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Psicologia Hospitalar

On-line version ISSN 2175-3547

Psicol. hosp. (São Paulo) vol.17 no.1 São Paulo Jan. 2019

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

Caracterização de mães de crianças cardiopatas congênitas internadas em uma UTI pediátrica

 

Characterization of mothers of children with congenital heart disease admitted in a pediatric ICU

 

 

Laura Teixeira BolaséllI,III; Laura Nichele FoschieraI,III; Caroline Zilli LuftI,III; Pamela Leticia CrestaniI,III; Beatriz WoinaroviczII; Luana Figueira SilvaII; Carolina Schneider SilvaII,III

IPontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, Brasil.
IISanta Casa de Misericórdia de Porto Alegre, Brasil.
IIIHospital da Criança Santo Antônio – HCSA, Porto Alegre, Brasil.

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A cardiopatia congênita é uma doença crônica marcada por internações prolongadas, muitas vezes em Unidades de Terapia Intensiva (UTI). Durante a internação em UTI, as mães costumam ser as principais acompanhantes dos pacientes, também necessitando de acompanhamento psicológico. O presente estudo teve como objetivo descrever as características sociodemográficas, os motivos para acompanhamento psicológico e estratégias de enfrentamento utilizadas pelas mães com filhos cardiopatas congênitos internados em uma UTI pediátrica. A amostra contou com um total de 117 mães. Verificou-se que 87% era proveniente de outra cidade, sem trabalho formal, sendo as principais acompanhantes dos pacientes. As estratégias de enfrentamento mais utilizadas foram a fé, busca de suporte social, busca por informações e confiança na equipe. O estudo descreve características importantes que podem impactar na compreensão e enfrentamento da doença, bem como na adesão ao tratamento. Espera-se contribuir com o atendimento psicológico destas famílias, assim como colaborar com o trabalho de outros profissionais da saúde presentes neste contexto.

Palavras-chave: Crianças, Cardiopatia congênita, Mães, Unidades de terapia intensiva.


ABSTRACT

Congenit cardiopatics is a chronic disease characterized by prolonged hospitalization, many of them in Intensive Care Units (ICU). During hospitalization, mothers are usually the most present family members, also needing psychological support. The present study aimed to describe sociodemographic characteristics, reasons for psychological counseling and coping strategies used by mothers’ of children with congenital heart disease admitted in a pediatric ICU. The sample had a total of 117 mothers. It was found that 87% came from another city, without formal work, being the main family member with the patients. The most commonly used coping strategies were faith, search for social support, seek for information and trust in medical team. The study outlines important features that may impact on understanding and coping with the disease, as well as treatment adherence. We hope to contribute for the psychological care of these families, as well as to collaborate with other health professionals in this context.

Keywords: Children, Congenit cardiopatics, Mothers, Intensive care units.


 

 

INTRODUÇÃO

Calcula-se que a cada ano 28.846 novos casos de cardiopatia congênita sejam registrados no Brasil (Pinto, Rodrigues & Muniz, 2009). Nos últimos anos, com o avanço de pesquisas, tem sido possível tratar esta condição complexa com prognósticos mais favoráveis (Pinto, 2010).  De modo geral, crianças cardiopatas apresentam baixos rendimento pulmonar e estado nutricional, que geram comprometimento do desempenho motor, além de apresentarem certo impedimento no que tange a expressão de emoções, como chorar, em função do desconforto respiratório. Dessa forma, os familiares acabam restringindo novas aquisições e retardando a autonomia e independência das crianças (Aita & Souza, 2016). O diagnóstico de doença crônica na infância gera impacto não apenas nas relações familiares, sendo responsável também por dificuldades financeiras e isolamento social, podendo ser encarado como um problema interminável (Carter & McGoldrick, 1995; Castro & Piccinini, 2002).

A teoria sistêmica compreende a doença crônica como parte do sistema familiar, sendo que seu impacto varia de acordo com os ciclos de vida do indivíduo doente e dos demais membros da família, exigindo uma constante flexibilidade para adaptação e mudança de papéis (Carter & McGoldrick, 1995). A rotina familiar enfrenta diversas mudanças, seus membros precisam se adaptar frente a necessidade de frequentes idas a médicos, uso de medicamentos e internações hospitalares recorrentes. Devido à necessidade de cuidados específicos da criança, é comum que um de seus cuidadores, frequentemente a mãe, precise deixar suas outras atividades para se dedicar exclusivamente aos cuidados do filho. (Carter & McGoldrick, 1995; Coletto & Câmara, 2009).

Vivenciar o adoecimento de um ente querido constitui-se como um evento estressor e desestabiliza física e emocionalmente os membros da família, que passam a  conviver com sentimentos de ansiedade, angústia e medo devido a constante ameaça à vida do paciente, principalmente se este fato estiver ligado a uma internação em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) (Amazonas, Lima & Menezes, 2012; Gabarra, More & Reis, 2016; Lustosa, 2007).  Diante da gravidade clínica do paciente internado na UTI e das características próprias do ambiente, a família vive um momento de instabilidade grupal, onde há ruptura abrupta na rotina e redistribuição de papéis e responsabilidades de cada membro, a fim de assegurar o cumprimento das tarefas e necessidades do familiar que está adoecido (Ferreira & Mendes, 2013).

Para enfrentar este momento de crise, os familiares necessitam desenvolver estratégias para lidar com a situação, denominadas como coping. O conceito de coping é definido como o conjunto de estratégias cognitivas e comportamentais usadas pelos indivíduos para se adaptarem a situações estressantes (Antoniazzi, Bandeira & Dell'Aglio, 1998; Assis & Vitória, 2015). Para fundamentar este constructo, na década de 90, Skinner e colaboradores desenvolveram um modelo intitulado Teoria Motivacional do Coping. Nesta teoria as respostas que os indivíduos têm frente a situações de tensão são entendidas como competências que se desenvolvem ao longo do ciclo vital, e estão associadas às características temperamentais, às qualidades dos vínculos afetivos e do contexto no qual o sujeito está inserido (Nascimento & Vasconcelos, 2016).

O processo de enfrentamento a um estressor é essencial para a adaptação do indivíduo ao contexto. A maneira como a família lida com o adoecimento também influencia no modo do paciente viver a internação hospitalar. Sendo assim, é importante que os indivíduos sejam capazes de encontrar maneiras para enfrentar o período de hospitalização (Nascimento & Vasconcelos, 2016). Neste contexto, o psicólogo é um facilitador para que família e paciente possam desenvolver formas de enfrentamento saudáveis.

As internações de crianças cardiopatas em UTIs são frequentes e, geralmente, possuem caráter prolongado, sendo marcadas por momentos de instabilidade do quadro, com grande risco de vida, o que gera tensão emocional em toda a família, principalmente para a mãe, que costuma ser a principal acompanhante do paciente. Diante disto, o presente estudo teve como objetivo descrever as características sociodemográficas, os principais motivos de encaminhamentos feitos a equipe de psicologia e as estratégias de enfrentamento dessas mães de crianças com cardiopatias congênitas internadas em uma Unidade Pediátrica de Tratamento Intensivo.

 

MÉTODO

Este estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital da Criança Santo Antônio (Parecer No 3.098.350). A coleta de dados ocorreu de forma retrospectiva, a partir da análise dos prontuários eletrônicos dos pacientes e de fichas preenchidas pelo Serviço de Psicologia. Foram inseridas na amostra um total de 117 mães de pacientes cardiopatas congênitos internados na UTI e que receberam acompanhamento do Serviço de Psicologia entre o período de dezembro de 2017 e agosto de 2018. Análises descritivas de média e frequência foram conduzidas, através do programa Excel (versão 16.16.27).

 

RESULTADOS

Dados dos pacientes:

Em relação aos pacientes filhos das mães participantes da pesquisa, 34,2% (n = 40) possuíam até um mês de vida, 25,6% (n = 30) possuíam entre 1 mês e 6 meses, 17,1% (n = 20) entre 6 meses e 1 ano de vida, 9,4% (n = 11) entre 1 ano e 3 anos, 2,6% (n = 3) entre 3 a 6 anos, 6,8% (n = 8) entre 6 e 11 anos, 4,3% (n = 5) entre 11 e 18 anos. Em relação ao sexo, 55,6% (n = 65) dos pacientes eram do sexo masculino. A média de tempo de internação foi de 54,38 dias (DP = 77,57), variando de 2 dias (mínimo) até 488 dias (máximo). Quanto à cardiopatia congênita, 66,7% (n = 78) apresentavam um único tipo e 33,3% (n = 39) possuíam múltiplas cardiopatias. Mais da metade destes pacientes (52,6%; n =61) já havia tido outras internações. Destes pacientes acompanhados, 30,8% (n = 36) foram a óbito.

Dados das mães:

Características sociodemográficas:

A média de idade das mães foi de 29,20 anos (DP=8,04). Em relação a procedência, 51,7% (n = 60) eram do interior, 22,4% (n = 26) da Região Metropolitana, 13,8% (n = 16) provenientes de outro estado e 12,1% (n = 14) residiam na capital onde o estudo foi realizado. Quanto a sua ocupação, 45,4% (n = 53) se consideravam do lar, 31,5% (n = 37) possuíam trabalho com carteira assinada, 13% (n = 15) eram autônomas, 6,5% (n = 7) estudantes, 1,9% (n = 2) estavam desempregadas e 0,9% (n = 1) eram aposentadas. Destas mães, 61,5% (n = 72) eram as principais acompanhantes dos pacientes, 27,4% (n = 32) dividiam de forma igualitária o acompanhamento com o pai e 3,4% (n = 4) dividiam com outro familiar (ex. avó, madrinha). Apenas 7,7% (n = 9) das mães não eram as principais acompanhantes.

Estratégias de enfrentamento:

Foram mapeadas as estratégias de enfrentamento mais utilizadas pelas mães, classificadas a partir da Teoria Motivacional do Coping (Skinner, 1999). Entre as estratégias mais presentes estavam a fé, utilizada por 56% (n = 66) das mães, busca por suporte social (20%; n = 23), busca por informações referentes ao quadro clínico e diagnóstico do filho (12%; n = 14) e confiança na equipe (10%; n = 12).

Pedido de acompanhamento psicológico:

Quanto ao motivo do acompanhamento psicológico, 31% (n = 36) dos encaminhamentos foram solicitados devido a gravidade do quadro do paciente, 27,6% (n = 32) em função dos aspectos emocionais da família, 18,1% (n = 21) para atendimento de paciente crônico, 10% (n = 12) em função de contexto familiar de vulnerabilidade, 5,2% (n = 6) para aspectos emocionais do paciente, 2,6% (n = 3) devido a pouca rede de apoio, 1,7% (n = 2) em função de internação prolongada, 1,7% (n = 2) devido à dificuldade de compreensão do quadro, 0,9% (n = 1) para dificuldade de relacionamento com a equipe e 0,9% (n = 1) para dificuldade de estabelecer vínculo com a criança. As mães foram acompanhadas pelo serviço de psicologia por uma média de tempo de 31,47 dias (DP=40,85).

 

DISCUSSÃO

Diante dos dados apresentados, é possível visualizar as características sociodemográficas, os principais motivos associados ao pedido de acompanhamento psicológico e as estratégias de enfrentamento utilizadas pelas mães que acompanham seus filhos cardiopatas congênitos na internação da UTI pediátrica. Entende-se como essencial, ter uma atenção redobrada para estas características no momento de um atendimento psicológico.

Os resultados corroboram com a literatura demonstrando que as mães são as principais acompanhantes (61,5%) dos pacientes durante a internação. Estudos têm destacado a importância da presença da mãe durante a hospitalização da criança, apontando para o seu papel essencial na minimização dos danos psicológicos gerados pela hospitalização, e sua ausência como geradora de dificuldades e sofrimento para o paciente (Gomes & Edermann, 2005; Molina, Fonseca, Waidman & Marcon, 2009; Ribeiro, 2004). Deste modo, espera-se que a presença destas mães na UTI contribua para aliviar a experiência de internação dos pacientes e para prevenir futuros danos à saúde mental dos filhos, sendo necessários estudos longitudinais para melhor avaliar esse efeito.

Outra característica relevante é a de que 87,9% das famílias não residiam na cidade onde o filho estava internado, sendo muitas provenientes do interior e de outros estados. Esta condição faz com que a mãe acabe sendo a principal acompanhante do paciente durante a internação em função das distâncias a serem percorridas pelos outros familiares que desejam compartilhar o cuidado da criança.

Esta opção muitas vezes mostra-se complicada não só pela distância, mas também pelos custos financeiros envolvidos, visto que também é difícil organizar transportes fornecidos via prefeituras. Consequentemente, a rede de apoio das mães torna-se limitada. Também é comum que as mães apresentem certo receio em dividir com outros cuidadores o acompanhamento do filho no hospital.

A falta de rede de apoio e dificuldade de dividir os cuidados do paciente refletem nas solicitações de acompanhamento psicológico para as mães. Na amostra deste estudo, 10% das solicitações realizadas ao Serviço de Psicologia do Hospital foram realizadas devido ao contexto familiar de vulnerabilidade e pouca rede de apoio (2,6%).

Da mesma forma, muitas mães demonstram receio em deixar o leito do filho para realizar suas atividades básicas como comer, tomar banho e dormir. Isto é comum principalmente quando o quadro do paciente é grave, sendo um momento em que os membros da família podem se beneficiar de apoio psicológico.

A gravidade do quadro representou 31% das solicitações de acompanhamento psicológico nos casos presentes neste estudo. Ademais, é indispensável destacar que a UTI é um ambiente considerado estressante pelas famílias, sendo barulhento e muito movimentado, não proporcionando uma boa qualidade do sono (Molina et al., 2009). Tudo isso somado, gera a diminuição do autocuidado e um desgaste físico e emocional muito grande, sendo comum a presença de sintomas de depressão, ansiedade e estresse em familiares de crianças internadas nestas unidades (Busse, Stromgren, Thorngate & Thomas, 2013; Niewgloski & Moré, 2008; Vardar-Yagli et al., 2017).

Na amostra deste estudo, as consequências da experiência e rotina dentro da UTI foram responsáveis por 27,6% das solicitações de acompanhamento psicológico, que envolveram como justificativa a necessidade de cuidado e apoio emocional para a família, atentando para a importância do cuidado à saúde mental não só dos pacientes, mas também de seus acompanhantes.

Diante deste contexto, o psicólogo irá atuar ajudando a família a organizar-se e adaptar-se frente à nova rotina de hospitalização, auxiliando na adaptação às regras e no enfrentamento das dificuldades anteriormente pontuadas (Torres, 2008).

Dentro deste trabalho, é papel do psicólogo estimular que os familiares realizem autocuidado, sendo importante que o acompanhamento do paciente seja alternado, pois há um impacto significativo no sono, alimentação e repouso de quem o realiza (Vardar-Yagli et al., 2017). Junto a isso, o profissional se mantém atento para a saúde mental dos pacientes e seus familiares, visto que a presença de doenças crônicas em algum membro da família estão associadas ao desenvolvimento de psicopatologias tanto nas crianças portadoras da doença, como em seus familiares (Cohen, 1999; La Clare, 2013; Quittner et al., 1998).

É indispensável que o psicólogo estimule a aproximação da mãe com a sua rede de apoio, uma vez que o apoio social tem impacto significativo no enfrentamento de situações adversas, na medida em que diminui sentimentos de angústia e fortalece a autoconfiança (Hoppe, 1998) atuando como um fator de proteção.

Um estudo conduzido com mães de crianças internadas em uma UTI destacou a rede de apoio como essencial no enfrentamento da hospitalização, sendo a rede formada entre as mães dos pacientes internadas um grupo muito importante, principalmente para aquelas que não têm uma rede de apoio social fora do hospital (Molina, Higarashi & Marcon, 2014).

O profissional de psicologia pode, então, incentivar a aproximação entre as mães da UTI, estimulando durante os atendimentos individuais que as mesmas formem um grupo de apoio. Este trabalho pode ser feito também a partir da condução de grupos terapêuticos dentro do hospital.

Com relação à ocupação laboral, observou-se que 48,2% não estavam trabalhando no momento da pesquisa. É característico das famílias de pacientes crônicos que algum membro, geralmente a mãe, deixe de trabalhar para realizar os cuidados da criança em casa (Malta & Da Silva, 2013; Oliveira & Sommermam, 2008).

O número frequente de internações dos pacientes também faz com que as mesmas não possam comparecer em seus empregos devido à obrigatoriedade do acompanhamento de um cuidador durante a internação hospitalar (ECA, 1990). Por isso, muitas já permanecem fora de empregos formais, o que também pode explicar o número considerável de mães que se consideram autônomas (13%), realizando trabalhos como manicure, venda de doces, faxinas, entre outros.

Essa característica reflete uma problemática trabalhista de impacto social que contribui para o aumento da vulnerabilidade das famílias com filhos hospitalizados e dificulta a adesão ao tratamento pela falta de recursos financeiros.

Quando avaliadas as solicitações de acompanhamento psicológico para as mães, foi identificada uma quantidade significativa de pedidos que envolviam aspectos emocionais da família (27,6%), motivo este que está condizente com a literatura da área, visto que a internação em uma UTI provoca sentimentos de medo e ansiedade tanto nos pacientes internados, como em seus familiares (Gusmão, 2012; Ismael, 2006).

Acredita-se que todos os outros motivos estão de certa forma, conectados aos aspectos emocionais da família envolvidos durante o processo de internação. Por exemplo, a gravidade do quadro é acompanhada, consequentemente, de uma maior expressão de emoções por parte da família, como medo, tristeza e ansiedade.

Da mesma forma, a internação prolongada é, igualmente, caracterizada por essas emoções, podendo as mães apresentarem maior cansaço, desgaste físico e emocional que podem, também, gerar conflitos com a equipe, perpassados pela raiva em relação a falta de soluções para o quadro clínico do filho.
Quanto às estratégias de coping, observou-se que as mães faziam um uso importante de estratégias adaptativas, sendo a fé a mais utilizada (56%). Embora o uso da fé não seja diretamente abordado pelo psicólogo, é relevante que o profissional considere os indivíduos como seres biopsicossocioespirituais, entendendo que a espiritualidade é uma dimensão importante de enfrentamento da doença do filho.

Nesse sentido, é preciso que o psicólogo seja capaz de validar as expressões da espiritualidade e da religiosidade em seu atendimento, respeitando a opção de cada mãe, buscando entender a forma como cada uma utiliza suas crenças para enfrentar a hospitalização e dar sentido para o quadro crônico do filho e identificando as potencialidades que o uso da fé pode fornecer em momentos de crise.

Um estudo com familiares de pacientes adultos em cuidados paliativos identificou a espiritualidade como estratégia importante para encontrar sentido e significado para as experiências dolorosas vivenciadas (Barbosa, Ferreira, Melo & Costa, 2017).

Diante deste papel tão importante dos aspectos religiosos e espirituais, é fundamental que toda a equipe da UTI respeite as crenças de cada família, identifique as necessidades espirituais e permita o acesso dos familiares a líderes e figuras religiosas, pois estas também são redes de apoio importantes e fazem parte de uma assistência humanizada.

O psicólogo deve verificar qual o significado da doença crônica para o paciente (caso tenha idade suficiente para expressar e obter entendimento) e sua família, visto que a forma como entendem, percebem e enfrentam o diagnóstico impacta diretamente na adesão ao tratamento, qualidade de vida e nas estratégias de enfrentamento empregadas (Baptista, 2010). Para isso, o profissional deve oferecer espaço de escuta ativa e empática, facilitando a expressão de sentimentos, fantasias e dúvidas em relação à doença do paciente.

Outra estratégia utilizada pelas mães é a busca por informações referentes ao quadro clínico e diagnóstico do filho. As mães dos cardiopatas tendem a querer compreender sobre o diagnóstico e quadro clínico atual do seu filho. Observa-se que, frequentemente, estas mães buscam muitas informações na internet, o que pode ser perigoso, pois podem ser expostas a informações errôneas sobre as cardiopatias.

Diante disso, é importante que haja uma comunicação clara e informativa entre a equipe da UTI e os familiares do paciente, com o uso de termos e explicações que possam ser compreendidos por leigos.

A dificuldade de compreensão do quadro clínico também permeou as solicitações de acompanhamento psicológico de 2 mães participantes deste estudo (1,7%) e a dificuldade de relacionamento com a equipe foi mencionada em um caso (0,9%). O psicólogo deve avaliar e acompanhar o entendimento e compreensão da família a respeito da doença, tratamento, quadro clínico e procedimentos realizados no hospital (Gusmão, 2012; Schneider & Moreira, 2017).

O profissional também pode estimular este contato da família com a equipe e auxiliar os demais profissionais da saúde a compreenderem a importância destas informações serem passadas para a família, bem como orientá-los a realizarem as conversas.

A comunicação aberta com a equipe ampliará o entendimento da família a respeito do diagnóstico, o que impactará em uma maior adesão ao tratamento, além de uma maior compreensão por parte da equipe da unidade sobre os comportamentos, atitudes e reações do paciente e seus familiares diante do estresse e sofrimento vivenciados (Schneider & Moreira, 2017; Santos, Santos, Lélis, Rossi & Vasconcellos, 2011).

Por fim, a confiança na equipe se faz essencial para uma vivência mais tranquila na UTI, dentro do que é possível.

As mães que acompanham seus filhos nas UTIs pediátricas encontram-se, de certa forma, hospitalizadas também, pois sua rotina sofre mudanças para adequar-se aos horários e regras da unidade, sendo que muitas não possuem a oportunidade de revezar o acompanhamento do paciente, permanecendo em tempo integral no hospital.

Portanto, é importante que todos os profissionais da UTI ampliem seus olhares para o amparo e acolhimento da família, através de um atendimento humanizado, melhorando a qualidade de vida tanto do paciente internado, quanto da mãe ou outro familiar que o acompanham (Azevedo & Modesto, 2016).

 

CONCLUSÃO

O presente artigo mapeou as características sociodemográficas das mães de crianças cardiopatas congênitas e estratégias de coping utilizadas pelas mesmas, impactando a compreensão e enfrentamento da doença, bem como na adesão ao tratamento.

Observou-se como a atuação da psicologia neste sentido tem papel crucial na mediação da comunicação entre equipe de saúde e familiares, bem como no acolhimento e intervenção junto ao sofrimento dessas mães. Neste sentido, o estudo pode contribuir com as formas de pensar o atendimento psicológico destas famílias internadas em UTI pediátrica e colaborar com o trabalho de outros profissionais da saúde presentes neste contexto.

Espera-se que a exposição destes dados seja relevante para todos os profissionais das equipes de UTI, para que possam compreender comportamentos, atitudes e reações destas mães diante do estresse e sofrimento vivenciados nessas situações.

O estudo apresenta limitações devido ao fato de ter sido realizado em apenas um hospital, com um método retrospectivo, durante um curto período de tempo. É relevante conduzir outros mapeamentos e estudos no contexto das UTIs pediátricas, de forma a ampliar a compreensão acerca da experiência vivenciada pelas mães e, também, por outros membros da família, bem como medir o efeito de intervenções psicológicas neste contexto.

 

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