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Psicologia Hospitalar

versão On-line ISSN 2175-3547

Psicol. hosp. (São Paulo) vol.10 no.1 São Paulo jan. 2012

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

Vigorexia, uso de anabolizantes e a (não) procura por tratamento psicológico: relato de experiência

Vigorexia, steroid use and the request for psychological treatment: experience report

 

 

Niraldo de Oliveira SantosI,II,1; Vanessa Gimenes MarquesI,2; Amanda Maihara dos SantosIII,3; Gláucia Rosana Guerra BenuteI,4; Mara Cristina Souza de LuciaI,II,5

IDivisão de Psicologia do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
IICentro de Estudos em Psicologia da Saúde - CEPSIC
IIIDepartamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

Endereço para correspondência

 


RESUMO

O uso recreacional e indiscriminado de esteroides anabólicos androgênicos (EAA) pode estar associado com condições clínicas envolvendo alterações da imagem corporal ou, simplesmente, responder ao desejo da conquista de um corpo esculpido em curto período de tempo. Este trabalho teve como objetivo descrever a experiência do Centro de Estudos em Psicologia da Saúde (CEPSIC) e da Divisão de Psicologia do ICHC/FMUSP na realização de um programa que visava o atendimento assistencial de indivíduos com vigorexia e usuários de anabolizantes. Após a divulgação houve apenas 12 inscrições, das quais 7 foram feitas por familiares que suspeitavam que algum parente apresentava o problema. A proposta pelo serviço, apesar da extensa divulgação, recebeu pouca repercussão das pacientes. Acredita-se que os usuários de anabolizantes e os indivíduos que apresentam uma imagem corporal distorcida, em sua maioria, não consideram esses comportamentos como disfuncionais.

Palavras-chave: Anabolizantes, Vigorexia, Tratamento psicológico.


ABSTRACT

The recreational and indiscriminate use of anabolic androgenic steroids (AAS) may be associated with clinical conditions involving body-image changes, or may simply be responding to the desire of achieving a sculpted body in a short period of time. This study aims at describing the experience of the Centro de Estudos em Psicologia da Saúde/Center for Studies in Health Psychology (CEPSIC) and the Psychology Division of ICHC/FMUSP, while carrying out a program targeting the care of individuals having the vigorexia disorder (Adonis Syndrome) and steroid users. After announcing the study, there were only 12 inscriptions, of which 7 were made by family members who suspected a relative had the problem. The proposed service, in spite of the extensive promulgation, caused scant repercussion amongst the patients. It is believed that the greater part of steroid users and individuals who have a distorted body image do not consider these behaviors as dysfunctional.

Keywords: Anabolic agents, Vigorexia, Psychological treatment.

 


 

 

INTRODUÇÃO

Em situações clínicas muito específicas, a utilização de esteroides anabólicos androgênicos (EAA) se faz necessária como em casos de tratamento de sarcopenias, hipogonadismo, câncer de mama, osteoporose e deficiências androgênicas e déficits no crescimento corporal (Cooper, Noakes, Dunne, Lambert & Rochford, 1996; Lise, Gama e Silva, Ferigolo & Barros, 1999), sendo que a sua administração só poderá ser realizada sob orientação de médicos especialistas.

Contudo, o uso indiscriminado, a má administração e a falta de orientação de especialistas tornam-se preocupantes, pois podem gerar vários danos à saúde, tais como: cardiopatias, derrames, neoplasias, atrofia testicular, ginecomastia, cefaleia, acne, esterilidade, dependência química, dentre outros (Lise et al., 1999; Kanayama, Hudson & Pope Jr., 2008). Consequências psíquicas como depressão, comportamentos agressivos irreversíveis, distorção da autoimagem, transtornos de humor, tentativas de suicídio, isolamento social também podem ser observados, no entanto, não existe consenso na literatura médica a respeito dos efeitos psiquiátricos, principalmente sobre alterações de humor e agressividade, pois podem estar relacionados a fatores psicossociais e/ou ser característicos da própria personalidade do usuário (Kanayama et al., 2008).

Assim, o uso abusivo e sem recomendações terapêuticas específicas de esteroides anabólicos androgênicos (EAA) se configura numa questão de saúde pública, pois atinge número significativo de usuários com danos clínicos e psicológicos importantes. Contudo, em detrimento dos prejuízos à saúde, alguns indivíduos acreditam estar utilizando esteroides anabolizantes como instrumento que assegura a sobrevivência física, mental e social.

Os EAA são substâncias sintetizadas em laboratório relacionadas aos hormônios masculinos. Essas substâncias aumentam a síntese proteica, a oxigenação e o armazenamento de energia resultando em incremento da massa muscular e de sua capacidade de trabalho.

Até meados do anos 1970, o uso ilícito de EAA era praticamente restrito a atletas com exigência de alta resposta física, particularmente aqueles envolvidos com a prática de halterofilismo. Desde então, o uso de EAA tem se expandido para além das práticas esportivas competitivas, passando a ser utilizado por atletas recreacionais e não competitivos, comumente adolescentes e adultos jovens – constituindo, atualmente, a grande maioria dos usuários de EAA (Cooper et al., 1996; Kanayama et al., 2008).

A literatura científica aponta que o uso recreacional e indiscriminado de EAA pode estar associado com condições clínicas envolvendo alterações da imagem corporal ou, simplesmente, responder ao desejo pela conquista do belo, em que o uso de EAA responde à urgência de um corpo cuidadosamente esculpido em curto período de tempo.

Essa insatisfação e preocupação exageradas com o próprio corpo pode fazer parte do Transtorno Dismórfico Corporal (TDC). De acordo com os critérios do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-IV, 1994), o TDC se caracteriza por uma preocupação com um defeito imaginado na aparência, e mesmo que haja um mínimo defeito, a preocupação é extremamente acentuada, com um sofrimento significativo e/ou prejuízo no funcionamento da vida do indivíduo e não deve ser confundido com qualquer outro transtorno mental, tal como anorexia nervosa, por exemplo.

Um subtipo do TDC é a Dismorfia Muscular ou Anorexia Nervosa Reversa, mais conhecida como Vigorexia. Ainda não catalogada como doença específica nos manuais de classificação (CID-10 e DSM-IV), difere do TDC, pois envolve uma preocupação de não ser suficientemente forte e musculoso. Os indivíduos acometidos pela vigorexia acreditam ser fracos e pequenos quando, na realidade, apresentam uma musculatura desenvolvida ou, ainda, são extremamente musculosos (Camargo, Costa, Uzunian &Viebig, 2008).

A vigorexia acarreta sérias perturbações no desempenho de atividades sociais ou ocupacionais, pois impõe aos indivíduos uma preocupação exacerbada com a forma de seus corpos, levando-os a dedicarem horas de seus dias em práticas esportivas, sobrecarregando ossos, tendões, músculos e articulações, a cuidados extremados com a alimentação e, em casos mais graves, a recusa de convites ou obrigações sociais por vergonha de sua aparência física percebida como fraca e franzina. Essa distorção na imagem corporal pode levar também ao uso/abuso indiscriminado de EAA na tentativa de alcançar o corpo desejado.

Tendo em vista o problema de saúde pública do uso indiscriminado de EAA e a importância de novos estudos na área, este trabalho tem como objetivo descrever a experiência do Centro de Estudos em Psicologia da Saúde (CEPSIC) e da Divisão de Psicologia do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (ICHC/FMUSP) na realização de um programa que visava o atendimento psicológico para indivíduos com vigorexia e usuários de anabolizantes.

 

RELATO DE EXPERIÊNCIA

O CEPSIC, parceiro da Divisão de Psicologia do ICHC/FMUSP, realiza programas de assistência à comunidade. No ano de 2004 disponibilizaram atendimento gratuito à população com objetivo de oferecer aos indivíduos com dificuldades para lidar com a própria imagem – vigorexia – e aos usuários de anabolizantes, avaliação e tratamento psicológicos.

O programa de atendimento foi divulgado em mídias impressas, rádio e televisão. As convocações foram vinculadas nos seguintes meios de comunicação: Jornal O Estado de São Paulo: “HC vai atender insatisfação com o corpo”; Jornal da Tarde: “HC trata cuidado doentio com imagem”; TV Gazeta: “Vigorexia e uso de anabolizantes”; TV Record: “Uso de anabolizantes e insatisfação com imagem do corpo”; Jornal Diário de Pernambuco: “Uso de anabolizantes e fatores psicológicos”; TV Globo – SPTV e Jornal Hoje: “HC oferece tratamento para usuários de anabolizantes”; Rádio USP: “Divisão de Psicologia do HC oferece tratamento para usuários de anabolizantes”; Rádio Capital: “Tratamento psicológico para usuários de anabolizantes”. Ao todo, oito canais diferentes de comunicação informaram sobre o programa.

Após a divulgação houve apenas 12 manifestações de interesse, dentre as quais 5 ligações telefônicas foram feitas por familiares que suspeitavam que algum parente apresentava o problema. Pais de um jovem com 19 anos, após contato telefônico, compareceram à entrevista, mas o rapaz recusou ajuda. Cinco e-mails enviados também por familiares que continham dúvidas e preocupações com o tema. Dois pacientes compareceram aos agendamentos e realizaram atendimento psicanalítico, com frequência semanal, por um período de aproximadamente 6 meses.

O CEPSIC recebeu também contatos de estudantes e profissionais de Psicologia e de Educação Física que se interessaram pelo programa. Um dos pacientes que iniciou tratamento era um jovem homossexual que, ao contrário de expor queixas a respeito do uso de anabolizantes demandava, a princípio, encontrar uma estratégia para solucionar um comportamento paradoxal: administrava anabolizantes por conta própria, fazia exercícios físicos regulares e disciplinados, porém, aos finais de semana, frequentava “baladas” movidas ao uso de extasy. Nosso Sísifo contemporâneo, diferente daquele do mito, procurou-nos para encontrar uma maneira de nada perder em sua satisfação.

 

DISCUSSÃO

A proposta pelo serviço, apesar da extensa divulgação, recebeu pouca repercussão dos pacientes e, na maioria dos casos, os contatos foram realizados por parentes, que preocupados com algum membro da família, buscaram o serviço com o objetivo de obterem maiores informações acerca do tema para oferecerem ajuda a um ente querido.

Essa experiência despertou diversas questões sobre o por quê de uma procura tão baixa. Será que a divulgação não foi eficaz? Superestimamos o número de usuários de anabolizantes? Os usuários não procuraram por não acreditarem que tal comportamento seja uma doença? Há preconceito ou vergonha impedindo a demanda por tratamento?

Em relação à eficácia da divulgação e ao número de usuários acredita-se que esses não são fatores consistentes para justificar o acontecido. A convocação para o programa foi vinculada em diversos meios de comunicação e em diferentes horários, o que possibilitou atingir as mais variadas camadas da população.

Sobre o número de usuários, os estudos têm apontado crescente número de adeptos ao uso de substâncias ilícitas tais como os EAA. Silva et al. (2007) avaliaram praticantes de musculação de diversas academias da cidade de Porto Alegre. Referem que 11,1% usam ou já usaram esteroides anabólicos, 13,5% de agentes hormonais e 9,4% os combinavam com outras substâncias. Apesar dos efeitos colaterais relatados por quase todos os usuários, 48,7% dos participantes afirmaram que retornariam ao consumo de agentes hormonais com o objetivo principal de melhora da aparência, mesmo já tendo ouvido falar que esta atitude poderia provocar sua morte em pouco tempo (17,9%).

Em outro estudo, Santos, Mendonça, Santos, Silva e Tavares (2006) constataram que 19% dos participantes usavam EAA e 31% já haviam feito uso ao menos uma vez. Nenhum dos entrevistados considerou o resultado do uso de anabolizantes insatisfatório.

Como uma hipótese para a pouca procura pelo serviço, acredita-se que os usuários de anabolizantes e os indivíduos que apresentam uma imagem corporal distorcida, em sua maioria, não consideram esses comportamentos como disfuncionais. A rápida aquisição por um corpo musculoso por meio do uso de anabolizantes pode prejudicar a percepção e o reconhecimento de que essas substâncias acarretam, mesmo que futuramente, diversos males à saúde.

ísico onde o ganho de músculos define o indivíduo, qualificando-o como bom ou ruim, capaz ou incapaz, prende o indivíduo ao imediatismo.

Iriart e Andrade (2002) comentam sobre a fragilidade da ideia que os usuários apresentam acerca dos anabolizantes e do risco do uso inadvertido, visto que este saber potencial não é traduzido em prática real. Correlacionam ainda as expressões de crescer e ficar forte ligados ao uso de anabolizantes como desejo de crescer subjetivamente, compensando um sentimento de baixa autoestima e promovendo um melhor status social para o indivíduo.

O uso de anabolizantes pode ser entendido, ainda, como um “remédio” para problemas diversos: sendo utilizado para suprir carências, remediando o que o próprio sujeito percebe como ‘doença’ estética, caracterizada por uma aparente imperfeição a ser transformada para que a sua imagem corporal se torne satisfatória subjetiva e socialmente (Santos et al., 2006).

Os usuários de anabolizantes e os vigoréxicos, geralmente, passam a não se interessar com igual intensidade pela vida profissional, amorosa e social como antigamente. Toda a atenção e energia estão voltadas para a necessidade de alcance de seu objetivo: o ideal de corpo, mesmo que este seja irreal. Esse comportamento pode gerar sérios conflitos e sensação de inadequação ao meio ambiente.

Por outro lado, entende-se que o uso de anabolizantes pode refletir, além da possibilidade de modelagem do corpo, a melhora da autoestima, a possibilidade de uma sensação de segurança/proteção, autoconfiança e como facilitador para conquistas profissionais e amorosas. Tais questões entendidas de modo errôneo pelos usuários dificultam, de forma significativa, a compreensão do comportamento desviante e, em consequência, o pedido de ajuda.

ários de esteroides relataram maior preocupação em relação a como percebem o tamanho de seus corpos: percebem-nos como muito pequenos, desejando-os maiores e demonstram modesta diferença nos escores dos inventários de distúrbios alimentares. Os autores afirmam ainda que os usuários “pesados” (longo período de uso) são mais propensos à dependência de esteroides e apresentam maior preocupação com estereótipos masculinos (Kanayama, Barry, Hudson & Pope Jr., 2006).

O uso de EAA é identificado ainda como instrumental para inserção no mercado de trabalho. Iriart e Andrade (2002) perceberam que a presença de músculos bem definidos em fisiculturistas (praticantes de exercícios físicos com peso) da periferia de Salvador não se encerra somente na questão do corpo físico. Um corpo musculoso os remete ao desejo de crescerem e se fortalecerem subjetivamente, promovendo mesmo uma construção identitária. Através da prática de exercícios estes indivíduos se reconhecem como atletas, ou seja, como ocupantes de um lugar no espaço social, onde suas imagens passam a ser admiradas e desejadas por outros. Essa ocupação propicia um investimento libidinal e narcísico destes em seu próprio eu (self). Tornam-se marionetes do desejo do Outro, aprisionados em seus próprios corpos. Desta forma, o corpo se torna um objeto investido voltado ao olhar do outro e ao consumo.

O investimento libidinal à conquista de músculos muitas vezes não se encerra no gozo do olhar do Outro. Muitos jovens participantes da pesquisa de Iriart e Andrade (2002), servindo-se do esplendor deste gozo, direcionavam seus corpos à conquista profissional. Seus músculos também serviam para aumentar as chances de conseguirem colocação no mercado de trabalho como seguranças, vigilantes, garotos de programa, promovendo, assim, renda e sobrevivência (física, mental e social).

A rapidez e a eficácia dos esteroides anabolizantes em produzir um corpo excessivamente musculoso em pouco tempo torna-se tentador. “O anabolizante é visto então, como uma droga poderosa que permite ao organismo trabalhar mais rapidamente, propiciando resultados quase mágicos e recompensando imediatamente o suor despendido na malhação” (Iriart & Andrade, 2002, p.1382).

A eficácia dos resultados produzidos pelos esteroides e a inadequada avaliação dos riscos à saúde promovem o uso contínuo da droga e a aquisição da mesma por um número cada vez maior de indivíduos.

O conhecimento teórico ou através de experiência própria dos usuários de EAA sobre os malefícios da droga não os impedem de desejarem e, até mesmo, continuarem o seu uso. Iriart e Andrade (2002) perceberam uma consciência frágil e fugaz sobre a gravidade do abuso. Para os usuários, o relato de sintomas menores e temporários como cefaleia, náuseas, tonturas, irritabilidade, acne, febre e aumento dos pelos corpóreos, com o tempo, são percebidos como normais. Efeitos mais graves como alterações no desempenho sexual e redução do volume de esperma também são tratados com aparente naturalidade e não são suficientes para a interrupção do uso das substâncias. Segundo os autores, o desejo de fazer crescer a massa muscular, de alcançar o corpo ideal e a ilusão de um pensamento mágico de que o problema nunca irá acontecer com ele se sobrepõe aos riscos potencias à saúde.

ção entre uso de esteroides anabolizantes e distúrbios psiquiátricos é controverso. Estudos sugerem que desordens psiquiátricas e/ou alterações psíquicas estejam diretamente relacionadas ao abuso de esteroides anabolizantes (Pope Jr. & Katz, 1988; Perry, Yates & Andersen, 1990; Pope Jr. & Katz, 1994; Peluso, Assunção, Araújo & Andrade, 2000). Nestes estudos, os autores encontraram aumentos significativos de sintomas de irritabilidades, agressividade, euforia e outros sintomas maniformes durante o uso de EAA, além de sinais depressivos durante os períodos de abstinência. Ocorrência de sintomatologia característica de psicose e mania associados ao abuso de EAA também foi relatado (Annitto & Layman, 1980; Freinhar & Alvarez, 1985; Peluso et al., 2000). A distorção da imagem corporal também chama a atenção de pesquisadores (Pope Jr., Katz & Hudson, 1993; Pope Jr., Gruber, Choi, Olivardia & Phillips, 1997; Peluso et al., 2000) que notaram que, para alguns levantadores de peso e fisiculturistas que utilizam EAA, a percepção de si e de seus corpos é pequena e franzina, apesar de grandes e musculosos quando comparados aos demais praticantes.

Por outro lado, demais estudos não encontraram efeitos psiquiátricos importantes relacionados ao abuso de esteroides anabolizantes (Shahidi & Diamond, 1961; Griggs, et al., 1989; Peluso et al., 2000). Contudo, esses estudos utilizaram doses bem menores quando comparados aos demais.

A diferença na metodologia aplicada nos diversos estudos possibilita resultados discrepantes entre um e outro, dificultando uma análise mais precisa. O que parece mais evidenciado é que altas doses de esteroides anabolizantes aumentam as chances de quadros psiquiátricos.

A sociedade atual responde a uma necessidade de urgência: o ideal de beleza escraviza o ser humano e dita que a dignidade e o vir-a-ser só poderão ser alcançados se houver imposições de sacrifícios a si próprios e se cada qual estiver disposto a infligir as mais dolorosas tormentas ao próprio desejo e ao desejo do outro, colocando em dúvida a integridade de uma existência possível e real.

A vigorexia e o uso de anabolizantes não se fecham apenas no esculpir do corpo. A prática implica a dificuldade de relação do indivíduo consigo mesmo e com o outro que encontra, no corpo, via de expressão para essa complexa vivência.

O relato da experiência aqui descrito revelou a dificuldade destes indivíduos em procurar serviços de saúde para o tratamento psicológico, evidenciando a necessidade de maiores estudos e pesquisas acerca do tema. Esta tarefa pode ser útil na obtenção de melhores maneiras de se abordar o indivíduo que faz uso de anabolizantes para transformar o corpo físico e a formulação de estratégias de atendimento eficazes e de amplo espectro.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência
e-mail – niraldosp@uol.com.br

 

 

1Diretor Técnico de Serviço de Saúde da Divisão de Psicologia do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (ICHC/FMUSP). Coordenador do Curso de Especialização em Transtornos Alimentares e Obesidade do Centro de Estudos em Psicologia da Saúde (CEPSIC) – Brasil.
2Especialista em Psicologia Hospitalar pela Divisão de Psicologia do ICHC/FMUSP – Brasil.
3Mestranda em Ciências, Departamento de Obstetrícia e Ginecologia, Faculdade de Medicina da USP – Brasil.
4Diretora Técnica de Serviço de Saúde da Divisão de Psicologia do ICHC/FMUSP – Brasil.
5Diretora da Divisão de Psicologia do ICHC/FMUSP. Presidente do CEPSIC – Brasil.