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Psicologia USP

versão On-line ISSN 1678-5177

Psicol. USP v.3 n.1-2 São Paulo  1992

 

RESENHA

 

A etérea leveza da experiência

 

 

Elsa Lima Gonçalves Antunha

Instituto de Psicologia — USP

 

 

Walter Trinca
Edições Siciliano, São Paulo, 1991.

Após uma rica e extensa gama de publicações, W. Trinca novamente brinda os seus leitores com uma obra inédita: A Etérea Leveza da Experiência. A quem imagina nela encontrar apenas ricos textos psicanalíticos, o Autor reserva uma surpresa: para além da psicanálise, analisa a essência do ser: o mito, a lenda, a intuição, o encanto.

Neste sentido, o Autor, que já vinha denunciando, em obras anteriores, sua incursão pelo mágico e profundo da existência humana, agora confessa-se poeta, esteta, no sentido literal do termo e não só recolhe, no imaginário universal das antigas civilizações, como também exprime, juntando-se a ele, suas próprias visões interiores, trazendo para a cena da psicanálise dimensões mais amplas da alma humana.

Num estilo impecavelmente lírico, que reflete a vivência contra-transferencial, se podemos assim dizer, daqueles raros psicanalistas que conseguem penetrar nesse espaço "transicional" paciente-terapeuta, W. Trinca, comedidamente abandona o convencional, o ortodoxo e, partindo do seu campo de experiências pessoais e profissionais, "pensa" filosoficamente a aventura humana, ao mesmo tempo em que a "sente" intuitivamente, sem medo e com a certeza de que este é o único modo possível de conciliar as inúmeras e aparentemente contraditórias realidades do ser e da vida.

Após uma existência de academicismo, trilhada como poucos, pela qual o Autor pautou sua trajetória pela USP, pode e deve, agora, dar-se ao luxo de transcender: ao inefável, à imaterialidade, à leveza.

Em uma página do seu livro escreve: "O ponto de partida para explorar o fundo das coisas é uma disposição psíquica na qual a atitude básica está em deixar-se ir, deixar-se levar, deixar algo por si que tome forma. Do próprio contacto com as coisas pode surgir algo que corresponde ao sentido de suas existências. É uma atitude diametralmente oposta a interferir, mudar, modificar e moldar. É também humildade para com a aceitação do conhecimento a atitude de deixar-se ir tal qual um rio de águas rasas ou profundas, lentas ou rápidas, límpidas ou turvas..."

Em outro texto: "O verdadeiro espírito científico descobre a imaterialidade. Neste caso a ciência deixa de ser uma 'ciência de coisas' para se tornar compreensão científica do maravilhoso".

O presente livro veio à luz em um momento oportuno, oferecendo respostas e indagações àqueles que, hoje, perplexos, vacilam entre os caminhos de uma ciência estanque, limitada e os desmandos da irracionalidade.

Em suas 228 páginas ostentando na capa um detalhe do desenho de Tao-Chi, China, sec. XVII, distribui 11 iluminados capítulos: A visão de sonhos para a vida; A arte interior; A imaterialidade e o fenômeno vivo; A radiância do mundo e a sensorialidade da mente; A experiência etérea de luz, colorido e abrangência; A estética do infinito; Memória espiritual; A imaterialidade e o espírito científico; Síntese: os dois mundos; Reflexos, reflexões e conclusões.

W. Trinca, assim, nos permite, se pudermos acompanhá-lo, revisitar as imemoriais fontes de especulações sobre a mente, o homem, a vida, o ser, o universo. E constrói uma etérea "colcha de retalhos", alinhavando peça a peça a antropogênese.

Aos psicanalistas, aos profissionais da alma humana, aos amantes das letras, da beleza e da vida, é endereçada esta obra.