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Psicologia Hospitalar

versão On-line ISSN 2175-3547

Psicol. hosp. (São Paulo) vol.10 no.2 São Paulo jul. 2012

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

Motivos de encaminhamento à psicologia e a escuta da demanda médica no serviço de imunologia e alergia

 

Reasons for referral to psychology and listening to the medical demand in the department of immunology and allergy

 

 

Júlia CataniI,1; Thiago Robles JuhasII2; Niraldo de Oliveira SantosII3; Maria Lívia Tourinho MorettoI,4; Mara Cristina Souza de LuciaI,5

IInstituto de Psicologia. Universidade de São Paulo
IIDivisão de Psicologia do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente trabalho é o relato da experiência de inserção do psicólogo hospitalar no Serviço de Imunologia e Alergia do ICHC-FMUSP. O objetivo foi investigar alguns itens da ficha de encaminhamento da equipe médica à psicologia e em quais situações os médicos habitualmente encaminham seus pacientes. Trata-se de um estudo descritivo, qualitativo e analítico, a partir da análise de 31 fichas e entrevistas de interconsulta. A investigação revelou maior número de pacientes do sexo feminino, na faixa etária dos 20 aos 55 anos, sendo a rinite alérgica e a asma os diagnósticos mais presentes. Os médicos recorrem ao Serviço de Psicologia quando observam que os seus pacientes apresentam sofrimento psíquico ou quando não há adesão ao tratamento. Notou-se significativa diferença entre o que se escreve e o que é dito pela equipe médica, fato que indica a importância da caracterização da população encaminhada, a compreensão da demanda da equipe e do atuante trabalho de interconsultas.

Palavras-chave: Interconsulta psicológica, Inserção do psicólogo, Psicologia em saúde, Demanda médica.


ABSTRACT

The present study is the experience report of the psychologist  insertion at the Department of Immunology ICHCFMUSP, the objective was to investigate some of the items referral form from the medical staff psychology and in what situations physicians will usually refer their patients. This is a descriptive, qualitative and analytical study, based on analysis of 31 chips for referral documents and interviews for referral with the medical staff. The chips revealed a greater number of female patients, aged from 20 to 55 years, with allergic rhinitis and asthma diagnosis are more present. Doctors refer to forward to the Psychology Department, cases with verbalization of psychological distress and non-adherence to treatment. We noticed a significant difference between what is written and what is said by the medical staff, a fact that indicates the importance of the characterization of the population referred to compression of demand and active team work interconsultation.

Keywords: Psychological Consultation-liaiso, Insert the Psychologist, Behavioral Medicine, Medical Demand.


 

 

INTRODUÇÃO

O presente estudo surgiu a partir de um trabalho desenvolvido no setor de Imunologia Clínica e Alergia no Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (ICHC-FMUSP). Esta especialidade assiste e trata pacientes que apresentem quadros e doenças variadas referentes ao sistema imunológico e doenças alérgicas.

De acordo com Martin, Carvalho, Cordoni e De Souza (2001), desde a década de 40 os modelos de políticas públicas de saúde no Brasil eram centrados no hospital em atenção secundária, ou seja, em assistência e atendimento clínico, a instituição hospitalar torna-se o meio e fim quase que único de atendimento, tratamento e suporte em saúde. Tais circunstâncias nos fazem supor que, como no passado, atualmente as ações coletivas e preventivas ficam em segundo plano e a instituição hospitalar se estabelece como a forma mais procurada de auxílio médico, social e psicológico.

Segundo a resolução nº 013/2007 (CFP, 2010), o especialista em Psicologia Hospitalar tem sua função centrada nos âmbitos secundário e terciário de atenção à saúde, atuando em instituições hospitalares e realizando atividades como: atendimento psicoterapêutico; grupos psicoterapêuticos; atendimentos em ambulatório e unidade de terapia intensiva; pronto atendimento; enfermarias em geral; avaliação diagnóstica e interconsultoria.

No que diz respeito à atuação dos psicólogos em hospitais brasileiros, esta prática teve início na década de 50 e era caracterizada por trabalhos isolados, de tal modo que os consultórios eram transportados para dentro do hospital. Este tipo de posicionamento acabava por excluir aspectos institucionais e as relações de poder e política que permeiam os serviços de saúde, uma vez que as atividades desenvolvidas contavam, de forma exclusiva, com o modelo tradicional clínico, sem considerar os profissionais da equipe e as particularidades da instituição de saúde (Romano, 1999).

Campos (1995) conceitua a psicologia hospitalar como o conjunto de contribuições científicas, educativas e profissionais que compõem as diferentes disciplinas psicológicas para dar melhor assistência aos pacientes na instituição. O trabalho, segundo a autora, é fundamentalmente especializado no restabelecimento do estado de saúde do doente ou no controle dos sintomas que prejudicam seu bem-estar. Em contrapartida, Chiattone (2000) analisa e faz uma reflexão crítica acerca da atuação do profissional "psi" no ambiente hospitalar, argumentando que este não sabe claramente quais são suas tarefas e o papel dentro da instituição; de maneira semelhante, os membros da equipe médica também têm dúvidas sobre qual seria exatamente o trabalho do psicólogo.

A falta de clareza e esclarecimento sobre sua função, muitas vezes, decorre do fato do psicólogo apenas transpor o modelo clínico tradicional para a realidade institucional, o que acarreta uma atuação isolada e solitária, sem dialogar com outros membros da equipe de saúde, ou seja, sem realizar um trabalho multidisciplinar, fundamental no âmbito hospitalar. Tais considerações remontam e aludem para a prática destes profissionais na década de 50, tal como já foi dito, quando surgiu o trabalho da psicologia nas instituições hospitalares (Moretto, 2008).

No que se refere ao trabalho no setor de saúde, este envolve diferentes profissionais, os quais compartilham situações comuns, como por exemplo, atendem o mesmo paciente e utilizam-se do seu saber para o desenvolvimento de soluções pertinentes e eficazes para a terapêutica ou prevenção do adoecimento. A saúde, por se tratar de um campo multifatorial, leva em conta os aspectos biológicos, psicológicos e sociais de cada indivíduo, desta forma há necessidade de intervenção conjunta para os casos atendidos dentro do hospital. A pluralidade de saberes implica interdisciplinaridade, ou seja, o trabalho deve ocorrer no campo da convergência do saber e da prática dos profissionais (Moretto, 1999).

Um dos instrumentos que propicia o trabalho entre muitas disciplinas é a interconsulta, que consiste em: acolher, investigar e atender à solicitação de um dos membros da equipe, com a finalidade de garantir o atendimento global do paciente. A interconsulta psicológica opera na medida em que algum profissional da equipe, principalmente os médicos e os profissionais da enfermagem, detectam problemas emocionais ou subjetivos que interferem no tratamento ou agravamento da doença e, assim, solicitam ao serviço de psicologia, por escrito, o que deve ser avaliado e/ou acompanhado. De modo geral, o que se pede no encaminhamento é a realização de uma avaliação psicológica (Carvalho & Lustosa, 2008; Santos, Slonczewski, Prebianchi, Oliveira & Cardoso, 2011).

A avaliação psicológica é um procedimento clínico que se organiza e se orienta por princípios teóricos, metodológicos e técnicos de investigação. É composta por diferentes práticas diagnósticas, que recorrem ou não a instrumentos estruturados e padronizados, como os testes psicológicos, e outras técnicas e procedimentos. Os instrumentos empregados devem ser condizentes ao objetivo e à finalidade do que se quer avaliar, uma vez que os procedimentos clínicos de diagnóstico e avaliação psicológica em geral devem atender às particularidades de cada caso. A importância da avaliação psicológica no hospital geral baseia-se na presença e na associação entre doenças físicas e transtornos mentais, problemas emocionais, familiares ou sociais (Noronha, Baldo, Barbin & Freitas 2003).

Segundo Smaira, Kerr-Corrêa e Contel (2003), os autores indicam que de 30% a 50% de pacientes internados por doenças em geral possuem algum tipo de problema de ordem psicológica ou diagnóstico de transtorno mental. Contudo, ainda a respeito destes autores, apenas de 1% a 12% dos pacientes são encaminhados para avaliação psicológica ou psiquiátrica, fato que prejudica o diagnóstico e tratamento dos casos atendidos, inclusive no que se refere à condição médica.

O psicólogo hospitalar, para o desempenho de suas atribuições, conta com os membros da equipe para encaminharem os pacientes ao atendimento psicológico. No caso do médico, este se utiliza de exames objetivos, com foco em um diagnóstico que possibilitará a terapêutica adequada, e faz o encaminhamento dos elementos subjetivos ao serviço de psicologia, assim, frente a uma demanda dos médicos, o psicólogo entra em cena. Cada médico tem seu limiar de encaminhamento, que é influenciado por vários fatores, entre eles a formação acadêmica, a experiência clínica e o interesse pelos aspectos psicológicos da prática médica. Mas também é nítido que o trabalho dos psicólogos e a sua interlocução com estes médicos podem possibilitar ou não tais encaminhamentos. O ponto de partida para responder o que faz um psicólogo receber um encaminhamento é pensar a hospitalização, pois esta representa um desafio à capacidade de adaptação do indivíduo frente a este novo ambiente que, de um modo geral, provoca diferentes reações, tendo em vista que as respostas do sujeito à doença, à internação ou a aderência a um tratamento são moduladas por fatores biopsicossociais (Botega, 2002).

Segundo Perissinotti (2007), a dor é algo que não se pode transmitir ao outro por completo. Tenta-se sim, em uma consulta médica dizer o que se está sentindo com objetivo que o profissional possa compreender o que se passa e ajudá-lo a aliviar os sintomas. No entanto, a representação e a sensação da dor é algo muito subjetivo e que, por mais que se tente verbalizar, não se consegue dar conta por completo através das palavras, mas de todo modo, este é um dos recursos mais importantes para dizer ao outro do que se sofre.

As alergias, de modo geral, estão relacionadas a fatores emocionais e estão sujeitas a agravamento de crise quando algo ocorre na vida emocional destes pacientes, ou seja, funciona como "termômetro" ao indivíduo para dizer que algo não está bem, para os autores trata-se de uma resposta do organismo às vicissitudes subjetivas. Acredita-se que depois da primeira crise alérgica ou imunológica, como asma, rinite, reações adversas cutâneas ou sistêmicas a alimentos ou drogas, as crises subsequentes podem estar relacionadas a eventos e fatores de ordens psicológicas e subjetivas, ou seja, inscreve-se uma marca no corpo do individuo, uma maneira particular de representação dos sintomas orgânicos (Grumach & Carneiro-Sampaio, 1994; Negreiros, 1995).

No que concerne ao sistema imunológico, estudos como de Segerstrom e Miller (2004) descrevem a relação entre o estresse e manifestações patológicas do sistema imunológico. O estresse diz respeito à condição de desgaste do organismo por grande e prolongada exposição a eventos físicos e psicológicos que são negativos e penosos, tais condições maléficas fazem com que ocorram mudanças devastadoras no sistema imunológico. Ainda de acordo com estes autores, a experiência subjetiva se relaciona de forma ativa com as alterações imunológicas e as mudanças fisiopatológicas ocasionadas por estresse resultam em doenças imunológicas graves.

De maneira geral, o discurso da medicina hoje compreende que as alergias podem estar relacionadas também à influência de fatores emocionais e psicológicos, o que significa dizer que se supõe uma interferência dos pensamentos e das emoções no corpo. Muitas vezes o corpo deixa de realizar o simples funcionamento que seria responsabilidade de um determinado órgão para servir como palco de outro tipo de adoecimento, o psíquico (Juhas et al, 2011).

A presença do psicólogo no contexto hospitalar se estabelece como novo paradigma para a assistência à saúde, uma nova configuração em resposta às limitações do modelo biomédico. Frente a isso, a proposta do estudo é realizar um relato da experiência de inserção do psicólogo no Setor de Imunologia e Alergia. O objetivo é investigar como é caracterizada a atuação do psicólogo no serviço e o que faz um médico encaminhar um paciente ao serviço da psicologia.

 

MÉTODO

O presente estudo teve caráter descritivo, qualitativo e analítico e propôs-se uma investigação do que se pode constatar na análise de 31 fichas de encaminhamento ao serviço de Psicologia, que aguardavam em lista de espera para atendimento em ambulatório. Concomitante a isso, outros casos já estavam sendo atendidos no mesmo setor ambulatorial. No que diz respeito à enfermaria, o fluxo e os atendimentos eram prontamente realizados de acordo com a demanda, ou seja, não faziam parte de lista de espera.

Realizaram-se entrevistas de interconsulta com três médicos da equipe que descreveram em quais situações habitualmente encaminhavam seus pacientes aos psicólogos, os dados obtidos foram tabulados e categorizados, sendo tais informações analisadas em função do gênero, idade e diagnóstico médico.

 

RESULTADOS

Notou-se que destes 31 casos que chegaram ao serviço de psicologia, 71% (n=22) eram do sexo feminino. A faixa etária dos 30 aos 50 anos apresentou uma maior concentração, representando 65% (n=20) do total. No que diz respeito ao registro do diagnóstico de doenças, feito pelos médicos, 36,6% (n=11) eram de rinite alérgica, 30% (n=9) eram de asma, 23% (n=7) de ansiedade e 10,4% (n=4) de outros diagnósticos (disfunção das pregas vocais, depressão, dermatite, urticária e HIV). Verificou-se também que os casos foram encaminhados por nove médicos da equipe e em quase todas as fichas vieram pedidos de avaliação psicológica, totalizando 60% (n=18), no restante não havia nenhuma especificação.

A partir da interlocução feita com os médicos para conhecer os motivos que os levam a encaminhar seus casos para a Divisão de Psicologia, estes referiram tomar tais decisões quando observam alguma "desordem emocional" do paciente e/ou da família e, ainda, quando não há adesão ao tratamento que lhe é prescrito. Questionou-se aos médicos, também, os motivos pelos quais os encaminhamentos eram, em sua maioria, do sexo feminino. Segundo os relatos destes médicos, há proporcionalmente muito mais mulheres no setor, o que favorece esse índice. Mas reconhecem que existem homens que passam em atendimento ambulatorial que se queixam tanto ou mais do que muitas mulheres. Foi questionado, ainda, se as mulheres se queixariam mais quando comparadas aos homens, mas eles disseram que isso é algo difícil de afirmar (Tabela 1).

 

 

DISCUSSÃO

Os resultados mostram que mais mulheres são encaminhadas ao serviço de psicologia quando comparadas aos homens; o que Riolo, Nguyen, Greden e King (2005) apontam é que, em geral, a depressão e a ansiedade acometem mais o sexo feminino, e que estes tipos de transtornos mentais são mais facilmente encontrados em hospitais gerais. Em relação à faixa etária, o dado não revela novidade quando relacionada a doenças alérgicas, imunológicas e respiratórias que acometem em geral adultos, bem como quando se analisa o sistema de informação de prontuários eletrônicos do serviço que demonstra uma população heterogênea, mas também condizente a um público jovem adulto (CDC, 2001).

Algumas pesquisas (Calais, 2003; Power, 2009; Eijk, Dorresteijn, Smits, Hoeven, Netea, e Pickkers, 2008) relatam que o sistema imunológico feminino não é necessariamente mais frágil quando comparados aos homens. A imunidade das pessoas do sexo feminino torna-as mais propensas às imunopatologias de desenvolvimento e das doenças autoimunes do que quando comparada aos homens. Tais explicações justificam-se devido a causas hormonais, da própria estrutura e das funções que as mulheres exercem em suas atividades diárias e profissionais, tornando-se mais vulneráveis às doenças e às alergias.

Outra inferência é a de que as mulheres, de modo geral, são mais emotivas e tanto a asma quanto a rinite ou mesmo os transtornos de ansiedade, que se apresentam em maior número nos encaminhamentos, estão relacionados com aspectos emocionais e que, portanto, acometem mais mulheres do que homens. O fato do número de homens apresentar índice menor de encaminhados pode estar relacionado também a resistência em procurar ajuda, inclusive a ajuda médica. Tal característica remete ao imaginário social de que o homem deve sempre se mostrar mais forte quando comparado às mulheres, como consequência, muitas vezes não vai ao médico procurar ajuda. Portanto, chega ao hospital apenas uma parcela da população masculina, muitas vezes, casos que já se encontram com repercussões no cotidiano e na saúde muito graves (Marque et al, 2001; Couto et al, 2010;  Aquino, 2006).

No que tange às alergias cutâneas ou sistêmicas e às doenças respiratórias, como a asma e rinite, estes foram os diagnósticos que mais apareceram. Segundo Souza-Machado, Tonheiro-Machado, Portela, Fontenelle-Neto e Cruz (2001), pacientes com enfermidades respiratórias, na maioria das vezes, apresentam outro tipo de doença associada, por exemplo, o transtorno do humor, uma vez que, como o próprio estudo demonstra, há uma dificuldade em diferenciar e discernir as crises asmáticas ou de rinite das sintomatologias e expressões de crises de ansiedade, de pânico ou crises depressivas.

As alterações de humor, como reação de manifestações alérgicas ou respiratórias, são compreensíveis, pois o indivíduo torna-se limitado a desempenhar uma série de atividades em decorrência do cansaço ou do "compromisso" com a doença, e muitas vezes se vê obrigado a deixar alguns prazeres de lado, tendo em vista a intensidade dos sintomas nos períodos de crise. No que se refere às doenças alérgicas respiratórias, em especial a asma e a rinite, a queixa, na maior parte das vezes, é atribuída ao estilo de vida do paciente que chega a apresentar limitações inclusive para trabalhar, estudar, entre outras atividades (Valenzuela & Mendoza, 1989; Villela & Trinca, 2001).

O que se percebe ainda é que os pacientes que já possuem a doença há algum tempo mostram-se adaptados a ela e isso os representa muito bem no âmbito social e familiar. Esta talvez seja uma oportunidade para esta pessoa ser reconhecida, receber afeto e cuidado da família ou da equipe de saúde. Outro dado que merece atenção é o fato de que em todas as fichas investigadas contavam mais que um diagnóstico associado, independentemente do sexo ou idade, o que reforça a ideia de que os pacientes, muitas vezes, se queixam por diversos motivos. Tais circunstâncias levam a crer que a presença de uma doença central impacta globalmente a vida do paciente e acarreta comorbidades. Ao se falar acerca de diagnóstico, muitas vezes, esse vem carregado das experiências subjetivas do paciente, o que pode ser demonstrado por sujeitos poliqueixosos, que relatam queixas de ordem psíquica, como a depressão, os transtornos de humor, ansiedade e até mesmo de personalidade.

O psicólogo no contexto hospitalar que se sustenta em uma práxis psicanalítica atua na vertente contrária à do ponto de vista exclusivo organicista, isto é, posiciona o paciente atendido como sujeito inserido em um cenário sociocultural, denota interesse na história individual do paciente, busca compreender os elementos subjetivos e singulares de quem sofre, procura entender a relação que cada sujeito faz com seu corpo e que significados dão a ele. Tudo isto porque este analista investiga os fatores para além da doença e do processo de adoecimento, mas é claro, que não os exclui (Moretto, 2008).

A importância de se conhecer quais são os motivos de encaminhamento médico ao serviço de psicologia e que tipo de população deverá ser tratada consiste na necessidade de apurar a demanda do médico, para que seja possível pensar em estratégias de atendimentos, isso porque, segundo Baremblitt (2002), não existe demanda espontânea, esta é produzida na oferta de um saber outro, ou seja, é preciso que se construa uma parceria com a equipe para que o trabalho do psicólogo seja efetivo.

Através da escuta clínica do psicólogo se constitui o momento de analisar, investigar e discutir com seus pares (demais membros da equipe) os motivos subjacentes, não manifestos, não ditos, não escritos nas fichas de encaminhamento. A oferta de escuta do sofrimento psíquico por parte do psicólogo também é um fator que gera a demanda de saber do médico. Os elementos que induzem ao encaminhamento são muitos, é preciso identificar e discuti-los para uma futura diferenciação, entre o que se escreve, pede ou o que se deseja saber.

O presente trabalho parte ainda da premissa de que, numa ficha de encaminhamento médico do paciente à psicologia, o que se coloca como "motivo do encaminhamento" nem sempre equivale às reais demandas dos médicos dirigidas à Psicologia. Atrelado a isso, pode se pensar que os médicos que encaminham os casos para serem atendidos pela equipe de psicólogos possuem transferência com o serviço. Isto é, acreditam que o sofrimento psíquico e elementos de ordem subjetiva, que eles enquanto médicos não são capazes de cuidar ou tratar, podem ser trabalhados por especialistas neste setor. Estipula-se, então, um suposto saber acerca do que este profissional faz. O contrário também é passível de hipótese, ou seja, que os médicos excluam a subjetividade, e encaminhem ao psicólogo de maneira que ele apure a demanda (Moretto, 2006). De todo modo, vale dizer que foram nove médicos que realizaram os encaminhamentos, o que se refere a uma quantidade representativa da equipe médica como um todo.

CONCLUSÃO

A partir deste estudo foi possível concluir que no que se refere à Clínica de Imunologia e Alergia (ICHC-FMUSP), há um maiornúmero de pacientes do sexo feminino no setor e estas teriam indicado maior verbalização do sofrimento na consulta médica. De todo modo, nos encaminhamentos, independentemente do gênero, há mais de um diagnóstico associado a um mesmo paciente, o que nos permite dizer que são "poliqueixosos". Ou seja, ao mesmo tempo em que ele vai ao médico para descobrir o que há de errado no seu corpo, recorre também a um espaço no qual possa ser ouvido e compreendido. Assim, o atendimento torna-se um lugar, em que o paciente pode se expressar e receber atenção que eventualmente não tem em seu cotidiano. Por outro lado, torna-se difícil verbalizar do que se sofre, o que reflete em vários sintomas, diversos diagnósticos, para que algum destes dê conta de dizer quais são as questões daquele sujeito.

Nota-se, também, significativa diferença entre o que são escritos como "motivo do encaminhamento" e o que é dito ao psicólogo quando este se dispõe a escutar o médico. Frequentemente, o que os profissionais referem como situações que favorecem o encaminhamento não coincide com o que se escreve como motivos nas fichas de solicitação de avaliação e atendimento. Sendo assim, os resultados indicam uma grande importância em realizar a prévia caracterização dos pacientes e a análise das fichas de encaminhamento, mas estes fatores são insuficientes para a análise da demanda dirigida à Psicologia. Ou seja, tais elementos confirmam a importância da escuta do psicólogo das demandas médicas, que deve preferencialmente ocorrer desde o início do processo de sua inserção. A caracterização, a escuta e a apuração da demanda da equipe de saúde são instrumentos importantes para implantação de projetos de trabalho, para o tratamento psicológico dos pacientes e para o trabalho de construção dos casos clínicos. Por fim, vale ressaltar que os profissionais da equipe encaminham os pacientes frente à escuta do sofrimento físico ou subjetivo, fazendo-se constatar a presença da transferência de trabalho com a equipe de psicologia.

 

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Endereço para correspondência
E-mail: juliacatani@usp.br

 

 

1Mestranda em Psicologia Clínica no Instituto de Psicologia (IP) da Universidade de São Paulo, SP; com bolsa do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). Membro do Laboratório de Teoria Social, Filosofia e Psicanálise da USP. Psicóloga e Psicanalista – Brasil.
2Especialista; Psicólogo e Psicanalista, Divisão de Psicologia, Instituto Central, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), SP – Brasil.
3Doutorando em Ciências pelo Departamento de Neurologia da FMUSP. Psicólogo; Diretor Técnico da Divisão de Psicologia do Instituto Central - Hospital das Clínicas da FMUSP. Psicanalista, membro da Comissão de Ensino da Clínica Lacaniana de Atendimento e Pesquisas em Psicanálise (CLIPP/SP) – Brasil.
4Doutora do Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP). É orientadora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica do IPUSP. Psicanalista membro do Fórum do Campo Lacaniano de São Paulo – Brasil.
5Doutora em Psicologia Clínica; Diretora da Divisão de Psicologia, Instituto Central, Hospital das Clínicas, FMUSP, São Paulo – Brasil.