SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.14 número2O desenho como recurso simbólico no tratamento psicológico de uma criança com dermatite atópicaEstresse e coping em vítimas de acidente de trânsito hospitalizadas índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Psicologia Hospitalar

versão On-line ISSN 2175-3547

Psicol. hosp. (São Paulo) vol.14 no.2 São Paulo jul./ago. 2016

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

Pacientes com limitação na comunicação verbal: prática do psicólogo na UTI

 

Patients with limitation on verbal communication: practice of psychologist in ICU

 

 

Bruna Rafaela de Assis Ortiz1; Fabiana Faria GiguerI2; Luciana Suárez GrzybowskiI3

ISanta Casa de Misericórdia de Porto Alegre, Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre - Brasil.

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo tem por objetivo apresentar recursos técnicos e manejos utilizados por psicólogos na UTI, com pacientes impossibilitados de se comunicar verbalmente. Foi realizada uma revisão integrativa de artigos da literatura nacional nas bases PePSIC, SciELO e LILACS, sobre os recursos utilizados por psicólogos em sua prática com pacientes nestas condições. Utilizou-se dos descritores Psicólogo, Psicologia Hospitalar, Terapia Intensiva. Encontraram-se 1117 artigos, restando quatro para análise, após aplicação dos critérios de exclusão. Complementou-se a pesquisa com a inclusão de livros nacionais sobre Psicologia Hospitalar. Encontrou-se dez livros, incluindo-se seis que apresentaram capítulos com o foco deste trabalho. Observou-se a indicação de instrumentos técnicos de apoio, de códigos de comunicação e uso da expressão corporal, além da necessidade de maior comunicação entre equipe e familiares, como recursos interventivos. Contudo, existem poucas publicações sobre o tema abordado, o que exige maior criatividade do psicólogo para trazer alívio às angústias destes pacientes.

Palavras-chave: UTI, Psicologia, Comunicação não verbal.


ABSTRACT

This study aims to present the technical resources and management used by psychologists in the ICU, with patients unable to communicate verbally. There was performed an integrative review from the national literature, based on PePSIC, SciELO and LILACS about the resources used by psychologists in their practice with patients under these conditions. We used the key words: Psychologist, Hospital Psychology and Intensive Care. We found 1117 articles, remaining four for analysis, after applying the exclusion criteria. The research was complemented with the inclusion of national books on Hospital Psychology. We found ten books, including six that presented chapters with the focus of this work. We observed the indication of technical support tools, communication codes and the use of corporal expression, as well as the need for greater communication between team and family members, as intervention resources. However, there are few publications on the topic addressed, which requires greater creativity of the psychologist to bring relief to the anguish of these patients.

Keywords: ICU, Psychology, Nonverbal communication.


 

 

1. INTRODUÇÃO

A Unidade de Terapia Intensiva (UTI) é uma ala hospitalar destinada aos pacientes graves que necessitam de atenção especializada a partir de um suporte tecnológico diferenciado. Seu objetivo principal é restabelecer o funcionamento de um ou vários sistemas orgânicos, gravemente alterados, até que a patologia que motivou a internação seja compensada, ou que seus parâmetros fisiológicos atinjam níveis aceitáveis (Brasil, 2010; Pregnolatto & Agostinho, 2014).

Sabe-se que estes pacientes estão expostos a inúmeras fontes de desconfortos como cateteres, tubos, iluminação artificial, alarmes e ruídos. Muitos têm sede, fome e precisam permanecer imóveis por longo tempo (Park, Pires Neto & Nassar Junior, 2014). Além disso, questões relacionadas à ruptura de atividades sociais, ao afastamento prolongado de pessoas significativas e à insegurança diante dos procedimentos clínicos estimulam o surgimento de reações que podem variar entre tristeza, choro, medo, desorientações, euforia e apatia (Vigueras, 2014). A depender da capacidade de enfrentamento para o estresse eliciado pelo ambiente, o indivíduo pode desenvolver sérios prejuízos em seu estado emocional (Filgueiras, Rodrigues & Benfica, 2010).

A UTI recebe pacientes pós-cirúrgicos ou gravemente enfermos, mas com possibilidades de recuperação (Pregnolatto & Agostinho, 2014). Conforme a evolução clínica, alguns indivíduos poderão recobrar rapidamente o comprometimento sistêmico, outros evoluirão gradativamente ao óbito, mas parte destes indivíduos pode passar por um longo tempo de internação. A necessidade de intervenções para solucionar o comprometimento orgânico, muitas vezes, resulta em novos problemas temporários para o indivíduo, como a limitação da comunicação oral (Barros, Portas & Queija, 2009). Isto ocorre em casos de lesões neurológicas, traumatismos cranioencefálicos, tumores cerebrais e até insuficiência respiratória, que poderão gerar a necessidade de um tubo orotraqueal ou de uma traqueostomia para auxiliar a respiração do paciente (Barros et al., 2009; Martinho & Rodrigues, 2016).

Diversos estudos revelam que pacientes que estiveram inabilitados de sua comunicação oral relataram sentir-se frustrados com esta limitação durante o uso de aparelho de suporte ventilatório (Cook, Meade & Perry, 2001; Souza, 2009), principalmente quando tais pacientes se encontravam com a consciência preservada (Bitencourt et al., 2007). Neste caso, foi considerada a importância do uso de dispositivos auxiliares de comunicação que oferecessem o suporte para a expressão (Souza, 2009).

Na pesquisa realizada por Dias, Resende e Diniz (2015), com 60 pacientes internados em UTIs, a incapacidade para falar foi destacada como importante causa de desconforto e estresse. De fato, tal situação encontra-se entre os dez maiores geradores de estresse aos indivíduos internados neste ambiente, sendo citados: “sentir dor”, “estar incapacitado para exercer o papel na família”, “estar aborrecido”, “não conseguir dormir”, “ter preocupações financeiras”, “não ter controle sobre si mesmo”, “não conseguir se comunicar”, “ouvir pessoas falando sobre você”, “medo de pegar AIDS” e “ver a família e amigos apenas por alguns minutos por dia”.

Outro trabalho mais contemporâneo (Martinho & Rodrigues, 2016), realizado em Portugal, numa Unidade de Cuidados Intermediários (UCI), com 31 pacientes internados, recém extubados, apresentou a percepção dos participantes acerca de sua experiência comunicacional no período da intubação. Grande parte dos sujeitos considerou como “muito difícil” ou “extremamente difícil” o fato de estar intubado, principalmente quando precisavam falar sobre suas necessidades físicas, expressar seus sentimentos e pensamentos, fazer-se entender sem ser capaz de falar, se comunicar com a equipe local, dentre outras situações.

 Sendo a comunicação um elemento fundamental para a vida humana, sua restrição afeta a capacidade do paciente expressar as suas dificuldades, necessidades e garantir a sua autonomia diante da hospitalização (Gusmão, 2012). Na UTI, muitos profissionais envolvidos na assistência ao paciente impossibilitado da fala enfrentam dificuldades para lidar com estes indivíduos, pois a ausência da fala traz novos desafios para o cuidar (Inaba, Silva & Telles, 2005). Assim, a incapacidade para a comunicação é frustrante não somente para o paciente e sua família, mas também para a equipe, pois esta percebe a fala como o instrumento necessário para tornar o cuidado mais humanizado (Oliveira, Oliveira, Lucchese, Alvarenga & Brasil, 2013).

No que tange ao trabalho do psicólogo neste contexto, percebe-se que um dos principais desafios da psicologia hospitalar tem sido fundamentar e desenvolver técnicas de intervenção psicológica que atendam demandas específicas de ambientes hospitalares diferenciados e de pacientes em condições especiais (Caiuby & Andreolli, 2005; Caiuby, 2013; Torezan, Calheiros, Mandelli & Stumpf, 2013). O psicólogo encontra-se neste ambiente também para intermediar as situações que acometem o doente, para garantir a qualidade da comunicação existente entre paciente, família e equipe, como também para auxiliar na promoção do ideal de humanização, zelando pelo bem-estar psíquico destes pacientes internados.

Sabe-se que a psicologia na UTI é um campo relativamente novo, sendo reforçada pelo movimento de humanização da saúde, o qual amplia o conceito de saúde, pois considera a qualidade de vida do indivíduo e busca valorizá-lo em todas as suas dimensões (Ministério da Saúde, 2010). Tradicionalmente, este profissional costuma assistir ao paciente e atender aos fatores que influenciam na sua estabilidade emocional, como orientar e informar as rotinas da UTI, analisar sua adaptação à hospitalização, avaliar o estado psíquico do doente e favorecer sua compreensão sobre o diagnóstico. Deste modo, um dos objetivos da prática do psicólogo intensivista seria minimizar o sofrimento provocado pela internação hospitalar (Caiuby & Andreolli, 2005; Gusmão, 2012).

Entretanto, diante dos casos de doentes críticos, que possuem uma limitação verbal, é necessário que este profissional tenha maior flexibilidade para desenvolver a sua prática, pois a técnica centrada exclusivamente na fala e na escuta torna-se obsoleta e sem efetividade (Filgueiras et al., 2010). Apesar disso, poucos são os trabalhos que focam nas formas de intervenção do psicólogo em contexto de UTI e com pacientes limitados de se comunicar verbalmente. Refletir sobre o manejo profissional torna-se fundamental para aprimorarmos as práticas neste setor. Deste modo, o olhar, o cuidar e o ouvir podem trazer de volta a humanidade que essas pessoas perderam devido à hospitalização (Fitch, 2006).

Assim, o presente estudo objetivou fazer um levantamento na literatura nacional sobre a prática do psicólogo em UTI com pacientes limitados de comunicação verbal, a fim de identificar e apresentar os recursos técnicos e manejos utilizados por psicólogos neste contexto.

 

MÉTODO

Trata-se de uma pesquisa de revisão integrativa da literatura nacional, um método de pesquisa que permite a síntese de múltiplos estudos publicados, com ampla análise da literatura e que possibilita conclusões gerais a respeito de uma particular área de estudo. Contribui para discussões de métodos e resultados de pesquisas, como também para reflexões acerca de futuros estudos (Mendes, Silveira & Galvão, 2008).

Os artigos foram pesquisados nas bases de dados PePSIC, SciELO e LILACS, por meio dos descritores – Psicólogo, Psicologia Hospitalar, Terapia Intensiva. Foram incluídos artigos publicados em periódicos indexados, em língua portuguesa, disponíveis na íntegra e com acesso gratuito. Os estudos incluídos abordavam a prática do psicólogo na UTI com pacientes limitados de se comunicar verbalmente, sendo esta limitação decorrente dos procedimentos terapêuticos. Não houve delimitação de ano das publicações e nem do público-alvo das intervenções citadas nos artigos, o que fez com que, inicialmente, se encontrasse um número alto de produções. Foram excluídos estudos da prática do psicólogo em outros ambientes distintos da UTI, estudos sobre a prática de outros profissionais da saúde, publicações em outras línguas (inglês e espanhol), artigos duplicados, monografias, teses e dissertações.

No momento seguinte, ao analisar o baixo resultado das pesquisas de artigos nacionais sobre o tema, foi considerado relevante realizar a pesquisa em livros nacionais sobre Psicologia Hospitalar, para recuperar materiais sobre a prática do psicólogo na UTI com o público-alvo do estudo.  A pesquisa foi realizada entre abril e novembro de 2016.

Para a revisão foram realizados os seguintes passos: (i) levantamento dos dados, mediante descritores preestabelecidos em bases de dados nacionais; (ii) leitura dos títulos e dos resumos, com posterior seleção de estudos diretamente relacionados ao objetivo ora proposto; (iii) recuperação e exame dos artigos selecionados, na íntegra; (iv) categorização dos achados sobre manejo do psicólogo na UTI; (v) pesquisa de livros de Psicologia Hospitalar; (vi) leitura dos sumários; (vii) leitura dos capítulos com posterior seleção dos que compunham os critérios de inclusão; (viii) categorização dos achados sobre manejo e recursos utilizados por psicólogos em atendimentos com pacientes com limitação da fala conscientes e inconscientes; (xv) análise dos dados

 

 

Fluxograma do método

 

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Por meio destas pesquisas foram encontrados 1117 artigos divididos em SciELO (n=512) e PePSIC (n=605), e LILACS (n=0). Desse total, foram removidos 1099 artigos, por não se enquadrarem nos critérios de inclusão. Restaram 18 artigos para análise, que tiveram seus resumos lidos e, após novas exclusões, restaram quatro artigos. Da busca realizada em dez livros de Psicologia Hospitalar foram incluídos seis na análise (Figura 1), conforme critérios de inclusão.

 

 

Para melhor visualização dos resultados, estes foram organizados em tabelas com dados da caracterização dos estudos - título, autores, ano e revista.

 

 

Nota-se que os artigos mais antigos foram publicados em 2003. O primeiro (Elias, 2003) apresenta sete casos de intervenção psicológica com crianças e adolescentes com câncer e sem possibilidade de cura, sendo que três destes se passaram na UTI. Apenas um paciente encontrava-se limitado de se comunicar verbalmente e internado na UTI da neurologia; estava consciente, mas com as cordas vocais e os movimentos corporais paralisados. O trabalho foca a intervenção com crianças e adolescentes visando melhorar a intervenção nos casos de terminalidade por câncer, sendo interessante pensar em intervenções com essas faixas etárias e nessas condições de limitação.

Os dois artigos seguintes possuem caráter teórico-reflexivo. Em Silva (2003) há uma reflexão sobre o trato do profissional de saúde com o paciente fora de possibilidades terapêuticas e ressalta a importância da comunicação verbal e não verbal diante do atendimento deste público. Já o trabalho de Lucchesi, Macedo e De Marco (2008) descreve sobre o ambiente da UTI e suas influências na saúde mental dos pacientes, familiares e equipes. Aponta também sobre a importância do trabalho do psicólogo neste ambiente com o paciente e suas demandas subjetivas que podem prejudicar o tratamento, incluindo, brevemente, a relevância do manejo deste profissional com pacientes que não podem se comunicar verbalmente. Ambos artigos contribuem com uma reflexão aprofundada sobre a temática, apontando demandas e possibilidades no contexto da limitação verbal.

Por fim, em Almeida Junior (2014) encontra-se um levantamento das técnicas e práticas de psicólogos com pacientes limitados de se comunicar pela fala, devido à traqueostomia ou intubação, descrevendo os recursos encontrados através de uma revisão da literatura realizada pelo autor. O artigo tem um caráter mais objetivo e técnico, fazendo sugestões fundamentadas de possibilidades de intervenção psicológica no contexto da UTI.

Quanto ao tipo de revista, nota-se que apenas duas revistas são específicas da Psicologia Hospitalar (Sociedade Brasileira de Psicologia Hospitalar e Psicologia Hospitalar), uma é mais ampla (O Mundo da Saúde) e a outra do Conselho Federal de Psicologia (Psicologia, Ciência e Profissão). Dessa forma, percebe-se que, mesmo nas revistas da área, a produção científica sobre a temática é baixa, o que reforça a necessidade de pesquisas neste campo.

Por fim, quanto ao público-alvo, observam-se dois trabalhos realizados com pacientes terminais (crianças e adolescentes sem possibilidade terapêutica e adultos), e dois que especificam seu público como traqueostomizados ou intubados. Tais públicos têm sido referidos como aqueles que, geralmente, acabam apresentando uma problemática de comunicação oral (Barros et al., 2009).

No que se refere aos resultados encontrados na pesquisa bibliográfica, em livros sobre Psicologia Hospitalar - apresentados na Tabela 2 (título do livro, autores, ano e resumo do conteúdo) - foram encontrados seis livros em consonância com o objetivo da pesquisa.

 

 

Quanto ao conteúdo abordado nos capítulos dos livros inseridos neste trabalho, o primeiro e mais antigo livro encontrado nesta pesquisa foi Muylaert (2000), o capítulo descreve sobre a prática do psicólogo no hospital geral, através da interconsulta. Aprofunda-se sobre um caso e apresenta aspectos relacionados à internação de uma paciente na enfermaria de Neurologia e as intercorrências decorrentes de seu adoecimento. Dentre as situações, apresenta-se sobre o momento de gravidade em seu quadro clínico, com a internação na UTI, numa situação de fraqueza física e estado emocional deprimido, onde não mais falava e sequer movia os lábios. Há uma breve descrição sobre o manejo da psicóloga e reflexões realizadas a partir dos seus atendimentos.

No capítulo encontrado no livro de Simonetti (2004) encontra-se sobre a prática do psicólogo hospitalar, diferenciando o atendimento para pacientes com dificuldade de fala conforme seu estado de consciência e inconsciência. O capítulo é interessante ao fazer uma distinção entre intervenções realizadas com pacientes em estados de consciência diferenciados e buscar não excluir da intervenção psicológica aquele que está em estado inconsciente.

Em Ribeiro e Leal (2010) há uma reflexão sobre a prática do psicólogo na UTI com pacientes, familiares e equipe, visando colocar em prática um projeto de humanização das tarefas ali realizadas pela equipe de residentes. Ao concluir o capítulo, enumeram-se os objetivos a serem alcançados pelo psicólogo neste ambiente. Dentre eles, descreve pontualmente sobre a possibilidade de aliviar o estresse do paciente intubado, possibilitando sua expressão não verbal, além de trazer uma perspectiva ampliada sobre a escuta para familiares e equipe de saúde.

No capítulo de Paranhos, Lopes, Caberlon, Saul e Cunha (2012), as autoras colocam como objetivo apresentar uma revisão teórica sobre o papel da Psicologia na UTI e refletem sobre as intervenções comumente utilizadas com paciente e familiares. Neste ressalta-se também a importância do uso de recursos alternativos de comunicação pelo psicólogo, ao atender pacientes impossibilitados de falar, uma vez que a fala costuma ser sua principal ferramenta. A busca por recursos alternativos é muito enfatizada nesta revisão realizada.

Baptista (2014) expõe algumas considerações sobre a UTI – Adulto, descreve sobre sua estrutura física e o seu ambiente, sobre visitas, familiares e pacientes, dentre outras situações relacionadas a este contexto. Apresenta um caso clínico no qual inicialmente descreve-se a prática do psicólogo com um paciente recém extubado, que se encontrava ansioso, agitado e sem possibilidade de comunicar-se verbalmente.

No capítulo de Miranda e Ferreira (2015) encontram-se estratégias criadas pelas autoras para facilitar a comunicação com pessoas internadas em UTIs, impossibilitadas de se comunicar pela fala. Há imagens das lâminas de comunicação desenvolvidas e é apresentado o método para a sua utilização. Recursos visuais que possibilitam a expressão do paciente mostram-se como fonte alternativa de comunicação.

E por fim, no capítulo de Silva, Basile Filho e Gorayeb (2015), descreve-se a relevância da UTI para recuperar o paciente crítico e também o quanto este ambiente causa desconforto no paciente, familiares e equipe. O capítulo discute as várias ações do psicólogo no Centro de Terapia Intensiva para Adultos e sobre as condutas que visam à humanização do atendimento. Há destaque para a importância de adaptar os atendimentos psicológicos para os pacientes intubados ou traqueostomizados, disponibilizando algumas imagens sobre as pranchas de comunicação que podem ser utilizadas durante os atendimentos.

A fim de destacar o objeto central deste estudo, relativo ao manejo ou recursos técnicos utilizados pelos psicólogos em UTI com pacientes limitados de se comunicar verbalmente, encontrados tanto nos artigos quanto nos livros pesquisados, optou-se por organizá-los em duas categorias: Pacientes Conscientes e Inconscientes. Nesse sentido, fez-se um compilado dos principais recursos apresentados na literatura pesquisada, divididos em cinco sub-categorias: Instrumentos de apoio, Códigos de Comunicação, Expressão Corporal, Outros manejos (Tabela 3) e Fala.

 

 

Em relação aos pacientes conscientes, na sub-categoria ‘Instrumentos de apoio ’encontram-se indicações de recursos que auxiliarão o paciente que está com os movimentos físicos superiores preservados. São indicados quadros com frases para ler e escrever (Silva, 2003), lousa mágica (Almeida Junior, 2014), prancheta e caneta (Silva et al., 2015). Já aqueles que estão mais fragilizados fisicamente e com as movimentações reduzidas, têm como sugestão o uso de lâminas de comunicação (Miranda & Ferreira, 2015) ou pranchas de comunicação (Silva et al., 2015) - com temas de sentimentos, preocupações, saudações, pedidos, família, dores, profissões, dias da semana, condições do tempo e alfabeto (Miranda & Ferreira, 2015). Paranhos et al. (2012) denominam tudo isso de Comunicação Suplementar Alternativa (CSA), englobando ainda outros recursos como objetos, miniaturas, fotos, sistemas manuais de não ouvintes etc. Para tanto, o psicólogo poderá utilizar-se de perguntas objetivas conduzindo o atendimento a partir deste material e, deste modo, podendo diminuir a sensação de frustração pela limitação da fala (Souza, 2009).

Na sub-categoria ‘Códigos de Comunicação’ foram agrupadas algumas capacidades físicas do paciente, que podem ser exploradas durante a abordagem do psicólogo, por meio de combinações prévias de respostas corporais destes indivíduos às perguntas fechadas. São elas: abrir e fechar os olhos (Elias, 2003), piscadelas mostrando sim e não, apertos na mão do terapeuta (Muylaert, 2000; Paranhos et al., 2012; Silva et al., 2015).

Por outro lado, na terceira sub-categoria ‘Expressão Corporal’ encontra-se um conjunto de recursos que remetem a maior observação do psicólogo às manifestações físicas do paciente.  São elas: sinalizações (Lucchesi et al., 2008), fazer leitura labial (Silva, 2003; Lucchesi et al., 2008; Silva et al., 2015), observar as expressões emocionais e corporais do paciente; além dos pequenos toques (Simonetti, 2004; Muylaert, 2000; Baptista, 2014) que são vistos como muito eficientes. Os manejos englobados nestas duas últimas sub-categorias podem ser vistos como simples, porém podem levar ao alívio da angústia por trazer de volta ao doente a sua subjetividade (Souza, 2009; Martinho & Rodrigues, 2016).

No que tange à sub-categoria ‘Outros manejos’, esta reúne os achados que indicam que o psicólogo pode agir de modo ainda mais simples, como valorizar informações de outras pessoas em seus atendimentos, como de familiares e de outros profissionais, com destaque para o fonoaudiólogo (Paranhos et al., 2012). A proposta é trazer para o paciente informações dessas fontes como forma de interlocução, atualização e integração do paciente com a família e a equipe.

Em relação aos pacientes inconscientes, a sub-categoria ‘Fala’ destaca a relevância do uso da fala pelo psicólogo da UTI em casos de pacientes em coma, inconscientes ou intubados. Neste caso o psicólogo será de fato o interposto das informações entre o paciente, familiares e profissionais. Indica-se falar ao pé do ouvido para o paciente sobre ele; falar sobre visita da família e falar coisas esperançosas (Simonetti, 2004). Ao intermediar situações como esta, o psicólogo pode garantir a qualidade da assistência ao paciente, pois faz o elo entre paciente, família e equipe, além de ajudar na redução das ansiedades suscitadas nestes pela limitação da sua fala (Inaba et al., 2005).

Por meio destes achados podemos ver que há inúmeras formas de acessar o conteúdo destes pacientes, entretanto, sempre estando atento às possibilidades de cada paciente para fazer uso adequado das técnicas alternativas de comunicação.  Conforme Simonetti (2004), a comunicação nessas situações é mais para marcar presença, facilitar a expressão das emoções e diminuir a solidão. É necessário, como destacam Filgueiras et al. (2010), ultrapassar algumas barreiras para iniciar o atendimento com este perfil de paciente. Pois o psicólogo intensivista encontra-se num ambiente que estimula a produção de muito conteúdo carregado de ansiedade e tensão, e neste contexto o profissional necessitará, por vezes, fazer uso de sua criatividade para auxiliar o paciente com suas demandas.

 

CONCLUSÕES

A pesquisa realizada possibilitou identificar diversos recursos e técnicas para intervenção e manejo nos casos de intervenção do psicólogo no contexto de UTI com pacientes limitados de se comunicar verbalmente.

Os recursos identificados apontam para o uso da expressão corporal (como sinalizações, articulação dos lábios, toques), de instrumentos de apoio (como quadros, bilhetes, pranchas de comunicação), combinação de códigos (como abrir e fechar de olhos, aperto na mão do terapeuta), bem como a ampliação da comunicação com familiares e profissionais da saúde (como o fonoaudiólogo). Além disso, foi destacada a importância de atentar-se também aos pacientes inconscientes, de modo que estes também tenham sua subjetividade valorizada.

Nos casos específicos de impossibilidade de fala, o reconhecimento e a utilização desses recursos pelo psicólogo intensivista são a ponte de acesso ao paciente e suas angústias, facilitando o fluxo de trabalho entre equipe-família-paciente de forma inovadora e criativa.

Este estudo permitiu mapear o que tem sido produzido no contexto nacional, porém é necessário ampliar as pesquisas para o cenário internacional em futuros estudos. A juventude da atividade do psicólogo intensivista no Brasil evidencia diversos desafios para aqueles atuantes da área e coloca em evidência a necessidade de novos fazeres e novos olhares na atuação profissional neste contexto.

 

REFERÊNCIAS

Almeida Junior, W. N. (2014). Técnicas e práticas psicológicas no atendimento a pacientes impossibilitados de se comunicarem pela fala. Psicologia Hospitalar. 12 (2), pp. 24-44.         [ Links ]

Barros, A. P. B., Portas, J. G. & Queija, D. S. (2009). Implicações da traqueostomia na comunicação e na deglutição. Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, 38 (3), pp. 202- 207, julho / agosto /setembro.         [ Links ]

Bitencourt, A. G. V. et al. (2007). Análise de estressores para o paciente em Unidade de Terapia Intensiva. Rev. Bras. Ter. Intensiva. 19 (1), jan–mar.

Brasil. Ministério da Saúde. RESOLUÇÃO Nº 7, DE 24 DE FEVEREIRO DE 2010. Dispõe sobre os requisitos mínimos para funcionamento de Unidades de Terapia Intensiva e dá outras providências. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Recuperado em 24 de out. 2015: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/anvisa/2010/res0007_24_02_2010.html         [ Links ]

Caiuby, A. V. S. & Andreolli, P. B. A. (2005). Intervenções psicológicas em situações de crise na Unidade de Terapia Intensiva. Relato de casos. Rev. Bras. Ter. Intensiva. 17 (1), jan-mar.         [ Links ]

Caiuby, A. V. S. (2013). Intervenções psicológicas em situação de crise. In Andreolli, P. B. A., Caiuby, A. V. S. & Lacerda, S. S. Psicologia hospitalar: Manuais de especialização. Cap. 6, Barueri, SP: Manole.         [ Links ]

Cook, D. J., Meade, M. O. & Perry, A. G. (2001). Qualitative Studies on the Patient’s Experience of Weaning From Mechanical Ventilation. pp. 469-473. Recuperado em 22 de nov. 2016: http://journal.chestnet.org/article/S0012-3692(15)50005-6/fulltext

Dias, D. S., Resende, M. V. & Diniz, G. C. L. M. (2015). Estresse do paciente na terapia intensiva: comparação entre unidade coronariana e pós-operatória geral. Rev. Bras. Ter. Intensiva. 27 (1), pp. 18-25.         [ Links ]

Elias, A. C. A. (2003). Re-significação da dor simbólica da morte: Relaxamento mental, imagens mentais e espiritualidade. Psicologia: Ciência e Profissão, 21(3), 92-97. Recuperado em 09 de jul. 2016: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98932003000100013        [ Links ]

Filgueiras, M.S.T.; Rodrigues, F.D.; Benfica, T.M.S. (Org.). (2010). Psicologia Hospitalar e da Saúde: consolidando práticas e saberes na residência. Petrópolis. Rio de Janeiro: Vozes.         [ Links ]

Fitch, M. Necessidades emocionais de pacientes e cuidadores em cuidados paliativos. (2006). In Pimenta, C. A. M., Mota, D. D. C. F. & Cruz, D. A. L. M. Dor e cuidados paliativos: Enfermagem, medicina e psicologia. Cap. 5. Barueri, SP: Manole.         [ Links ]

Gusmão, L. M. (2012). Psicologia Intensiva: nova especialidade. Recuperado em 03 de out. 2016: http://www.redepsi.com.br/2012/05/08/psicologia-intensiva-nova-especialidade/         [ Links ]

Inaba, L. C., Silva, M. J. P. & Telles, S. C. R. (2005). Paciente crítico e comunicação: visão de familiares sobre sua adequação pela equipe de enfermagem. Rev. Esc. Enferm. USP, 39 (4):423-9.         [ Links ]

Lucchesi, F., Macedo, P. C. M. & De Marco, M. A. (2008). Saúde mental na unidade de terapia intensiva. Rev. da SBPH. 11 (1), 19-30. Rio de Janeiro. Recuperado em 09 de jul. 2016: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-08582008000100003        [ Links ]

Martinho, C. I. F. & Rodrigues, I. T. R. M. (2016). A comunicação dos doentes mecanicamente ventilados em unidades de cuidados intensivos. Rev. Bras. Ter. Intensiva 28 (2), 132-140.         [ Links ]

Mendes, K. D. S., Silveira, R. C. C. P. & Galvão, C. M. (2008). Revisão integrativa: método de pesquisa para a incorporação de evidências na saúde e na enfermagem. Texto Contexto Enferm. Florianópolis, out-dez, 17 (4), 758-764.         [ Links ]

Ministério da Saúde. Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar. Recuperado em 15 nov. 2016: http://www.saude.sp.gov.br/resources/ses/perfil/gestor/homepage/auditoria/manuais/manual_pnhah.pdf         [ Links ]

Miranda, E. M. F. & Ferreira, M. D. V. (2015). Novas estratégias da equipe e familiares na comunicação com o paciente. In Santos, L. C., Miranda, E. M. F. & Nogueira, E. L. Psicologia, saúde e hospital: Contribuições para a prática profissional. Cap. 9.  Belo Horizonte: Ed. Artesã         [ Links ].

Muylaert, M. A. (2000). O gesto que inicia a psicologia. In Corpoafecto: O psicólogo no hospital geral. pp.31-49. São Paulo: Ed. Escuta. 2ª edição.         [ Links ]

Oliveira, N. E. S., Oliveira, L. M. A. C., Lucchese, R.; Alvarenga, G. C. & Brasil, V. V. (2013). Humanização na teoria e na prática: a construção do agir de uma equipe de enfermeiros. Rev. Eletr. Enf. (internet), abr-jun. 15(2): 334-43. Recuperado em 24 de nov. 2016: https://www.fen.ufg.br/revista/v15/n2/pdf/v15n2a04.pdf        [ Links ]

Paranhos, M. E., Lopes, A. D. F., Caberlon, A. C., Saul, L. & Cunha,  D. M. F. (2012). Cuidados Psicológicos em Unidade de Terapia Intensiva. In Stenzel, G. Q. L.; Paranhos, M. E. & Ferreira, V. R. T. A psicologia no cenário hospitalar: Encontros possíveis. Cap. 20. Ed: PUCRS.         [ Links ]

Park, M., Pires-Neto, R. C. & Nassar Junior, A. P. (2014). Despertar, exercitar, sentar-se, deambular e extubar: uma mudança nos paradigmas para pacientes mecanicamente ventilados. Rev. Bras. Ter. Intensiva. 26 (3), 203-204.         [ Links ]

Pregnolatto, A. P. F. & Agostinho, V. B. M. (2014). O psicólogo na Unidade de Terapia Intensiva – Adulto. In Baptista, M. N. & Dias, R. R. Psicologia hospitalar: Teoria, aplicações e casos clínicos. pp. 139-152. 2ª ed. (Reimp), RJ: Guanabara Koogan.

Ribeiro, I. D. F. & Leal, S. F. (Orgs). (2010). A atuação do psicólogo junto do paciente crítico, seus familiares e equipe de saúde. In Filgueiras, M. S. T., Rodrigues, F. D. & Benfica, T. M. S. Psicologia hospitalar e da saúde: Consolidando práticas e saberes na residência. pp. 79-93. Petrópolis RJ: Vozes.         [ Links ]

Silva, M. J. P. (2003). Comunicação com o paciente fora de possibilidades terapêuticas. Mundo da Saúde(impr). 27 (1), 64-70, jan.-mar.         [ Links ]

Silva, A. P. C., Basile Filho, A. & Gorayeb, R. (2015). Atuação do psicólogo em centros de terapia intensiva para adultos. In Gorayeb, R. e cols. A prática da psicologia no ambiente hospitalar. pp. 369-400. Sinopsys, Novo Hamburgo.         [ Links ]

Simonetti, A. (2004). Manual de psicologia hospitalar:O mapa da doença. São Paulo, Casa do psicólogo. pp. 153-154.         [ Links ]

Souza, V. L. V. (2009). A comunicação alternativa no contexto hospitalar: relato de experiência. In Deliberato, D.; Gonçalves, M. J. & Macedo, E. C. Comunicação alternativa: teoria, prática, tecnologias e pesquisa. São Paulo: Memnon. Edições Científicas. Cap. 36.         [ Links ]

Torezan, Z. F., Calheiros, T. C., Mandelli, J. P & Stumpf, V. M. (2013).A Graduação em Psicologia prepara para o trabalho no hospital? Psicol. cienc. prof. 33 (1), Brasília.         [ Links ]

Vigueras, E. (2014). Psicologia da saúde. São Paulo: Pearson Education do Brasil. pp. 8-27.         [ Links ]

 

Endereço para correspondência
E-mail: assisbruna18@gmail.com

 

 

1Psicóloga Especialista em Terapia Intensiva.
2Hospital Santa Clara, Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre. Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre – Porto Alegre, Brasil.
3Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre – Porto Alegre, Brasil.

Creative Commons License