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Psicologia Hospitalar

versão On-line ISSN 2175-3547

Psicol. hosp. (São Paulo) vol.15 no.1 São Paulo jan./jun. 2017

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

Grupo terapêutico de apoio psicológico para crianças em habilitação/reabilitação visual: contribuições ao desenvolvimento social

 

Therapeutic group of psychological support to children in visual under habilitation/rehabilitation: contributions to social development

 

 

Andrea Oliveira da Silva1; Célia Regina Nakanami2; Mirna Yae Yassuda Tamura3; Marcia Caires Bestilleiro Lopes4; Alcione Aparecida Messa5; Nara Lucia Poli Botelho6

Universidade Federal de São Paulo, Escola Paulista de Medicina - UNIFESP.

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo do estudo foi avaliar contribuições do grupo terapêutico de apoio psicológico para o desenvolvimento social de crianças em serviços de habilitação/reabilitação visual. Participaram do presente  estudo cinco crianças, com idades entre dois e três anos, do sexo masculino, diagnosticadas com deficiência visual. Os participantes dos grupos obtiveram intervenções com uso de instrumentos lúdicos por um período de dois meses. Aos responsáveis foram aplicados o Questionário de Função Visual Infantil em duas etapas, antes e após dois meses dos grupos. O grupo terapêutico se mostrou uma modalidade de intervenção eficaz para o desenvolvimento social e qualidade de vida das crianças avaliadas, as quais passaram a apresentar comportamentos pró-sociais e aprendizagem vicária com impacto satisfatório na família, tratamento e personalidade.

Palavras-chave: Baixa visão, Reabilitação visual, Socialização, Desenvolvimento humano.


ABSTRACT

The aim of the study was to evaluate the contributions of the therapeutic group of psychological support for the social development of children in services of visual habilitation / rehabilitation. Five male children with bilateral visual impairment, aged between two and three years old were included in this study. Children participated in the group through recreational intervention activities for two months. It was administered the Infant Visual Function Questionnaire for guardians, applied in two moments, before and after two months of groups. The therapeutic group showed to be an effective intervention for the social development and quality of life of these children, with an improvement of pro-social behaviors and vicarious learning, presenting an important impact on family, treatment and personality.

Keywords: Low vision, Visual rehabilitation, Socialization, Human development.


 

 

INTRODUÇÃO

A criança estabelece ao longo de sua vida inúmeros vínculos afetivos a partir da interação com o outro, vínculos estes que se renovam e ampliam na fase adulta. Nesta perspectiva, a criança passa a maior parte do tempo em convívio com diversos grupos, dentre eles a família, o primeiro grupo de socialização, seguido da escola e comunidade (Glass, 2002; Zimerman, 1993).

Pesquisadores afirmam que a interação social nas diversas esferas da vida é de extrema importância, sendo por meio da relação com o outro que se constrói um ambiente social. Com base nessa premissa, a formação social da criança ocorrerá a partir da interação entre seus pares e os adultos, uma vez que está em constante interação com o meio, favorecendo, assim, o seu desenvolvimento e aquisição de novas habilidades (Oliveira, 2010; Souza, Hueara, Batista & Laplane, 2010; Zimerman, 1993).

Há evidências que nos primeiros seis meses de vida os bebês já começam a demonstrar interesse positivo por outros bebês, enquanto que as crianças pré-escolares já dão indícios de preferências por companheiros em brincadeiras de maneira cooperativa. A relação do brincar entre pares é relevante por permitir que a criança desenvolva e pratique diversas habilidades sociais, e a qualidade destas interações é fundamental para o seu desenvolvimento e qualidade de vida (Bee, 2003; Roe, 2008).

A competência emocional social envolve comportamentos pró-sociais, que são definidos por um conjunto de atitudes e ações que contribuem para as relações interpessoais de forma positiva ao envolver aceitabilidade e comunicação mútua. Promovem, portanto, ensino e aprendizagem a partir da troca de experiências (Bee, 2003; Bussab, 1997; Roe, 2008).

Pesquisas referentes à socialização da criança com deficiência visual apontam que estas tendem a ter dificuldades emocionais na relação com o outro, e esse aspecto pode impactar negativamente na qualidade de vida da criança e de sua família (Felius et al., 2004; Glass, 2002).

A habilitação/reabilitação visual é um processo de aprendizagem e desenvolvimento diante das limitações decorrentes da deficiência (Gagliardo & Nobre, 2001; Haddad, 2006; Navarro, Fontes & Fukujima, 1999), sendo a reabilitação integral da pessoa com deficiência visual dependente de diversos aspectos: treinamento sensorial, utilização do resíduo visual, orientação e mobilidade, habilidades lúdicas e socialização (BRASIL Ministério da Educação, 2006; Bruno, 2007; González, 2007).

Os serviços de habilitação/reabilitação visual estabelecem intervenções que abrangem vários aspectos do desenvolvimento infantil. A estimulação visual precoce é um procedimento imprescindível nos primeiros anos de vida da criança, com baixa visão ou cegueira. Consiste em programas específicos e em um conjunto de procedimentos, que possibilitam o pleno desenvolvimento das capacidades da criança, os quais são realizados por uma equipe multidisciplinar. As intervenções promovem a utilização do resíduo visual de modo mais eficiente, previnem futuras sequelas, e favorecem o desempenho do indivíduo no ambiente familiar, social e escolar (Gagliardo & Nobre, 2001; Haddad, 2006; Navarro et al., 1999).

Neste sentido, os grupos terapêuticos surgem como uma modalidade de atendimento, no qual os indivíduos estão vinculados por uma condição, projeto e/ou trajetória social, reunidos por um objetivo comum e por pelo menos um traço de identidade. Nesta interação, os participantes compartilham suas vivências e com isso trocam valores e práticas sociais que possibilitam aprendizado mútuo (Mailhiot, 1991; Zimerman, 1993).

Com base no descrito, o presente estudo se propôs avaliar e evidenciar as contribuições dos grupos terapêuticos de apoio psicológico para as crianças que são atendidas nos serviços de reabilitação visual, uma vez que há escassez de pesquisas nesta perspectiva.

 

MÉTODO

Desenho do estudo

O presente estudo transversal qualitativo descritivo foi realizado no Ambulatório de Estimulação Visual – Setor de Baixa Visão e Reabilitação Visual do Departamento de Oftalmologia e Ciências Visuais da Universidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina - UNIFESP, no período de setembro a dezembro de 2012, após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo sob o Nº 97.874/2012.

Todos os pais ou responsáveis pelas crianças participantes leram e assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido contendo os objetivos do estudo, o qual estava de acordo com os princípios da declaração de Helsinque.

Participantes

Inicialmente, os grupos foram formados com crianças que atenderam os critérios de inclusão: pré-escolares, com mais de dois anos de idade que estavam em processo de manutenção dos atendimentos de estimulação visual precoce e em orientação e mobilidade, que não necessitassem de atendimento visual específico e sem alterações sistêmicas associadas.

Participaram também os pais ou responsáveis das crianças atendidas no Serviço. Todas as crianças selecionadas apresentavam diagnóstico de deficiência visual bilateral (baixa visão), após exame oftalmológico completo realizado por oftalmologistas do Setor de Baixa Visão e Reabilitação Visual.

O exame incluiu avaliação externa das pálpebras e anexos, medida da acuidade visual, exame de motilidade extrínseca ocular (exame que avalia os movimentos dos olhos), biomicroscopia para exame de seguimento anterior do olho (córnea e cristalino), realizado por meio de um microscópio com um feixe de luz, refração cicloplégica (exame com a aplicação de colírio para dilatar a pupila, assim, tornar mais confiável e precisa a medida de grau de erro refrativo do olho, como ocorre em casos de miopia, hipermetropia ou astigmatismo) e o exame do fundo de olho (nesse exame avalia-se como está a retina) (Ferreira, 2010, p.74).

Procedimentos

Inicialmente foi realizada leitura em prontuário e observação prévia dos participantes durante os atendimentos individuais em estimulação visual precoce. Para serem inscritos nos grupos, os participantes selecionados já haviam atingido os objetivos dos atendimentos individuais em estimulação visual precoce, os selecionados foram alocados em grupos, cada um composto por no máximo três crianças de faixa etária equivalente. Todas participaram do grupo terapêutico de apoio psicológico, no qual obtiveram atividades, com instrumentos lúdicos tais como jogos e brinquedos, sendo as propostas selecionadas para o grupo terapêutico de acordo com a necessidade e faixa etária dos participantes. Os grupos terapêuticos foram realizados por um período de dois meses, quinzenalmente com duração média de 40 minutos cada atendimento.

Foram propostas atividades de conhecimento prévio dos participantes, tais como: escaneamento (com o uso de bolas pequenas, médias e de cores vermelho, verde, amarelo e azul e brinquedos de tamanhos variados), jogos de encaixe, pista de obstáculos com um rolo de espuma de aproximadamente 10 cm de altura por 80 de comprimento, boliche (com pinos de cores em destaque).

Para avaliar as contribuições do grupo terapêutico de apoio psicológico no desenvolvimento social das crianças com deficiência visual, foram aplicados para os pais/responsáveis o Questionário de Função Visual Infantil (QFVI) em dois momentos, antes e após dois meses da intervenção. Este instrumento possui duas versões: para crianças menores de 3 anos contendo 35 questões e outra para crianças de 3 a 7 anos com 40 questões.

O questionário de qualidade de vida foi validado para crianças com deficiência visual ou com problemas oculares, o qual mensura o impacto das doenças oculares e da deficiência em diversas esferas da vida dessas crianças e de seus familiares. Este instrumento é subdividido em seis domínios: saúde geral (em que se avalia  a condição da saúde geral da criança), saúde da visão (que se refere aos cuidados com a visão e as percepções relacionadas a ela), competência (a habilidade da criança em desempenhar as atividades de vida diária), personalidade (aspectos relacionados aos comportamentos sociais da criança e do desenvolvimento de sua personalidade),  impacto familiar (mensura as preocupações e o impacto do problema visual na família) e tratamento (refere-se às repercussões do tratamento do problema visual na criança e seus familiares) (Felius et al., 2004; Lopes, Salomão, Berezovsky & Tartarella, 2009;  Messa, Nakanami & Lopes, 2012).

Ao término de cada intervenção foram dadas orientações aos pais de cada criança para realizarem as atividades em seus domicílios, no intuito de reforçar os comportamentos pró-sociais e habilidades pré-existentes trabalhadas no grupo terapêutico.

Análise de dados

Para a análise dos resultados do questionário havia cinco possibilidades de resposta organizadas em escala do tipo Likert, às quais foram atribuídas pontuação de zero a 100 pontos em intervalo de 25 pontos, onde zero representa a pior e 100 a melhor qualidade de vida. Os resultados obtidos do questionário foram analisados a partir da média aritmética das questões, em que foram calculados os escores para todos os domínios.

Tais resultados foram correlacionados com os dados das intervenções em grupo obtidos e documentados em um diário de campo. O diário de campo é um instrumento de coleta de dados em que são registradas as observações do pesquisador(a) de maneira exata e cuidadosa, para contextualizar os fatos levantados (Barros & Lehfeld, 2008).

Os aspectos de observação clínica basearam-se na interação entre os pares e comportamentos pró-sociais (compartilhar, cooperação, confortar, dentre outros), pois promovem, por meio de atitudes e ações, aprendizado mútuo, manutenção e aquisição de habilidades funcionais.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A inserção da criança deficiente visual no Serviço de Habilitação/Reabilitação Visual do Departamento de Oftalmologia e Ciências Visuais da UNIFESP requer avaliações para que seja estabelecido um plano de ação mediante a sua necessidade. Contempla intervenções multidisciplinares e interdisciplinares que priorizam ou despertam as habilidades pré-existentes e enfatizam as capacidades física, mental e social do indivíduo com o objetivo de proporcionar-lhes maior autonomia e inserção social (Araújo, 2007). O grupo terapêutico de apoio psicológico visa o desenvolvimento social e a manutenção das habilidades pré-existentes das crianças participantes.

Com relação aos inscritos no presente estudo, cabe ressaltar que cinco crianças foram excluídas, pois os responsáveis não retornaram para a reaplicação do questionário na data estabelecida. Os dados da caracterização dos participantes serão apresentados conforme a Tabela 1.

 

 

Segundo Roe (2008), o desenvolvimento social emocional exerce papel fundamental no desenvolvimento infantil. Quanto melhor for a competência emocional social, maior impacto positivo trará sobre diversos aspectos da vida da criança, ao exercer influência não somente em suas relações interpessoais, mas também em seu aprendizado.

A comparação entre os resultados do QFVI antes e depois da intervenção terapêutica apontam para contribuições do grupo terapêutico no desenvolvimento social das crianças, por meio do impacto positivo gerado na qualidade de vida delas. Os escores obtidos na segunda aplicação do QFVI foram maiores do que os obtidos na primeira avaliação, conforme demonstra a Tabela 2.

 

 

Crianças com deficiência visual tendem a apresentar atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, a coordenação pode influenciar no desempenho das competências e tornar essas crianças susceptíveis a apresentarem sentimentos de insegurança e frustração, ao invés de autoeficácia e independência, normalmente vivenciados por crianças com desenvolvimento típico. Também devemos salientar o impacto que a deficiência pode ter sobre a dinâmica familiar, sendo assim, a maneira como os pais vivenciam esta experiência influenciará no desenvolvimento da criança (Glass, 2002; Lopes et al., 2009; Messa et al., 2012).

Tais dados corroboram os achados na presente pesquisa, que por meio dos relatos dos cuidadores no segundo momento de aplicação, as dificuldades se concentravam na incerteza quanto ao desempenho de seus filhos em suas atividades de vida diária. Diante do sofrimento, muitas famílias podem se sentir impotentes para lidar com a condição que vivenciam, necessitando de acompanhamento psicológico durante todo o processo de habilitação e reabilitação, na presente pesquisa algumas famílias seguiram em acompanhamento psicológico após o término dos grupos.

Foi possível observar no início dos atendimentos em grupo que os participantes apresentaram baixa tolerância à frustração diante das atividades, como choro e disputa por brinquedos e, portanto, demonstravam interações limitadas, recorrendo por diversas vezes à terapeuta. A dificuldade em adiar a recompensa foi observada nas crianças em que, diante de dificuldades, jogavam o objeto no chão e logo buscavam por outro, ou não seguiam regras para desempenhar a atividade conforme o proposto.

Diante disto, os programas de reabilitação visual disponibilizam diversos materiais, os quais são utilizados gradativamente e de acordo com o estágio de desenvolvimento da criança e suas necessidades, para que as dificuldades visuais sejam atenuadas. Esses recursos são introduzidos em atividades lúdicas e os materiais são adaptados para diferentes necessidades, tais como: contrastes de cores, texturas, tamanhos e iluminação (Gagliardo & Nobre, 2001; Navarro et al., 1999; Souza & Batista, 2008; Souza et al., 2010).

Durante o presente estudo foram realizados ajustes no ambiente de intervenção e disponibilizados materiais que objetivaram motivar as crianças para o olhar, por meio da redução da intensidade da luz na presença de fotofobia, disposição de objetos a fim de promover a exploração do ambiente, buscando maior autonomia por todos os participantes. Além do objetivo de atenuar dificuldades visuais, o grupo terapêutico de apoio psicológico também teve como objetivo propiciar o desenvolvimento socioemocional dessas crianças.

Pesquisas demonstram que a criança, ao longo do seu desenvolvimento típico, apresenta condições favoráveis de formação de vínculos, de comportamentos pró-sociais (p.e., compartilhar, ajudar, cuidar, ensinar), de habilidades empáticas (capacidade de compreender, experimentar e se sensibilizar com o sentimento alheio e demonstrar apoio por meio de palavras e/ou gestos) e para o processo de socialização (Bussab, 1997; Ferreira, 2008; Roe, 2008).

Já a criança com deficiência visual tende a demonstrar dificuldades em alguns aspectos, como estabelecer trocas interpessoais com seus pares, devido à dificuldade no reconhecimento de alguns sinais sociais, uma vez que o contato visual delas é limitado. Cabe ressaltar que, em alguns casos, não é dada às crianças com deficiência visual a oportunidade de realizar atividades em grupos, desta maneira o contato fica restrito aos adultos (Ferreira, 2008; Glass, 2002; Souza & Batista, 2008).

Ao decorrer do presente estudo observaram-se mudanças comportamentais favoráveis nestas crianças, que passaram a demonstrar reações de cooperação, ajuda mútua, empatia, cumprimento de regras e tolerância à frustração.

Em diversas ocasiões, a criança que chorava era confortada pela outra. As crianças que antes apresentavam baixa tolerância à frustração demonstraram ter mais recursos de enfrentamento para lidar com as dificuldades e serem mais complacentes e motivadas para realizar as atividades, e ainda demonstravam compreensão e apoio mútuo. Esses dados foram observados quando uma criança deixava a outra começar a atividade, sorriam ao ver o parceiro desempenhando a tarefa e quando preparavam a brincadeira para o outro iniciá-la.

Os domínios de personalidade e impacto familiar apresentaram aumento da pontuação no segundo momento - vide tabela 2, dados estes que enfatizam a contribuição do grupo terapêutico no desenvolvimento da personalidade, formação de vínculos, de comportamentos pró-sociais e de habilidades empáticas, bem como na percepção das famílias diante da realidade vivenciada.

Outro aspecto relevante é que a interação entre crianças em contexto lúdico as coloca em uma posição de modeladoras de comportamentos de seus pares, uma vez que, a partir da observação, imitam o comportamento do outro e despertam em seus parceiros novas habilidades (Bandura, Azzi & Polydoro, 2008; Nuernberg, 2008; Souza & Batista, 2008).

Eckerman (1993, citado por Celeste, 2006) afirma que a interação social precoce entre pares é caracterizada por comportamentos não-verbais, tais como imitar ou oferecer objetos como uma forma de iniciar interação. Na literatura estudos realizados com crianças pré-escolares de desenvolvimento típico e com deficiência visual revelaram o brincar solitário, ou paralelo das crianças, os quais são evidenciados nesta fase. Porém, foi constatado que mesmo com o brincar paralelo, as crianças são modeladoras de comportamentos de seus pares e cabe ao adulto ou à criança mais experiente serem mediadores desta interação, ao proporcionar ambientes que possibilitem as trocas de experiências e práticas sociais (Bee, 2003; Nuernberg, 2008; Souza & Batista, 2008; Souza et al., 2010).

As atividades realizadas no presente estudo promoveram aprendizagem vicária (por imitação) (Bandura et al., 2008), como observado ao longo dos grupos na interação entre os pares. Sugere-se, assim que a aprendizagem é fundamental para o desenvolvimento da autoestima e autonomia das crianças, pois passaram a explorar o ambiente e suas potencialidades mais ativamente, sendo este também um espaço potencial para o desenvolvimento social delas.

Os dados obtidos por meio do QFVI corroboram as observações em diário de campo. O trecho a seguir exemplifica um momento de aprendizagem vicária e de aprendizagem por mediação: em atividades de deslocamento e exploração do ambiente, neste contexto as crianças demonstraram compreender o objetivo da atividade olhando como a outra criança desempenhava a tarefa para imitá-la. Ainda na mesma atividade uma criança deu suporte a outra quando segurou a sua mão para que executassem a tarefa juntas.

Estudos apontam que o suporte dado às famílias é de extrema importância, por atenuar o impacto negativo vivenciado no momento do diagnóstico da deficiência visual das crianças. O atendimento multidisciplinar promove melhora na qualidade de vida e desta forma favorece a família que desenvolva estratégias de enfrentamento que contribuirão para a própria evolução da criança (Glass, 2002; Messa et al., 2012).

Assim, vale ressaltar a importância da família no processo de desenvolvimento da criança com deficiência visual. A partir de orientações aos pais (Araújo, 2007; Souza et al., 2010), esses podem possibilitar reforço de comportamentos pró-sociais, a aquisição de novas habilidades, além de contribuir para uma melhor adesão ao tratamento. Neste sentido as estimulações devem ser incorporadas no dia a dia dessas famílias (Bee, 2003; Celeste, 2006).

Considerando o citado acima podemos verificar o impacto positivo que as intervenções multidisciplinares promoveram sobre os resultados obtidos nas subescalas de tratamento e impacto familiar.

Embora o presente estudo tenha limitações metodológicas devido ao tamanho da amostra e o tempo de intervenção e, por isso, não permita amplas generalizações, os resultados sugerem que a proposta do grupo terapêutico de apoio psicológico para crianças com deficiência visual tende a ser eficaz por sugerir impactar positivamente a qualidade de vida, especialmente sobre o impacto familiar e personalidade da criança deficiente visual.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A intervenção do grupo terapêutico de apoio psicológico para crianças em reabilitação visual leva em conta as limitações da deficiência visual enfatizando as capacidades individuais. Propicia ambientes que potencializam os recursos remanescentes e contribui para que a criança, ao estar motivada para o olhar, passe a ser capaz de utilizar eficientemente o seu resíduo visual.

As atividades lúdicas realizadas em grupo favorecem à criança apropriação do mundo, propiciando aproximação de seus pares e desenvolvimento de estratégias de planejamento e execução de tarefas que serão facilitadoras para o desenvolvimento da autonomia e inserção social.

Promove ainda o contínuo processo de desenvolvimento do indivíduo por meio de trocas de experiência ao partilhar conhecimento, adquirir tolerância e agir empaticamente.

Diante do exposto, sugere-se que outros estudos semelhantes sejam realizados, considerando a participação de profissionais especializados em baixa visão. Outro aspecto que deve ser considerado é o tempo de exposição dessas crianças ao grupo terapêutico, bem como oferecer aos pais orientação para continuidade de algumas tarefas no ambiente familiar que possa assegurar a manutenção da reabilitação após alta do tratamento.

 

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Endereço para correspondência
E-mail: andreapsicounifesp@gmail.com

 

 

1Psicóloga do Setor de Baixa Visão e Reabilitação Visual - Departamento de Oftalmologia e Ciências Visuais da Universidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina (UNIFESP) – São Paulo, Brasil.
2Doutora e chefe do Setor de Baixa Visão e Reabilitação Visual - Departamento de Oftalmologia e Ciências Visuais - da Universidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina (UNIFESP) – São Paulo, Brasil.
3Doutora do Setor de Baixa Visão e Reabilitação Visual - Departamento de Oftalmologia e Ciências Visuais - da Universidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina (UNIFESP) – São Paulo, Brasil.
4Fisioterapeuta, Doutora do Setor de Baixa Visão e Reabilitação Visual - Departamento de Oftalmologia e Ciências Visuais - da Universidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina (UNIFESP) – São Paulo, Brasil.
5Psicóloga, Doutora do Setor de Baixa Visão e Reabilitação Visual - Departamento de Oftalmologia e Ciências Visuais - da Universidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina (UNIFESP) – São Paulo, Brasil.
6Psicóloga, Doutora e Chefe do Setor de Psicologia - Departamento de Oftalmologia e Ciências Visuais - da Universidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina (UNIFESP) – São Paulo, Brasil.

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