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Psicologia Hospitalar

versão On-line ISSN 2175-3547

Psicol. hosp. (São Paulo) vol.14 no.2 São Paulo jul./ago. 2016

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

Estresse e coping em vítimas de acidente de trânsito hospitalizadas

 

Stress and coping in hospitalized traffic accident victims

 

 

Ludmila Minarini Alves; Ederaldo José Lopes

Universidade Federal de Uberlândia - Minas Gerais, Brasil.

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Os acidentes de trânsito (AT) e as hospitalizações consequentes destes são situações potencialmente estressantes. Situações estressantes exigem das vítimas a mobilização de estratégias de enfrentamento (Coping). Este estudo verificou a relação entre estresse e coping em vítimas de AT hospitalizadas. A amostra foi composta por 10 sujeitos hospitalizados. Foram aplicados o Inventário de Estratégias de Coping de Folkman e Lazarus e o Inventário de Sintomas de Stress para Adultos de Lipp. A maioria dos participantes (80%) apresentava índice de estresse relevante, se dividindo entre 50% na fase de resistência, 10% na fase de quase exaustão e 20% na fase de exaustão. No grupo de pacientes que apresentaram estresse, o coping do tipo fuga/esquiva apresentou correlação positiva significativa com nível de estresse (rho=0,835). Sugere-se que as equipes de saúde atuem junto aos pacientes incentivando o enfrentamento mais funcional da situação.

Palavras-chave: Acidente de Trânsito, Estresse, Coping.


ABSTRACT

Traffic accidents (TA) and its hospitalization’s consequences are situations potentially stressful. Stressful situations demand from the victims coping strategies. This study aim to verify the correlation between stress and coping strategies in hospitalized TA victims. The sample consisted of 10 inpatients. To evaluate the patients, we used the Coping Strategies Inventory and the Lipp’s Stress Symptoms Inventory for Adults. Most of the participants (80%) presented relevant levels of stress divided by 50% in the resistance phase, 10% in near exhaustion phase and 20% in the exhaustion phase. A significant positive correlation was found between stress and escape / avoidance coping strategy (rho = 0.835).  We conclude that the health team should assist the patients in developing more functional coping strategies.

Keywords: Traffic Accident, Stress, Coping.


 

 

INTRODUÇÃO

Os acidentes de trânsito (AT) são ocorrências que afetam diretamente o cidadão, podendo gerar óbitos, incapacidade física, perdas materiais e comprometimentos psicológicos (Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes, 2011). O último levantamento realizado pelo Ministério da Saúde (MS) revelou que em 2014 houve 43.075 óbitos e 201.000 feridos hospitalizados em decorrência de AT. Os dados também indicam aumento destes números nos dez últimos anos (como citado em Associação Brasileira de Prevenção dos Acidentes de Trânsito, 2016).

Por se tratarem de eventos imprevisíveis que irrompem na vida das pessoas, os AT carregam consigo o caráter de emergência e imprevisibilidade, podendo afetar psicologicamente suas vítimas de formas diversas. De forma direta, os acidentes podem ativar crenças disfuncionais e levar à sobrecarga emocional, como a percepção de vulnerabilidade, sensação de impotência e/ou responsabilidade e confrontação com a dor e sofrimento de terceiros (Maia & Pires, 2005).

Quando ocorrem traumatismos físicos, a vítima de AT pode necessitar passar por um período de hospitalização. Ismael (2005) considera que a internação gera o rompimento da vítima com suas atividades usuais submetendo-o à rotina hospitalar. Além da perda da autonomia, o paciente hospitalizado pode experimentar mudanças na autoimagem, procedimentos invasivos e/ou dolorosos, menor contato com suporte familiar e social e outros estressores. Nesse sentido, os acidentes de trânsito são acontecimentos potencialmente estressantes ao gerar no indivíduo, particularmente quando necessita de internação hospitalar, além de traumatismos físicos, uma grande sobrecarga psíquica.

Segundo Lipp e Tanganelli (2002), o estresse é considerado uma reação psicofisiológica imediata e necessária do organismo. Tal reação possui componentes bioquímicos, cognitivos e emocionais, que são desencadeados diante de estímulos percebidos como ameaçadores à homeostase do organismo. Apesar de ser uma resposta adaptativa, a manutenção do organismo em estado de estresse por um período prolongado pode ser nociva para o mesmo.

Para que haja interrupção do ciclo de estresse é necessário que o indivíduo se engaje em algum modo de enfrentamento eficaz. Neste sentido, Lazarus e Folkman (1984) definem coping como o conjunto de estratégias cognitivas e comportamentais utilizadas com o objetivo de manejar situações estressantes. Para Savóia (1999), o coping visa aumentar, criar ou manter a percepção de controle pessoal, mas pode se tratar de um controle ilusório. Logo, o coping não pode ser julgado como certo ou errado, mas deve ser avaliado em relação ao nível de adaptação à situação e às consequências geradas. (Santos, Santos, Melo & Alves Junior, 2006).

Considerando que os AT são eventos potencialmente estressantes e os prejuízos significativos que o estresse prolongado pode trazer à saúde das vítimas, esta pesquisa objetivou verificar a relação entre estresse e coping em pessoas vítimas de acidente de trânsito internadas.

 

MÉTODO

PARTICIPANTES

A pesquisa foi realizada com uma amostra de conveniência composta por 10 pacientes internados no pronto socorro e enfermarias de um hospital universitário em consequência de alguma lesão ocasionada em acidente de trânsito. Foram incluídos pacientes com idade superior a 18 anos e que conseguissem compreender e responder os instrumentos. Foram excluídos candidatos inconscientes e que tivessem sofrido o AT atual há mais de mês, considerando possibilidade de que estes pacientes já pudessem ter evoluído para um quadro de TEPT.

INSTRUMENTOS

Questionário de dados pessoais e referentes ao acidente– Questionário para coleta de dados sobre a percepção de responsabilidade pelo acidente, tipo de trauma sofrido, envolvimento de outras vítimas no acidente, possíveis hospitalizações e acidentes de trânsito anteriores ao atual, idade, gênero, renda mensal, profissão, religião, ocupação, estado civil e tipo de arranjo domiciliar (com quem o entrevistado reside).

Prontuários – Análise para levantamento de dados como: motivo da internação, tempo de internação, presença de alteração do nível de consciência e traumatismos decorrentes do acidente sofrido.

Inventário de Sintomas de Stress para Adultos de Lipp - ISSL(Lipp, 2000) – teste psicológico que visa identificar objetivamente a sintomatologia que o paciente apresenta, avaliando se este possui sintomas de estresse, o tipo de sintoma existente (se somático ou psicológico) e a fase que se encontra. O ISSL é composto de três quadros que se referem às quatro fases do estresse, sendo: Quadro 1 - traz sintomas que devem ser assinalados se experimentados durante as últimas 24 horas; Quadro 2 - assinalam-se os sintomas experimentados durante a última semana; Quadro 3 - diz respeito a sintomas experimentados durante o último mês. Pode ser aplicado em adultos e jovens acima de 15 anos, incluindo pessoas não alfabetizadas. Os sintomas listados são os típicos de cada fase (LIPP, 2000).

Inventário de Estratégias de Coping de Folkman e Lazarus (1984) –Questionário de 66 itens, onde estão destacados pensamentos e/ou ações utilizadas para lidar com demandas externas e internas face a um evento estressante específico. Composto por oito fatores (confronto, afastamento, autocontrole, suporte social, aceitação de responsabilidade, fuga e esquiva, resolução de problemas e reavaliação positiva) que correspondem ao tipo de enfrentamento utilizado pelo indivíduo frente ao estresse. Este instrumento foi traduzido, adaptado e validado para a população brasileira por Savoia, Santana e Mejias (1996).

PROCEDIMENTOS

Éticos e referente à coleta de dados:

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob o número de parecer 1.480.086.  Para a coleta de dados a pesquisadora fez contato com as chefias do pronto-socorro (excluindo as salas de atendimento emergencial) e enfermarias para esclarecer sobre a pesquisa e solicitar autorização para realização da mesma. Após autorização das chefias, foram identificados os pacientes que se enquadravam nos critérios mencionados anteriormente através da leitura de prontuários. Os pacientes anteriormente identificados foram convidados em seus respectivos leitos para participar da pesquisa e lhes foi informado o motivo da pesquisa, o caráter voluntário da participação e a garantia do sigilo dos dados individuais. Para os participantes que desejaram participar da pesquisa foi lido o TCLE e solicitada a assinatura no termo. Devido ao fato de muitos participantes apresentarem comprometimento dos membros superiores no momento da coleta de dados, os instrumentos foram lidos pela pesquisadora a todos os participantes e respondidos na ordem mencionada anteriormente. Cada entrevista teve duração aproximada de uma hora e foi realizada próximo ao leito de cada participante, individualmente.

Para análise de dados:

Considerando a pequena amostra e o consequente desvio da normalidade, além do fato de os escores poderem ser classificados dentro de uma escala de medida ordinal, foram calculados os escores medianos obtidos em cada um dos instrumentos (Siegel & Castellan Jr., 2006). Com auxílio do programa IBM SPSS Statistics versão 22, os escores totais de cada uma das escalas foram submetidos a uma análise de correlação posto-ordem de Spearman (r s). Finalmente, os escores do Inventário de Stress de Lipp foram submetidos à mesma técnica de correlação com cada um dos fatores de coping da escala de coping de Folkman e Lazarus.

 

RESULTADOS

Conforme mostrado na Tabela 1, quanto ao sexo, 90% dos participantes eram do sexo masculino e apenas 10% eram do sexo feminino. A média da idade dos participantes verificada é 38,3 anos com desvio padrão de 11,10, sendo que o participante mais novo tinha 21 anos e o mais velho, 48. Com relação ao estado civil, metade dos participantes estava solteiro no momento da pesquisa. Metade dos entrevistados possuía ensino médio completo e 70% se declararam católicos.

Com relação à situação de moradia, 50% dos entrevistados declararam morar com cônjuges e filhos, 30% moravam com outros familiares e 20% moravam sozinhos. A maior parte da amostra (80%) recebia de 1 a 5 salários mínimos e 80% dos entrevistados eram os principais responsáveis pelo sustento da família.

 

 

Os dados referentes ao acidente e internação foram levantados para verificar se, de alguma forma, correlacionavam ou explicavam os resultados obtidos com os resultados encontrados no inventário de estresse. Os dados mostram que o tempo médio de internação dos participantes era de 15 dias com desvio padrão de 8,34. O participante que estava internado há menos tempo se encontrava no hospital há 6 dias e os participantes que estavam há mais tempo internados na data da entrevista já estavam com 26 dias de internação.  Boa parte dos entrevistados (60%) já haviam sido internados anteriormente, porém apenas 20% declararam já ter sofrido acidente de trânsito antes da ocorrência atual.

Com relação ao acidente atual, metade dos participantes (50%) foi a única vítima do acidente sofrido. Trinta por cento (30%) relataram que o acidente vitimou outras pessoas, mas que não lhe eram conhecidas e 20% declararam que pessoas próximas foram vitimadas no mesmo acidente. Com relação à responsabilidade pelo acidente, 60% dos participantes acreditavam não terem sido responsáveis pelo acidente sofrido. Vinte por cento responderam se responsabilizando totalmente pelo acidente e 20% se declararam apenas em parte responsáveis pelo AT. Todas as vítimas de AT entrevistadas sofreram algum tipo de fratura, sendo que 50% delas apresentava somente uma fratura e 50% dois tipos de fratura ou mais.

ESTRESSE

A presença de estresse, a fase de estresse apresentada a o tipo de sintoma predominante foi obtido através da correção do ISSL conforme orientações do manual do teste. A maior parte dos participantes (80%) apresentava índice de estresse relevante, se dividindo entre 50% na fase de resistência, 10% na fase de quase exaustão e 20% na fase de exaustão, conforme mostrado na Tabela 2. Dentre os participantes que apresentaram estresse significativo, metade (40%) apresentava predomínio de sintomas psicológicos e metade apresentava predomínio de sintomas físicos. Apenas 20% dos participantes não apresentaram estresse. Os participantes do grupo que não apresentou estresse nunca haviam sido internados ou sofrido AT anteriormente.

 

 

COPING
Na validação do instrumento utilizado para avaliação do coping, Savóia, Santana e Mejias (1996) apontam as questões que se referem a cada um dos oito tipos de estratégias de enfrentamento, conforme Tabela 3.

Para avaliação os resultados, inicialmente obteve-se uma média de pontos da escala likert de cada participante para cada tipo de estratégia de coping. Para o cálculo dos resultados apresentados nas Tabelas 5 e 6 foram somadas as médias de cada participante para cada tipo de enfrentamento e este resultado foi dividido pelo número de participantes pertencentes a cada categoria, gerando um escore geral. Foram geradas duas categorias, que se referem a “vítimas de AT com estresse” e “vítimas de AT sem estresse”. Escores próximos a 0 indicam que a estratégia foi menos usada e, quanto mais próximas de 3, maior foi a frequência de uso da estratégia por aquele grupo.

 

 

As Tabelas 4 e 5 mostram que, entre as vítimas de AT que apresentaram estresse, predominaram as estratégias de reavaliação positiva, confronto e resolução de problemas. Entre as vítimas de AT que não apresentaram estresse predominaram as estratégias de autocontrole, aceitação de responsabilidade e resolução de problemas.

 

 

 

 

No grupo de participantes que apresentaram estresse, foram buscadas correlações entre os tipos de enfrentamento e o nível de estresse. Conforme mostrado na Tabela 6, o coping do tipo fuga/esquiva apresentou correlação positiva com nível de estresse. Ou seja, usuários que apresentam índices de estresse maiores apresentaram escores maiores de estratégias de fuga e esquiva.

 

 

DISCUSSÃO

O número de indivíduos que apresentaram estresse nesta pesquisa (80%) foi superior ao encontrado na população geral não clínica (39%, segundo dados sobre estresse no Sudeste, conforme Lipp, 2000). Este dado sugere que sofrer um acidente de trânsito é um evento potencialmente estressante.

Na revisão de literatura para composição deste trabalho não foi encontrada nenhuma pesquisa brasileira sobre índice de estresse em pacientes hospitalizados devido a ocorrência de AT, inviabilizando comparações com o resultado deste estudo. No entanto, há estudos internacionais que buscaram investigar a presença de estresse agudo em vítimas de AT. Em um deles, conduzido por Fuglsang, Moergeli e Schnyder (2004) com 90 vítimas de AT, 28,1% dos entrevistados apresentaram resultados compatíveis com diagnóstico de estresse agudo. Importante ressaltar que os estudos contaram com instrumentos e tamanho amostral diferentes dos usados nesta pesquisa. Isto pode justificar a diferença entre os resultados encontrados, apesar do índice também ter sido considerado alto pelos autores.

Mayou, Bryant e Duthie (1993), em um seguimento para avaliar as consequências psiquiátricas de acidentes de trânsito, identificaram que 18% das vítimas apresentaram estresse agudo. Os autores verificaram que a apresentação inicial de estresse agudo estava relacionada a piores desfechos em saúde mental. Dos 31 entrevistados que apresentaram estresse agudo, 41,9% evoluíram com transtornos de humor, 41,9% desenvolveram fobia relacionada ao trânsito e 29% apresentaram Transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). Apenas 16,1% não apresentaram complicações psiquiátricas a longo prazo. Holeva, Tarrier e Wells (2001) e Koren, Arnon e Klein (1999) concordam que estresse agudo pode ser preditor de transtornos psiquiátricos, principalmente TEPT, em vítimas de AT. Estes resultados corroboram a importância de que as vítimas de AT hospitalizadas sejam devidamente avaliadas pela equipe de saúde quanto à apresentação de estresse agudo e recebam o acompanhamento necessário.

A resistência é uma fase do estresse caracterizada pela utilização da energia adaptativa de reserva objetivando o reequilíbrio do organismo. Pode surgir quando há necessidade de assimilar ou resistir a um estressor (Lipp, 1996). O predomínio de sujeitos nesta fase pode ser justificado pelo impacto que o AT estava trazendo à vida destes indivíduos e a necessidade dos mesmos lidarem com as consequências deste evento em vários aspectos da vida. Neste sentido, durante a entrevista, muitos participantes relataram algumas preocupações relacionadas a dificuldades financeiras, necessidade de afastar-se do trabalho, receio quanto à possível evolução negativa do quadro clínico e surgimento de sequelas, possibilidade de responsabilização legal pelo acidente, preocupação com o bem-estar de familiares e outras questões que decorreram do acidente.

Outro aspecto do estresse na fase de resistência é a repercussão neuroendocrinológica do excesso de cortisol no organismo. Esta repercussão pode gerar inibição dos linfócitos e desencadear dificuldades no combate a infecções e retardamento da recuperação de lesões ao organismo (Santos et al., 2006). Estas repercussões do estresse são particularmente importantes de serem consideradas na amostra estudada, pois as vítimas de AT se encontravam hospitalizadas devido a algum traumatismo físico e por isso poderiam apresentar uma evolução mais rápida se apresentassem condições plenas para sua recuperação. Para que isto ocorra é necessário que as equipes de saúde atentem às condições psíquicas das vítimas de AT para que possam identificar e intervir nas vítimas que apresentarem estresse elevado.

Macena e Lange (2008) identificaram índice de estresse similar a esta pesquisa em seu estudo com pacientes hospitalizados. A amostra foi composta por 40 pacientes hospitalizados devido a condições clínicas diversas como fraturas, câncer, anemia, colite, intoxicação, entre outros. Destes, 82,5% apresentaram estresse, sendo que também houve predominância de pacientes na fase de resistência (62,5%). Os autores justificam o alto índice de estresse encontrado devido às adversidades presentes na internação hospitalar. No entanto, ressaltam na discussão do trabalho que a amostra estudada já mostrava alguma patologia e poderia já apresentar um enfraquecimento adaptativo quando submetida a outro evento potencialmente estressor (hospitalização). Ou seja, o estresse medido no momento da hospitalização poderia já estar presente previamente.

Nesta pesquisa, a ocorrência de estresse significativo não foi correlacionada ao tempo de internação dos pacientes. No estudo de Fuglsang, Morgeli e Schnyder (2004), sobre a possibilidade de estresse agudo ser preditor do desenvolvimento de TEPT em vítimas de AT, também não foi encontrada relação entre estresse e tempo de internação. No estudo de Koren et. al (1999), um grupo de vítimas de AT foi comparado com pacientes ortopédicos internados para realização de cirurgia eletiva. Os resultados do seguimento por um ano mostraram que, no grupo controle (que não havia sofrido AT, mas também passou por um período de hospitalização), nenhum dos indivíduos desenvolveu TEPT. Já no grupo de pacientes vítimas de AT, 32% dos participantes apresentaram critérios diagnósticos para TEPT. Pode-se supor que, apesar de a internação poder ser vista por alguns pacientes como um estressor adicional, o fato de ter sofrido AT pode ser melhor relacionado ao alto índice de estresse em pacientes hospitalizados.

Mayou et al. (1993) pesquisaram as consequências psiquiátricas dos AT e a reação de estresse em graus variados foi a consequência mais comum. Porém, assim como neste estudo, o estresse não estava correlacionado a fatores como idade, gênero e percepção de responsabilidade pelo acidente. Outro estudo, conduzido por Koren, Arnon & Klein (1999), acompanhou o desenvolvimento de respostas de estresse em vítimas de AT por um ano. No estudo, as variáveis idade, sexo, estado civil, nível de educação formal, status socioeconômico e responsabilidade pelo acidente também não predisseram o desenvolvimento de reações de estresse. Bryant e Harvey (1995) e Holeva et al. (2001) não encontraram correlação entre a severidade do traumatismo desencadeado pelo AT e o desenvolvimento de reação de estresse, seja agudo ou pós-traumático. No atual estudo também não foi demonstrada correlação entre experiência anterior de ter sofrido AT ou ter ficado hospitalizado com a apresentação do quadro de estresse.

Como as variáveis sociodemográficas e referentes ao acidente não foram capazes de explicar a variação das respostas de estresse entre os participantes, foram buscadas correlações entre as formas de enfrentamento e estresse. Para isto foi analisada, inicialmente, a prevalência de uso de cada estratégia de coping entre o grupo de pacientes com estresse e o grupo de pacientes sem estresse.

Entre os pacientes com estresse a estratégia mais usada foi a Reavaliação Positiva. Segundo Lazarus e Folkman (1984), esta estratégia compreende a criação de formas alternativas de visualizar a situação estressora, podendo envolver uma dimensão religiosa. Apesar de se tratar de um esforço para reavaliação da situação de uma forma positiva, esta estratégia não envolve mobilização de recursos para o enfrentamento do estressor. Trata-se de uma estratégia focada na alteração das emoções e sensações físicas desagradáveis, comumente utilizada em situações que o indivíduo percebe como não sendo modificáveis (Antoniazzi, Dell´Aglio & Bandeira, 1998). Esta estratégia também foi usada, porém, com menor frequência, entre os pacientes que não apresentaram estresse. Isto pode ser atribuído ao fato de que os entrevistados podem perceber o seu adoecimento e internação como situações em que eles próprios não podem fazer nada a respeito e optar por este tipo de enfrentamento buscando alívio sentimental e afetivo.

A segunda estratégia mais utilizada pelas vítimas de AT que apresentaram estresse foi o confronto. Esta estratégia é focalizada na resolução de problemas, mas envolve o uso de esforços agressivos para alterar a situação, e pode ser relacionada a desfechos negativos e maior nível de estresse (Barbosa & Oliveira, 2008; Silva, Muller & Bonamigo, 2006). Algumas afirmativas relacionadas a este tipo de enfrentamento incluem “descontei minha raiva em outra pessoa” e “procurei fugir das pessoas em geral” (Savóia et al., 1996). Ambas atitudes retratam comportamentos inassertivos que podem trazer conflitos e diminuir o suporte social positivo, contribuindo assim para aumento do estresse.

Já entre o grupo de vítimas de AT sem estresse a estratégia mais utilizada foi o autocontrole. Na pesquisa de Kristensen, Schaefer e Bunello (2010), que investigou coping e estresse na adolescência, também houve predomínio do uso de estratégia de autocontrole no grupo com menor índice de estresse. Os autores atribuem que o uso de estratégias de aproximação do problema, como o autocontrole, contribui para um índice mais elevado de bem-estar psicológico. Segundo Lazarus e Folkman (1984), o autocontrole envolve tentativas de regulação emocional e comportamental. As vítimas de AT que conseguiram empregar esta autorregulação muito provavelmente conseguiram emitir comportamentos mais assertivos e ter melhor compreensão e controle de suas respostas emocionais, o que pode ter contribuído para redução da resposta de estresse.

Ainda sobre o grupo de indivíduos sem estresse, a segunda estratégia de enfrentamento mais utilizada foi a aceitação de responsabilidade. Lazarus e Folkman (1984) caracterizam esta estratégia pelo reconhecimento do próprio papel na situação e tentativa de recompor o problema a partir deste ponto de vista. Zanelato e Calais (2010) propuseram um programa de manejo do estresse para um grupo de motoristas de ônibus urbano. Os motoristas que passaram pelo programa apresentaram aumento do uso de algumas estratégias de enfrentamento, como a aceitação de responsabilidade e redução dos índices de estresse apresentados inicialmente, sugerindo que este tipo de estratégia de enfrentamento pode ser capaz de reduzir a resposta de estresse.

No grupo de vítimas de AT que apresentaram estresse, a estratégia de enfrentamento que apresentou maior correlação com estresse elevado foi a fuga/esquiva. Santos et al. (2006) hipotetizaram que os pacientes utilizam este tipo de enfrentamento visando distanciar-se do foco estressor para torná-lo mais tolerável. No caso dos participantes desta pesquisa, a fuga ou esquiva comportamental não era possível, pois as vítimas se encontravam internadas justamente pelas consequências do estressor enfrentado (o acidente de trânsito). No entanto, os participantes revelaram o uso de estratégias cognitivas de fuga/esquiva, como constam nas questões “Desejei que a situação acabasse ou que de alguma forma desaparecesse” e “Tinha fantasias de como as coisas iriam acontecer, como se encaminhariam”.

 A literatura mostra que o uso da estratégia de fuga e esquiva está correlacionado a maior índice de estresse em: pacientes submetidos à cirurgia de colecistectomia (Santos et al., 2006), pacientes portadores de psoríase (Silva et al., 2006) e profissionais de saúde mental (Santos & Cardoso, 2010). Além disso, o uso de fuga/esquiva também foi correlacionado a aumento da ansiedade em uma população não clínica de trabalhadores (Pais-Ribeiro & Santos, 2001) e aumento de afetos negativos em pacientes oncológicos em tratamento radioterápico (Paula Jr. & Zanini, 2011). Na pesquisa de Bryant e Harvey (1995) com vítimas de AT, o coping de fuga/esquiva foi apontado como o maior preditor de TEPT dentre as variáveis analisadas. Os autores colocam algumas razões pelas quais este tipo de enfrentamento favorece o ajustamento negativo, como o fato de que pessoas que evitam entrar em contato com o problema acabam solicitando menos suporte para lidar com ele. Outro fator é a dificuldade de se habituar ao conteúdo e consequências da situação estressora, uma vez que o indivíduo evita estímulos afins.

Os outros tipos de estratégias de enfrentamento (afastamento, suporte social e resolução de problemas) se distribuem de maneira mais ou menos uniforme entre os grupos de pacientes com e sem estresse. Barbosa e Oliveira (2008) chegaram a conclusão semelhante a respeito destes tipos de enfrentamento em seu trabalho com pais de pessoas com necessidades especiais. Holeva et al. (2001) estudaram preditores da resposta de estresse agudo em vítimas de AT e concluíram que o suporte social pode contribuir de forma positiva ou negativa na resposta de estresse. Os autores verificaram que o suporte social vindo de pessoas significativas e percebido como positivo pela vítima poderia ajudar no enfrentamento da situação. Da mesma forma, relacionamentos disfuncionais podem fazer a vítima se sentir ainda mais sobrecarregada, preocupada e tendendo à inibição emocional, o que contribuiria para aumento da resposta de estresse. Desta forma, pode-se concluir que estas formas de enfrentamento podem ser multifacetadas, em alguns casos favorecendo e em outros desfavorecendo a adaptação à situação.

Alguns autores mencionam a possibilidade de trabalhar o enfrentamento de pacientes frente a determinadas condições de agravos à saúde e/ou internação. Consideram que os profissionais podem ajudar os pacientes a identificarem as estratégias que estão utilizando e fomentarem estratégias mais saudáveis se estas se mostrarem desadaptativas à situação (Kristensen et al., 2010; Paula Jr. & Zanini, 2011). Bringhenti e Oliveira (2010) apontam, no entanto, que as estruturas que cuidam das vítimas de AT, seja emergencialmente ou ambulatorialmente, se mostram limitadas, inadequadas e ineficientes no cuidado preventivo ao estresse. Neste sentido, Pereira e Araújo (2005) discutem a importância da existência de psicólogos como membros das equipes de saúde. No entanto, estes autores ressaltam que todos os profissionais de saúde devem saber lidar com os aspectos psíquicos apresentados pelos pacientes e devem ser capacitados continuamente para tal.

 

CONCLUSÕES

Conforme discutido, os AT são eventos potencialmente estressores para as vítimas. Apesar do tamanho amostral desta pesquisa ser pequeno, há alguns tipos de enfrentamento que parecem colaborar para que a resposta de estresse seja menor ou maior.

Considerando os comprometimentos psíquicos e físicos do estresse prolongado, sugere-se que os psicólogos hospitalares e as equipes de saúde no geral estejam atentas a possíveis manifestações de estresse em vítimas de AT. A identificação do quadro de estresse possibilita a intervenção junto aos pacientes, incentivando o enfrentamento mais funcional da situação e prevenindo o desenvolvimento de outros transtornos.

 

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