alterações da auto-percepção de sua identidade masculina, principalmente após afastamento e/ou interrupção das funções laborativas decorrentes do surgimento e/ou agravamento das lesões cutâneas.

 

7. REFERÊNCIAS

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ANEXO I

Tabela 1: Distribuição dos pacientes do sexo masculino (N=28) segundo características sócio-demográficas, internados na Enfermaria da Clinica de Dermatologia de um hospital universitário da cidade de São Paulo, no período de abril a outubro de 2010.

 

 

ANEXO II

Tabela 2: Distribuição dos pacientes do sexo masculino (N=28) segundo características clínicas, internados na Enfermaria da Clínica de Dermatologia de um hospital universitário da cidade de São Paulo, no período de abril a outubro de 2010. (ANEXO II)

 

 

ANEXO III

Tabela 3:: Distribuição dos pacientes do sexo masculino (N=28), segundo freqüência de Depressão e Ansiedade, internados na Enfermaria da Clinica de Dermatologia de um hospital universitário da cidade de São Paulo, no período de abril a outubro de 2010. (ANEXO III)

 

 

ANEXO IV

Tabela 4: Distribuição da sintomatologia depressiva, segundo presença ou não de diagnóstico de Depressão, em pacientes do sexo masculino internados na Enfermaria da Clínica de Dermatologia de um Hospital universitário da cidade de São Paulo, no período de abril a outubro de 2010. (ANEXO IV)

 

 

ANEXO V

Tabela 5: Distribuição da sintomatologia ansiosa, segundo presença ou não de diagnóstico de Ansiedade, em pacientes do sexo masculino internados na Enfermaria da Clínica de Dermatologia de um Hospital universitário da cidade de São Paulo, no período de abril a outubro de 2010. (ANEXO V)

 

 

1Aprimoranda da Divisão de Psicologia do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (ICHC/FMUSP), Brasil.
2Orientador, Psicólogo(a) da Divisão de Psicologia do ICHC/FMUSP, desenvolvendo atividades no Serviço/Clínica, Brasil.
3Psicóloga Supervisora da Divisão de Psicologia do ICHC/FMUSP, Supervisora Suplente do Programa de Aprimoramento em Psicologia - Hospital Geral do ICHC/FMUSP, Brasil.
4Diretora da Divisão de Psicologia do ICHC/FMUSP, Brasil.