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Psicologia USP

versão On-line ISSN 1678-5177

Psicol. USP v.1 n.1 São Paulo jun. 1990

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

Modelos de prevenção: perspectivas dos programas de estimulação precoce*

 

Prevention models: outlooks of early stimulation programs

 

 

Aidyl M. de Queiroz Pérez-Ramos

Universidade Estadual Paulista (UNESP), Campus de Assis

 

 


RESUMO

Propõe um modelo integrativo dos três níveis de prevenção em saúde mental, destinado à estruturação dos programas de estimulação multifocal. O modelo apresenta uma perspectiva aberta na interrelação dos níveis de prevenção, das funções dos integrantes das equipes atuantes no desenvolvimento dos referidos programas e nos processos de diagnóstico e intervenção pertinentes. O modelo apresentado resulta dos progressos alcançados no campo da estimulação precoce vinculados à abrangência de sua aplicação, aos novos tipos de programas, ao crescimento das equipes e à vinculação contínua entre aqueles processos. O desenvolvimento da proposição e as conclusões dela derivadas demonstram novas conquistas para o desenvolvimento científico na área, alicerçadas nos progressos anteriormente obtidos. Evidenciam também expressiva funcionalidade podendo o modelo apresentado constituir um esquema referencial coerente para elaboração de pesquisas pertinentes e uma alternativa promissora para o bem estar da criança e também de sua família.

Descritores: Desenvolvimento infantil. Estimulação precoce.


ABSTRACT

The purpose of the paper is to present an integrated model of three levels of prevention in the mental health field, devoted to the organization of multifocal early stimulation programs. Its salient features is of an open perspective in the inter-relationship of those prevention levels, as well as of the team members' duties acting in these programs and also of the pertinent diagnosis and intervention processes. This model is product of the advances reached in the field of early stimulation related to its vast applicability, to new and different types of its programs, to the improvement of the team members and also to the ever-present connection between those processes. The development of this model and its conclusions reveal new findings in the scientific growing attained in this area, showing too an expressive applicability, as a coherent referential scheme for future researches, and also promising projects for the child and his family's well-being.

Index Terms: Chilhood development. Early intervention.


 

 

I. Fundamentação

É com base nos progressos científicos, alcançados no campo da estimulação precoce, que se pode asseverar que esta área do conhecimento vem abrindo novas perspectivas para a saúde mental e física da criança, especialmente quanto à prevenção dos distúrbios que podem apresentar-se no seu desenvolvimento.

Esta afirmação tem seu fundamento na evolução dos programas pertinentes, relacionados diretamente com os diferentes níveis de prevenção, cujo processo integrativo foi estruturando-se ao longo das conquistas alcançadas no campo da estimulação precoce e de áreas afins. Originalmente, as ações eram dirigidas basicamente às crianças portadoras dessas deficiências, tanto na área cognitiva como na visual, auditiva ou motora, com a principal finalidade de atenuar os efeitos de tais distúrbios. Configurava-se, dessa forma, o nível terciário de prevenção.

Com a incorporação de novos conhecimentos, relacionados a fatores de risco com níveis de intensidade e classificações de natureza biológica e ambiental, à identificação das características de vulnerabilidade no desenvolvimento infantil, à carência afetiva e sócio-cultural com a implantação de programas compensatórios e, à neonatologia, quanto à atenção a bebês prematuros e seus planos de ação junto a mães participativas, o campo da estimulação precoce transcendeu seus limites iniciais. Estendendo, desta forma, sua esfera de atuação à criança que, sob o impacto dos fatores de risco, é susceptível à aquisição de distúrbios no desenvolvimento. Caracteriza-se, assim, a abordagem que define o nível de prevenção secundária.

Uma terceira etapa do desenvolvimento do tema em estudo surge da necessidade de otimizar ou manter os níveis de saúde e bem-estar, alcançados pela população infantil, considerada normal e sadia, mediante programas preventivos que enfatizem o emprego de ações divulgadores e promocionais, destinadas a fortalecer o processo evolutivo integral na primeira infância. Nessa etapa, destaca-se ao mesmo tempo o papel mediador dos pais. Trata-se, pois, de mais uma extensão dos programas de estimulação precoce que surge agora para controlar e orientar o desenvolvimento destas crianças e, conseqüentemente, com a incorporação, nos pertinentes planos, do nível de prevenção primária.

Completando o quadro dessas aquisições, quanto aos diferentes níveis de prevenção, incluem-se não somente os progressos experimentados nos programas dirigidos ao desenvolvimento integral da criança, na atuação das equipes de profissionais da saúde e da família, como também a interrelação dos processos de diagnóstico e de intervenção. Neste contexto evolutivo, surgem os chamados programas multifocais de estimulação precoce, com estratégias específicas de integração das ações destinadas à saúde, à nutrição e à intervenção, dirigidas a fortalecer a formação, tanto física como psicológica da criança nos seus primeiros anos. Estes programas apresentam-se promissores, sobretudo quando aplicados em populações carentes.

Percebe-se que as equipes de profissionais de saúde vêm alcançando um expressivo progresso na integração intrínseca e na amplitude dos componentes. A comunicação entre seus membros transcende a modalidade unidisciplinar para dar lugar à interdisciplinar e, finalmente, chegar à transdisciplinar. A amplitude das equipes estende-se, quando necessário, para incluir a cooperação de para-profissionais, pais e até mesmo irmãos e outras crianças. A denominação anterior de "equipes de profissionais da saúde" converte-se agora, em "equipes de profissionais e pessoas signigicativas". Os pais, receptores passivos das conclusões e recomendações resultantes do trabalho destas equipes, passam a ser agentes ativos neste novo enfoque, assumindo o papel de promotores, facilitadores, moderadores e até de co-terapeutas na atuação junto às mesmas. As mudanças, que se poderão apresentar em suas atitudes, tornam-se agora mais efetivas, estáveis e conscientes. Os irmãos e também outras crianças passam a desempenhar papéis de facilitadores indispensáveis haja vista a efetividade dos programas da estimulação de criança a criança e de irmãos mais velhos a mais novos.

Os processos de diagnóstico e de intervenção vem mostrando também mudanças significativas. No início de sua evolução, tais processos efetuavam-se em momentos sucessivos, sendo o primeiro, o diagnótico, pré-requisito do segundo, o de intervenção, nas diferentes formas de intervenção — orientação quanto às mudanças nas atitudes dos pais ou educadores; transformação do ambiente físico e humano da criança; sessões demonstrativas; modalidade de participação dos pais, irmãos e outras crianças, etc. As ações de intervenção subseqüentes ao diagnóstico nem sempre chegavam a ser oportunas e, inclusive, facilitavam o aumento da vulnerabilidade já presente em certas crianças, e o que é pior, o aparecimento de distúrbios no desenvolvimento devido à demora na realização do diagnóstico. Além disso, este último configurava um exame clínico, cujo processo terminava, não poucas vezes, com a imposição de rótulos estigmatizantes que marcavam as crianças, desde seus primeiros anos, como seres doentes, deficientes, quando não, anormais. O diagnóstico multidisciplinar, na melhor das hipóteses, era centralizado na criança sem se estender de forma sistemática ao seu ambiente de convivência, como o lar ou a instituição.

Tais orientações têm experimentado sensíveis transformações não só no sentido de dirigir os procedimentos diagnóticos na compreensão da criança em sua totalidade, como também no seu meio sócio-familiar, conforme uma perspectiva dinâmica e funcional. Inclui-se aqui a identificação dos fatores incidentes, tanto estimuladores como bloqueadores do desenvolvimento infantil. Os processos de diagnóstico e de intervenção adquirem agora um caráter mais aberto e passam a ser interrelacionados ao longo de toda sua evolução. Envolvem ações recíprocas e complementares para a oportuna e efetiva intervenção nos fatores incidentes diagnosticados e nos seus efeitos.

Todas as considerações expostas colocam em evidência, não só a importância do tema que nos ocupa, mas também permitem identificar fontes de conhecimentos das quais poderão emergir novas perspectivas para os programas de estimulação precoce, fundamentados, agora, em modelos teóricos que integram a prevenção em seus diferentes niveis, na evolução das equipes de participantes e na interrelação dos processos de diagnósticos e intervenção.

 

II. Proposta de um modelo teórico integrativo

O modelo a ser proposto é elaborado pela autora desta contribuição, seguindo os delineamentos resultantes dos enfoques referidos e das suas experiências neste campo do conhecimento, em projetos nacionais e internacionais. Tal modelo (Fig. 1) representa uma estrutura básica, destinada a servir de referência para a formulação e avaliação de programas desta natureza. Sua articulação vertical parte dos três níveis de prevenção já mencionados e de seus propósitos em relação direta com os grupos de crianças objeto de atenção, tanto na sua condição de desenvolvimento sadio e normal, como na de vulnerabilidade ou na de deficiência. Com o emprego das ações preventivas, mediante processos adequados de diagnóstico e de intervenção, beneficiar-se-iam não só a população infantil, nas diferentes condições do seu desenvolvimento, como também seus familiares, estendendo, naturalmente, tais resultados à comunidade em geral.

 

 

O exame da articulação horizontal da referida estrutura, nas suas unidades representativas dos três níveis de prevenção, mostra a existência de vetores recíprocos indicativos do fluxo funcional entre os diferentes grupos de crianças. É importante esclarecer que tal mobilidade se apresenta com maior probabilidade nos primeiros anos de vida, quando existe maior plasticidade, ou mesmo fragilidade, tanto de natureza biológica quanto psicológica. Por esta razão, justifica-se ainda mais o emprego deste modelo na fase inicial da existência humana, particularmente nos programas de estimulação precoce.

Quando as ações preventivas não se fazem presentes, pode haver um enfraquecimento das condições que caracterizam o desenvolvimento normal e sadio, dando origem às de vulnerabilidade devido à incidência dos fatores de risco não controláveis em um organismo pouco resistente, situação comum nos primeiros anos de vida. De tal condição de vulnerabilidade poderia desencadear a de deficiência, sendo esta mais grave, duradoura e de difícil intervenção.

Por outro lado, um efetivo plano de ação, desenvolvido a nível de prevenção primária, permitiria controlar, ou mesmo evitar, esse processo desencadeador de debilitação no desenvolvimento da criança. Da mesma maneira, as ações correspondentes a nível de prevenção secundária poderiam atenuar, frear ou ainda eliminar a suscetibilidade orgânica ou psicológica das crianças que estão sobre o impacto dos fatores de risco, ou mesmo eliminar tais agentes incidentes.

A mobilidade ascendente, isto é, a das condições de deficiência para as de vulnerabilidade, e destas para as de normalidade, tal como assinalam os respectivos vetores, é infreqüente e somente acontece em circunstâncias muito especiais, sobretudo na passagem da condição de deficiência para a de vulnerabilidade, e mais ainda para a de normalidade. Programas preventivos e bem controlados são os que se poderiam resultar efetivos neste movimento de refluxo.

A figura 2, mostrando a relação entre as condições do desenvolvimento infantil e os níveis de prevenção com suas características, esclarece tal articulação, tanto no sentido descendente como no ascendente, e também a influência que exerce a prevenção primária sobre a secundária e a terciária, e a secundária sobre a terciária.

 

 

Como decorrência da estrutura básica do modelo exposto, são apresentados esquemas representativos dos processos de diagnóstico, de intervenção (Fig. 3) e também da evolução das equipes de profissionais e colaboradores significativos (Fig. 4).

 

 

 

 

No que diz respeito aos processos de diagnóstico e de intervenção, estes são concebidos dentro de uma perspectiva de integração, tanto no conteúdo global quanto nas sucessivas etapas de desenvolvimento. As características que definem tais etapas esclarecem essa integração.

Primeira etapa. Compreende a identificação dos aspectos mais ressaltantes do desenvolvimento infantil que orienta a determinação das características do processo. O conhecimento de tais aspectos advém das informações dos familiares e das observações da criança, sendo todos motivados a participar ativamente do processo, não somente como fonte indispensável de informação, mas também como facilitadores no próprio diagnóstico e nas ações de intervenção. Tais vias de informação e observação possibilitam a detecção dos possíveis fatores de risco das condições de normalidade, de saúde, de vulnerabilidade e também dos distúrbios do desenvolvimento mais evidentes. Iniciam-se as primeiras hipóteses. Estas servirão de ponto de partida para a proposição das primeiras estratégias de intervenção, que podem, inclusive, apresentar-se em caráter de urgência e, assim, manifestar-se nas demais etapas. Em certos casos, tais hipóteses e estratégias serão suficientes e conclusivas, confirmando-se em diagnóstico e em linhas de ação, sendo estas traduzidas em procedimentos de auto-gestão, por parte dos familiares, e de auto-estimulação, por parte da própria criança. Estes últimos procedimentos conduzem a ambos, já nesta primeira etapa, a se independentizar da relação direta dos profissionais da equipe.

Segunda etapa. Esta caracteriza-se pela exploração de toda uma variedade de dados, a partir de uma planificação detalhada em relação ao diagnóstico do desenvolvimento da criança e do seu ambiente, incluindo também as ações específicas de intervenção, com base nas informações e observações realizadas e nas hipóteses e estratégias formuladas previamente. É conveniente esclarecer que, nesta etapa, mais complexa que a precedente, são atendidas crianças e familiares com problemas que requerem maior dedicação por parte da equipe, enquadrando-se, em geral, nos níveis de prevenção secundária e terciária. Com tal fim, são objeto de análise os recursos pessoais dos familiares e companheiros da criança, para consolidar o compromisso dos mesmos e as funções — promotores, facilitadores ou co-terapeutas — que lhes compete no processo. As hipóteses iniciais são novamente examinadas para sua posterior confirmação, rejeição ou modificação, adicionando-se outras, em função dos novos dados coletados e interpretados.

Terceira etapa. Constitui a fase conclusiva do processo em que se integram os dados coletados e analisados, para se chegar a uma plena compreensão da criança e de seu meio, e também à estruturação e aplicação de um plano de intervenção. É evidente que, para este fim, tomar-se-ão em conta aquelas expectativas e aspirações que forem adequadas às pessoas significativas e referidas e até mesmo à própria criança, se for o caso, para consolidar a identificação de ambas com o processo. À medida que vão sendo colocadas em prática as ações e estratégias, segue-se o processo de avaliação contínua, para verificar a eficácia das mesmas, propor e aplicar os reajustes que forem pertinentes.

A figura 3 mostra os aspectos básicos dessas três etapas com as correspondentes articulações, nos sentidos vertical e horizontal do processo diagnóstico com o da intervenção e vice-versa, unidos agora em um só esquema.

Quanto à equipe de profissionais e à cooperação de pessoas significativas, os papéis, funções e expectativas de seus membros definem-se por um fluxo contínuo de mútua participação, de revisão e intercâmbio de experiências, para facilitar o eficaz desenvolvimento da criança e da família. Tudo em conformidade com um contexto de recíproca aprendizagem, extrapolando as fronteiras que limitam os campos convencionais de atuação dos componentes da equipe, seja dentro das próprias especialidades seja no papel que desempenham junto à criança. Há uma complementação harmônica, e não uma intrusão, nas respectivas funções. A comunicação faz-se de forma fluída e aberta, evitando-se o desenvolvimento de mecanismos defensivos, de poder e de hegemonia. Reduzem-se, assim, a níveis ótimos, as barreiras levantadas pela excessiva discriminação dos campos de atuação individual, preservando, contudo, a necessária autonomia de papéis e funções específicas de cada participante. Os profissionais, nas suas especialidades de Medicina, Psicologia, Educação, Terapia Ocupacional, Serviço Social, entre outras; os familiares e crianças, na qualidade de mediadores, variando seus respectivos papéis em função, principalmente, do nível de prevenção em que atuam: promotores (prevenção primária), facilitadores (prevenção secundária) e co-terapeutas (prevenção terciária).

O crescimento dos papéis e funções dos diferentes componentes da equipe fundamenta-se principalmente em um positivo desenvolvimento pessoal, na capacidade de empatia e na valorização dos outros, além de haver um autêntico sentimento de grupo. Para alcançar níveis ótimos de tais qualidades, faz-se necessário superar gradual e solidamente as sucessivas etapas desse desenvolvimento, mediante mudanças efetivas na modalidade da equipe e especialmente no que concerne às expectativas e papéis de seus membros.

A figura 4 mostra um esquema representativo de tal crescimento, partindo da modalidade de equipe unidisciplinar e fechada, passando pela interdisciplinar, com alguma forma de cooperação entre seus membros, para chegar à transdisciplinar, com uma efetiva participação e transvariação nos campos de competência pessoal. Antecipam-se mudanças nas expectativas e papéis de seus componentes; das centralizadas em uma dada especialidade (papel único), para as descentralizadas em várias delas, apresentados, porém, de maneira discriminada (diversidade de papéis com demarcações estanques), para, finalmente, chegar à de diversidade de campos com limites definidos, mais abertos e facilitando transvariações.

Para o emprego do modelo proposto, apresentam-se algumas diretrizes aplicáveis aos programas de estimulação precoce, a fim de facilitar a prática das ações correspondentes. Estas são concebidas conforme uma perspectiva de integração no desenvolvimento infantil, demarcadas por padrões de normalidade e de saúde e por desvios de vulnerabilidade e de distúrbios no processo evolutivo, com ênfase na identificação dos fatores de risco e seus efeitos. A detecção destes últimos e a dos primeiros sinais de seus efeitos já não indicativos de imediata intervenção, orientando os programas específicos de promoção, preservação e melhoria da saúde integral da criança.

Apresentam-se a seguir algumas sugestões, para serem tomadas em conta na elaboração dos programas de estimulação precoce, relacionadas com os níveis de prevenção acima referidos, considerando-se a relatividade de sua aplicação:

Prevenção primária. Suas ações podem ser as mais variadas, sempre que envolvam estratégias efetivas, destinadas a propiciar o sadio e normal desenvolvimento da criança e a melhoria e estabilidade do ambiente familiar. Assim, na fase do desenvolvimento pré-natal, destaca-se a importância da assistência, tanto médica como psicológica da gestante; a prevenção dos fatores de risco; a preparação psicológica para o parto e do efetivo desenvolvimento do papel de pai e de mãe junto à criança que irá nascer. No que concerne ao parto, nascimento e período pré-natal, destacam-se também a prevenção dos fatores de risco pertinentes e os benefícios emocionais e estimuladores do aleitamento materno, sem descurar de suas vantagens para o crescimento físico da criança.

Durante os primeiros anos de vida, coloca-se em evidência a importância do papel dos familiares, em especial dos pais, na função de mediadores na estimulação da criança, integrada esta na sua rotina e na comunicação entre as pessoas do lar. É preciso considerar também a necessidade de realizar o controle, não só médico mas também psicológico da criança normal e sadia, proporcionando os indispensáveis recursos para o fortalecimento de suas relações com as pessoas de seu núcleo familiar.

Prevenção secundária. As sugestões indicadas para este nível, dirigem-se sobretudo à detecção precoce dos fatores de risco que estão incidindo negativamente no desenvolvimento infantil e aí provocando condições de vulnerabilidade, tanto orgânicas como psicológicas. Vale destacar a importância de efetuarem-se avaliações periódicas do desenvolvimento da criança, para proceder oportunamente à eliminação de tais fatores e também seus efeitos, mediante o emprego de estratégias de intervenção apropriadas.

No período pré-natal, poderá ser descoberta precocemente toda uma variedade de fatores de risco susceptível de comprometer a saúde da gestante e do novo ser em formação. Estes fatores variam na intensidade e na repercussão de seus efeitos, especialmente aqueles que se relacionam com a desnutrição, com a fármaco-dependência, com o tabagismo, com a paternidade irresponsável, com os maltratos e conflitos no lar.

Quanto ao parto, nascimento e período neo-natal, a descoberta de outros fatores adicionam novos elementos negativos ao quadro de risco que se torna mais complexo e intenso, exigindo não poucas vezes a necessidade de intervenção imediata, tal como são as técnicas de fortalecimento dos laços afetivos mãe-criança, desde os primeiros momentos da vida.

Nos primeiros anos de existência da criança, é indispensável a avaliação regular, médica e psicológica, com especial atenção aos sinais de alerta que possam indicar a presença de condições de vulnerabilidade. Justifica-se também a intervenção periódica, mediante estratégias de estimulação das suas potencialidades, apoiadas nas relações afetivas e estáveis entre os membros da família. Destaca-se também a importância do papel dos pais e irmãos na função de facilitadores, aos quais poderão ser proporcionados conhecimentos e experiências adequadas, especialmente em relação às formas de observar o desenvolvimento da criança e aos procedimentos de estimulação, incorporados à sua rotina diária e em suas atividades lúdicas.

Prevenção terciária. A principal sugestão para as ações relativas a este nível dirige-se mais aos efeitos dos fatores de risco do que à sua identificação. E válido, portanto, avaliação contínua, acompanhada de oportuna intervenção de tais efeitos que se manifestam nas variadas formas de distúrbios no desenvolvimento. Esta orientação justifica-se pelo fato de que, em não poucos casos, os fatores de risco desaparecem ou perdem sua intensidade, persistindo, contudo, seqüelas de maneira ativa e duradoura.

Destaca-se, uma vez mais, neste nível de prevenção, o papel determinante da família, tanto nuclear como estendida, e também de outras crianças, como co-terapeutas no processo de diagnóstico-intervenção. Para estes mediadores, selecionados conforme suas habilidades e disponibilidades de tempo, prevê-se supervisão direta da equipe de profissionais, bem como preparação específica, mediante participação em reuniões, sessões de demonstração, atividades de treinamento no lar e na instituição (creches ou escolas maternais), entre outras estratégias.

Logicamente, não se deve descurar da identificação dos fatores de risco que, nesses casos, apresentam-se intensos e com efeitos prolongados. Tais fatores seriam alterações cromossômicas, traumatismos obstétricos, acentuada carência de estímulos ou de afeto, abusos e maltratos, relações conflitivas e intensas no ambiente familiar, etc. A incidência destes fatores nas gestantes identificam-nas como mães de alto risco, cujos programas de assistência vêm demonstrando positivos resultados, caracterizando assim o início do desenvolvimento dos diferentes planos de ação preventivos neste nível. Continua esse processo com a atenção ao nascimento e aos primeiros anos de vida e prossegue, em fases sucessivas, com diferentes caracterizações dos programas de estimulação precoce.

 

III. Conclusões

Tratando-se de contribuição que analisa sinteticamente os progressos mais significativos, alcançados no campo objeto destes estudos, seguidos da estruturação de um modelo teórico aplicável, as conclusões que se formulam assumem caráter de diretrizes gerais, para delinear novas contribuições, particularmente as dirigidas a comprovar a efetividade de tal proposição.

A seguir apresentam-se as conclusões consideradas de maior significação:

1. Pode-se afirmar que os progressos alcançados no desenvolvimento dos programas de estimulação precoce evidenciam uma clara relação com os diferentes níveis de prevenção, uma definida abrangência na atenção à saúde bio-psicossocial da criança, um crescimento efetivo no papel das equipes de profissionais e de pessoas significativas e uma evolução contínua no processo de diagnóstico-intervenção. Constituem-se, assim, as bases significativas que fundamentam a elaboração de modelos teóricos integrativos, como o que se sugere.

2. Deduz-se que o modelo proposto, integrando as idéias e conhecimentos atuais sobre o tema em estudo e também evidenciando uma expressiva funcionalidade, poderá constituir-se em um instrumento de fundamental apoio, para elaborar e avaliar programas de estimulação precoce, e, também, em um esquema referencial para a preparação de pesquisas na área, propulsando, deste modo, a continuidade dos progressos já alcançados neste promissor campo do conhecimento.

3. Conclui-se que o modelo, que se apresenta, fundamentado em estratégias preventivas, no processo integrativo de diagnóstico-intervenção e no crescimento das equipes de saúde propõe alternativas, para fortalecer o desenvolvimento da criança normal, vulnerável ou deficiente e para impulsar a melhoria de seu ambiente de convivência.

4. Conclui-se, ainda, que as considerações em torno da fundamentação e estruturação deste modelo, elaborado para enriquecer os programas de estimulação precoce, apresentam novas perspectivas para este campo do conhecimento, deixando entrever, ao mesmo tempo, a necessidade de prosseguir no esforço de comprovar os resultados de sua aplicação, mediante estudos avaliadores que possam contribuir, efetivamente, para o bem-estar da criança e da família.

 

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(*) Contribuição à Mesa Redonda: Prevenção e Saúde, Perspectivas - II Seminário Internacional de Psicologia da Saúde e 1 Congresso Brasileiro de Psicologia da Saúde, promovido pela Sociedade Inter-americana de Psicologia, no período de 4 a 9 de outubro de 1987, em São Paulo.
Professor Adjunto do Departamento de Psicologia Clínica - UNESP, Titular da Academia Paulista de Psicologia.