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Psicologia USP

versão On-line ISSN 1678-5177

Psicol. USP v.1 n.1 São Paulo jun. 1990

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

Saber ou ignorância: Piaget e a questão do conhecimento na escola pública

 

Knowledge or ignorance: Piaget and the matter of knowledge in the school

 

 

Fernando Becker

Professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

 

 


RESUMO

Em vez da escola assumir o seu compromisso de transmissão e de produção do conhecimento, envolve-se com o condicionamento do comportamento e com o controle da conduta do aluno. Os processos de transmissão (que nunca é mera repetição), e de produção do conhecimento -processos radicalmente interdependentes — exigem, como condição prévia, e têm como ponto de chegada, a liberdade. Os conceitos de experiência lógico-matemática ou de abstração reflexiva, encontráveis na Epistemologia Genética piagetiana, deixam claro que a criança quando retirada do seu meio e afastada dos seus interesses, para ser submetida ao processo de repressão generalizada, exercido pela escola, perde a dinâmica própria à sua ação — fator responsável não só da aprendizagem mas também das condições prévias de todo conhecimento. Exercendo a repressão sobre as manifesrações espontâneas (distinguir das espontaneístas) da criança, até os últimos pormenores, (querendo saber o que a criança cochichou para seu colega, mandando mudar a cor que a criança usou para pintar o olho da figura de um desenho seu, fixando hora de ir ao banheiro...) a escola está de fato, produzindo a subserviência - o que redunda na produção da ignorância: o que gera ainda maior subserviência. Este processo de aprendizagem é subsidiado pela teoria do reforço (predominantemente respondente) e fundado numa epistemologia empirista. Somente pela superação da metodologia da repetição (que é subsidiada pela teoria do reforço), e pela construção de uma metodologia da abstração reflexiva, (abstração da própria ação feita pelo aluno, como indivíduo e como classe social), a escola resgatará seu papel de transmissão e de produção do saber - tão persistentemente buscado pelo trabalhador.

Descritores: Pedagogia. Processos Cognitivos.


ABSTRACT

Insted of fulfilling its role of knowledge production and transmission, the Brazilian school is committed to behavior conditioning and conduct control. The processes of knowledge transmission and knowledge production — radically interdependent processes — require freedom as their previous condition and, at the same time, as their arriving point. The concepts of logical-mathematical experience or of reflexive abstraction of the Piagetian Genetic Episthemology show us that when the children are withdrawn from their environment and taken away from their-own interests to be submitted to the broad repression, process of the school, they lose that dynamic characteristic that is so akin to their action. And, as we know, it is this action that brings about not only learning but also the previous conditions, necessary to that learning. This repressive action over the child's spontaneous manifestations, (as when the teacher insists on knowing what the child has whispered to his or her schoolmante, says to him or her to use this color instead of the one he or she has chosen, establishes rigid schedules to go to the bathroom, etc.), demonstrates that the school produces, in fact, only submission, with the result being the production of ignorance. This, in its turn, produces still greater submission. This kind of learning is informed by reinforcement theory (mainly of the classical behaviorism type) and is based on a crude empiricist episthemology. Only by going beyond this reproductive methodology and by constructing a reflexive abstraction approach, can the school, recover its commitment to its role of knowledge production and transmission - a role so frequently sought for by the working class.

Index Terms: Pedagogy. Cognitive Processus.


 

 

O compromisso da escola é o conhecimento: sua transmissão e sua produção. Visto de modo inverso: se excluirmos o conhecimento, restará alguma razão de ser da escola, restará ainda algum significado para a escola? Se o trabalhador souber que a escola não está trabalhando o conhecimento, procurará ele a escola para seu filho? Ou será que muitos trabalhadores já deixaram de insistir para que seu filho freqüente a escola porque já perceberam o nível de incompetência da escola para tratar do conhecimento?

O espetáculo proporcionado pela sala de aula, sobretudo de escola pública de periferia, oferece ao observador um quadro frontalmente contrário a esta pretensão epistemológica. Um quadro frontalmente oposto às condições básicas de construção do conhecimento, oposto às condições necessárias para a construção das estruturas prévias de todo o conhecimento.

Desenvolverei este trabalho, apresentando questões que considero fundamentais da Epistemologia Genética piagetiana. Colocarei, porém, em contraponto, narrativas e depoimentos extraídos de duas dissertações de mestrado, de autoria de DORNELLES (1986) e FREITAS (1986), concluídas no final de 1986, que revelam como se trabalha a questão do conhecimento na escola pública e, a favor da clareza, produzirei cada passo desta reflexão a partir de afirmações categóricas ou teses.

1. O compromisso da escola é a transmissão e a produção do conhecimento e não o condicionamento do comportamento ou o controle da conduta.

Na prática de sala de aula, esta distinção de modo algum é clara. Professores que, em outro contexto (greve do magistério, por exemplo, cf. DORNELES, 1986, p. 75-76) exibem um discurso e uma prática progressistas, ao retornar à sala de aula reproduzem um ambiente escolar muito mais próximo das leis do exercício e do efeito de Thorndike, eliminando, porém, a fase inicial de ensaio-e-erro, ou das contingências de reforço tipo Skinner sem, no entanto, afastar a punição, como recomenda este autor, do que da coerência da sua práxis. Em nome da transmissão do conhecimento esquecem sua produção e se apressam em intensificar o controle da conduta do aluno, esvaziando o ensino: abandonam o papel do educador e vestem a camiseta do treinador. A diferença entre um e outro, como veremos no decorrer desta reflexão, é a mesma que existe entre liberdade e subserviência. Como isto acontece? Entremos numa sala de aula de escola pública de periferia. Nível: alfabetização. O que encontramos aí? Em lugar das relações dinâmicas próprias à construção do conhecimento (cf. Piaget e Freire) ou, pelo menos, à sua transmissão, encontramos "a exigência constante de disciplina, o estabelecimento de uma relação autoritária entre a professora e seus alunos, o trabalho obrigatório e repetitivo" (FREITAS, 1986, p. 74). Entre estes fatores a disciplina ocupa o primeiro lugar: "O tempo, na escola, é dividido e rigidamente controlado: hora de entrar, da merenda, do banheiro, do recreio, de sair" (p. 75). Como se configura, aí, a relação professor(P)-aluno(A)?

P — Gente! Vamo ao banheiro. São quinze para as três.
A — Eu não quero, professora.
P — Vamo! Vamo! Vamo ao banheiro! Vamo toma água (p. 75).

Quando é "hora de" não importa o que faz a criança, o seu desejo. Se é "hora de" ela tem que fazer mesmo se não deseja ou não necessita e, fora desta hora, está proibida de fazer mesmo se for necessidade fisiológica.

A1 — Dá prá mim í no banheiro agora?
P — O que eu falei quanto a ir no banheiro? É uma vez na tarde. Na hora do recreio ninguém qué fazê xixi e cocô.
A2 — Claro. Pra corrê.
A3 — Eu fui no banheiro no recreio.
P — Pois é. É só entrá na aula todo mundo qué fazê cocô ou xixi. Não vai. Se tiver vontade, vai fazê cocô e xixi nas calças pra aprendê. Não faz nada na aula e anda toda hora qué ir no banheiro... Só pra saí da aula! (p. 76).

Esta divisão do tempo invade o estudo. Há sempre uma atividade a ser feita, determinada pela professora, não importando o desejo do aluno.

P — Agora escrevam no caderno as palavrinhas que nós aprendemos hoje.
A — Faz o seu nome aí no quadro, professora.
P — Agora não dá tempo. Amanhã eu faço (p. 77).
Até para brigar tem hora.
P — Vem brigar agora ou não vão brigar mais. Eu não vou falá mais nada. Podem brigar. Eu não vou xingá nem levá ninguém pra secretaria. Escolhe: ou briga agora ou não briga mais (p. 78).

2. A condição e o ponto de chegada da produção, e mesmo da transmissão, do conhecimento é a liberdade.

A crítica de Piaget, encontrável em numerosos escritos seus, contra as explicações empiristas e aprioristas do conhecimento, aponta como problema básico destas explicações a passividade à qual é reduzido o sujeito epistêmico. Na sua explicação, ao contrário, a ação assume tal importância que se confunde com o próprio eixo da teoria. Assim, as estruturas da inteligência, condição de todo conhecimento, não são impostas pelo meio por sensação (estímulo) ou mediante percepção, nem são inatas, mas construídas na e pela ação do próprio sujeito.

Para compreender melhor a importância da ação na gênese das estruturas do conhecimento acompanhemos a conceituação de "experiência" de Piaget. O criador da Epistemologia Genética distingue duas formas de experiência: a física e a lógico-matemática.

a) A experiência física consiste em agir sobre os objetos e, por força desta ação, descobrir neles qualidades que lhes são próprias (peso, densidade, etc). Estas qualidades são tiradas dos objetos por abstração "simples" ou empírica a partir das informações perceptivas possibilitadas simultaneamente pelos esquemas de ação do sujeito e pela materialidade do objeto. Isto significa que o objeto não se impõe por si mesmo ao sujeito; o objeto determina o sujeito somente pela mediação da ação deste; e a condição de toda ação é o esquema. A percepção, ou a sensação, por si mesma é vazia; coordenada pelos esquemas de ação, ao contrário, tem toda importância que se pode imaginar; este sentido, em Piaget, remonta às raízes de sua teoria.

a) A Experiência lógico-matemática consiste também em agir sobre os objetos e, por força desta ação, tirar as informações não destes objetos como tais mas do que as ações e a coordenação das ações do sujeito colocaram nestes objetos. Dito de outro modo, a experiência lógico-matemática consiste em agir sobre os objetos e abstrair (réfléchissement ou processo de abstração reflexiva) da coordenação das ações do sujeito qualidades que lhe são próprias (seriação, classificação, número, etc).

Os fundamentos da lógica e da matemática não são adquiridos por aprendizagem — muito menos por ensino — como se pretende comumente fazer entender, mas por abstração progressiva das qualidades da ação do sujeito; pela coordenação das ações, portanto. A ação humana, na sua espontaneidade, e isto desde o início (ação sensório-motora) é lógico-matemática. (Resta saber por que se nutre, na escola, tão grande aversão ao conhecimento matemático!? O presente trabalho pode ser entendido, também, como ensaio de resposta a esta questão).

A ação, quer seja enfocada sob o ponto de vista da experiência, quer sob o ponto de vista da abstração reflexiva, é sempre descrita por Piaget como espontânea, isto é, independente dos estímulos escolares, mas não independente dos estímulos sociais: não espontaneísta, portanto, ou laissez-faire. Este autor deixa claro que seu conceito de "ação espontânea" supera o "laissez-faire" liberal.

Mas é necessário precisar que a cooperação, tal como a definimos por suas leis de equilíbrio e a opomos ao duplo desequilíbrio do egocentrismo e da opressão, difere essencialmente da simples troca espontaneísta, quer dizer do laissez-faire tal como o concebia o liberalismo clássico. É claro, com efeito, que sem uma disciplina assegurando a coordenação dos pontos de vista por meio de uma regra de reciprocidade, a "livre troca" fracassa continuamente, seja devido ao egocentrismo (individual, nacional ou resultante da polarização da sociedade em classes sociais), seja devido às coações (devidas às lutas entre tais classes, etc.). À passividade da livre troca, a noção de cooperação opõe assim a dupla atividade de uma descentração, em relação ao egocentrismo intelectual e moral e de uma liberação em relação às coações sociais que este egocentrismo provoca ou mantém. Como a relatividade no plano teórico, a cooperação no plano das trocas concretas supõe, pois, uma conquista contínua sobre os fatores de automatização e de desequilíbrio. Quem diz autonomia, em oposição à anomia (egocentrismo) e à heteronomia (coação), diz, com efeito, atividade disciplinada ou autodisciplina, a igual distância da inércia ou da atividade forçada. É onde a cooperação implica um sistema de normas, diferindo da suposta livre troca cuja liberdade se torna ilusória pela ausência de tais normas. E é porque a verdadeira cooperação é tão frágil e tão rara no estado social dividido entre os interesses e as submissões, assim como a razão permanece tão frágil e tão rara em relação às ilusões subjetivas e aos pesos das tradições (PIAGET, 1973, p. 110-111).

As condições de toda aprendizagem — e, portanto, de todo ensino, — são as estruturas de conhecimento constituídas por sua vez pelos esquemas de ação: da ação espontânea, não da ação determinada pelo ensino. O corolário de "espontânea" significa, portanto, a eliminação de toda opressão material, psicológica, política, numa palavra, da opressão de uma classe sobre a outra.

Não se pode formar personalidades autônomas no domínio moral — diz Piaget - se... o indivíduo é submetido a um constrangimento intelectual de tal ordem que tenha de se limitar a aprender por imposição sem descobrir por si mesmo a verdade: se é passivo intelectualmente, não conseguirá ser livre moralmente (1974, p. 79).

O mínimo que podemos inferir disto, portanto, é que o processo de construção do conhecimento implica a liberdade desde o início: e, a fortiori, em cada ponto de chegada das várias etapas do processo.

3. A condição e o ponto de chegada do condicionamento do comportamento e do treinamento da conduta é a subserviência.

O que se aprende, segundo Piaget, se aprende por instrumentos lógico-matemáticos não aprendidos mas constituídos na interação "espontânea" do sujeito com o meio físico e social.

A escola não só não acredita nisto como desenvolve uma prática de ensino contrária a esta posição teórica. Apropria-se de teorias como a behaviorista ou neo-behaviorista determinando, desde o planejamento do ensino, a subserviência. A relação professor-aluno, condicionada pelo pressuposto empirista da tabula-rasa, desconsidera toda a história de ação do educando e professa a crença behaviorista no poder (absoluto) de determinação do reforço (estímulo que se movimenta numa só direção: do meio para o sujeito). Neste contexto teórico o ensino assume tal importância que a aprendizagem só pode ser entendida na sua estrita dependência. O aluno é considerado incapaz de aprender algo que não lhe seja ensinado. O aluno pode aprender qualquer coisa, em qualquer idade, desde que lhe seja competentemente ensinado, isto é, desde que as contingências de reforço tenham sido programadas de acordo com as exigências metodológicas positivistas, digo, behavioristas. Qualquer tentativa de interação entre o polo da aprendizagem e o polo do ensino é considerada como uma lamentável confusão que agride a eficiência — apanágio de um esquema de condicionamento.

"A ameaça de punição, nos moldes behavioristas (retirada de um estímulo agradável ou exposição a um estímulo aversivo", diz FREITAS (1986), é um recurso utilizado quando a disciplina comum não atinge o objetivo.

P — Mau, deixa de sê lento e faz isso ligeiro! Tu não vai pro recreio hoje se tu não terminar isso. Não é nem pro recreio. Não vai no banheiro se tu não terminar. Vai ficar aí fazendo.
P — Qué pará de dizê nome? Eu não sou surda! Eu vou trazê pimenta pra botá na tua boca daqui um pouco mais (p. 80).

A limitação do espaço para cada aluno, "o seu lugar", obstrui amplamente a interação aluno-aluno:

P — Senta cada um no seu lugar. Cada um no seu lugar! Ela não vai emprestá nada. Tu vai te sentá no teu lugar e a Nar também.
P — O Len, tu não pode tá na mesa do Ric. Como é que tu tá na mesa do Ric. Cada um na sua mesa.
P — Senta, Ped, no teu lugar! Vamo sentá, hem? Vamo sentá todo mundo! Eu não quero ninguém de pé!
A — Posso trabalhá na minha mesa?
P — Não. Na tua mesa tu não trabalha, só brinca.
P — Vão se sentá os dois. Saiam da porta, gente! Vocês se juntam pra fazê bagunça. Senta! É a última vez que eu vou falá! (p. 79).

O clima psicológico que decorre desta relação, conhecemos muito bem. A bajulação, o favoritismo, a parcialidade, a denúncia, o individualismo, a arrogância, a inferioridade, o preconceito, etc., perpassam a relação professor-aluno. Para a ideologia o prato está cheio. O aluno egresso desta escola integrará "organicamente" as relações de produção do capitalismo. Aceitará um baixo salário sem reclamação. Ou perseguirá individualmente um salário mais alto utilizando os meios apropriados, os quais aliás aprendeu muito bem.

No seu psiquismo, consciência e pensamento estão definitivamente desvinculados. Este, mediocrizado ao ponto da incapacidade de construir a teoria necessária ao posicionamento crítico do indivíduo na sociedade, aquela, saturada pelos mitos da ideologia.

Como a escola trabalha para conseguir este intento? Acompanhemos este diálogo (DORNELES, 1986, p. 154): a professora monologa descartando reiterada e sistematicamente as contribuições — boas ou discutíveis — dos alunos.

P — Nós vamos ler todo o texto da página 52 sobre o gaúcho, sua comida preferida.
A — O trago, né professora?
P — O chimarrão. Nós vamos ver de onde surgiu esse termo gaúcho.
(Os alunos abrem o livro. Vários não têm o livro).
A — E para copiar o texto, professora?
P — Eu disse para copiar? Que mania de colocar a carroça na frente dos bois. Vamos ler o texto juntos.
O gaúcho é tipo regional característico do Rio Grande do Sul. Surgiu desde o início do povoamento com a atividade pecuária. Que é isso?
A — Animais.
P — Gado.
A — Tem uma figura das vacas aqui.
P — Os jesuítas foram expulsos das missões e não conseguiram levar todo o seu gado. Então vieram os açorianos e foi surgindo o gaúcho, que sendo um bom cavaleiro, começou a juntar o gado e usá-lo para fins lucrativos.
A — Prá dinheiro.
P — Para ter lucro. E eles começaram a usar a vaca para tirar a pele e a carne.
A — Professora, o meu avô tinha fazenda e tinha um monte de ovelha e fazia pelegos.
P — Outra coisa que eu quero que vocês saibam é que, além do couro, eles utilizavam a carne. Mas, como durava a carne se não tinham refrigerador?
A — Passavam sal.
A — O meu tio faz charque, tem açougue e ele guarda com sal quando a carne estraga.
P — Tá, deixa eu continuar. Eles faziam charque e é muito importante que vocês guardem essa idéia para depois, para a Revolução Farroupilha. Continua lendo, Rita. (...), (p. 154).

Comprometido o processo de abstração reflexiva — a professora "proibe", mediante reforça-dores negativos, a reflexão do aluno sobre sua experiência passada, como vimos acima — a partir da ação "espontânea", processo que simultaneamente fecunda a experiência e projeta a consciência para o futuro, o indivíduo será ou dominante ou dominado: não quererá ou não poderá lutar contra a opressão da qual será beneficiário ou vítima: ele é a própria subserviência cuja outra face é o autoritarismo.

4. Professando uma epistemologia empirista, mesclada, porém, de componentes inatistas, e praticando uma metodologia, consciente ou inconscientemente, positivista-behaviorista, a escola, a pretexto de transmitir o conhecimento, não faz senão produzir a ignorância; ignorância que se volta contra a própria criança excluindo-a da escola.

Como é que uma escola, que quer efetivamente ensinar, deve tratar os seus alunos? Proibindo toda a ação do aluno, reprimindo tudo o que faz o aluno, ignorando tudo o que aluno traz consigo, a sua vivência, a sua experiência, só aceitando do aluno o que for resposta esperada de uma ordem explícita do professor, estipulando hora até para a satisfação das necessidades fisiológicas mais elementares (tomar água, ir ao banheiro...), proibindo terminante e reiteradamente a comunicação do aluno com seus iguais, menosprezando ou mesmo reprimindo toda contribuição espontânea, mesmo correta e criativa, do aluno sob a estúpida desculpa de que ele deve ficar em silêncio para ouvir o professor, fazendo preleções sobre temas inúteis, de forma ingênua e mistificadora, com abordagens acientíficas ou, freqüentemente, saturadas de erros sob o aspecto científico, filosoficamente tendendiosas e ideologicamente comprometidas? Será que a escola pretende educar quando manda calar-se o aluno que fala não importando o que diga, quando desconversa, com uma implacável coerência, perante as tentativas, muitas vezes tímidas, outras vezes agressivas, do aluno de dizer a sua palavra, de falar a sua ação, de verbalizar a sua experiência, de expressar o seu saber, quando manda ficar quieto o aluno que se movimenta não importando para quê se movimentou, quando proibe o aluno de escrever só porque ainda "não é hora de escrever", quando proíbe o aluno de ler só porque "agora não é hora de ler", quando humilha o aluno que consultou o vizinho sob a desculpa de que ele não está prestando atenção, quando exerce um controle absoluto sobre o corpo do aluno, sobre todos os seus movimentos, sobre suas palavras, sobre sua respiração, sobre seu ato de matar a sede, sobre seus atos de urinar e defecar... Isto é educar? Isto é ensinar? Será que o professor educa quando exerce toda a sua sede de poder sobre o aluno domesticando a sua consciência; quando reproduz todo o quadro de repressão que viveu como aluno? Será que o professor educa quando se considera o único sujeito do processo transformando os alunos em meros objetos? Ou quando utiliza a avaliação como instrumento de poder?

Observemos dois contextos onde, por ser o diálogo metodologicamente impossível, o aluno responde à situação autoritária afrontando ou ironizando a professora que, por sua vez, legitima esta situação autoritária.

A1 — A professora está com os cabelos arrepiados.
A2 — Parece bife a milanesa.
P — Bife a milanesa daqui a pouco é o senhor que vai ficar se não fizer todas as atividades.
A1— Tu disse que ia passar o visto no caderno hoje?
P — Deixei para amanhã.
A1 — Então vou apagar o quadro e fazer tudo errado.
P — Quem vai ficar com nota baixa? Eu ou tu? (Português, quarta série).
A-A — Na pergunta dois: "O que o menino comia?", eu vou dizer que ele comia veneno, só quero ver a cara da professora.
P — Os charruas eram dos tupis ou tapuias?
A — Tapuias.
P — Muito bem.
A — Eu chutei, professora. (Geografia, quarta série), (DORNELES, p. 159).

Acompanhemos agora outro contexto. Neste a criança demonstra ter perdido a capacidade de agredir ou até de defender-se. Como a escola conseguiu isto? Pelo controle do discurso que se faz pela correção, "a principal e quase única forma de interação entre a professora e seus alunos" (FREITAS, p. 85). É a correção contínua, tanto do discurso quanto da ação, que leva às noções de "certo" e "errado", de "feio" e "bonito", de "bom" e "mau"; trata-se da internalização das noções de valor da professora, ou melhor, da classe social a que pertence a professora.

P — Parem de falar errado: Não é 'treminei', é 'terminei', já disse. E não é 'mais primeiro que o Elb'; é 'primeiro que o Elb'. Que coisa! Falam tudo errado" (FREITAS, p. 85).
A — Minha mãe disse que meu desenho é feio. Eu chego em casa e nem mostro pra ela. Eu também acho feio. Vou mudar tudo (p. 86).
P — Tá muito bonito! Mas tu não vai pintá? (p. 87).
P — Tá. Mas o olhinho tá fraco. Tem que fazer mais forte (p. 87).
P — Tá errado. Tem que apagá e fazer tudo de novo (p. 88).

Neste contexto autoritário qualquer gesto de solidariedade é proibido, A professora interfere quando se esboça algum gesto desses.

P — Assim não dá! Gil, dá vontade de te cortar o pescoço! Tu já não fez a tua? Por que fazer na folha dela?
A — Ela não sabe fazer.
P — Sabe sim! E muito bem! Ela não precisa de ti.

 

5. Como se vê, nesta sala de aula produz-se ignorância e não saber pois inibe-se aí sistematicamente a experiência lógico-matemática e a abstração reflexiva impedindo, por conseqüência, a construção das estruturas de conhecimento próprias desta idade, estruturas que constituem as condições prévias de toda aprendizagem.

"Na concepção bancária de educação — diz Paulo Freire — o conhecimento é um dom concedido por aqueles que se consideram como seus possuidores àqueles que eles consideram que nada sabem. Projetar uma ignorância absoluta sobre os outros é característica de uma ideologia de opressão. É uma negação da educação e do conhecimento como processo de procura" (1980, p. 79).

A abstração reflexiva, que pode ser pseudo-empírica ou refletida (e que é distinta da abstração empírica), "constitui um dos motores do desenvolvimento cognitivo e um dos processos mais gerais da equilibração" (PIAGET, 1977, p. 303).

A abstração pseudo-empírica consiste em agir sobre os objetos e sobre seus observáveis atuais, como acontece na abstração empírica, só que aqui as constatações atingem de fato os produtos da coordenação das ações do sujeito, enquanto a abstração refletida é o resultado de uma abstração reflexiva assim que se torna consciente, não importando o nível em que isto ocorre.

O processo de abstração reflexiva (réfléchissement) ocorre sempre em dois momentos. Primeiro, o sujeito retira algo de um patamar inferior e projeta este conteúdo sobre um patamar superior (por exemplo, da ação à representação); em segundo lugar reconstrói e reorganiza mentalmente, sobre o patamar superior, o que foi transferido do inferior.

O processo de abstração reflexiva não é estranho ao processo de equilibração; é, antes, expressão deste processo que é mais geral do que aquele. Pode-se dizer que o processo de equilibração tende a realizar-se, cada vez mais, como um processo de abstração reflexiva na medida em que o processo de construção das estruturas de conhecimento aproxima-se do nível operatório e, a fortiori, a partir dele. "As novidades devidas à abstração reflexiva, diz Piaget, encontram sua razão de ser no processo geral de equilibração, acima referido, que permanece válido a título de tendências, e sobretudo nas contínuas reequilibrações refazendo os desequilíbrios e procedendo por regulações ordinárias antes de atingir essas regulagens 'perfeitas' que constituem as operações" (1977, p. 316).

O importante, aqui, é que este processo exibe duas dimensões básicas: ele é individual, não só no sentido psicológico mas em especial no sentido neurológico e, ao mesmo tempo, realiza-se ao nível das trocas simbólicas; social, portanto. E o elo de ligação é realizado pela ação do sujeito. Se o indivíduo não age — ação espontânea, como vimos, e, posteriormente, operação ou atividade mental — o processo não acontece e as estruturas não se constituem.

O que faz a escola com a ação da criança que nela ingressa? Com toda ação que a criança realizou por si mesma, antes de ingressar na escola, sem que alguém lhe ordenasse e, freqüentemente, contra toda repressão? A única conduta que é aceita e exigida pela escola, no entanto, é a do silêncio, da passividade, da obediência incondicional.

P — Cada um fazendo o seu e olhando para seu nariz. Nada de conversas.
A — Professora, o Vitor disse que os gaúchos são sujos.
P — Não é bem assim.
A — Ele achava que era.
P — Cada um cuida de si. Vamos ler o texto juntos (Moral e Cívica, quarta série).

A — Esse aí é aluno novo, professora.
P — Eu sei que ele é. Ele é surdinho?
A — Não.
P — Então deixa ele. É aquela história: cada um cuida de sua vida. Agora vamor ler o texto (Português, quarta série).

P — Quantos querem merenda? É sopa.
A — Tem gente que pede e não toma.
P — A Simone, como sempre, tinha que dar seu apartezinho. Cuida de ti e fica quietinha (Geografia, quarta série), (DORNELES, p. 158).

A escola transforma a ação espontânea em ação dirigida, comandada. Desloca o centro de decisão da ação, que se localizava na criança, para o professor, negando à criança a capacidade de determinar a ação que serve ao seu desenvolvimento: a criança é um ser naturalmente ignorante e por isso precisa ser conduzida em todos os passos por menores que sejam. No entanto, a criança que, com seis anos, já construiu — sem ensino! — um sistema de linguagem de tal complexidade que não há lingüista capaz de descrevê-lo e explicá-lo satisfatoriamente, passa a ser tratada pela escola como alguém que nada sabe, uma tabula rasa nos âmbitos psicológico, moral e cognitivo. A escola, o professor em particular, manifesta tal ignorância a respeito da inteligência da criança que é difícil saber, na relação professor-aluno, quem deve ser educado.

Vejamos o que DORNELES (1986) levanta do conjunto das salas de aula observadas, durante o ano de 1985, quanto à verbalização dos professores e quanto aos diálogos entre os alunos:

 

 

 

 

Considerando que a categoria "Relativas à Execução de Atividades", da primeira tabela, não se refere a atividades "espontâneas", na acepção piagetiana, mas a atividades planejadas e dirigidas pelo professor, podemos somar o percentual respectivo ao percentual obtido pela categoria "controle de conduta"; constatamos, assim, que mais de 80% das verbalizações dos professores são dirigidas ao controle do comportamento. Considerando, ainda, que a "Transmissão de Conhecimentos" é feita de forma totalmente dirigida, não recíproca ou dialógica, obtemos um percentual de verbalizações próximo a 95% visando ao condicionamento do comportamento. É assim que se reproduz os "mecanismos seletivos da escola pública" (DORNELES, 1986), como a reprovação, e, em vez do saber, efetua-se a "produção da ignorância na escola pública" (FREITAS, 1986).

Se cotejarmos as duas tabelas verificaremos que ao esforço predominante do professor de controlar a conduta do aluno (56,82%) o aluno responde com um comportamento de fuga da sala de aula, seja falando sobre assuntos "Externos à Sala de Aula" (62,34%), seja ocupando-se da "Conduta em Sala de Aula (sua e dos colegas)" (20,83%). Está flagrante a rejeição por parte do aluno da metodologia de sala de aula: ao esforço de "Transmissão de Conhecimentos" (15,42%) do professor, que já é reduzido se considerarmos a prioridade da sala de aula, o aluno responde com apenas 6,53% (Conhecimento Veiculado na Sala de Aula).

Aproximadamente 56% das crianças brasileiras são reprovadas na primeira série do primeiro grau. Certamente a sala de aula detém grande responsabilidade por esta dramática situação. Mas a sala de aula, e o professor em particular, são responsáveis enquanto representam uma "ordem" ideológica decorrente de uma "ordem" econômica e social.

O nível de frustração e até de desespero que atingem o professor que não elabora a crítica, na teoria e na prática, desta "ordem", é gritante. E perante o esperado — o fracasso, seu e do aluno — desespera-se.

P — Olhe aqui (referindo-se a uma prova de um aluno). Ele não fez nada. A minha aula serve para nada. Eu fiz um monte de exercícios e eles não aprendem nada. Não sei mais o que fazer (Português, quarta série).
P - Não aguento mais. Tenho trabalho em grupo aqui e na 42. Saio com a cabeça deste tamanho (Ciências, quarta série), (DORNELES, p. 159).

E o desespero chega ao ponto em que a fantasia da violência aflora...

P1 — A turma 43 não dá mais para aguentar. É impossível dar aula lá.
P2 — O que houve ontem?
P1 — A Márcia (aluna) me chamou de 'veado', só faltou dar em mim. Eu disse para ela: 'dá em mim para ver o que acontece'.
P2 — Eles são horríveis, são uns monstros.
P1 — Para mim chega de dar aula em periferia. É brincadeira.
P2 — Nós tínhamos que transformar o colégio em jaulas. Os alunos ficavam lá dentro e nós dávamos aula de fora com um chicote.
P3 — Aí eu queria ver aqueles petulantes. Só nós mesmos. Ganhar uma miséria como ganhamos para perder os melhores anos de nossas vidas aqui com esses monstros.
P1 — A Lúcia (professora) saiu da turma 44 hoje quase chorando. Não dá para aguentar esses alunos. Essa idéia de jaula é uma boa. Eu queria ver quem ia nos desrespeitar.

E, no final do ano:

P1 — Até que enfim, estamos terminando o ano letivo! Acho até que vou dar uma festa para os alunos (tom irônico).
P2 — Não esquece de levar cianureto (Dorneles, p. 231).

Uma interpretação superficial destes depoimentos poderá levar à não menos superficial conclusão de que o professor é a causa deste fracasso do ensino e da aprendizagem escolar. No entanto, ele é, pelo menos, tão vítima quanto o aluno da mesma "ordem" que referimos acima.

Duas coisas, no entanto, devem ser notadas aqui. Primeiro, a escola como integrante desta "ordem" foi alvo de perspicazes análises (dos críticos reprodutivistas e dos críticos destes) que influenciaram amplamente a produção da literatura educacional brasileira nos últimos dez a quinze anos. Esta crítica deve ser assumida aqui, embora não seja explicitada neste texto. Segundo, o professor continua atuando, de fato, como agente desta "ordem". E é por isso que análises, como a deste texto, muito longe de culpá-lo, têm a função de trazer à consciência do professor a natureza de sua prática conservadora. Esta consciência por si só nada mudará; mas sem ela certamente nada poderá mudar. Sabemos muito bem o que um professor pode fazer na sua sala de aula: a favor de uma prática reacionária ou a favor de uma prática revolucionária. Será que continuamos a ter medo de cobrar do professor a responsabilidade histórica que ele tem neste processo!? Ou será que achamos que o professor só poderá mudar a sua prática após apropriar-se de todas as determinantes do processo de reprodução social enquanto incidem sobre a qualidade do ensino oferecido às classes populares. Que discurso é esse que busca novamente jogar o professor na inatividade subtraindo dele a responsabilidade no aqui e no agora? O professor também é responsável quando ele se vale de uma metodologia de ensino mais coercitiva em lugar de uma mais participativa e reflexiva.

Não basta, portanto, que a criança ingresse na escola, pois aó pode estar sendo produzida a ignorância e não o saber. A entrada da criança na escola é, apenas, o primeiro passo. A escola precisa aprender a dar continuidade ao processo de construção de conhecimento que a criança começou há muito tempo. Este processo de construção do conhecimento, que precisa ser continuado, é a condição sine qua non da aprendizagem escolar, isto é, da aprendizagem dos conteúdos ensinados pelo professor. Portanto, o processo de construção de conhecimento, na continuidade do qual está a produção do conhecimento, constitui a condição prévia de toda transmissão de conhecimento. Só num contexto de produção de conhecimento pode-se, de fato, transmitir os conhecimentos já elaborados, formalizados, pois a criança só consegue apreendê-los reconstruindo-os para si. O nome deste processo de construção de conhecimento é abstração — empírica e, sobretudo, reflexiva, como já vimos acima. E isto se faz, de forma privilegiada, pelo discurso, pelo diálogo, e pela luta contínua na busca da liberdade que garante o direito de todos de dizer a sua palavra, a palavra de sua classe social. No entanto, o que faz a escola com relação ao discurso?

"A maior ação repressora na sala de aula, diz Freitas, recai, sem dúvida, sobre o discurso. O silêncio é um bem sagrado. A criança não só é impedida de se expressar espontaneamente, mas, sobretudo, é ensinada, a cada dia, a não fazê-lo" (p. 81).

P — Mau, cala essa boca! Olha o que eu falei ontem! Todo mundo de boca fechada e fazendo o que tem que fazê.
P — Agora nós vamos fechar bem a boca. A boca não existe. Só os dedos vão existir agora. Quem tá gritando? (p. 81).

A produção da escola é feita pela palavra, mas é o professor quem detém esse meio.

P — Pára! Cala a boca! Tu já falou demais.
P — Eu já disse: vamo pará de gritar. Pára!!! (gritando). Eu vou de um em um. Quem eu perguntar vai falar; os outros ficam quieto.
P — Agora, boquinha fechada que eu vou contar a estória. Eu nunca ví estória onde todo mundo fala (p. 82).

E neste sentido que FREIRE (1980) fala em "cultura do silêncio" onde "ser silencioso não é não ter uma palavra autêntica, mas seguir as prescrições daqueles que falam e impõem sua voz" (p. 62).

O controle da palavra é garantido pelo olhar fiscalizador sempre vigilante ou que, pelo menos, deve ser assim percebido. "A professora lembra, a cada instante, a seus alunos que seu olhar é onipresente":

P — Gente, pode ir no banheiro. Mas levem sombrinha ou abrigo porque tá frio. (...) Não é pra ficá brincando na chuva. Aqui da porta eu vou ficá cuidando de vocês.
P — A gente tem que cuidá da natureza como de um bichinho que a gente tem em casa. Nós prometemos que íamos cuidar da natureza. Hoje, na hora do recreio, vou cuidar quem não tá cuidando da natureza, ("cuidar" — eufemismo = fiscalizar).
P — Tão recortando direitinho? Daqui um pouco eu vou passar pra olhar.
P — Os mesmos lugares de ontem. Tirem o tema que eu quero ver.
P — Eu vou passar no lugar para ver quem tá com o lugar limpo e o trabalho pronto em cima da mesa (Freitas, p. 84).

Parafraseando Paulo Freire. Numa sala de aula onde se respeita a história de cada aluno e o seu processo de construção do conhecimento, que começou já no período sensório-motor, o professor desce do pedestal e passa a aprender, intensamente, com a criança. E a criança passa a "ensinar-lhe" o seu processo cognitivo. Nesta relação — e somente nesta — a criança consegue aprender o que o professor tem, de fato, para ensinar-lhe; nesta relação ambos ensinam e ambos aprendem. A vida retorna à sala de aula.

Pode-se minar aí, no seu cerne, o mais perverso mecanismo seletivo (DORNELES, 1986) utilizado pela escola: o da reprovação. Mecanismo que vigora sobretudo na escola pública e atinge principalmente, e em larga escala, as classes populares e que conta com a participação ativa do professor. Este, munido de uma epistemologia e de uma metodologia empirista-positivista, freqüentemente usando versões da teoria do reforço (respondente ou operante), colabora intensamente na produção da ignorância (FREITAS, 1986) em vez de colaborar com a produção do saber.

6. A aprendizagem, portanto, está radicalmente unida ao processo de desenvolvimento do conhecimento e tem nele sua condição' de possibilidade através da experiência lógico-matemática e da abstração reflexiva. A aprendizagem assume toda sua significação na medida em que se torna um grande processo de reflexão, inicialmente da própria ação, ação que progressivamente vai sendo apreendida como ação de sua classe social e, posteriormente, a partir das operações. Somente por este caminho a produção do saber ocupará o lugar da atual produção da ignorância.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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