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Escritos sobre Educação

versão impressa ISSN 1677-9843

Escritos educ. v.5 n.1 Ibirité jun. 2006

 

ARTIGOS

 

Psicólogo escolar e educação infantil: um estudo de caso1

 

School psychologist and child education: a case study

 

 

Adinete Sousa da Costa2 ; Raquel Souza Lobo Guzzo3

PUC-Campinas

 

 


RESUMO

O presente estudo tem como objetivo conhecer e refletir acerca das funções desenvolvidas por um Psicólogo Escolar que atua no contexto da Educação Infantil. Foram analisados 40 diários de campo de uma profissional, inserida em uma proposta de intervenção preventiva, denominada projeto "Vôo da águia: prevenindo problemas sócio-emocionais e promovendo saúde", desenvolvida em uma creche municipal situada na cidade de Campinas. Os resultados evidenciaram sete funções direcionadas à prática preventiva do Psicólogo Escolar: contato com os profissionais da escola e com os pais sobre a criança; acompanhamento do desenvolvimento da criança na escola; escuta da equipe pedagógica; participação das atividades desenvolvidas na escola com as educadoras; acompanhamento e orientação às estagiárias de psicologia na escola; suporte às educadoras na rotina escolar; conhecimento do espaço físico, rotina e os funcionários da escola.

Palavras-chave: Psicólogo escolar, Educação infantil, Intervenção preventiva.


ABSTRACT

The present study aims to know and to reflect about the developed functions by a School Psychologist that is included in the Children's Education context. 40 field records made by a professional, inserted in a preventive intervention program, were analysed. This proposal was called project "Vôo da Águia: prevenindo problemas sócio-emocionais e promovendo saúde", was developed in a municipal day care center located in the city of Campinas. The results pointed out seven functions related to the School Psychologist's preventive practice: to contact with the school professionals and the parents for the child; to follow the child's development at school; to listen to the pedagogical team; to participate in the activities developed in the school with the educators; to follow and advise the school's psychology team; to support the educators in the school routine; to know the physical space, the routine and the school workers.

Keywords: School psychologist, Child education, Preventive intervention.


 

 

I. Considerações iniciais: justificativa, fundamentos teóricos e objetivo

Este trabalho surgiu de uma intervenção preventiva em uma escola pública de Educação Infantil, por meio do projeto “Vôo da Águia: prevenindo problemas sócio - emocionais e promovendo saúde” , que se desenvolve na cidade de Campinas, em uma comunidade marcada pela exclusão social e violência.

A escolha em apresentar e refletir sobre algumas funções desenvolvidas pelo psicólogo escolar, inserido na escola de educação infantil por meio desse projeto de intervenção, deve-se, principalmente, a duas grandes questões: à relevância da atuação desse profissional nas creches e pré-escola e ao fato de existirem poucas produções nesta área, o que justifica a investigação.

A Psicologia Escolar no Brasil tem tido um significativo desenvolvimento no campo da pesquisa e intervenção. A criação da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional – ABRAPEE, em 1990, foi um dos marcos decisivos que evidenciam esse crescimento na área. No entanto, apesar desse desenvolvimento, a Psicologia Escolar tem sofrido várias críticas em relação à formação e atuação desse profissional.

Essas críticas, geralmente, são direcionadas à discrepância entre o conhecimento aprendido na academia e a realidade de trabalho (Novaes, 1992; Guzzo, 1996; Gomes, 2002; Almeida, 2003), à superficialidade dos estágios acadêmicos que, em geral, não propiciam aos estagiários refletir, a partir de sua prática (Novaes, 1992, 1996; Witter, 1992; Guzzo, 1996, 2002) e à predominância do modelo clínico e remediativo de atuação profissional nas instituições escolares (Novaes,1996; Gomes, 2002; Torezan, 1999; Del Prette, 1999 e Almeida, 2002).

De acordo com Guzzo, Martínez e Campos (2006), o psicólogo escolar tem substituído o modelo clínico caracterizado por uma intervenção individual dos problemas de aprendizagem e comportamento, para uma prática que envolve diversas ações e que inclui outras formas de intervenção, como a preventiva e a comunitária. No entanto, esses autores salientam que não houve um desaparecimento da forma tradicional de trabalho, mas sim a coexistência de ambas as formas de intervenção.

A intervenção preventiva do psicólogo escolar, como uma das formas de intervenção, é um dos interesses dessa pesquisa. O modelo preventivo surgiu com o objetivo de romper com o modelo médico, focado na doença e no indivíduo, que não atendia ou resolvia os problemas decorrentes da maioria da população.

Lacerda e Guzzo (2005), ao fazerem uma análise crítica do percurso da prevenção, consideram que essa perspectiva emergiu de um profundo questionamento sobre o modelo focado na doença e nas práticas remediativas e individualistas da psicologia. A mudança do paradigma de deficiência, como algo inerente para uma perspectiva contextualizada dos impactos culturais, históricos e sociais na constituição do individuo, ocasionou a busca de estratégias que visam à transformação de uma realidade que produz sofrimento. Por essa razão é que a intervenção preventiva foi criticada, especialmente, pelo fato de que a intervenção preventiva vai de encontro aos interesses de classe.

Trazendo essas reflexões feitas por esses autores para a área da Psicologia Escolar, pode-se dizer que, para prevenir problemas que possam prejudicar o desenvolvimento emocional e psicológico de uma criança, é necessário uma série de ações que considerem os diferentes contextos em que ela está inserida. Nesse sentido, deve-se buscar estratégias que visem a modificar situações nos contextos familiares, escolares, comunitários e sociais que não favorecem o seu desenvolvimento.

Uma abordagem que enfatiza a importância do contexto na compreensão do desenvolvimento humano é a ecológica, proposta por Bronfenbrenner (1996). De acordo com esse pesquisador, o desenvolvimento do indivíduo deve ser analisado e entendido por meio das suas relações com o contexto, tornando-se inviável olhar o desenvolvimento sem observar os processos de interação estabelecidos entre a pessoa e os ambientes. A Teoria Ecológica de Bronfenbrenner focaliza uma perspectiva interacionista do indivíduo com o ambiente, propondo-se a estudar a influência do ambiente no desenvolvimento do indivíduo, sem desconsiderar o papel ativo e dinâmico da pessoa nesta relação.

Para Guzzo (2003), a perspectiva ecológica percebe que a criança constitui-se em diferentes sistemas sociais, e que problemas ou distúrbios de aprendizagem ou de comportamento podem ser considerados, entre outros fatores, como uma falta de equilíbrio nesses sistemas em que a criança vive, e não um problema a ela inerente.

Pesquisando sobre a perspectiva preventiva na atuação do psicólogo escolar, Marinho-Araújo e Almeida (2005) apontam algumas contribuições relevantes. De acordo com as autoras, um modelo de atuação institucional preventiva pode ser baseado em quatro ações principais: a realização de mapeamento e de análise institucional a fim de compreender a realidade escolar; a promoção de espaços de escuta psicológica no trabalho voltados às relações interpessoais na escola; a realização de planejamento e de assessoria aos trabalhos coletivos desenvolvidos na escola; e o acompanhamento do processo de ensino-aprendizagem.

Diante dessa breve exposição sobre a perspectiva preventiva na atuação do psicólogo escolar, o presente estudo procura apresentar e refletir sobre as funções desenvolvidas por uma psicóloga inserida no contexto de Educação Infantil, por meio de uma proposta de intervenção preventiva denominada “Vôo da Águia”, a fim de elucidar alguns limites e perspectivas para esse profissional.

Essa pesquisa está estruturada da seguinte forma: primeiro, serão apresentados as considerações metodológicas, o contexto da pesquisa e a análise das fontes de informação; no segundo momento, referentes às considerações finais, serão discutidos os resultados obtidos nessa investigação e a análise desses resultados com as teorias existentes na Psicologia Escolar, juntamente com as vivências da pesquisadora no contexto da pesquisa.

 

II. Considerações Metodológicas

a) O formato da Pesquisa-ação

De acordo com Guareschi (1998), a escolha de uma metodologia de pesquisa depende, fundamentalmente, do objeto de estudo que se quer investigar. No entanto, além disso, Richardson e colaboradores (1999) consideram que a escolha metodológica perpassa pela visão que o pesquisador possui de homem, sociedade e mundo, pois esses aspectos influenciam em sua interpretação na escolha do método e dos fundamentos teóricos que pairam sobre suas reflexões.

Essa pesquisa é permeada pela investigação qualitativa, pois visa a refletir acerca das funções desenvolvidas por um psicólogo escolar na Educação Infantil, utilizando como fonte de informação os diários de campo. Segundo Minayo (1994), uma investigação qualitativa preocupa-se com uma dimensão da realidade cuja análise se propõe a estabelecer as relações entre os processos e os fenômenos estudados que se diferenciam de indicadores quantitativos ou correlacionais.

A pesquisa qualitativa sugere o trabalho de campo como uma possibilidade de alcançar não apenas o que se pretende conhecer e estudar, mas também o de criar conhecimentos a partir da realidade (Cruz Neto, 1994).

Investigar a realidade pressupõe, portanto, uma imersão do investigador no contexto a ser estudado. Assim, o presente trabalho assume um caráter de pesquisa-ação que, segundo Thiollent (2003), possibilita a intervenção ou inserção do pesquisador na situação a ser investigada, desempenhando um papel ativo na própria realidade dos fatos a serem observados. Ainda, segundo esse autor, esse tipo de pesquisa é visto como uma forma de engajamento sócio-político a serviço das causas das classes populares ou dominadas. A pesquisa se desenvolve com a inserção da pesquisadora em um contexto público de Educação Infantil marcado pela desigualdade social, para investigar de modo cooperativo e participativo as funções do psicólogo escolar, tendo em vista apontar algumas reflexões que possam auxiliar os profissionais de Psicologia que pretendem direcionar os seus serviços para as classes menos privilegiadas.

Conforme considera Thiollent (2003), a pesquisa-ação não é constituída apenas pela ação e/ou participação, faz-se necessário produzir conhecimentos, adquirir experiências e contribuir para a discussão ou debates acerca do assunto investigado.

b) O Contexto de Pesquisa - A escola

A pesquisa foi realizada em uma CEMEI – Creche Municipal de Educação Infantil – localizada na cidade de Campinas. Esse equipamento educacional atende gratuitamente, em período integral, cerca de 70 crianças na faixa etária entre três meses e dois anos e meio de idade. Com base em uma pesquisa nos prontuários da escola, desenvolvida no ano de 2005, pôde-se constatar que as ocupações dos pais indicam o nível socioeconômico baixo da maioria das crianças e as mães, em sua maioria, trabalham, necessitando deixar os seus filhos desde cedo na creche.

c) Fontes de Informação – Diários de Campo

Segundo Bogdan e Biklen (1994), os diários de campo ajudam o investigador a acompanhar o desenvolvimento da pesquisa e a visualizar os efeitos das informações, tanto no plano de investigação, como para si próprio. De acordo com Cruz Neto (1994), esse instrumento permite ao pesquisador registrar as suas percepções, questionamentos e informações, favorecendo a construção de um conhecimento mais próximo do contexto de pesquisa.

Portanto, nas idas à escola, a pesquisadora registrava situações desse cotidiano nos diários de campo que serviram como fonte de informação para identificar e refletir sobre as funções desenvolvidas pela profissional no contexto escolar.

Os diários de campo usados neste estudo foram produzidos em um período de um ano – agosto de 2004 a agosto de 2005 – totalizando 40 diários. Para a análise dos diários de campo, foi elaborado um Protocolo de Análise dos Diários de Campo, no qual se registrava dados como: sigla, data, ações do profissional e interpretação.

d) Procedimento de análise

O procedimento para a análise dos diários de campo ocorreu da seguinte forma: primeiramente, foi realizada uma leitura detalhada de todos os diários de campo para identificar as ações da profissional na escola e,no segundo momento, as ações foram interpretadas e agrupadas em categorias, conforme unidades de sentido, segundo a proposta apresentada por González Rey (2002; 2005).

Para esse autor, as categorias seriam uma concretização e organização do processo construtivo-interpretativo em constante movimento, em que os núcleos de significações teóricas ou as unidades de sentido se articulam entre si,dando visibilidade a uma produção teórica. Portanto, as categorias não são entidades rígidas e fragmentadas, pois estão em constante processo de desenvolvimento.

Mediante a construção das categorias, a pesquisadora pôde compreender e analisar os processos de construção de suas funções desenvolvidas naquela instituição, bem como o significado de suas vivências, no contexto em que estava inserida, a partir de suas expressões nos diários de campo.

 

III. Considerações finais: resultados da investigação e os limites e perspectivas

1. Resultados da investigação

As funções identificadas a partir da prática realizada pela profissional de Psicologia na escola não têm a pretensão de se tornarem modelo de atuação para o psicólogo escolar, pois foram levantadas a partir de uma determinada dinâmica e realidade escolar. Assim, essas funções não estão descritas no projeto “Vôo da Águia”, mas foram construídas a partir de uma experiência da pesquisadora inserida na instituição pública de Educação Infantil,por meio dessa proposta de intervenção.

Foram identificadas sete funções, sendo elas: contato com os profissionais da escola e com os pais sobre a criança; acompanhamento do desenvolvimento da criança na escola; escuta profissional da equipe pedagógica; participação das atividades desenvolvidas na escola com as educadoras; acompanhamento e orientação às estagiárias de psicologia na escola; suporte ao educador nas rotinas da escola; conhecimento do espaço físico, rotina e os funcionários da escola.

Contato com os profissionais da escola e com os pais sobre a criança

O desenvolvimento de ações que buscam um contato mais próximo do psicólogo com os educadores e os pais permite a construção de um vínculo confiável e seguro, que é muito importante para os profissionais que pretendem atuar em escolas inseridas em comunidades marcadas pela violência.

No diálogo com os educadores e os pais, o psicólogo pode explorar assuntos referentes ao contexto de vida da criança e as percepções que eles possuem a respeito de seus alunos ou filhos, a fim de identificar possíveis situações de vulnerabilidade que possam prejudicar no desenvolvimento emocional e social da criança.

Faz-se necessário, também, que o psicólogo forneça orientações de como proceder com as crianças, discutindo, com essas pessoas, temas referentes a aspectos do desenvolvimento infantil, com base em teorias mais próximas de sua realidade.

Acompanhamento do desenvolvimento da criança na escola

É importante que o psicólogo desenvolva, concomitante ao contato com os pais e educadores, o acompanhamento individual e coletivo da criança no espaço escolar, por meio de conversas, observações e atividades com a própria criança, com o intuito de obter informações que não foram mencionadas pela família ou escola.

Esse acompanhamento permitirá um registro mais detalhado sobre o percurso do desenvolvimento da criança na escola, uma vez que inclui observações sobre aspectos psicossociais, o que possibilita observar os fatores sociais e biológicos, tais como: iniciativa, relações sociais, afeto, motricidade, grau de atividade, alimentação e características ou alterações corpóreas, entre outros, que podem vir a contribuir ou interferir no desenvolvimento saudável da criança.

Uma das formas também utilizadas para acompanhar a criança foi a pesquisa ao prontuário escolar. Nos prontuários estão contidas informações relativas aos dados pessoais, motivo de entrada na escola, data da entrada, aspectos da saúde e documentos oficiais da criança. Cabe destacar que as informações obtidas precisam ser compartilhadas com a equipe pedagógica, de forma conjunta e integrada.

Escuta profissional da equipe pedagógica

A escuta no contexto educativo permite conhecer a dinâmica institucional estabelecida na escola. Nos espaços de escuta promovidos pelo psicólogo escolar é possível conhecer as relações estabelecidas entre os funcionários da escola e a forma como enxergam a escola, assim como conhecer um pouco sobre o contexto de vida do educador e não apenas o da criança, o que favorece uma intervenção mais integrada.

Nesses espaços de escuta, o psicólogo deve estar sempre disposto a esclarecer eventuais dúvidas que possam surgir sobre a sua intervenção na escola. Para isso, precisa promover um ambiente que possibilite ao educador sentir-se à vontade para questionar ou criticar a sua atuação. Esse tipo de atitude pode ajudar a esclarecer o papel do psicólogo na escola e a diminuir a desconfiança que as educadoras têm em relação a esse profissional.

Participação nas atividades desenvolvidas na escola com as educadoras

Nas reuniões formais ou informais com a equipe pedagógica, o psicólogo escolar pode atuar como orientador ou mediador, buscando ressaltar a importância de sua presença na escola. Nesses espaços, o psicólogo deve se integrar como um membro ativo na equipe pedagógica, visando a diminuir as resistências da escola em relação ao serviço de psicologia, que ocorrem no início de sua inserção. O psicólogo pode destacar e discutir, de forma coletiva, as demandas e os problemas que surgem na escola, os quais necessitam de uma ação mais imediata e, também, construir propostas de projetos a serem desenvolvidos na instituição, os quais visam a uma intervenção mais preventiva.

Nesses encontros, é imprescindível que o profissional de psicologia esclareça eventuais dúvidas que possam surgir sobre o desenvolvimento infantil e aproveite para devolver e discutir as avaliações realizadas pelos projetos que estão sendo desenvolvidos na escola de responsabilidade do serviço de psicologia. Além desses encontros coletivos, o psicólogo pode realizar encontros individuais com as educadoras para discutir e acompanhar a evolução do trabalho desenvolvido com as crianças, revendo os procedimentos e realizando os encaminhamentos necessários.

Acompanhamento e orientação às estagiárias de Psicologia na escola

A visão que a escola possui do psicólogo como um profissional desnecessário, visto com desconfiança, que entra na escola apenas para vigiar os educadores nos seus procedimentos com a criança, exige do profissional de Psicologia a realização de atividades que desconstruam essas idéias, e entre elas pode-se citar a supervisão de estágio dentro do ambiente escolar.

Os estagiários de psicologia, quando entram na escola, deparam-se com uma realidade diferente da que aprenderam nas disciplinas iniciais sobre a área, sentem-se perdidos em como intervir em situações que vão além das teorias estudadas no ambiente acadêmico. Essa condição pode fortalecer a visão de um profissional dispensável nesse contexto, por não conseguir responder às demandas emergenciais.

Algumas atitudes inadequadas dos estagiários, quanto à forma de abordar ou orientar um educador sobre a criança, podem intensificar a desconfiança do educador e manter a idéia de que o psicólogo entra na escola apenas para criticar e observar os seus comportamentos.

Com base nessas considerações, observa-se a necessidade de um acompanhamento mais presente e constante do psicólogo escolar aos estagiários na escola, tendo em vista favorecer a aproximação entre a teoria e a prática. Esse tipo de acompanhamento dado aos estagiários no contexto educacional contribui para a construção de uma identidade profissional mais crítica e mais próxima da realidade do sistema educacional público de nosso país.

Suporte às educadores na rotina escola

No trabalho em uma instituição de Educação Infantil, o psicólogo escolar depara-se com funções que vão além de suas atribuições encontradas na literatura. Em alguns momentos, esse profissional precisa auxiliar o educador nos cuidados com a criança.

A escola, por atender crianças entre três meses e dois anos e meio, produz, constantemente, uma dinâmica emergencial, porque as crianças nessa faixa etária possuem uma grande dependência do cuidador. Às vezes, ocorrem situações em que é necessário o suporte do psicólogo, como um adulto cuidador, no parque, na sala de aula, no refeitório e no banheiro, para assegurar o bem-estar e a segurança da criança.

Conhecer o espaço físico, a rotina e a equipe pedagógica da escola

O psicólogo escolar, ao entrar na escola, precisa, inicialmente, conhecer o contexto escolar. Será por meio da análise institucional, elaborada a partir da observação de aspectos como espaço físico, a rotina, os funcionários e as relações sociais, estabelecidas na escola, que o psicólogo planejará medidas de intervenção mais próximas da necessidade escolar.

Para que esse tipo de intervenção ocorra, é imprescindível a presença constante do psicólogo na escola, participando ativamente das práticas do cotidiano desta instituição, com o objetivo de evitar a construção dessa análise que utilize apenas a visão da escola, que pode prejudicar uma investigação mais condizente com a realidade.

2. Limites e Perspectivas

Para refletir sobre os limites e perspectivas da profissão do psicólogo escolar no contexto educativo, será realizada uma análise dialética entre as teorias existentes na psicologia escolar, as categorias construídas a partir de uma realidade escolar concreta e as vivências da pesquisadora durante esse período da investigação, buscando uma visão mais totalizadora acerca do assunto.

Em geral, pôde-se encontrar uma grande parte desses resultados obtidos neste estudo nas pesquisas científicas já existentes sobre a prática e/ou função do psicólogo escolar. Porém, quando é feita uma investigação mais detalhada dessas funções, percebe-se que, na maioria das produções científicas, não há uma discussão aprofundada que remeta às questões do cotidiano escolar e à ação do psicólogo frente a essa realidade.

A literatura em Psicologia Escolar continua se preocupando com a construção de teorias mais abrangentes e generalistas que tendem a não contemplar as necessidades e a realidade social de desigualdade e violência em que vive grande parte da população brasileira. A pesquisadora se deparou com essa fragilidade na Psicologia Escolar, ao entrar em uma instituição pública de ensino que possui particularidades pouco exploradas na ciência psicológica.

Com o intuito de dar uma maior concretude às situações presenciadas nesse contexto, considera-se importante ressaltar algumas situações evidenciadas no cotidiano da escola, tais como:

- O medo dos pais em conversar sobre o contexto em que os seus filhos estão inseridos, por pertencerem a comunidades que impõem o silêncio entre seus moradores;
- O pacto de silêncio instituído, também, na comunidade, nos casos de crianças violentadas sexualmente, em que os familiares são instruídos a não denunciarem, para evitar a entrada de policiais na comunidade;
- O número alto de crianças que possuem os pais presos, exigindo uma ação mais cautelosa nos acompanhamentos psicológicos;
- O medo dos educadores em denunciar ou registrar no protocolo escolar as crianças que aparecem com maus tratos, tais como marcas no corpo, com suspeita de violência doméstica.

É dentro dessa realidade que foram desenvolvidas as atividades na escola. Assim, a forma de proceder no contato com educadores e pais, no acompanhamento das crianças, na escuta profissional da equipe pedagógica, na participação das atividades desenvolvidas na escola com as educadoras, nas orientações dadas às estagiárias de psicologia, perpassa uma particularidade de intervenção que se diferencia, totalmente, da forma de proceder de uma psicóloga em uma instituição privada de ensino.

Com base no que foi exposto, entende-se que a perspectiva preventiva configura-se como uma forma mais apropriada para se trabalhar nessas escolas, por considerar os aspectos sociais influenciando no comportamento da criança. Essa visão rompe com o caráter individual e reducionista dos problemas educacionais e/ou sociais que eram vistos como inerentes à criança.

Entretanto, é importante considerar que, promover a prevenção de situações de negligência e violência sob todas as formas em uma sociedade marcada pela desigualdade social, torna-se algo desafiante para o psicólogo escolar e está além de suas ações dentro da escola. É preciso uma mudança social e política no país para que essa perspectiva possa ser concretizada.

Conclui-se que a produção de um conhecimento advindo de uma prática pode propiciar uma reflexão acerca do profissional de Psicologia Escolar, mais próxima da realidade brasileira. Como já evidenciava Martín-Baró (1997), o psicólogo deve se preocupar em buscar uma atuação de acordo com as especificidades sociais e culturais de sua sociedade, ao invés de buscar definições genéricas importadas de outros contextos, que são distantes e inadequadas à nossa realidade.

Desse modo, buscou-se nessa pesquisa apontar algumas reflexões sobre a prática do psicólogo escolar que pretende atuar nos contextos públicos de Educação Infantil, com base em um compromisso de mudança social, em face de uma realidade marcada pela violência e exclusão social.

 

Referências

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Recebido em: 25/03/2006
Aceito em: 02/05/2006

 

 

1 Parte da dissertação de mestrado intitulada "Psicólogo na escola: avaliação do projeto 'Vôo da Águia'", PUC-Campinas, sob orientação de R. S. L. Guzzo, defendida em 2005.
2 Psicóloga e doutoranda em Psicologia como Ciência e Profissão - PUC-Campinas - Bolsista Capes. E-mail: adinetecosta@hotmail.com
3 Professora titular e coordenadora do projeto "Do Risco à Proteção: uma intervenção preventiva na omunidade", PUC-Campinas. E-mail: rguzzo@mpc.com.br
4 É um projeto financiado pelo CNPq, que visa à promoção do desenvolvimento emocional e social de crianças, discutindo processos educativos em diferentes contextos e situações do cotidiano com famílias e professor, e acompanhamento de crianças em seus microssistemas de desenvolvimento. Esta proposta de intervenção traz contribuições para a formação em nível de graduação e pós-graduação de profissionais que atuam na área da Psicologia Escolar e Educacional, pois possibilita interligar os três segmentos-base: ensino, pesquisa e extensão.

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