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Psicologia Hospitalar

versão On-line ISSN 2175-3547

Psicol. hosp. (São Paulo) vol.14 no.1 São Paulo jan./jun. 2016

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

Reformul(ação) da saúde mental: experiência de profissionais implicados na implantação de leitos de atenção integral

 

Mental health reformulation: involved professional experience in the implantation of comprehensive care beds

 

 

Mirelle Silva BurgosI1; Janne Freitas de CarvalhoII2; Wanessa Alessandra Braga ChagasIII3

IHospital Regional Dom Moura – Pernambuco - Brasil.
IIUniversidade de Pernambuco - Brasil.
IIICAPS Entre Rios - Pernambuco - Brasil.

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Na conjuntura atual, os serviços destinados ao acolhimento da saúde mental vêm sofrendo diferentes transformações, rompendo com o modelo hospitalocêntrico. Buscou-se, com esta pesquisa, investigar como diferentes profissionais de saúde compreendem a implantação dos leitos integrais em um hospital da cidade de Garanhuns/PE. Neste sentido, problematizar a implantação de leitos integrais, a partir de seus atores, torna-se relevante visto que a Rede de Atenção Psicossocial possibilita assistência humanizada, de acordo com o que é preconizado na lei. Participaram desta pesquisa profissionais de saúde de diversas categorias, a saber: enfermeiro, médico, assistente social, fisioterapeuta, psicólogo, nutricionista e técnico de enfermagem. Tendo como base um estudo descritivo e exploratório com abordagem qualitativa, foram realizadas entrevistas abertas, através de uma pergunta disparadora. Os entrevistados apontaram como os caminhos estão sendo trilhados para efetivação dos leitos de atenção integral e os modos de enfrentamento das problemáticas surgidas nesse contexto.

Palavras-chave: Saúde Mental, Leitos Integrais, Hospital Geral.


ABSTRACT

In the current juncture, mental health reception services have suffered different transformations, breaking with the hospital-centered model. The aim of this research was to investigate how different health professionals comprehend the implantation of full beds in a hospital in Garanhuns city / PE. In this sense, questioning the implantation of full beds, from its actors, it is relevant once the substitutive services network enables a humanized assistance, in accordance with the Law. Participated in this research, health professionals of various categories, namely: nurse, doctor, social worker, physiotherapist, psychologist, nutritionist and nurse technician. Based on a descriptive and exploratory study with a qualitative approach, open interviews were conducted through a triggering question. Respondents pointed out how the paths are being trodden in order to effectuate the beds full attention and the coping strategies for problems that arise in this context.

Keywords: Mental Health, Integral Beds, General Hospital.


 

 

INTRODUÇÃO

No contexto atual a saúde mental vem passando por diferentes transformações, visando superar o modelo manicomial. Na busca pela extinção da institucionalização, o Ministério da Saúde resolve implantar novos dispositivos para o atendimento humanizado às pessoas em sofrimento psíquico devido ao uso e abuso de crack/álcool e outras drogas e/ou transtorno mental severo e persistente (Brasil, 2012). Dentre estes serviços, destacam-se os leitos de atenção integral, instituídos no intuito de garantir a aplicabilidade dos princípios do Sistema Único de Saúde - SUS no atendimento a esses indivíduos, assegurando a integralidade do cuidado e o direito do tratamento que vise o respeito pelo paciente como ser humano inserido no seu contexto histórico e social (Paes, Silva, Chaves & Maftun, 2013).

A Política de Saúde Mental no Brasil visa promover a redução dos leitos psiquiátricos de longa permanência, fazendo uma programação, para quando houver necessidade de intervenção hospitalar, esta ocorrer em hospitais gerais, com o tempo de internação reduzido, objetivando estabilizar a crise (Brasil, 2005; Brasil, 2012).  Com isso, a Rede de Atenção Psicossocial é instituída com a criação, ampliação e estruturação de serviços, como: Centro de Atenção Psicossocial - CAPS, Residências Terapêuticas, Consultórios de Rua, Unidades de Acolhimento, Unidade de Pronto Atendimento – UPA, Estratégia de Saúde da Família – ESF, Centro de Convivência, Serviço de Atendimento Móvel de Urgência – SAMU; esses são dispositivos diferenciados que se articulam na lógica da referência e contra referência proporcionando atenção e cuidado ao usuário de sofrimento mental no seu próprio território (Brasil, 2011a).

Contudo, os leitos de atenção integral, nos hospitais gerais, necessitam de articulação com a rede de saúde mental para continuidade do cuidado, pois o seu papel está direcionado para o atendimento de urgências e emergências, no manejo do paciente em crise com sintomas psíquicos agudizados (Brasil, 2012; Paes et al., 2013). Portanto, seu internamento deve ser curto, sem deixar de proporcionar um atendimento integral e de integração com equipe qualificada e diversificada que atenda as necessidades dos usuários (Brasil, 2012).

No que concerne a desinstitucionalização dos pacientes em sofrimento psíquico em Garanhuns/PE, emerge uma inquietação na forma como esses sujeitos serão recebidos na sociedade, quais dispositivos podem ser acionados em caso de necessidade, além de investigar a compreensão dos profissionais de saúde acerca dos leitos de atenção integral. É necessário além de ofertar serviços substitutivos, preparar cuidadores e profissionais para receber esses usuários, pois não saber agir com esses pacientes pode dificultar na reintegração social.

Esta pesquisa de maneira indireta vem a contribuir, com melhor compreensão do processo da assistência às pessoas em sofrimento psíquico devido ao uso e abuso de crack/álcool e outras drogas e/ou transtorno mental severo e persistente que demandam cuidados, e também evidenciar os dispositivos que garantem o protagonismo social desses usuários como cidadãos na Rede de Atenção Psicossocial. Além de problematizar a compreensão que os profissionais de saúde de diversas categorias (enfermeiro, médico, assistente social, fisioterapeuta, psicólogo, nutricionista e técnico de enfermagem) têm acerca do processo de implantação dos leitos integrais no Hospital Regional Dom Moura, em Garanhuns/PE, visto que a rede de serviços substitutivos possibilita assistência psicossocial humanizada.

Nesse sentido, esse estudo se propõe a compreender qual o olhar dos profissionais de saúde de um hospital regional no município de Garanhuns-PE, frente ao processo de implantação dos leitos de atenção integral. Além de contribuir para uma melhor assistência, pois a partir da compreensão que os profissionais de saúde possuam, pode-se elencar medidas reflexivas para amenizar possíveis preconceitos com pacientes em sofrimento psíquico.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

A pesquisa trata-se de um tipo de estudo descritivo e exploratório com abordagem qualitativa. De acordo com Gil (2002), a pesquisa descritiva objetiva delinear a população estudada, fenômenos, ou até mesmo relações entre variáveis. Podendo apresentar o caráter exploratório com base nos objetivos e desvelar uma nova percepção de um determinado problema. “As pesquisas descritivas são, juntamente com as exploratórias, as que habitualmente realizam os pesquisadores sociais preocupados com a atuação prática” (Gil, 2002, p. 42).

O estudo foi realizado num Hospital Regional no município de Garanhuns (PE), considerado referência para os 21 municípios que compõem a V Gerência Regional de Saúde de Pernambuco. O hospital é uma instituição pertencente e dirigida pelo poder público Estadual, em que está se estruturando a implantação dos Leitos de Atenção Integral, a pacientes com transtornos mentais e usuários de crack/álcool e outras drogas, seguindo normas da Reforma da Assistência Psiquiátrica.
Os sujeitos deste estudo foram profissionais que prestam assistência direta aos usuários, envolvendo diversas categorias: enfermeiros, médicos, assistentes sociais, fisioterapeuta, psicólogo, nutricionista e técnicos de enfermagem. Como critério de inclusão para participação da pesquisa, foi necessário: compor o quadro clínico da instituição; prestar cuidado aos pacientes psiquiátricos internos na instituição; e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido mediante leitura.

Os dados foram coletados através de entrevista não estruturada, esta se caracteriza por apresentar um caráter aberto, ou seja, o entrevistado responde as perguntas dentro de sua concepção, mas não se trata de deixá-lo falar livremente. O pesquisador não deve perder de vista o seu foco (May, 2004). As entrevistas foram realizadas no próprio local de estudo, sendo gravadas em áudios para posterior transcrição e literalização; “a transcrição deve se libertar da escrita comum, deve chegar numa escrita real, a literalização no sentindo científico.” (Bouquet, 2004, p. 92). Ao término das transcrições e literalizações, as entrevistas foram analisadas e compreendidas em face da literatura, vale ressaltar que após utilização os áudios serão descartados.

O conteúdo das falas, transcritas e literalizadas, foi agrupado por similaridade em categorias de acordo com os pressupostos metodológicos necessários para a realização da análise de conteúdo (Bardin, 2009). Esta se divide em três momentos distintos: “a pré-análise a exploração do material, e por fim, o tratamento dos resultados: a inferência e a interpretação.” (Bardin, 2009, p. 121). Isto é, o conteúdo foi analisado, posteriormente agrupado, de acordo com sua semelhança em categorias, comparado com a literatura, para finalmente ser interpretado.

Destarte, a compreensão detalhada do método multifacetado que caracteriza a análise de conteúdo reverbera em significados/sentidos frente à diversidade encontrada na amostra relativa à pesquisa. Pois, para tornar algo publicamente relevante e verdadeiro, neste sentido, depende do olhar do outro, do testemunho do outro que compartilha e comunica. Vale ressaltar que as entrevistas foram realizadas em ambientes que preservaram a identidade dos participantes. A pesquisa teve autorização prévia da Direção Geral do Hospital e foi realizada após autorização do Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital Agamenon Magalhães – HAM (CAAE nº 50719815.9.0000.5197).

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Foram realizadas entrevistas com seis profissionais de diferentes categorias. Com intuito de preservar a identidade dos participantes da pesquisa e apropriar-se mais do tema, resolveu-se nomear os entrevistados com grandes nomes de pessoas que se destacaram: na arte, música, pintura, literatura, entre outros. E que também vislumbraram algum tipo de transtorno, mas que esse não foi um obstáculo para se sobressaírem nas suas habilidades.

Os seis participantes serão citados por: Van Gogh, Beethoven, Lincoln, Newton, Machado de Assis e Clarice Lispector. A partir da coleta de dados, os relatos foram lidos após transcrição e literalização, foram encontradas as seguintes categorias temáticas de acordo com a similaridade de conteúdo: Estrutura física e dinâmica; Educação Permanente; Preconceito; Rede de Atenção Psicossocial e Integralidade da Atenção; e O Papel da Gestão.

Estrutura física e dinâmica

Frente ao material coletado foram percebidas algumas limitações quanto à estrutura física e dinâmica que interferem em uma assistência com qualidade. Entre os aspectos que são citados, destaca-se: o espaço físico e recursos humanos que ainda são insipientes para abranger essa demanda. Demanda essa, que é do usuário, mas que necessita de “abertura de possibilidades para ele se responsabilizar pelo seu próprio cuidado.” (Morato, 2006, p. 1). Nas falas dos entrevistados fica evidente que os usuários com transtornos mentais e decorrentes do uso de crack/álcool e outras drogas exigem mais tempo e atenção para serem cuidados, tornando muitas vezes o trabalho exaustivo.

Eu acho que o hospital não tem estrutura para receber os leitos integrais, porque não tem um psiquiatra na evolução diária e os profissionais não estão recebendo capacitação para tratar esses pacientes. Foram colocados no hospital e não se deu essa estrutura, para a gente receber esses pacientes, nem todos os profissionais daqui têm qualificação adequada para tratar com esses pacientes dos leitos integrais. (Beethoven).

[...] o despreparo do profissional, da estrutura do hospital, de tudo, então eles a maioria das pessoas que a gente conversa acha que o hospital vai se tornar um hospital psiquiátrico. Quando a gente sabe que não é assim. (Newton).

No caso daqui, acho que não é só a medicação que vai ajudar, tem que ter terapia. Não adianta o hospital dar o leito e não oferecer suporte, não tem profissional, não tem terapia, o paciente só dopado, 24 horas, eu acho uma injustiça, um pecado, tem que oferecer espaço, lazer. (Machado de Assis).

No seu trabalho, Branco et al. (2013) também enfatizam essa questão em relação ao espaço físico, articulam que deve-se organizar a estrutura dentro do hospital para poder atender as necessidades dos pacientes psiquiátricos.

Em consonância com a Portaria 148/2012, a estrutura física dos leitos de atenção integral deve ter espaços apropriados, em uma lógica na qual a humanização do cuidado e a convivência sejam estabelecidas para favorecer o processo terapêutico (Brasil, 2012). Ainda, de acordo com o Relatório de Gestão 2007-2010 para a implantação do atendimento de leitos de atenção integral nos hospitais gerais é recomendado que a instituição dispusesse de uma área externa para realização de atividades físicas, terapêuticas, de lazer, além de garantir a continuidade do cuidado após a alta nos serviços de atenção psicossocial (Brasil, 2011b).

Corroboram-se os pressupostos indagados por Amarante (2007) que os serviços da rede psicossocial devem estabelecer estruturas flexíveis para que aquele viés do modelo hospitalocêntrico não volte a se repetir. Que a crise seja acolhida, mas que se tenha o cuidado de oferecer o suporte por um breve período, para não se configurar como uma internação psiquiátrica.

Fica a enfermagem pedindo um favor para ser visto o paciente, é complicado. Mesmo que o clínico assista, precisa desse profissional com envolvimento com a equipe. Esse envolvimento desde o médico, o auxiliar, o enfermeiro, a equipe médica tudo eles delegam essa atividade da assistência do paciente de álcool/droga e psiquiátrico. (Lincoln).

Eu acho que falta preparação e outra coisa também, a gente tem medicação de horário tudo certinho e um paciente em crise ele toma seu tempo todo. Às vezes você vai deixar de atender os outros pacientes, tem que ver isso. Até para dar um banho no paciente é diferente, porque se ele tiver agitado, até com a ajuda do acompanhante é difícil. (Machado de Assis).

Essa inserção dos leitos no processo de trabalho deveria ser uma equipe só para trabalhar isso, mas essa equipe deveria estar legitimada, isso significa que ela deveria receber bônus pelo seu trabalho. (Clarice Lispector).

Como enfatizam Branco et al. (2013, p. 288), ocorre “uma grande mudança no cotidiano hospitalar e no aumento do trabalho para cuidar desta clientela.” É visível que a mudança de rotina é algo bastante evidenciado nos relatos e que altera a dinâmica do hospital, além de influenciar em demasiada ampliação das tarefas, devido à insipiência de profissionais preparados para lidar com essa demanda.

Às vezes chega um paciente de leito integral, o psiquiatra vem tudo bem, mas ele não acompanha.  Vem o médico que não tem aquela especialidade, dopa o paciente, e será que a conduta correta seria dopar ou seriam outros tratamentos, a pessoa fica sem saber. (Beethoven).

Vamos trabalhar multiprofissional, porque não é multiprofissional, deixa o paciente na emergência, não vem o psiquiatra, não tem a rotina. O clínico é para assistir aquele paciente, mas tem as intercorrências psiquiátricas que tinha que ter psicólogos, aqui na clínica médica não tem psicólogo. (Lincoln).

A dificuldade é quando não tem quem conter o paciente, eu acho isso, que não tem pessoas aqui preparadas para atender a crise. O paciente é acompanhado pelo psiquiatra, mas ele só evolui e vai embora e os clínicos vão querer atender eles e está vendo?! Tem que ter um suporte, porque só vão dopar eles, só ficam dormindo. Isso não é um tratamento, só dopando, você não vai saber se o tratamento está evoluindo, se houve melhora. (Machado de Assis).

Temos uma equipe de referência maior do que a portaria preconiza, ampliamos, um psiquiatra, um médico neurologista, um assistente social, uma psicóloga, uma técnica de enfermagem e uma enfermeira. (Clarice Lispector).

Como aponta a Portaria 148/2012, é necessário ter uma equipe multiprofissional de referência legitimada para prestar cuidados às pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades de saúde decorrentes do uso de crack/álcool e outras drogas, essa equipe é estabelecida de acordo com o número de leitos implantados (Brasil, 2012).

Faz-se necessário uma rede de relações entre sujeitos, sujeitos que escutam e cuidam, e que os cuidados aconteçam pela integração de uma equipe multiprofissional: médicos, psicólogos, enfermeiros, fisioterapeutas, assistentes sociais, técnicos de enfermagem, dentre outros atores (Amarante, 2007). Mas que os saberes se articulem e não sejam vistos separadamente neste processo complexo, assim podendo contemplar os sujeitos que vivenciam essa problemática como um todo (Paes et al., 2013).

Ainda assim, é importante que as ações desenvolvidas sejam efetivadas em articulação com os diferentes atores sociais que proporcionam cuidados em saúde mental. A interdisciplinaridade encara muitos obstáculos, porque ela determina a interação/troca entre os profissionais, não elimina a especificidade das práticas, mas propicia a articulação entre os diferentes saberes, assim é possível identificar os limites e os potenciais que vislumbram para assistência ao paciente com transtorno mental.

Educação Permanente

Outro aspecto bastante evidenciado nas entrevistas foi a importância da realização de capacitações para o manejo adequado com os usuários de saúde mental, crack/álcool e outras drogas. Muitos profissionais afirmam não estarem preparados para lidar com esses usuários, fato também encontrado na pesquisa de Branco et al. (2013). Embora capacitar, de acordo com Houaiss (2004), seja tornar-se apto a uma função, serviço; fazer com que alguém se torne hábil, não é apenas a aptidão, mas uma orientação para novas dinâmicas de atuação com esses indivíduos.

Em consonância com o que destaca a Portaria 148/2012 no seu artigo 12º, parágrafo 1º, inciso II que o incentivo financeiro pode ser utilizado para a aquisição de equipamentos, no que diz respeito à estrutura. Mas também, na qualificação profissional, onde designa 30% do incentivo do financiamento para a capacitação e atualização dos profissionais com temas e propostas relativas à saúde mental (Brasil, 2012).

[...] já pode abrir uma pós-graduação em tratamento de leitos integrais já cabe ai uma pós, uma especialização que é o que a gente está vendo que no caso é uma especialização das especializações [...] (Van Gogh).

Acho que é necessário ter capacitação, agora assim eu não sei como seria feito, se o hospital daria, poderia ser feito pela equipe de referência, mas assim, ainda não teve nenhuma capacitação, pelo menos eu não participei de nenhuma. [...] Na minha graduação não estudei nada sobre saúde mental e nem na prática também, só fui ter experiência aqui.  (Beethoven).

[...] é preciso ainda realizar uma capacitação com as equipes, principalmente na emergência, porque o pessoal ainda é muito despreparado, não ver o paciente como um todo, fica deixando o paciente para lá, então eu acho que precisa de capacitações, todos os profissionais serem mais sensibilizados, porque assistência aqui sempre teve. Precisa fazer padronizações, uma padronização do que se fazer desde a emergência até as clínicas. [...] É o desconhecimento, porque desde a prática nós não somos preparados para trabalhar com esses pacientes, então a gente desconhece e tem muito rótulo [...]. (Lincoln).

Eu acho assim que deveríamos participar de capacitações, não participei de nenhuma para a inclusão. Eu só soube que ia ter a inclusão dos leitos integrais para esses pacientes. [...] Eu acho que não tem pessoas aqui preparadas para atender a crise. (Machado de Assis).

Como corroboram Batista e Gonçalves (2011), é necessário investir em novas estratégias para qualificar os profissionais da saúde, visto que a formação profissional/graduação ainda continua distante de assumir a integralidade do cuidado voltado para atenção à saúde.

Conforme a Política Nacional de Educação Permanente, o ensino-serviço se baseia na aprendizagem significativa e na possibilidade de transformar as práticas profissionais. A aprendizagem significativa refere-se ao resgate de sentido de falas na coexistência e na própria experiência e desvela sentido a significados diante da experiência vivida, considerando a autenticidade e a compreensão do viver-com as alteridades. É um fluxo de experiência que busca ressignificar o sentido do que é experienciado (Morato, 2009).

A Educação Permanente pode ser entendida como aprendizagem-trabalho, ou seja, ela acontece no cotidiano das pessoas e das organizações. Ela é feita a partir dos problemas enfrentados na realidade e leva em consideração os conhecimentos e as experiências que as pessoas já têm (Brasil, 2009).

[...] Pega o pessoal que está direcionado, capacitado, desejoso, ansioso por trabalhar com esse público. (Van Gogh).

[...] é fato, vai acontecer, a gente tem que se adequar a essa realidade, concordando ou não [...] (Newton).

Fizemos um trabalho pontual com muitos profissionais, falamos com muitos médicos que desconheciam o processo dos leitos integrais. (Clarice Lispector).

Os processos de Educação Permanente em saúde têm como objetivos a transformação das práticas profissionais e da própria organização. Propõe que os processos de educação nos serviços de saúde se façam a partir da problematização do processo de trabalho, e considera que as necessidades de formação e desenvolvimento sejam pautadas pelas necessidades de saúde das pessoas e populações (Brasil, 2009).

Como mencionam Fernandes, Silva e Ibiapina (2015) no seu estudo, é necessário que aconteçam mudanças nas disciplinas dos cursos que contemplam a saúde mental. Visto que o modelo assistencial atual, segundo Amarante (2007), sai do arquétipo voltado para o hospital psiquiátrico e passa para um modelo psicossocial, evento que exige dos profissionais de saúde atualização e uma nova prática profissional.

Como referido nos depoimentos, a falta de preparo leva os profissionais de saúde a criar uma resistência quando diz respeito ao atendimento aos usuários de transtorno mental ou decorrente do uso de crack/álcool e outras drogas. Esse fato remete ao desconhecimento e deficiência da prática, muitas vezes decorrente da formação que pouco abrange a saúde mental nos cursos e ao se deparar com a prática profissional tem uma percepção preconceituosa.

Novos olhares, novas técnicas, questionamentos se fazem pertinentes ao analisar o processo de formação dos profissionais de saúde, em especial, no tocante a saúde mental, destacando o reforço desses olhares e técnicas para a construção de outras práticas de saúde, substituindo assim o receio, preconceito e insegurança desses profissionais no atendimento desses usuários do Sistema Único de Saúde (Fernandes et al., 2015, p. 171).

Preconceito

Outra categoria muito representativa nos discursos está voltada para o preconceito que ainda perdura nos dias atuais. Como enfatiza Foucault (2009), o usuário de saúde mental ainda é estigmatizado pelas diferentes representações da loucura que carrega ao longo do tempo, quando era posto à margem da sociedade. “É reconhecido de outro modo [...], delimitado por uma prática sem dúvida ambígua que o isola do mundo. Torna-se ele objeto de uma solicitude e de uma hospitalidade” (Foucault, 2009, p. 121).

O doente mental propriamente dito, aquele que já era atendido todo tempo, ele está aí, ele sempre esteve e vai continuar sendo atendido por todos nós. (Van Gogh).

Porque às vezes esses pacientes nem dá muito trabalho, mas já é rotulado, então eu sinto assim, que não se chega perto do paciente, tem-se muito medo, muitos rótulos em relação a esses pacientes, o desconhecimento [...]. (Lincoln).

Eles querem que esses pacientes sejam inclusos nas mesmas enfermarias, tem horas que não concordo, porque tem paciente agitado, gritando, desorientado e os outros pacientes querem dormir, às vezes estão com dor, você faz a medicação, passou a dor e ele consegue dormir, o outro gritando do lado ele vai conseguir dormir?! Ele não vai. Eu acho que deveria ter uma clínica psiquiátrica só para eles, mas ao mesmo tempo eles precisam ser inclusos, como a educação inclusiva. Eu imagino assim, sei que deve ser incluso, mas tem um paciente que está ali com câncer, com pneumonia, com outro diagnóstico e o paciente com transtorno, todo agitado, não vai deixar o outro dormir, descansar. Então eu acho que deveria ter um lugar para tirar ele da crise, para ele vir ficar aqui com os outros. (Machado de Assis).

A gente viu as dificuldades para lidar com o paciente que tem uma fragilidade tão grande e você precisa se dispor para estar em contato com ele. (Clarice Lispector).

De acordo com Foucault (2009), os usuários de saúde mental são delimitados por uma prática que os isolavam do mundo sem nenhuma relação com a sociedade. Na visão de Goffman (2008), os sujeitos que passam pelo processo de internamento são destituídos da sua singularidade, da sua autonomia, há uma despersonalização do seu eu, este vai aos poucos sendo mortificado e passa a agir de acordo com as regras impostas pela instituição. Nesse processo, o paciente precisa ser acolhido de forma humanizada e se depara muitas vezes com a insegurança da equipe de saúde.

Refletindo acerca do desconhecimento e despreparo profissional relatado nas entrevistas frente a esses usuários, indaga-se o porquê dessa resistência. Corroborando os ideais de Fernandes et al. (2015), esse modo de agir dos profissionais está intrinsecamente relacionado ao comportamento que os usuários apresentam quando estão em crise, pois eles ficam agressivos, desorientados, agitados.

Existem algumas barreiras que dificultam a inserção da psiquiatria em HG, das quais se destacam: a qualificação insuficiente dos profissionais de saúde para o cuidado em saúde mental, [...] o preconceito e o estigma sobre a pessoa com transtorno mental e ainda a falta de estrutura física destes hospitais (Paes et al., 2013, p. 411).

Neste contexto, o despreparo profissional e a estrutura que a instituição proporciona gera esse medo na equipe em lidar com essa clientela.

E eu precisei atender, e tive dificuldade porque o paciente estava contido e às vezes o paciente está agitado e a gente não sabe como lidar e como não tem um médico psiquiatra para acompanhar [...] (Beethoven).

Os leitos estão aí, os funcionários sabem, mas têm um pouco de medo de pacientes psiquiátricos/alcóolatra. Não sei se só por medo ou não tem mesmo a preparação, mas, além disso, tem a questão do rótulo, de ser agitado, então vamos só conter e pronto. (Lincoln).

Trouxeram aquele ator para sensibilização, mas ainda é pouco, tem que ser um trabalho continuado, porque o preconceito existe [...] (Newton).

O hospital psiquiátrico é totalmente diferente daqui, é só paciente psiquiátrico, quando chega um paciente em surto eles vão logo para a sala de medicação e são dopados e tem aqueles profissionais só para eles. (Machado de Assis).

A própria resistência é uma limitação, a resistência dos profissionais de saúde, medo, o próprio imaginário dessa coletividade que acha que qualquer pessoa que tenha transtorno ou que tenha uma síndrome de abstinência vai machucar você, os profissionais de saúde têm esse imaginário, é um medo muito grande de ter um contato com o paciente, o paciente está frágil, ele precisa de acolhimento, mas essa resistência é muito maior do que qualquer outra. (Clarice Lispector).

Nos depoimentos fica claro que já aconteceram momentos de sensibilização da equipe, mas ainda está insipiente, precisa ofertar mais momentos e também considerar as angústias desses profissionais, pois como mencionam Fernandes et al. (2015), o conjunto das partes estando mais apropriado, o cuidado prestado aos usuários de transtornos mental e decorrente do uso de crack/álcool e outras drogas será humanizado e acolhedor.

Como explanam Branco et al. (2013), o usuário interno num hospital geral estará em contato com a sociedade não mortificando seu eu, numa relação de troca e sendo acolhido na sua integralidade. “O conjunto de ações envolvendo os usuários, familiares, profissionais, comunidade, ou seja, todos os seres envolvidos no processo saúde-doença visam alcançar a diminuição de possíveis danos causados pelos transtornos mentais.” (Branco et al., 2013, p. 289).

Em consonância com a ideia de Amarante (2007), é imprescindível que existam dispositivos que possibilitem o acolhimento desses usuários em crise. E que as pessoas envolvidas possam propagar suas dificuldades, desconhecimentos e suas expectativas, pois como mencionado nas entrevistas, a família também faz parte desse processo e precisa ser acolhida nas suas fragilidades.

Rede de Atenção Psicossocial e Integralidade da Atenção

Diante do panorama das entrevistas, também foram apontados aspectos relacionados à reorganização dos serviços de base territorial, pois ainda existe o desconhecimento e as limitações para receber esses usuários na sociedade.

A gente percebe que a rede está desinformada, incapacitada, porque os outros municípios ligam e a fala do profissional é essa, mas o hospital não tem os leitos integrais, o paciente em surto manda para cá e é para ficar, não é para ser atendido, medicado e liberado. Essa é a visão de muitos profissionais, dos CAPS e até dos outros municípios, é que o paciente vem e vai ficar. E a gente sabe que não é só o hospital, tem também nos outros municípios, que vão dispor dos leitos integrais. Mas assim, eu só acho que esse debate já devia ter acontecido antes da assinatura da portaria. (Newton).

A gente vai conseguindo fazer com que os profissionais de saúde compreendam essa importância de uma Rede de Atenção à Saúde dentro de um hospital, que se chamam leitos integrais. Na verdade são os processos de trabalho que vão ser modificados a partir de um equipamento de saúde dentro de um hospital geral, mas assim, não se vê ainda a grandeza do leito integral dentro desse processo. (Clarice Lispector).

De acordo com a Portaria 3088/2011, a Rede de Atenção Psicossocial vem instituir a criação, ampliação e articulação de pontos de atenção à saúde para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas. Para que a mudança acontecesse de forma efetiva, os serviços foram redirecionados para o sistema ambulatorial, visando à implantação acelerada da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) nos territórios (Brasil, 2001). O novo modelo assistencial estabelece a priorização de acabar com o limítrofe à exclusão social, estabelecido nos hospitais psiquiátricos, imposto pelo modelo anterior e alcançar resultados maiores, contemplando o sujeito na sua integralidade (Brasil, 2011a).

[...] tem que trabalhar nas escolas, trabalhar dentro da sociedade [...] (Van Gogh).

A rede precisa ser estruturada, porque não adianta fechar o hospital psiquiátrico - HP se a rede não está estruturada. Porque é o entendimento de muita gente é que o HP vai fechar e o hospital vai ter que assumir, porque os municípios não estão preparados. Porque quando falou o ano passado na portaria, no início foi todo mundo desesperado e o HP ainda aberto, então realmente para o HP fechar a rede tem que está estruturada, senão é aquela história, o HP tem as falhas, aquilo não é lugar para ninguém permanecer, estou falando assim porque a gente sabe das deficiências do HP, mas se fechar e essa família não encontrar apoio no seu município, vai ter muito paciente de transtorno na rua. (Newton).

A gente teve uma fala de um residente (que não é desse hospital) que dizia assim: a RAPS não existe, por alguns meses a gente lutou para que essa realidade da fala desse residente não fosse a realidade, mas sabemos que ele entende os processos como todo mundo entende. Então, não é uma imposição, é uma conquista. (Clarice Lispector).

A Rede de Atenção Psicossocial possui vários serviços que funcionam no território, dessa forma, surge a necessidade dos hospitais gerais inserirem no seu modelo assistencial leitos de atenção integral para pacientes de saúde mental; “como parte das demandas e fluxos assistenciais na Região de Saúde, potencializando ações de matriciamento, corresponsabilidade pelos casos e garantia da continuidade do cuidado” (Brasil, 2012, art. 2, inciso II).

Na minha opinião é uma necessidade no momento que esse público seja atendido da forma que eles precisam ser atendidos. (Van Gogh).

Faz-se necessário a reforma porque como está não dá para continuar, o usuário sendo visto só pelo seu transtorno, não é visto na sua integralidade, assim não dá para continuar, tem que ter, a reforma tem que acontecer, o paciente tem que ser visto integralmente [...] (Newton).

Esses processos de trabalho, eles precisam ser compreendidos por cada profissional de saúde que esteja lá, que não somos nós que estamos impondo, mas é um processo que é necessário. (Clarice Lispector).

A Lei Orgânica da Saúde 8080/1990 define integralidade da assistência como um “conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema” (Brasil, 1990, p. 3). É um processo complexo, mas que necessita construir um trabalho transdisciplinar para multiplicar os recursos disponíveis em cada território, consiste ainda, em voltar o olhar para a totalidade do indivíduo e articular os diferentes cuidados (Feitosa, Silva, Silveira & Santos Junior, 2012; Paes et al., 2013).

Dessa forma, com o estabelecimento da Rede de Atenção Psicossocial implanta-se um modelo assistencial voltado para as bases territoriais que oferece não apenas um processo de desospitalização manicomial, mas a ruptura com paradigmas vigentes. O leito de atenção integral é do modelo assistencial hospitalar, mas que tem em seu bojo a lógica do território e não a asilar, e quando acionados, ativam imediatamente a rede municipal à qual o sujeito pertence para ter a continuidade do cuidado, tendo como perspectiva o cuidado integral do sujeito e não a doença em si (Brasil, 2012; Paes et al., 2013).

O Ministério da Saúde traça alguns dispositivos necessários para garantir um acolhimento aos usuários de saúde mental ao sair dessas instituições, tais como: Serviços Residenciais Terapêuticos, Programa de Volta para Casa, entre outros. Pretendem proporcionar a inclusão social dos sujeitos em sofrimento psíquico, sendo fundamentais para reinserir esses sujeitos na sociedade. (SUS/CNS, 2010).

Na percepção dos profissionais a inserção do hospital geral na rede de serviços é de suma importância desde que exista a articulação com a rede psicossocial, mas para isso a gestão exerce um papel fundamental, pois deve ser facilitadora para que os processos de trabalho funcionem da maneira adequada. “Os hospitais precisam se adaptar a essa clientela, pois para que a reforma seja satisfatória são necessárias muitas mudanças nestes ambientes, mudanças por parte dos profissionais, gestores e até mesmo do espaço físico da unidade” (Fernandes et al., 2015, p. 167).

O Papel da Gestão

Com um olhar mais amplo os participantes da pesquisa percebem que para se estruturar a implantação dos leitos de atenção integral, é necessário que a gestão assuma um papel mais enfático, e como explicitado nas falas deve ter uma postura mais próxima e direta no monitoramento e acompanhamento das ações referentes à organização do serviço.

As meninas são umas guerreiras, que estão na equipe, que vive se esforçando para tentar, mas eu acho que elas têm que ter uma força maior da gestão, de ter um apoio maior, que elas sozinhas não vão conseguir trabalhar isso, por isso que ainda está muito disperso esse trabalho com leitos integrais. Eu acho que se tivesse uma coisa assim, séria, da gestão querer, de cobrar, teria mais envolvimento. (Lincoln).

A nossa gestão é falha na medida da limitação dela, talvez ela queira mais e não consiga. A gente está trabalhando com o processo de gestão SUS, então o gestor ele precisa criar os processos de compreensão, de convivência de todos os processos, a gente está no processo de construção, inclusive quando a gente compreende que o processo é importante para o serviço, que qualifica o serviço, traz outros processos atrelados a ele. (Clarice Lispector).

Vale ressaltar que pela Portaria 4.279/2010 sobre Redes de Saúde é contemplada esta ideia de que o cuidado inicia-se também pela gestão dessas redes: as coordenações necessitam de autonomia, os secretários municipais de saúde precisam apoderar-se das necessidades das comunidades e dos sujeitos, além de contemplar a “gestão do cuidado” não apenas na dimensão política dos gestores, mas também nas tomadas de decisão desses profissionais que estão na assistência como representando esse cuidado sendo conduzido por essa aproximação (Brasil, 2010).

Como elucida Grabois (2011), a gestão do cuidado transcorre por todos os âmbitos e tem o foco ligado tanto num material específico, como também no percurso que o usuário permeia ao utilizar do serviço de saúde. Quando se pensa atualmente em oferecer um cuidado de qualidade vai muito além da técnica. Abordar o paciente voltando o olhar para as diferentes dimensões, perpassa muito mais do que o material ou o profissional que está ali. Abrange uma série de recursos que exige uma percepção focada no planejamento, por esse motivo o papel que o gestor exerce contribui consideravelmente para os processos de trabalho.

Tinha que ser uma coisa de gestão, vai ter que ter uma capacitação aqui, então todos os profissionais, é obrigatório a fazer, são profissionais do hospital, vão receber o paciente psiquiátrico, de álcool e droga, então tem que saber trabalhar com esse paciente. (Lincoln).

Mesmo não sendo um técnico da área de saúde, ele é um administrador, o gestor compreende que esses processos são importantes, mas às vezes existem limitações, mas não é de um lado, mas de todos os aspectos. A gente está tentando fazer com que se compreendam mais esses processos, para que possa realmente entender a importância da legitimação. (Clarice Lispector).

Portanto, o gestor da instituição hospitalar (dentro da sua função) tem um papel importante para possibilitar esse cuidado nos leitos integrais. Tão importante quanto os trabalhadores de saúde que estão no processo de trabalho, que permite as tomadas de decisões baseadas nas necessidades do usuário do Sistema Único de Saúde. Quando se remete a um cuidado exercido com qualidade focado nas singularidades de cada usuário, o processo passa a ser mais participativo, implicando a construção de todos, ou seja, um cuidado efetivado com gestão compartilhada. Em Grabois (2011, p. 162), “pode-se refletir uma discussão mais ampla dos trabalhadores envolvidos no cuidado, de forma que a avaliação possa gerar maior comprometimento na melhoria dos processos de trabalho”.

Nesse ínterim, para que esse processo de construção dos leitos integrais ganhe força é preciso que todos se envolvam e que realmente esse modelo de cogestão seja favorável para produção de mudança. Pois, a partir do momento que o profissional também compartilha ele está contribuindo para novos modos de organização das instituições de saúde. Atrelado a esse processo de gestão participativa novos atores se inserem e o processo ganha uma configuração coletiva com possibilidades de troca e enriquecimento da instituição (Brasil, 2011c; Freire, Rodrigues, Silva, Melo & Vilar, 2014).

Portanto, o desfecho desse processo de construção coletiva incorpora o depoimento de um entrevistado para demonstrar o quanto a saúde mental tem conquistado cada vez mais seu espaço na Rede de Atenção Psicossocial. Mesmo que, de maneira vagarosa o usuário de transtorno mental ou com sofrimento psíquico decorrente do uso de crack/álcool e outras drogas tem se apropriado cada vez mais do seu território. “Essa questão precisa de reformulação, pois o sofrimento psíquico precisa que se construam novos espaços de atenção.” (Fernandes et al., 2015, p. 168).

Isso é um processo de conquista, mas não é muito fácil você precisar trabalhar de forma interdisciplinar quando o serviço ainda tem uma percepção da especialidade, essa formação tradicional que foi da faculdade, que é de base, que é difícil, que é uma cultura. Às vezes você faz com que o outro se sinta invadido, o outro se sinta na sua percepção imaculado, mas é um processo rico, um processo lindo, que vai modificando o serviço, os processos de trabalho. (Clarice Lispector).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerar que existe a necessidade de uma reforma nos parâmetros que lidam com a saúde mental, é mais do que visível. As leis que legitimam uma assistência, aos usuários com transtorno mental, voltada para a rede psicossocial mostram como esses dispositivos em articulação com os outros equipamentos da rede podem trazer e propiciar a autonomia e a inserção dessas pessoas na comunidade. Conforme o que foi analisado nas entrevistas, algumas limitações perpassam na efetivação dos novos dispositivos inseridos para acolher o usuário de transtorno mental e sofrimento psíquico ou decorrente do uso de crack/álcool e outras drogas.

Não obstante, os profissionais percebem a importância e os benefícios que a assistência prestada nos dispositivos dentro da Rede de Atenção Psicossocial dos usuários traz. Quando se referem aos leitos de atenção integral em hospitais gerais, as limitações estão atreladas a falta de estrutura física, ao despreparo profissional, ao preconceito, ao funcionamento da rede e também a falta de apoio da gestão.

Assim, esta pesquisa, ao evidenciar a importância da implantação dos leitos de atenção integral a partir da compreensão dos profissionais de saúde de um hospital regional no município de Garanhuns - PE implicados no processo, buscou identificar a necessidade de qualificação para acolher os usuários que procuram o serviço, além do fortalecimento da rede. Por outro lado, evindenciou que a instituição hospitalar precisa estar preparada na sua estrutura para atender essas pessoas, visto que existe uma alteração na rotina hospitalar e que há acréscimo na carga horária de trabalho para os profissionais que são destinados a cuidar desta demanda.

Mas a proposta dos leitos integrais é de fundamental importância, principalmente quando funciona em articulação com a rede de serviços, pois dessa forma oferece um cuidado que abrange o indivíduo na sua integralidade. Consonante ao modelo psicossocial, o trabalho deve ser desenvolvido de maneira horizontal para que o indivíduo seja cuidado e acolhido de forma holística.

Como percebido, esse processo aos poucos ganha espaço e requer o envolvimento de diversos atores, para que realmente funcione de acordo com a proposta da Rede de Atenção Psicossocial. A família, a comunidade, os profissionais de saúde e o próprio usuário estão envolvidos no processo, visando diminuir os estigmas e percepções depositadas às pessoas com transtornos. Por isso é necessário que sejam desenvolvidas ações que integrem e insiram essas pessoas na sociedade, na tentativa de amenizar o preconceito existente e articular serviços de acolhimento psicossocial.

Espera-se que este estudo tenha possibilitado a abertura para novas reflexões acerca do tema para o meio social, hospitalar e acadêmico, podendo ser tomado como aporte teórico para profissionais das diversas áreas da saúde, como também para pessoas que apresentam interesse pela temática. Ampliando as concepções no que se refere à saúde mental e contribuindo para que a sociedade em geral possa voltar olhares diferenciados para essa população, não a estigmatizando nem a excluindo socialmente.

 

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Endereço para correspondência
E-mail: mirelle.burgos13@gmail.com

 

 

1Escola de Governo em Saúde Pública de Pernambuco – Residência Multiprofissional do Hospital Regional Dom Moura, Brasil.
2Universidade de Pernambuco – Campus Garanhuns, Brasil.
3CAPS Entre Rios- Secretaria Municipal de Saúde de Paranatama (PE), Brasil.

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