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Psicologia Hospitalar

versão On-line ISSN 2175-3547

Psicol. hosp. (São Paulo) vol.14 no.1 São Paulo jan./jun. 2016

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

Utilização da versão brasileira do inventário de estratégias de coping em pesquisas da área da saúde

 

Using the Brazilian version of the ways of coping questionnaire in researches of health

 

 

Mariângela Gentil SavoiaI,II1; Ricardo Daud AmaderaII2

IInstituto de Psiquiatria, Universidade de São Paulo - Brasil.
IIConscientia Psicologia - Brasil.

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O inventário de Estratégias de Coping criado por Folkman e Lazarus em 1984 avalia pensamentos e ações que as pessoas utilizam para lidar com demandas internas ou externas de um evento estressante específico. Este Inventário foi adaptado e validado para a língua portuguesa. O objetivo do presente estudo é verificar as áreas em que esta adaptação vem sendo utilizada. Foi realizada uma revisão da literatura das pesquisas em que a versão brasileira do Inventário foi utilizada como instrumento de coleta de dados. Foram incluídos 92 estudos e avaliados 8291 sujeitos. O Inventário de Estratégias de Coping foi utilizado no Brasil em muitas pesquisas relacionadas ao estresse e coping nos mais diferentes segmentos da saúde. Foi usado também em pesquisas com foco no estresse de algumas profissões. Desta forma, já foi aplicado a um número expressivo de sujeitos, consolidando-se como um dos instrumentos mais adotados nas pesquisas brasileiras sobre coping.

Palavras-chave: Estratégias de Enfrentamento, Estresse, Instrumento de Pesquisa.


ABSTRACT

The Ways of Coping Questionnaire created by Folkman and Lazarus in 1984 evaluates thoughts and actions that people use to deal with internal or external demands of a specific stressful event. This inventory was adapted and validated for the Portuguese language. The aim of this study is to determine the areas in which this adaptation has been used. A literature review of the research in which the Brazilian version of the Inventory was used, was performed as data collection instrument. 92 studies were included and 8291 subjects were evaluated. The Ways of Coping Questionnaire was used in Brazil in many researches related to stress and coping in different segments of health. It was also used in researches focusing on the stress of some professions. Thus, it has been applied to a large number of subjects, consolidating its position as one of the instruments most adopted in the Brazilian researches on coping.

Keywords: Coping, Stress, Research Tool.


 

 

INTRODUÇÃO

Denomina-se coping as habilidades para o domínio e adaptação às situações de estresse. Na literatura os autores preferem falar em estratégias ou processo de coping, em vez de respostas de coping (Lazarus & Folkman, 1984; Moss &  Billings, 1982; Ray, Lindop & Gibson,1982).

O inventário de Estratégias de Coping criado por Folkman e Lazarus em 1984 avalia pensamentos e ações que as pessoas utilizam para lidar com demandas internas ou externas de um evento estressante específico. O questionário centraliza-se no processo de coping em uma dada situação particular e não no coping como estilo geral de enfrentamento ou traços de personalidade. Assim, cada situação é que determina o padrão de estratégias de coping e não variáveis pessoais.

Folkman e Lazarus (1980, 1985) elaboraram duas formas de avaliação para esta escala. A primeira é derivada de um estudo de eventos estressantes relatados por uma amostra de 75 casais de meia-idade que relataram como lidavam com eventos da vida diária. A segunda é derivada de uma amostra de estudantes frente a um exame acadêmico. Exceto quando a investigação envolva estudantes e exames acadêmicos, os autores sugerem que se utilize a primeira versão por ter sido construída a partir de uma amostra maior de sujeitos e com diferentes eventos estressantes.

Estão disponíveis versões para português do Brasil (Savoia, Santana & Mejias, 1996) e de Portugal (Ribeiro & Santos, 2001). Na adaptação para o português no Brasil, pretendeu-se uma utilização mais abrangente para esse instrumento, optando-se então por construir uma escala semelhante à primeira, que consiste em 8 diferentes "fatores", sugeridos pela análise fatorial dos itens utilizados. Fator 1 – confront; Fator 2 – afastamento; Fator 3 – autocontrole; Fator 4 - suporte social; Fator 5 - aceitação de responsabilidade; Fator 6 - fuga-esquiva; Fator 7 - resolução de problemas;  Fator 8 - reavaliação positiva. Cada fator avalia a extensão com que um sujeito utiliza determinada estratégia de coping.

O Inventário de estratégias de coping foi utilizado primeiramente para pesquisas que exploram o papel do coping na relação entre estresse e resultados adaptativos.  É composto de 66 itens que abrangem os oito fatores avaliados. Cada fator representa um tipo de estratégia frente a uma determinada situação. A recomendação para o uso do questionário é abrangente, incluindo indivíduos da comunidade e pacientes psiquiátricos a partir de 16 anos.

O questionário pode ser aplicado por entrevistador ou autopreenchido. Uma situação de estresse é eleita e o sujeito avalia as estratégias que utilizou naquela situação específica.  O indivíduo indica em uma escala tipo Likert ordinal de 4 pontos a frequência com que usa cada estratégia, sendo que os escores mais altos representam uma maior utilização da mesma. Geralmente o tempo de preenchimento do Inventário é de 10 minutos para uma situação estressante específica escolhida. Esta situação pode ser qualquer uma em que o sujeito se sentiu estressado por algo que aconteceu ou porque teve que fazer um esforço considerável para lidar com ela. Os autores relataram boa confiabilidade (coeficiente alpha de Cronbach) para os 8 fatores.
Na versão brasileira foi realizada a verificação da adequação da tradução para o português, em seguida a verificação da validade, da confiabilidade (por dois métodos diferentes), da consistência interna. Há correspondência entre a versão original em inglês e a sua tradução para o português, os sujeitos responderam ao questionário de maneira coerente, o instrumento tem boa estabilidade temporal e boa consistência interna.

O Inventário de Estratégias de Coping foi utilizado no Brasil em muitas pesquisas relacionadas ao estresse e coping nos mais diferentes segmentos da saúde. É relevante identificar as áreas em que vem sendo utilizado, para que os profissionais das mesmas possam usá-lo na prática clínica com mais confiança, principalmente se o número de sujeitos ao qual o inventário foi aplicado for expressivo. O objetivo do presente estudo é verificar as áreas em que este inventário vem sendo utilizado.

 

METODOLOGIA

Foi realizada uma revisão da literatura das pesquisas em que a versão brasileira do Inventário foi utilizada. A busca dos estudos foi realizada entre os meses de abril e maio de 2015.

a) CRITÉRIOS DE INCLUSÃO
Quaisquer artigos científicos que utilizassem a Adaptação do inventário de estratégias de coping de Folkman e Lazarus para o português realizado por Savoia e col. (1996) como um de seus instrumentos de avaliação.

b) CRITÉRIOS DE EXCLUSÃO
Artigos que não foram encontrados em sua íntegra mesmo após o contato com os autores para disponibilizá-los.

c) ESTRATÉGIA DE BUSCA EM BASES DE DADOS ELETRÔNICAS
Foram pesquisadas as seguintes bases de dados para a identificação dos artigos a serem incluídos: Web of Science, PubMed, PsycInfo e Lilacs.

Uma estratégia de busca para cada base de dado foi utilizada segundo as ferramentas de busca disponíveis.

 

 

 

 

Web of Science

Pesquisa realizada através da ferramenta “pesquisa de referência citada” em conjunto com “autor citado” (SAVOIA, MG) na procura dos 4 artigos que podem ser utilizados para ser encontrada a adaptação do inventário.

 

d) CONTATO COM OS AUTORES
Foram solicitados por e-mail os textos completos que não foram encontrados nas bases de dados (só disponibilizavam o resumo).

e) OUTRAS FONTES
Google acadêmico, através da ferramenta “busca por citação” da mesma forma que foi realizada a pesquisa na Web of Science.

FLUXOGRAMA
Total de artigos encontrados com a estratégia de busca

 

RESULTADOS

Foram encontrados 102 estudos que utilizaram a versão brasileira do Inventário de estratégias de coping de Folkman e Lazarus (Anexo A).

Desde a publicação do artigo em 1996 até 2011 houve um aumento praticamente contínuo no número de artigos publicados que utilizaram o Inventário. A partir de 2011 houve um decréscimo (Figura 1).

 

A maioria das revistas são nacionais, mas encontramos um número expressivo de revistas internacionais, bem como teses e dissertações de mestrado (Tabela 1).

 

A maioria das publicações encontra-se nas revistas de Psicologia, seguidas pelas de enfermagem e medicina (Tabela 2).

 

Com relação à metodologia utilizada nas investigações encontrou-se, na grande maioria dos estudos, a metodologia transversal, 57, mas também foram realizados 8 ensaios clínicos e um ensaio clínico randomizado (Tabela 3).

 

O estressor selecionado estava relacionado a doenças físicas (hospital geral), psiquiátricas (saúde mental), aos cuidadores, desta população – preocupação com o impacto da doença no profissional de saúde, outras como motoristas de ônibus, profissionais da área de TI, gestores de universidade e outros estressores como relacionamento entre adolescentes, diferenças culturais (entre cariocas e portugueses na utilização de estratégias de coping em situações de intimidade) e um episódio de descarrilamento de um trem (Tabela 4).

 

Do total das publicações foram avaliados 8291 sujeitos.

 

DISCUSSÃO

Encontrou-se 102 artigos que utilizaram o Inventário no Brasil no período pesquisado. É interessante notar que a busca realizada no Pubmed foi a que mais apresentou estudos excluídos e é a mais abrangente ou seja, menos efetiva e por isso obteve muito mais resultados do que nas outras bases de dados, tanto em números absolutos de artigos, quanto de artigos que sequer faziam parte de nosso interesse. Na base de dados PubMed algumas funções de estratégias de busca não estão contempladas como a função “país como afiliação”, que só existe nas bases de dados eletrônicas Lilacs e psycINFO. Também não existe a função "pesquisa de referência citada" no PubMed, que só existe no Web of Science. Nas bases de dados eletrônicas Web of Science e Google Acadêmico a porcentagem de artigos incluídos na pesquisa com relação ao encontrado pela estratégia de busca foram as maiores justamente por haver em seu sistema mais opções de busca compatíveis com a necessidade do nosso estudo, restrito a publicações no Brasil.

Dentre os 102 artigos incluídos verifica-se a utilização deste inventário em diversos segmentos da área da saúde no Brasil em muitas pesquisas relacionadas ao estresse e coping. Pesquisas com foco em doenças como câncer (infantil, de mama, gênero, entre outros), hepatite C, AIDS, psoríase, hemodiálise, pós-operatório e em transtornos mentais tais como depressão pós parto, transtorno de pânico e transtorno de estresse pós-traumático, demonstrando a sua acurácia na identificação das estratégias de coping nestas populações.

Foi usado também em pesquisas com foco no estresse de algumas profissões, tais como professores, enfermeiros, enfermeiros oncológicos e juízes, além de áreas como psicologia do esporte, religião e qualidade de vida.

A confiabilidade do instrumento aumenta com a aplicação de um número expressivo de sujeitos, 8291, consolidando-se como um dos instrumentos mais adotados nas pesquisas brasileiras sobre coping, fortalecendo a sua adaptação para português. A adaptação de instrumentos psicológicos é uma tarefa complexa, que exige planejamento e rigor quanto à manutenção do seu conteúdo, é necessário comprovar tanto as evidências acerca da equivalência semântica dos itens quanto as evidências psicométricas da nova versão do instrumento. Não menos importante, a adaptação engloba a adequação cultural, ou seja, o preparo deste para seu uso em outro contexto (Borsa, Damásio & Bandeira, 2012). Após alguns anos de uso do instrumento pode-se verificar quanto ele vem sendo utilizado, o que pode vir a ser mais um passo na validação transcultural.

Embora desenvolvido para avaliar primeiramente coping como processo, este inventário pode ser utilizado para avaliar disposição ou estilo. O instrumento pode também avaliar os estilos de coping por expressão de traços, por exemplo, referindo-se como um indivíduo usualmente responde ou tipicamente responderia a certas situações estressantes. Nesse caso, as propriedades psicométricas deveriam ser estabelecidas novamente.

Outras utilizações são possíveis para o inventário como, por exemplo, um estímulo para discussão na clínica, treinamento ou workshops. Outra possibilidade seria a utilização do inventário como instrumento de pesquisa em amostras clínicas, por exemplo, quais estratégias são utilizadas em determinadas patologias, ou em medir os efeitos das intervenções.

Não foi realizada uma avaliação das pesquisas que utilizaram o Inventário de Estratégias de Coping como seria esperado em uma revisão, o que pode ser apontado como uma limitação deste trabalho. Não estava dentro dos objetivos propostos, mas seria interessante verificar qual o design metodológico dos estudos que utilizam o Inventário.

Os resultados aqui obtidos reforçam a importância de que sejam realizadas pesquisas sobre inventários, a fim de buscar avaliar a sua utilização, propiciando a caracterização dos sujeitos envolvidos e das suas áreas de alcance.

 

REFERÊNCIAS

Borsa, J.C., Damásio, B.F., Bandeira, D.R. (2012). Adaptação e validação de instrumentos psicológicos entre culturas: algumas considerações. Paidéia, 22: 53.         [ Links ]

Folkman, S., Lazarus, R.S. (1980). An analysis of coping in a middle-aged community sample. Journal of Health and Social Behavior, 21: 219-239.         [ Links ]

Folkman, S., Lazarus, R.S. (1985). If it changes it must be a process; A study of emotion and coping during three stages of a college examination. Journal of Personality and Social Psychology, 48:150-170.         [ Links ]

Lazarus, R., Folkman, S. (1984). Stress appraisal and coping. Springer Publishing, Company, New York.         [ Links ]

Moss, R.H., Billings, A. (1982). Conceptualizing and measuring coping resources and process. In: Goldberger,L., Breznitz, S., eds. Handbook of stress: theorical e clinical aspects. New York, Free Press, p. 212-30.         [ Links ]

Ray, C., Lindop, J., Gibson, S. (1982). The Concept of Coping. Psychological Medicine,198,2 12: 385-395.         [ Links ]

Ribeiro, J.P., Santos, C. (2001). Análise Psicológica, 19, 4:491-502.         [ Links ]

Savoia, M.G. Santana, P., Mejias, N.P. (1996). Adaptação do inventário de estratégias de coping de Folkman e Lazarus para o português. Rev Psicol USP, 6: 183- 202.         [ Links ]

 

ANEXO A - ESTUDOS INCLUÍDOS E ANALISADOS

 

 

 

 

 

 

Endereço para correspondência
E-mail: mariangela@conscientia.com.br

 

 

1Programa Ansiedade – Instituto de Psiquiatria – HCFMUSP e Conscientia Psicologia – Núcleo de Estudos de Comportamento e Saúde Mental, São Paulo, Brasil.
2Conscientia Psicologia – Núcleo de Estudos de Comportamento e Saúde Mental, São Paulo, Brasil.

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