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Psicologia Hospitalar

On-line version ISSN 2175-3547

Psicol. hosp. (São Paulo) vol.16 no.1 São Paulo Jan. 2018

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

O discurso histérico e suas repercussões no processo de hospitalização: um estudo de caso

 

The hysterical discourse and its repercussions in the hospitalization process: a case study

 

 

Rafaela Parga Martins Pereira1; Débora Yumi F. Kamikava2

Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Brasil.

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A Doença Arterial Obstrutiva afeta o fluxo sanguíneo nas artérias, causando dor. Dor é uma experiência subjetiva, afetada pelas vivências do indivíduo. No hospital, os pacientes buscam solução para seu sintoma e sofrimento, no entanto, por vezes, trata-se de questões que escapam à racionalidade médica. Este estudo de caso pretende identificar e descrever o vínculo social estabelecido por uma paciente, e suas repercussões, durante hospitalização. Foram realizados dez atendimentos psicológicos com a paciente e discussões do caso com a equipe. O modo de a paciente estabelecer vínculo social, através do discurso histérico, gerou repercussões em sua hospitalização, provocando na equipe constante busca pela produção de saber sobre seu sintoma e na paciente insatisfação com as soluções oferecidas. Os atendimentos ofereceram lugar para o aspecto subjetivo do sintoma da paciente, iniciando assim a elaboração de uma questão.

Palavras-chave: Hospitalização, Psicanálise, Dor, Histeria, Sintomas psíquicos.


ABSTRACT

Obstructive Artery Disease affects blood flow in the arteries, causing pain. Pain is a subjective experience, affected by the individual's experiences. In the hospital, patients seek solutions to their symptoms and suffering, however, sometimes these are issues that escape medical rationality. This case study aims to identify and describe the social bond established by a patient, and their repercussions during hospitalization. Ten psychological visits and discussions of the case with the team were made. The way in which the patient establishes a social bond, through the hysterical discourse, has generated repercussions on her hospitalization, provoking in the team a constant search for the production of knowledge about her symptom and in the patient dissatisfaction with the solutions offered. The consultations offered a place for the subjective aspect of the patient's symptom, thus initiating the elaboration of a question.

Keywords: Hospitalization, Psychoanalysis, Pain, Hysteria, Psychic symptoms.


 

 

INTRODUÇÃO

A Doença Arterial Obstrutiva Crônica (DAOC) é uma alteração vascular que afeta o fluxo sanguíneo nas artérias e, dependendo do grau de obstrução, leva à isquemia dos tecidos, podendo ocasionar dor da neuropatia isquêmica, dor em repouso e claudicação intermitente - que é a dor ao caminhar ou ao fazer exercícios. Em seu grau mais avançado, afeta a mobilidade do paciente, podendo levar à atrofia de membros, formação de úlceras e de gangrenas, além do comprometimento de pele e unhas (Mota, Santos, Silva, Mesquita & Oliveira, 2017).

Segundo os mesmos autores, a DAOC está relacionada à doença aterosclerótica (depósito de gordura, cálcio e outros elementos na parede das artérias) e tem como principais fatores de risco o tabagismo, o diabetes mellitus, a hipertensão arterial sistêmica, a dislipidemia e a idade avançada. No entanto, há casos em que a doença decorre de outras comorbidades, como é o caso do Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES), doença autoimune que pode afetar todo o organismo, de causas pouco conhecidas, mas que sofrem influência de fatores genéticos, ambientais, hormonais e imunológicos (Ministério da Saúde, 2014).

O LES é uma doença de evolução crônica com períodos de intensificação e remissão, tendo a doença aterosclerótica como uma das causas de morbidade e mortalidade. Fatores de risco semelhantes aos da DAOC estão relacionados ao desenvolvimento da aterosclerose em pacientes com LES (Telles, Lanna, Ferreira, Carvalho & Ribeira, 2007).

Pessoas acometidas pela DAOC enfrentam tratamentos longos, como internações hospitalares consecutivas, restrições alimentares, uso de medicamentos, consultas e exames constantes, além de dores relacionadas aos sintomas e tratamentos. Por essa razão, alguns desses pacientes vivenciam sentimento de culpa relacionado aos hábitos prévios à doença, como alimentares e o fumo; opressão ao se deparar com algumas restrições e limites; sofrimento relacionado à perda da independência; sensação de isolamento devido ao desconforto provocado pela dor ou pelos efeitos colaterais dos analgésicos (Matheus & Pinho, 2006).

A dor sempre foi uma das principais preocupações da humanidade, o que motivou o ser humano a buscar razões que a explicassem e técnicas para amenizá-las. A Associação Internacional para o Estudo da Dor (International Association for the Study of Pain, IASP) define dor como: “Experiência sensitiva e emocional desagradável associada ou relacionada a lesão real ou potencial dos tecidos. Cada indivíduo aprende a utilizar esse termo através das suas experiências anteriores”. Essa definição amplia o sentido de dor ao descrever que não há relação uniforme entre a lesão tecidual e a dor, esta é sempre uma experiência subjetiva, com um elemento físico e um mental, sendo afetada pelo contexto de vida do indivíduo e por suas experiências anteriores (Botega, 2012).

A expressão da dor é formada por uma sensação e uma reação, denominada de comportamento de dor, que sofre influência da personalidade do paciente, de sua rede familiar e social, da compreensão cultural da doença de base e da presença de comorbidades psiquiátricas. Portanto, a dor relatada por um paciente pode ser avaliada como apropriada, acentuada, ou menor do que o esperado para o seu grau de patologia orgânica (Botega, 2012).

Nos cuidados ao paciente com dor, realizados por equipes assistenciais, a separação entre o componente orgânico e o componente subjetivo do sintoma é algo que dificulta o entendimento do sofrimento real do paciente e a atenção dispensada a ele (Botega, 2012). Desse modo, o trabalho do psicanalista torna-se importante no contexto hospitalar, uma vez que esse profissional entende que não há distinção entre dor psíquica e dor física, a dor está no limite entre corpo e psique (Nasio, 1997). Enquanto o médico toma como objeto de estudo o corpo orgânico e o desaparecimento dos sintomas, o psicanalista se atenta à subjetividade, buscando identificar o sofrimento subjetivo do sintoma no paciente, ou seja, busca acessar o seu desejo de saber para além do diagnóstico (Morais, Rei & Nicolau, n.d.).

A angústia do paciente provém de algo que é dele, mas que ele ainda não conhece. Esse saber desconhecido é o saber do inconsciente e é no enunciado que ele pode surgir (Moretto, 2002). Assim, o psicanalista, através da transferência, propõe-se a analisar o psiquismo, o inconsciente do sujeito, e é através da fala do paciente que ele emerge, e também é a partir dela que se dá o tratamento do sofrimento psíquico, pois trata-se da realidade psíquica do sujeito, a partir da qual ele se vê, pensa, fala, sofre, trabalha, ou seja, insere-se no mundo e também se desconhece (Figueiredo & Machado, 2000).

Segundo a teoria dos discursos, elaborada por Lacan em seu seminário XVII, nos anos 1960/1970, os discursos são estruturados pela linguagem - cadeia de significantes - e são formas de vínculo social entre os sujeitos, caracterizando as diferentes formas de as pessoas relacionarem-se entre si (Castro, 2012b; Coelho, 2006). Há quatro formas de estabelecer vínculo social. Dentre essas, há o discurso da histeria, que não se refere à neurose histérica, mas a um modo de relacionamento humano em que um provoca no outro o desejo e a criação do saber (Quinet, 1999).

O discurso histérico é marcado pelo endereçamento de uma questão do sujeito, esta que é inconsciente e, portanto, enigmática, a um outro que é colocado em uma posição de mestre. O que o sujeito busca nesse endereçamento é o saber sobre sua própria questão. Ao endereçar e questionar o mestre, o sujeito aliena-se a ele, pois espera que o saber venha dele, porém, o saber que é produzido pelo mestre é insuficiente para responder a questão do sujeito, de modo que o sujeito mantém-se insatisfeito, apontando as falhas do mestre (Castro, 2012a; Bonfioli, n.d.).

Além disso, a busca pelo mestre é acompanhada pelo desejo de comandar, tornando o discurso ambíguo, pois ao mesmo tempo em que o sujeito busca um mestre supondo que ele tenha um saber, ele resiste a ser comandado através do corpo. Apesar de o saber produzido pelo mestre ser insuficiente, o sujeito não desiste de dirigir-se a ele e persiste demandando (Bonfioli, n.d.).

Assim, o discurso histérico caracteriza-se como o modo de relacionamento com o outro baseado em reclamações, o que é frequente no ambiente hospitalar, uma vez que os pacientes estão em uma condição de maior fragilidade devido à doença e internação (Melo, 2009). Em algumas situações esse discurso pode ser observado na relação médico-paciente, quando o médico propõe-se a estudar para produzir um saber que lhe foi instigado pelo caso do paciente. Porém, esse saber produzido não dá conta de responder a todo o real que está presente na verdade do sofrimento subjetivo (Quinet, 1999).

Como o discurso médico é o dominante nas instituições de saúde (Ramos & Nicolau, 2013), o lugar da psicanálise na medicina, segundo Lacan (2001/1966), é marginal e extraterritorial, pois a psicanálise é considerada uma ajuda exterior, sendo o psicanalista e/ou psicólogo convocados a atuar quando há questões que a medicina não consegue solucionar.

A doença e a hospitalização ocasionam certas limitações, de modo que determinados traços de personalidade podem interferir na adaptação ao estresse e nas reações diante dessas limitações. Segundo Botega (2012), pacientes-problema são aqueles que não se adaptam à doença e nem à hospitalização e são muito demandantes, causando cansaço e dificultando a tarefa assistencial da equipe de saúde. Tais pacientes também podem apresentar comportamentos destrutivos, como tentativas de suicídio, não adesão ao tratamento, automutilação e dependência de opiáceos, além de uma imaturidade da personalidade, relacionando-se de forma arcaica e primitiva, própria da vida infantil (Solano, 2015).

Desse modo, compreende-se que o presente trabalho seja relevante, uma vez que pretende, a partir do estudo de um caso, identificar e descrever o vínculo social estabelecido por uma paciente e suas repercussões no processo de hospitalização, possibilitando assim um novo olhar sobre a paciente e seu sintoma, de modo a auxiliar a equipe no manejo com pacientes que estabelecem tal tipo de vínculo (Botega, 2012).

 

OBJETIVO

O objetivo deste estudo é identificar e descrever o vínculo social estabelecido por uma paciente e suas repercussões no processo de hospitalização.

 

MÉTODO

Trata-se de estudo de caso de uma paciente do sexo feminino, solteira, 36 anos de idade, ensino fundamental completo e mãe de três filhos. A paciente é acompanhada em mais de um ambulatório de especialidades de um hospital terciário devido aos seguintes diagnósticos: Obstrução Arterial Crônica descompensada no membro inferior direito, Lúpus Eritematoso Sistêmico e Anemia Hemolítica autoimune.

Em 2018, a paciente foi internada duas vezes pelo serviço de Cirurgia Vascular. No período da segunda internação, foi solicitado atendimento psicológico à paciente pela equipe médica. No total, foram realizados dez atendimentos psicológicos em leito de pronto-socorro pré-procedimento cirúrgico e em leito de enfermaria após realização do procedimento. A frequência dos atendimentos foi, em média, de duas vezes na semana e duração média de 60 a 90 minutos cada. Os instrumentos utilizados nesses atendimentos foram entrevistas semidirigidas e atendimentos psicológicos de orientação psicanalítica. Os atendimentos foram registrados em prontuário e, para construção do estudo de caso, foram utilizados os dados obtidos nos atendimentos psicológicos, hipóteses levantadas durante supervisões clínicas do caso e análise do prontuário. O material utilizado neste estudo foi pesquisado, a partir dos descritores, em bancos de dados como Scielo, Pepsic, Revistas USP e biblioteca PUC Minas.

Apresentação do caso

Em consideração a aspectos éticos, o nome utilizado nesse estudo de caso é fictício. Camila, solteira, 36 anos de idade, trabalhava, eventualmente, como cabeleireira e segurança de eventos. Mãe de três filhos, uma do sexo feminino de 8 anos com quem reside, e dois filhos do sexo masculino, um de 20 anos, que mora com a companheira, e outro falecido em 2014, aos 12 anos.

Desde 2005, a paciente é acompanhada em ambulatório de Reumatologia de um hospital terciário na cidade de São Paulo por diagnóstico de Lúpus Eritematoso Sistêmico e Anemia Hemolítica Autoimune. Em janeiro de 2018, teve sua primeira internação pela Clínica Cirúrgica Vascular, via pronto-socorro, tendo ela relatado dor para caminhar em membro inferior direito (MID) há dez meses, associada à parestesia do membro. Na ocasião, foi diagnosticada com Trombose da Artéria Poplítea e recebeu alta hospitalar duas semanas após a internação, ainda apresentando sintomas e com data próxima de retorno ambulatorial. Dez dias após a alta hospitalar, a paciente procurou o pronto-socorro do mesmo serviço devido à persistência da dor e deu entrada na internação. Nessa ocasião, recebeu novo diagnóstico, o de Obstrução Arterial Crônica. A paciente apresentava dor intensa e frialdade no membro, de modo que durante a internação foi indicado tratamento cirúrgico, o que só ocorreu depois de aproximadamente dois meses de internação, devido a questões institucionais e por não se caracterizar como um caso de emergência. Nesse período de espera da cirurgia, Camila seguiu acompanhada pelo Grupo da Dor para melhor controle dos sintomas.

O pedido de avaliação psicológica partiu da equipe médica, que referiu que a paciente estava em internação por período prolongado, e questionou se poderiam haver aspectos emocionais influenciando em seu quadro de dor intensa.

Em diversas evoluções de prontuário, a equipe médica relatou “suspeita de presença de componente emocional” (sic) na dor intensa relatada por Camila devido a alguns comportamentos contraditórios, tais como caminhar diversas vezes ao dia pelo pronto-socorro e sentar-se sobre o membro afetado. Também houve suspeita de dependência medicamentosa em razão do episódio em que a paciente abriu a válvula da bomba da medicação psicotrópica prescrita para alívio da dor, colocando-se em risco, de modo que teve que ser encaminhada à sala de emergência. Além disso, segundo relatos da enfermagem e prontuário, ocorreu de a paciente ter-se trancado no banheiro, quebrado objetos e chutado a porta. O fator desencadeante dessa situação teria sido uma suposta demora em receber a analgesia prescrita (tempo para buscar a medicação na farmácia).

A equipe também solicitou interconsulta da Psiquiatria devido às questões apresentadas acima e, de acordo com a avaliação, a paciente não apresentava atitude histriônica ou exagerada, não se configurando, portanto, quadro sugestionável de dor psicossomática.

Camila não se casou, mas manteve alguns relacionamentos conflituosos, tendo engravidado em dois deles. Os dois filhos foram gerados no primeiro relacionamento e a filha, no segundo. Atualmente, vive seu terceiro relacionamento amoroso e, até o diagnóstico da doença, trabalhava como autônoma, atividade que se viu forçada a abandonar em razão dos sintomas e das dores, o que lhe acarretou, desde então, dependência financeira da família.

Nos primeiros atendimentos psicoterápicos, Camila queixava-se de dor intensa na perna direita, relatava que os medicamentos não amenizavam o sintoma e lamentava sentir saudades da filha e da sua rotina ativa. Mencionou pensamentos negativos recorrentes durante a internação, tais como pensamentos de morte em razão dos limites impostos pela doença e da falta de apoio familiar. Também descreveu histórico de acompanhamento psicológico alguns anos antes, ao qual não deu seguimento por ter a profissional, segundo sua percepção, tê-la feito sentir culpa pelas situações pregressas vivenciadas ao longo da vida. Negou histórico psiquiátrico e afirmou fazer uso por dois anos de Sertralina - prescrita por clínico geral - devido a sintomas ansiosos.

A paciente falava pouco do filho mais velho, caracterizando-o como alguém que não se importava com ela e era apenas interessado em seu dinheiro. Contou, afetuosamente, sobre o filho que faleceu por complicações da Hidrocefalia, descrevendo este período como difícil. Era a cuidadora principal do filho e dizia que possuíam uma relação de afeto e cuidado, além de sentir que este filho a valorizava e se importava, de fato, com ela. Apresentou sentimento de culpa relacionada à morte dele, pois no dia em que faleceu ela não estava presente no hospital.

Além disso, Camila mencionava constantemente sobre episódio traumático ocorrido na infância em que a família a culpabilizava. Não relatou claramente o ocorrido, porém, através de suas falas, expressou conteúdos que remetiam à perda da infância, ao receio de sua filha sofrer abuso sexual e à repulsa frente às notícias sobre abuso sexual que frequentemente aparecem na televisão. Descreveu tentativas de suicídio na adolescência por ingestão de medicamentos e relacionadas às suas vivências infantis.

A paciente, frequentemente, relatava conflitos com familiares e com o parceiro atual, queixando-se deles e mostrando-se sempre insatisfeita e na expectativa por alguma mudança de atitude por parte deles, o que também parecia acontecer em relação à equipe de saúde. Queixou-se do pouco apoio que recebia da família durante a internação, das visitas escassas e da indiferença com que a tratavam. Relatava diversas vezes sentir-se preterida pela mãe em benefício dos irmãos, associando esse sentimento ao fato de ter sido adotada pela família na infância. Do parceiro atual, reclamava do comportamento ciumento e do hábito de beber, motivos das brigas rotineiras do casal. Da equipe assistencial, queixava-se da espera pela realização da cirurgia e relatava que não a atendiam prontamente. Dizia sentir-se abandonada pela equipe e incompreendida pelos profissionais diante do seu quadro de dor.

Diante das frustrações que vivenciava nesses relacionamentos, reagia de modo passivo e não resolutivo. Com a equipe, agia como paciente solicitante e poliqueixosa, além de apresentar comportamento impulsivo, como na situação em que se trancou no banheiro, alegando demora para receber medicamentos. E ainda no episódio em que manifestava inconformismo diante da espera por procedimento cirúrgico, o que a fez cogitar lesionar o próprio pé para que, assim, seu caso se enquadrasse nos critérios de emergência, o que anteciparia a cirurgia. Em relação ao marido, ameaçava romper o relacionamento ou se afastar do companheiro.

Camila também apresentava nos atendimentos falas que remetiam ao desejo de receber a esperada atenção dos seus familiares, do seu parceiro amoroso e da equipe de saúde. Mas, em contrapartida, relatava não gostar de incomodar os outros. Ela também relatava que costumava ajudar as outras pessoas, abdicando de suas próprias vontades, mas que não enxergava reciprocidade nisso. Com certa dificuldade, após alguns atendimentos e na tentativa de identificar os motivos pelos quais age dessa forma, a paciente alegou que era para agradar a outras pessoas. Além disso, justificou sua atitude no episódio com a bomba de medicação psicotrópica por um desconhecimento dos efeitos do medicamento. Percebeu que essa situação gerou desconfiança na equipe de uma possível dependência química ou medicamentosa, além de desconfiança quanto à veracidade das dores relatadas por ela, uma vez que a equipe sugeriu a possibilidade de componente emocional como fator influente da dor relatada. Camila discordou dessa suposição, descrevendo a sua dor como “verdadeira” (sic).

Após alguns atendimentos, a paciente passou a questionar seu próprio comportamento, relatando que, em alguns conflitos, seu parceiro apontara as reações dela como infantis. Relacionou as observações do parceiro a atitudes e comportamentos seus durante o período de internação, descrevendo-se, ela própria, como inocente por acreditar nas falas da equipe médica sobre a provável data da cirurgia e por sentir-se frustrada e enganada.

No atendimento anterior à cirurgia, a paciente relatou que iria desistir do tratamento. Referiu cansaço e impaciência devido ao tempo de espera pelo procedimento e verbalizou crises de choro recentes, uma vez que a família não a visitara. E por causa dessa indiferença, ainda declarou que planejava morar na rua e, assim solucionar, de vez, sua dependência financeira, abandonando a filha, a quem não conseguiria sustentar.

Após a realização do procedimento cirúrgico, a paciente manteve queixa de dor, que não se justificava pela doença de base, uma vez que havia sido corrigida por procedimento cirúrgico. Em prontuário havia a indicação de que a paciente passou a se queixar de dor em hemicorpo direito e apresentou dificuldades para levantar-se da cama e realizar atividades básicas, porém, nada disso foi identificado em exame físico realizado pela equipe nas visitas em que a paciente utilizava a mão direita para cumprimentar o médico e mudar o canal de televisão, demonstrando força preservada.

Sobre a permanência da dor após o procedimento cirúrgico, a paciente verbalizava que não aceitaria receber alta enquanto não se apresentasse a solução de seus sintomas, o que levou a equipe médica a solicitar interconsulta de mais uma especialidade, a Neurologia, que depois de feita a avaliação, descartou possibilidade de dor neuropática.

A paciente relatou que, no dia da cirurgia, havia perdido o celular, responsabilizando a equipe de enfermagem pelo ocorrido e cobrando delas alguma solução.

Em reunião médica realizada após procedimento cirúrgico, inicialmente, a equipe mostrou-se inquieta e dispersa para discutir o caso, aparentando certa ansiedade frente ao que não tinha explicação objetiva. Entretanto, a discussão durou um longo tempo e, ao longo dela, surgiram questionamentos e hipóteses propostos pela equipe médica, apontando que aquele não mais se tratava de caso cirúrgico. Ainda assim, alguns membros da equipe dispuseram-se a investigar mais a doença orgânica. Nessa reunião, a equipe de psicologia também foi chamada a se posicionar, diferente de outros casos cirúrgicos discutidos na mesma ocasião.

A equipe manifestou, ao longo da internação de Camila, preocupação em relação à subjetividade dela, visto que, em todas as evoluções em prontuário médico, havia a indicação de que ela estava em acompanhamento psicológico. A equipe demonstrava atitude de suspeita e desconfiança para com o quadro da paciente e, ao mesmo tempo, de curiosidade e desconhecimento frente aos seus sintomas, solicitando diversas especialidades para avaliar e investigar a dor durante a internação.

Com o decorrer dos atendimentos, a paciente deixou de queixar-se da equipe. Nos últimos atendimentos, passou a questionar a influência de aspectos emocionais no seu adoecimento e no quadro de dor, lembrando-se de um momento de ativação do LES, após uma traição do parceiro em seu primeiro relacionamento. Relatou possuir uma dor antiga e questionou se essa dor, presente desde seu nascimento, poderia ser curada. A paciente também mencionou desejo de alcançar independência financeira da família. No último atendimento antes da alta hospitalar, a paciente verbalizou diminuição na intensidade de sua dor e vontade de retornar ao ambiente familiar.

Os atendimentos psicoterápicos de orientação psicanalítica visaram oferecer escuta e lugar para que outros aspectos da dor da paciente pudessem aparecer e serem legitimados e cuidados, já que a equipe assistencial lidava com uma rotina institucional e com conhecimentos técnicos que impossibilitavam isto, despertando na equipe sentimento de desconfiança e de afastamento. Os atendimentos visaram também implicar a paciente nas situações, apontando seus atos repetitivos relacionados a momentos de frustração durante a internação e as consequências desses atos, como os riscos à sua saúde, a desconfiança e afastamento da equipe. Também visou oferecer orientações sobre formas de comunicação entre ela e a equipe e vice-versa.

Tais situações mencionadas acima também foram observadas nos atendimentos psicoterápicos, em que, inicialmente, a paciente reagia às intervenções com outro tipo de insatisfação, com uma negação ou mudando de assunto, apresentando-se resistente às intervenções. Porém, ao longo dos atendimentos, estabelecida a confiança e transferência da paciente para com a psicóloga, Camila passou a demonstrar interesse sobre si mesma, questionando-se a respeito do próprio comportamento e das suas atitudes “impulsivas” (sic), sendo possível, assim, dar continuidade ao acompanhamento psicológico da paciente em ambulatório.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O hospital é o local procurado por um paciente para cura ou reabilitação de doenças orgânicas e é o espaço de atuação da medicina. A medicina é um campo do saber que se baseia no olhar e no corpo biológico e suas práticas e condutas estão fundamentadas na ciência, esta que é um discurso marcado pela objetividade, com o propósito de constante produção de saber. Já a psicanálise é um campo do saber antinômico, ou seja, oposto, pois se assenta na subjetividade, igualmente relevante no contexto hospitalar ao recuperar o que fica excluído do discurso médico (Moretto, 2002). Baseada na palavra e na escuta, a psicanálise trabalha com a verdade do sujeito, que não é do campo racional e simbólico (Melo, 2009).

No caso de Camila que procurou o hospital devido a uma doença orgânica (OAC) - que tem como um de seus sintomas principais a dor - pelo fato de se apresentar acentuada em relação ao quadro clínico da paciente, por ser uma dor que os medicamentos ou outros procedimentos não solucionavam e por se tratar de um comportamento diferente do esperado pela equipe, a equipe médica reagiu com estranhamento, de modo que passou a questionar acerca do componente emocional da dor. Vale ressaltar que a dor é uma experiência subjetiva, que além de seu aspecto físico, possui influências de aspectos emocionais (Botega, 2012).

Essas características já se fizeram presentes no pedido de avaliação psicológica realizado pela equipe em relação ao caso apresentado, sendo possível perceber que os médicos realizavam uma separação entre o componente orgânico e subjetivo do sintoma de dor, o que dificulta o entendimento do sofrimento da paciente (Botega, 2012). Em contrapartida, a solicitação indica que houve uma receptividade da equipe médica em relação às questões subjetivas e o reconhecimento de que outro saber poderia contribuir no contexto hospitalar (Melo, 2009).

Assim, a equipe convocou o psicólogo. Mas, além disso, a psicologia também foi solicitada porque os aspectos subjetivos interferiam na organização e no funcionamento da dinâmica hospitalar, pois Camila demandava constante atenção da equipe e nunca se mostrava satisfeita com o que lhe era oferecido (Moretto, 2002; Morais et al., n.d.).

Como o hospital é o local de tratamento das enfermidades orgânicas, a busca por uma solução no corpo está personificada pela figura do médico, que é o representante da medicina e detentor de um suposto saber, frequentemente exigido pelos pacientes para verem solucionados seus problemas apresentados (Melo, 2009). Muitas vezes, estar doente é uma forma de buscar o saber que aplaca a angústia e o mal-estar, é também um modo de ser tratado como alguém que sofre (Moretto, 2002). Isso pode ser observado no caso de Camila, que posicionou a equipe médica nesse lugar, exigindo respostas e soluções, expressando a expectativa de que a equipe assistencial solucionasse sua dor e seu sofrimento. O hospital não foi só o lugar procurado por Camila para tratar da doença orgânica, mas também o local no qual ela buscou respostas para o que lhe angustiava, supondo que alguém detinha o saber acerca do seu sofrimento.

Em alguns casos, o paciente também tende a posicionar o psicanalista no lugar em que coloca a equipe médica, lugar de quem possui a resposta sobre seu sintoma (Coelho, 2006). Posicionar o analista nesse lugar é importante, pois é o que possibilita a transferência, viabilizando o tratamento. Porém, o analista posiciona-se de modo a não responder do lugar em que é colocado, não oferecendo respostas ao paciente, pois o saber acerca da verdade do sujeito está nele próprio e deve ser buscado nele (Moretto, 2002; Melo, 2009).

Inicialmente, Camila não posicionou a psicanalista nesse lugar, não se implicando em seu tratamento psicoterápico e não constituindo sua queixa como uma questão para si e nem para a psicanalista, uma vez que ela não se questionava sobre a dor, reagindo com negação ou mudando de assunto frente às intervenções psicológicas.

O modo pelo qual Camila relacionava-se com a equipe de saúde demonstrou seu modo de usar a linguagem para estabelecer vínculo social, denominado por Lacan (Castro, 2012b; Coelho, 2006) como discurso. No discurso caracterizado como histérico, há o endereçamento de uma questão do sujeito - marcado pela falta - a um outro que é colocado na posição de mestre, buscando-se nesse endereçamento o saber sobre sua própria questão (Bonfioli, n.d.). O sujeito dirige-se ao outro na tentativa de que ele interprete seu sintoma e o outro é ocupado por um mestre que deve atender às demandas do sujeito e não pode frustrá-lo (Melo, 2009).

Camila, através de seu sintoma de dor, endereçou uma questão sua à equipe de saúde, posicionada no lugar de mestre, de modo que não conseguia lidar de forma amadurecida com os momentos de frustração, o que pôde ser observado nas atitudes da paciente durante a internação, que agiu de modo a oferecer risco à própria saúde, como, por exemplo, quando se trancou no banheiro e chutou a porta com o membro doente, bem como no momento em que mexeu na bomba de medicação, provocando sua transferência para a sala de emergência para reverter o quadro.

Além disso, Camila provocou na equipe o interesse de solucionar seu sintoma. O discurso histérico provoca a produção de saber e isso porque o sujeito, ao propor um enigma ao outro, desperta nele o interesse de produzir saber. Porém, o que é produzido é diferente do que o sujeito espera, pois a expectativa do sujeito é saber sobre sua castração (Quinet, 1999). Desse modo, o mestre nunca consegue satisfazer completamente o sujeito e o seu empenho em produzir saber é inútil porque a verdade do sujeito é impossível de ser dita integralmente (Melo, 2009).

Essa busca de conhecimento pela equipe apresentou-se nos diversos exames realizados, nas receitas medicamentosas prescritas, nas solicitações de interconsulta de diversas especialidades, no procedimento cirúrgico e nas discussões em reuniões de equipe. Contudo, nenhuma dessas ações solucionou a dor de Camila, pois o saber que ela buscava era de ordem subjetiva e não apenas orgânica, um saber acerca da sua questão, uma resposta sobre a verdade recalcada no inconsciente (Coelho, 2006).

Todo esse cenário resulta em uma constante insatisfação do sujeito e no apontamento das falhas do mestre em seu discurso que aparecem nos momentos em que o sujeito duvida do mestre e o priva de seu lugar de autoridade. Devido a isso, o discurso histérico caracteriza-se como um modo de relacionamento com o outro baseado em reclamações (Melo, 2009). Nos atendimentos psicoterápicos, Camila relatava constantemente suas insatisfações com as soluções oferecidas pela equipe assistencial, reclamando da equipe como um todo, relatando que não a atendiam prontamente, não realizavam sua cirurgia e que os medicamentos receitados não solucionavam sua dor. Além disso, após procedimento cirúrgico, Camila relatava que a dor persistia, ou seja, não havia sido solucionada, colocando novamente a equipe no lugar de quem a frustrava.

Estas insatisfações também se repetiam nas relações familiares e amorosas, quando, por exemplo, alegava a ausência de visitas e a indiferença dos familiares em relação a ela. Mas, ao ser questionada a esse respeito, Camila confirmava receber ligações e visitas constantes da mãe, das irmãs, do filho e do parceiro, além do que, em alguns atendimentos psicológicos, a própria psicóloga presenciou visitas de familiares no hospital. Outro exemplo de insatisfação relatado pela paciente em atendimento foi o de que se sentia preterida pela mãe em relação aos irmãos, exemplificando este sentimento ao descrever episódio durante internação em que a mãe foi visitá-la e levou três doces para ela, porém ela julgou uma quantidade insuficiente, pois gostaria de ter ganho todo o pacote de doces. No relacionamento com seu parceiro, relatava constantemente a insatisfação com as atitudes dele, como ingerir bebida alcoólica e demonstrar ciúmes.

Apesar das insatisfações, Camila persistia em suas demandas em relação à equipe, pois mesmo sendo insuficiente o saber produzido pelo mestre, o sujeito não desiste de se dirigir a ele (Bonfioli, n.d.). Isso foi observado quando o procedimento cirúrgico não solucionou seu sintoma de dor, que permaneceu em outras regiões do corpo, o que a fazia persistir na exigência por uma solução ao referir que não aceitaria a alta hospitalar enquanto sua dor não fosse solucionada.

Também em atendimento, outro momento em que insistiu buscando no outro a solução, foi identificado ao ela apontar a falha da equipe de enfermagem que, segundo ela, perdeu seu celular durante o procedimento cirúrgico, cobrando da equipe a resolução desse problema. Essa constante demanda ao outro, mesmo se sentindo frustrada, também aparecia nas relações familiares e com o parceiro amoroso, pois esperava que mudassem de atitude diante das situações conflituosas.

O contato com a equipe de saúde ao longo dos atendimentos psicoterápicos foi importante para a compreensão da dinâmica entre a paciente, a equipe e o contexto hospitalar. Segundo Melo (2009), a escuta das percepções dos profissionais de saúde acerca do paciente é importante, pois são eles que ficam muitas horas em contato com o paciente devido a suas longas jornadas de trabalho. Esse contato permitiu perceber como se dava a relação entre a paciente e a equipe, de modo a facilitar a compreensão do discurso de Camila, o que funda a sua realidade como ser falante, e chegar à hipótese diagnóstica de que se caracterizava de um discurso histérico (Nunes, Vieira Filho & Franco, 2011).

Contudo, Camila configurava-se para a equipe uma paciente-problema, que de acordo com a definição de Botega (2012), é aquele que não se adapta à doença e à hospitalização e é muito demandante, causando cansaço e dificultando a tarefa assistencial da equipe de saúde. E também é o paciente que, eventualmente, pode desenvolver comportamento autodestrutivo.

A equipe assistencial não podia oferecer lugar para que o sintoma de Camila fosse falado, por não ser de sua competência técnica. Já o atendimento psicoterápico ofereceu esse lugar, ofertando a possibilidade de Camila falar dos aspectos subjetivos de sua dor, caracterizados por ela como algo presente desde seu nascimento e relacionado à sua história familiar e ao seu lugar de sujeito.

Na instituição hospitalar, espera-se do psicanalista um trabalho semelhante ao do médico, ou seja, que ele elimine o aspecto subjetivo, que ofereça resolução, respostas ao sofrimento subjetivo. Isso ocorre devido ao pensamento positivista do conhecimento científico, que é predominante no contexto hospitalar (Melo, 2009). Porém, para a Psicanálise, a eliminação do sintoma não significa cura, pois há aspectos incuráveis do sujeito, isto é, sua divisão é incurável (Moretto, 2002).

Nos últimos atendimentos a Camila, houve maior implicação da paciente no tratamento psicoterápico quando pode compreender sua dor como fenômeno que é influenciado também por aspectos emocionais e subjetivos. Isso se apresentou ao relembrar a ativação do LES relacionando-o a acontecimento que lhe gerou estresse e sofrimento, por exemplo. Além disso, ela começou a se questionar sobre seu comportamento e suas atitudes impulsivas e posicionou o sintoma de dor como uma questão a ser abordada: “Será que uma dor presente desde o nascimento pode ser curada?” (sic), dirigindo essa fala à psicóloga na busca de um saber sobre seu sintoma.

Nesse momento, Camila transformou sua queixa em enigma (questão), endereçado à analista, tornando-a, assim, sintoma analítico. O momento em que isso ocorre é também o momento em que se dá o estabelecimento da transferência, ou seja, é quando emerge o sujeito suposto saber na figura do analista (Quinet, 2009). Para que o tratamento de orientação psicanalítica se dê, é importante que o sujeito posicione o psicanalista neste lugar de sujeito suposto saber, isto é, que ele tenha a ilusão de que o psicanalista detém um saber sobre o seu sintoma, um saber sobre o seu inconsciente (Pisetta, 2011). Porém, o analista posiciona-se de modo a não responder do lugar em que é colocado, não oferecendo respostas ao paciente, pois o saber acerca da verdade do sujeito está nele próprio e deve ser buscado nele (Moretto, 2002; Melo, 2009).

 Assim, a proposta do atendimento psicoterápico, de orientação psicanalítica, não foi interpretar, consolar ou estimular a paciente a atravessar a dor, mas oferecer lugar para que a dor fosse falada (Nasio, 1997). A conduta da psicóloga foi a de oferecer escuta, convocando o sujeito a falar, e se baseou em acolher os sentimentos apresentados pela paciente e promover implicação dela na causa de seu sintoma, ou seja, a implicação em seu mal-estar.

A confirmação do estabelecimento da transferência e da implicação no tratamento se deu a posteriori quando, após alta hospitalar, no retorno para consulta médica, a paciente procurou a psicóloga no ambulatório para dar seguimento ao acompanhamento psicológico.

 

CONCLUSÃO

No contexto hospitalar irrompem questões tanto de ordem orgânica como da ordem subjetiva, exercendo influência no tratamento e no processo de hospitalização dos pacientes e demais envolvidos (Melo, 2009). Como muitas vezes as equipes médica e assistencial usam de raciocínio objetivo e têm como objeto o corpo orgânico, não é de sua competência técnica lidar com questões subjetivas. Assim, cabe ao psicólogo recuperar e lidar com a subjetividade presente.

Considerando que a dor é uma experiência subjetiva, não caracterizada apenas pelo seu aspecto físico e orgânico no corpo, mas também pelo aspecto emocional, tem-se que a expressão da dor envolve o contexto de vida e a personalidade do indivíduo (Botega, 2012). Essa situação foi apresentada neste trabalho, em que a dor de Camila dizia muito mais sobre sua forma de estar no mundo e de estabelecer vínculo social do que propriamente sobre a sua doença orgânica.

A partir dos relatos de Camila, bem como de suas atitudes ao lidar com seu sintoma doloroso e com a equipe de saúde, foi possível identificar a forma como a paciente estabelecia vínculo social, o que gerou repercussões em seu processo de hospitalização, suscitando na equipe sentimentos de desconfiança e, ao mesmo tempo, de curiosidade. Tais repercussões causaram impacto nos cuidados dispensados a Camila, como a constante busca da equipe médica por uma solução ou resposta para o seu sintoma e o reconhecimento da influência de aspectos subjetivos no quadro apresentado, o que, por vezes, levou a equipe a desqualificar a queixa da paciente.

Compreende-se que a partir destes sentimentos suscitados na equipe, que resultou na solicitação da atuação da psicologia e no reconhecimento desse campo do saber no contexto hospitalar, a paciente se beneficiou, uma vez que os atendimentos de psicoterapia ofereceram escuta e lugar para o aspecto subjetivo da dor, possibilitando, assim, a paciente à elaboração de uma questão sobre seu sintoma e sua implicação em seu mal-estar.

 

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Endereço para correspondência
E-mail: rafaela_parga@hotmail.com

 

 

1Psicóloga Aprimoranda da Unidade Cirurgia Vascular do Hospital das Clínicas da FMUSP, São Paulo - Brasil.
2Psicóloga da Unidade de Cirurgia Vascular do Hospital das Clínicas da FMUSP, São Paulo– Brasil.

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