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Psicologia USP

versão On-line ISSN 1678-5177

Psicol. USP v.2 n.1-2 São Paulo  1991

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

Descrição de algumas variáveis no comportamento de esperar por recompensas previamente escolhidas

 

Description of some variables in the behaviour of expecting for previously rewards

 

 

Rachel Rodrigues KerbauyI; Marina Plastina BuzzoII

IProfessora associada do Instituto de Psicologia da USP
IIMestre em psicologia pelo Instituto de Psicologia da USP

 

 


RESUMO

O presente experimento foi realizado com o objetivo de verificar se a escolha por recompensas dependia do conhecimento da situação, de treino anterior em autocontrole, ou se a situação experimental favorecia a aprendizagem de autocontrole, definido como esperar por recompensa maior. O procedimento consistiu em colocar a criança em situação de escolha entre uma recompensa menor imediata e outra maior, porém atrasada. O tempo de espera foi definido pelo experimentador como sendo de 15 minutos, sem conhecimento da criança. As crianças, 27, foram selecionadas do fichário da primeira série de uma escola pública e com idades variando entre é,7 anos a 7,10 anos. Os sujeitos entrevistados eram considerados como tendo contacto prévio com o experimentador. Dos sujeitos, 13, não foram entrevistados antes do experimento. Metade dos sujeitos tinham a recompensa visível e metade escondida. Os resultados mostraram que os grupos não diferiam entre si quanto o esperar por recompensa imediata ou atrasada, por conhecer previamente o experimentador ou por ter a recompensa visível ou escondida. Os sujeitos aprendiam com a situação experimental e passaram a esperar após serem submetidos a ela mas três das crianças não esperavam mesmo após cinco tentativas. No entanto outros sujeitos esperaram na primeira ou após somente duas tentativas. Os resultados são discutidos em lermos da necessidade de novos experimentos em que se registre a fala das crianças durante a espera para esclarecer algumas variáveis como: reforço, situação experimental, tempo de espera.

Descritores: Autocontrole. Comportamento de escolha. Recompensas. Modificação do comportamento.


ABSTRACT

The purpose of this experiment was to verify if choice of reward was dependent upon situation knowledge, previous training in self-control or if experimental situation favored self-control learning, here defined as waiting for bigger reward after some time. Having a child in a situation of immediate small reward and a delyed bigger one was the procedure adapted. The timming between both situation was defined as being 15 minutes without child knowledge. A group of 27 children (age 6/7 an 7/10) was selected from a first degree public school file. Those interviewed were considered to have had a previous contact with researcher. Thirteen subjects were not interviewed before experiment took place. Half of the group had the reward visible and half not. These results showed no difference between the two groups regarding immediate delayed reward, previous research acquaintance or visible/not visible reward. The individuals learned with situation and started waiting after being exposed to it. Only three children did not wail for bigger reward even five trials. Most of the individuals started wailing in the first trial or after the second trial. The results arc discussed in term of new experiments needs in which children conversations should be registered in order to better clarify reward, experimental situation and waiting time*.

Index terms: Self control. Choice behavior. Rewards. Behavior modification.


 

 

Com o objetivo de investigar o papel da atenção no comportamento do autocontrole, em situação experimental, foi desenvolvido por MISCHEL (1966) um modelo fundamentado na definição de autocontrole como a capacidade do indivíduo comportar-se preferindo uma recompensa maior e atrasada, em detrimento de urna recompensa menor e imediata. Essa maneira de trabalhar contém elementos que alguns autores como SKINNER (1953), BRIGHAM (1978) e KANFER (1975) realçam, tais como, a manipulação de variáveis acessíveis apenas para o próprio indivíduo (eventos privados) e de eventos públicos para a solução de problemas, a antecipação de contingências em resposta às alternativas presentes, e a execução da decisão tomada, que altera os estímulos disponíveis.

Para SKINNER (1953), o que configura substancialmente a situação de autocontrole, é a existência de conflito caracterizado pela presença de duas alternativas incompatíveis, e que RACHLIN (1974), AINSLIE (1975) e MISCHEL (1966), reafirmam pela contemporâneidade destas alternativas. Na proposta de SKINNER, quando o indivíduo opta pela alternativa A ou B, o conflito deixa de existir e cessa a resposta de autocontrole, sendo que esta é uma resposta simples, cuja probalidade de ocorrer é função da história passada do indivíduo, da genérica e de antecedentes e consequentes ambientais.

Considera-se o modelo de MISCHEL (1966) e MISCHEL, EBBSEN e ZEISS (1972), em que o sujeito deve escolher entre duas recompensas de valores diferentes, recebendo a menor imediatamente, ou a maior, atrasada, após a situação de espera como de preexistência do conflito, (SKINNER, 1953) e, portanto, uma situação de autocontrole. Durante o período de espera, a criança encontra-se entre duas alternativas: interromper a espera e receber a recompensa de menor valor, ou esperar pela de maior valor.

Em um de seus experimentos, MISCHEL (1970) manipulou a disposição do objeto para investigar os efeitos da atenção sobre a recompensa durante o período de espera. Os resultados sugeriram que, quando confrontadas com a recompensa esperada, as crianças reagiam diferentemente à situação de espera esperavam mais quando não tinham nenhuma recompensa presente, e menos quando estavam diante da recompensa atrasada ou imediata. Em estudo posterior MISCHEL (1972), com a manipulação de instruções que proviam distração da recompensa, verificou que o atraso voluntário é facilitado quando a atenção e o pensamento dirigem-se a distrações agradáveis mais do que ao objeto esperado. Estudos complementares (MISCHEL e BACKER, 1975), indicaram que o atraso pode ser aumentado por atividades abertas ou encobertas, as quais distraem o indivíduo cia recompensa esperada, e que inversamente, o mesmo parece diminuir quando se dirige a atenção à recompensa durante o atraso. Outros estudos SCHAK e MASSARI (1973); MISCHEL e MOORE (1973); MISCHEL e BACKER (1975), afirmaram e complementaram estas interpretações.

O presente experimento foi realizado com o objetivo de verificar se a escolha dependia do conhecimento da situação de treino anterior em autocontrole e se a situação experimental favorecia a aprendizagem de autocontrole definido como esperar por recompensas.

 

MÉTODO

Sujeitos: Foram selecionados 27 sujeitos através do fichário de matrícula dos alunos de 1ª série de uma escola pública experimentalmente ingénuos, de ambos os sexos, com idades que variavam de 6,7 anos a 7,10 anos e residentes em favela.

Desses sujeitos foram entrevistados 14. Eram os sujeitos considerados como tendo contato prévio com o experimentador. Os outros 13 sujeitos não foram entrevistados.

Material: Como recompensa foram usadas balas cobertas de chocolate envolvidas em papel laminado e opaco. Estas, dependendo do controle experimental vigente, permaneciam dentro de uma caixa de cor bege, que ficava a direita do sujeito.

Também utilizou-se uma campainha vermelha, de metal, que ficava sobre a mesa, do lado direito do sujeito. Esta emitia um som descontínuo audível pelo experimentador na área externa da sala de experimentação, desde que o sujeito pressionasse um interruptor contido em sua parte superior.

Local: A sala experimental media 2,60m. x 3,00m,. Nela estavam dispostos: um armário com 6 portas; uma bandeira do Brasil no mastro, uma lousa de 1,80 em . x 0,80 em ., uma pia branca com torneira medindo 1,20m. x 0,75 em e um anteparo móvel para observação, KERBAUY (1979), no qual permanecia um observador que registrava cursivamente os comportamentos emitidos pelo sujeito durante a espera.

Procedimento: As professoras foram avisadas de que alguns alunos haviam sido escolhidos, pela faixa etária, para participar de um experimento, que consistia em observar as crianças em sala de aula e em um local fora da sala. Registraram-se os comentários da professora a respeito cios alunos selecionados tanto do entrevistado como daquele que não foi selecionado para entrevista.

O procedimento foi dividido em três fases: fase I, II e III. Durante as três fases as instruções eram as mesmas para todos os sujeitos entrevistados ou não, bem como o treino inicial.

O procedimento padrão foi o mesmo apresentado por MISCHEL (1966) e descrito por KERBAUY (1982). Consistia basicamente em uma criança ser treinada a chamar o experimentador ausente através do som de uma campainha e a escolher entre as recompensas apresentadas, a de sua preferência. Para facilitar a escolha, que observamos ser muito sujeita a modificações, optamos por variar somente a quantidade da recompensa: três e seis balas. O experimentador apresentava balas e perguntava: " Qual dos dois montinhos de bala você prefere?" Se o sujeito escolhia o de três, dava-se uma bala e dispensava-se o mesmo, que era novamente colocado na situação experimental reteste em outro momento. Caso essa escolha persistisse desligava-se o sujeito. Feita a escolha por seis balas explicava-se as instruções, portanto o procedimento que apresentava as condições para recebê-las.

Após a verificação da compreensão das instruções o experimentador passava à outra etapa, a Fase I, que consistia em determinar se o sujeito preferia VER ou esconder (ESC) a recompensa preferida durante o período de espera: "Você quer ficar olhando as balas ou quer que eu as esconda?". Se a criança parecia não entender substituia-se esconder por guardar. De acordo com a resposta do sujeito, a escolha VER ou ESC, o experimentador o distribuia em uma condição oposta ou idêntica à escolhida. Para determinação dessa condição experimental distribuiam-se os sujeitos tomando-se como base a sua escolha e uma tabela feita previamente e que dividia os sujeitos, aleatoriamente, nas várias condições:

Nas fases seguintes, II e III, a mesma pergunta era feita, dando-se novamente oportunidade de optar entre VER e ESC a recompensa escolhida. No entanto, independentemente da resposta do sujeito, este permanecia na condição anteriormente determinada pelo experimentador para a fase I, descrita acima. Dessa forma, o sujeito permanecia em ver, mesmo que houvesse mudado na escolha de VER para ESC. Portanto, poderia ocorrer que o sujeito estivesse em condição igual à que estava na fase I ou diferente dela.

 

 

Para os sujeitos que esperavam os 15 minutos previstos no procedimento, pela recompensa maior, terminava a fase II. Os sujeitos que não esperaram na situação experimental, eram reconduzidos à situação experimental em outro dia, até que esperassem 15 minutos pela recompensa escolhida e então terminava para esse sujeito a fase II. Estipulou-se o máximo de 5 tentativas para essa fase.

Na fase III, após intervalo de tempo variável que dependia do final da fase II, tomaram-se novamente todos os sujeitos, reduzidos agora a 23, por abandono da escola. À seguir eles foram colocados na situação experimental tia fase II, ou seja deveriam passar pela situação experimental novamente.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os dados obtidos dos sujeitos entrevistados ou não entrevistados antes da sessão experimental, encontram-se anotados na tabela 2. Verifica-se que dos 27 sujeitos da fase I, 14 compuseram o grupo dos entrevistados.

 

 

Desses 14 sujeitos, oito esperaram para obter a recompensa atrasada maior, e seis sujeitos não esperaram. Do grupo de 13 sujeitos não entrevistados tivemos cinco sujeitos que esperaram e oito que não esperaram a recompensa.

Para averiguar a existência de diferença significativa entre o grupo de entrevistados e o de não entrevistados, quanto à esperar ou não pela recompensa escolhida, aplicou-se a prova do Fischer e os resultados mostraram (p > 0,19) que a entrevista não interferiu na resposta de esperar pela recompensa, o que faz supôr que essa variável resposta de esperar está distribuída aleatoriamente na população estudada.

Na fase I, de acordo com a tabela 2, dos 27 sujeitos estudados: dez estavam na condição VER e 17 na condição ESC, mesmo que não coincidisse com suas escolhas anteriores.

Para verificar se essa distribuição foi de fato aleatória, conforme so previa, aplicou-se o teste estatístico do Qui-Quadrado, para urna amostra. Observou-se que p > 0,15 ou seja, os sujeitos foram divididos igualmente entre as condições VER e ESC. Observamos que dos 17 sujeitos que estavam na condição ESC oito esperaram e nove não esperaram.

Aplicada a prova do Qui-Quadrado verificou-se (p > 0,75) que a espera ou não espera pela recompensa está distribuída aleatoriamente nesse grupo.

Dos dez sujeitos que estavam na condição VER, cinco esperaram e cinco não esperaram. Ou seja, na condição VER a espera ou não espera pela recompensa está distribuída também aleatoriamente no grupo (Qui-Quadrado, p > 0,99).

Observamos também que dos 13 sujeitos que esperaram cinco estavam na condição VER e oito na condição ESC. Dos 14 sujeitos que não esperaram cinco estavam na condição VER e nove na condição ESC.

Para testar se a condição em que os sujeitos foram colocados VER ou ESC - determinava a resposta de esperar ou não pela recompensa, aplicou-se a prova de Fisher. Os resultados demonstraram (p > 0,30) que a condição - VER ou ESC- não afeta a resposta de aguardar pela recompensa. Esse resultado indica que o treino em autocontrole propiciado pela repetição da situação experimental não favoreceu a variável ESC como facilitadora de esperar pela recompensa, como demonstra MISCHEL (1977). No entanto os sujeitos que escolhiam VER ou ESC a recompensa, permaneciam nessa escolha todas as vezes em que foram submetidos ao procedimento. Analisando a escolha prévia do sujeito, 16 escolheram VER a recompensa e 11 escolheram ESC. Essa escolha foi totalmente aleatória, conforme detectado pela prova do Qui-Quadrado (p > 0,30).

Para verificar se a permanência ou não na condição escolhida determinava o comportamento de esperar ou não pela recompensa, aplicou-se a prova de Fisher e verificou-se para p > 0,05 que não há determinação, ou seja, o comportamento de espera está distribuído igualmente na população estudada.

Dos 14 sujeitos que não esperaram na fase I e dos quais 11 participaram da fase final, apenas dois mantiveram a escolha e oito alteraram-na através das fases II e III e um sujeito foi dispensado por escolher três balas.

Todos os sujeitos emitiram uma série de comportamentos que foram registrados e categorizados como: motores, de exame do ambiente, verbais e/ou gestuais, dirigidos à situação experimental e de automanipulação.

Esses comportamentos foram definidos tomo se segue:

- Motores. Consideraram-se nessa categoria os comportamentos de locomoção na sala, o tocar ou mexer nos objetos da sala e não referentes à situação experimental além dos movimentos corporais enquanto sentados, tais como, balançar os pés, espreguiçar, abrir a torneira da pia. andar até a janela.

- Relacionados com a situação experimental. Priorizaram-se todos os comportamentos direcionados às balas, a sineta e à caixa que escondia a recompensa.

- Verbais e gestuais. Atentou-se para comportamentos com emissão de sons e/ou gestos que faziam supor pronúncia de palavras, embora inaudíveis, com gesticular ou movimentos da boca.

- Automanipulação. Consideraram-se aqueles comportamentos relacionados consigo próprio, tocando partes do corpo, quer o vestuário. Ex: coçar, chupar o dedo, mexer no agasalho.

- Exame do ambiente. Atentou-se para o fato de o sujeito permanecer sentado olhando em direção aos demais sujeitos ou partes da sala. Ex: Olhar em direção à janela, anteparo móvel para observação.

Dos 15 sujeitos que permaneceram na condição escolhida (sete VER/VER e oito ESC/ESC), sete esperaram e oito não esperaram pela recompensa maior e dos 12 sujeitos que permaneceram na condição diferente da escolhida seis esperaram.

Dos 13 que esperaram na fase I — Tabela 3 — 10 mantiveram a mesma escolha e dois alteraram-na durante as fases seguintes, II e III.

 

 

 

 

Para os sujeitos que esperaram pela recompensa, o tempo médio de espera foi de 15 minutos. Tomando-se como unidade de tempo 1 minuto obtivemos as seguintes médias de comportamentos: 21 comportamentos motores; 34,4 de exame do ambiente; 3 comportamentos verbais ou gestuais; 2,7 dirigidos a situação experimental; 9,7 de auto-manipulação.

Para os sujeitos que não esperaram, o tempo médio de espera foi de três minutos e 44 segundos e a média de comportamentos emitidos por minuto foi de 38,9 motores; 47,09 de exame do ambiente; 6,6 de verbais e gestuais; 10,4 dirigidos à recompensa e 8,4 de auto-manipulação.

Notamos que a frequência de comportamento foi maior nos sujeitos que não esperaram do que nos sujeitos que esperaram pela recompensa maior à exceção dos comportamentos de auto-manipulação. Observando-se o gráfico 1 verificamos que, em ambos os casos houve grande número de comportamentos motores e de exame do ambiente em detrimento dos outros comportamentos.

 

 

Estes comportamentos quantificados por minuto aparecem na seguinte sequência: levanta, vai até a porta, põe a mão na maçaneta da porta e volta a sentar-se, podem ser indicação de ordens dadas a si mesmo em relação à espera pela recompensa maior. Outra sequência poderia ser: colocar a mão na campainha com um toque mínimo no interruptor, quase inaudível dentro da sala, e insuficiente, portanto, para chamar o experimentador, como foi aprendido em treino da campainha, anterior à fase experimental. Essas sequências podem indicar ordens claras para a espera da recompensa. Somente novos experimentos planejados, dando oportunidades à escolha de atividades na sala, poderiam fornecer dados para esclarecer o comportamento verbal encoberto durante a espera.

 

 

Nossos dados demonstram que o fato do sujeito ser submetido a este procedimento mais de uma vez, portanto agindo como treino, é eficaz para levá-lo a esperar pela recompensa maior. Notamos no entretanto que o número de treinos entre os sujeitos variou de duas a cinco tentativas, e que dos 25 sujeitos que permaneceram na fase II, três não esperaram mesmo após a quinta tentativa.

Considerou-se neste experimento, em uma população de baixa renda, que um dos fatores determinantes de esperar por recompensa seria o treino anterior. Para verificar essa hipótese o sujeito foi exposto a condição experimental várias vezes até que apresentasse o comportamento de esperar — podendo escolher entre VER e ESC a recompensa. As condições eram mantidas ou modificadas dependendo do delineamento experimental. Para a população estudada VER ou ESC a recompensa não parece constituir fator relevante, pois os sujeitos esperaram ou não na condição escolhida (Ver ou Esconder), sugerindo que a escolha é aleatória. Nossos dados contrariam os dados de MISCHEL (1972) que mostra uma dificuldade maior de esperar quando a recompensa e visível e facilita quando escondida.

Outra variável, à qual MISCHEL (1972) se referiu, foi o fator confiabilidade no experimentador. Esta poderia facilitar a espera, dependendo da experiência prévia do sujeito, uma vez que garantia a certeza do retorno do experimentador, e do provável recebimento da recompensa desejada. Para eliminar o fator desconfiança, deixava-se a recompensa na sala com o sujeito, estando ele na condição ausente ou presente. No procedimento relatado, além de utilizarmos deste expediente, promovemos uma entrevista inicial com o sujeito antes do período experimental, da qual entrevista pretendíamos estabelecimento de relação mais confiável entre o sujeito e o experimentador. Supúnhamos que os sujeitos entrevistados esperassem por um tempo maior do que o dos não entrevistados.

Durante o experimento repetiu-se o procedimento completo, até que a criança esperasse pela recompensa maior desejada. Nessas sessões espaçadas de uma semana, observamos que cada criança linha preferência por esperar sob uma determinada condição, e que esta era mantida através das sessões, o que nos sugeriu a estabilização dos padrões de preferência de espera. Podemos conjecturar a probabilidade de aquisição acidental deste comportamento ou ainda que tal aquisição tenha resultado de experiência anterior ou mesmo da aprendizagem de observação de um modelo. Quanto ao treino, o número de tentativas variou de sujeito para sujeito, até que ele apresentasse o comportamento desejado.

Em relação ao efeito do treino na aquisição e manutenção do comportamento de esperar, se o considerarmos como sendo a exposição a situação experimental, é possível admitir que o mesmo facilita o comportamento de autocontrole, aqui definido como esperar pela recompensa maior. No entanto, embora haja progresso à medida em que expõe à situação experimental, verificamos que algumas crianças (três entre 25), não esperaram pela recompensa, mesmo após cinco tentativas. Pareceria simplista explicarmos esse fato meramente pela recompensa ser reforçadora, uma vez que é bala para uma população carente e também porque os sujeitos queriam trazer amigos, familiares e colegas de classe para participar da situação experimental. No entanto parece ser essa a variável mais relevante, a julgar pela solicitação de comparecer novamente ao estudo quando encontram o experimentador, o pelos dados de KERBAUY (1977), pelos quais os sujeitos relataram querer a recompensa.

Somente novos experimentos ou uma metodologia que permitisse analisar o comportamento verbal expresso poderiam fornecer elementos para a compreensão nessa diferença de treino. Uma hipótese provável seria que, para algumas crianças o fato de ficar isolada em uma sala, mesmo nela estando ambientadas, seja aversivo, uma vez que vivem em barracos pequenos, dividindo-os com inúmeros moradores.

Deve-se ainda considerar o fato de que as crianças após terem esperado uma vez, mantiveram esse comportamento na fase III. Um novo experimento em que após a espera, a criança fosse submetida algumas vezes a essa mesma situação poderia indicar a manutenção do treino ou outra variável que atuaria na situação.

Os dados de observação dos comportamentos emitidos durante a espera não são concluentes e levantam inúmeros problemas de pesquisa. Se analisarmos algumas sequências, tais como: levanta, vai até a poria, põe a mão na maçaneta e volta a sentar, podemos considerar como indicação de ordens dadas a si mesmo em relação a esperar pela recompensa maior. Sequências do tipo: colocar a mão na campainha com um toque mínimo no interruptor, quase inaudível dentro da sala, e insuficiente, portanto, para chamar o experimentador fora da sala (som audível aprendido em treino da campainha, anterior ao experimento) podem indicar ordens claras para a espera da recompensa ou uma dificuldade na tomada de decisão. Como explicaremos o cheirar a bala e depositá-la sobre a mesa na situação VER?

Somente novos experimentos dando oportunidade a escolha de atividades na sala e/ou gravação do verbal controlado por situações poderão fornecer dados para esclarecer o comportamento verbal encoberto durante a espera e a tomada de decisão e sua influência na espera por recompensas maiores. Uma análise do evento privado poderá mostrar se há avaliação das condições de estímulo, valor do reforçador, auto-instrução para espera. Os dados de DIAS (1985) parecem demonstrar que o esquema de reforçamento é uma variável relevante na espera por recompensas.

Como limitação do presente experimento, deve-se considerar o pequeno número de sujeitos, especialmente na condição ESC-VER. Os sujeitos selecionados foram todas as crianças, naquela faixa etária, disponíveis na escola, que de fato, eram poucas. Novos experimentos com maior população e ou estudo individualizado das crianças que não esperam ou manipulação de outras variáveis poderão esclarecer pontos levantados nesse experimento. Outra limitação que deve ser superada em pesquisas futuras é a falta de comparação com outras populações.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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* Duas teses de mestrado foram realizados no IPUSP gravando e analisando-se as falas na situação de espera: Marina Buzzo, 1986 e Cibele Chapadeiro Sales, 1991. Orientação da Profa. Dra. Rachel Rodrigues Kerbauy.