SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.5 número1-2A voz do outro na literatura: ProustRumo a uma nova barbárie índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Psicologia USP

versão On-line ISSN 1678-5177

Psicol. USP v.5 n.1-2 São Paulo  1994

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

As portas do sonho

 

The gates of dreams

 

 

Adélia Toledo Bezerra de Meneses

Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - USP

 

 


RESUMO

Este ensaio trata da metáfora das "Portas do Sonhos", extremamente importante na Antiguidade clássica. A "teoria" segundo a qual os sonhos passam ou pela porta de chifre (e se realizam) ou pela de marfim (e são falsos) foi e tem a aparente aleatoriedade de suas metáforas "resolvida" por um trocadilho que se estabelece no grego. Isso postula uma reflexão sobre o Witz e sobre as relações entre Linguagem e Mito. Tal topos repontará na Eneida de Virgílio, no Canto VI, a "Descida aos Infernos" — lugar onde se reencontra o passado e se gesta o futuro. É significativo que nas duas epopéias que fazem da viagem seu motivo central (respectivamente, de Ulisses e de Enéias), aponte-se para a existência dessa outra qualidade de viagem, que é aquela rumo ao mundo das profundezas: insinuação de uma passagem do épico ao psicológico?

Descritores: Sonho. Mitologia grega. Metáfora. Mitos.


ABSTRACT

This essay tries to study the "Dream's Gates" metaphor, extremely important in classical Antiquity. The "theory" which states that the dreams either go through the horn gate (and become true) or the ivory gate (and are fakes), was formulated for the first time in Chant XIX of the Odyssey, and has the apparent aleatority of its metaphores solved by a quibble present in the ancient greek original. This brings us to ponder about the Witz and the relations between Language and Myth. Such topos will turn up again in Virgil's Aeneid, Chant VI, the "Descent to Hell" — the place where the past is reencountered and the future is engendered. It is interesting to note that in these two epopees, which have the voyage as their central motif (respectively of Odysseus and Aeneas), another quality of the voyage turns up, that to the underworld: is this a suggestion of a passage from the epic to the psychological?

Index terms: Dream. Greek mythology. Metaphor. Myths.


 

 

O respeito concedido aos sonhos na Antigüidade, contudo, baseia-se num discernimento psicológico correto e é a homenagem prestada às forças incontroladas e indestrutíveis existentes no espírito humano, ao poder demoníaco que produz o desejo onírico e que encontramos em ação no nosso inconsciente. (Freud, Interpretação dos Sonhos).

 

Na versão esquiliana da lenda de Prometeu, o titã doa aos homens não apenas o fogo roubado aos deuses (e, com o fogo, "tesouro sem preço", a civilização e a técnica), mas também as formas da arte divinatória, e os sonhos: "Le premier je distinguai les songes que la veille doit réaliser et leur éclairai les sons charges d'obscurs présages (...)" (Ésquilo, Promethée enchainé, vs.472). É extraordinário que esses dois dons — absolutamente fundamentais para o ser humano — tenham uma proveniência comum: são dádivas do deus civilizador. Mas há uma segunda ilação a ser tirada desse fato: desde sempre, a ligação entre o sonho e a previsão do futuro, entre o sonho e as artes divinatórias, Pois há os sonhos "que a vigília deve realizar" e os sonhos que não se realizam. Essa idéia — que persegue os homens desde sempre — adquire concretude e imensa força plástica na alegoria das portas do sonho.

Extremamente cara à Antigüidade Clássica, tal imagem tem seu ponto germinal na Odisséia, no Canto XIX, na boca de Penélope, ao fim do relato que ela faz de um sonho seu a Ulisses, disfarçado em forasteiro, retornando após 20 anos de guerra e aventuras, e ainda incógnito. O que é que Penélope pensa dos sonhos? "Forasteiro", diz ela,

os sonhos são deveras embaraçosos, de sentido ambíguo, e nem todos se cumprem no mundo. Os leves sonhos têm duas portas, uma feita de chifre e outra de marfim; dos sonhos, uns passam pela de marfim serrado; esses enganam, trazendo promessas que não se cumprem; outros saem pela porta de chifre polido, e, quando alguém os tem, convertem-se em realidade. Receio, porém, que não tenha saído por esta o meu sonho temeroso (Homero, Odisséia, canto XIX, vs.560-9).

Uma primeira e inarredável idéia que surge é a de que os sonhos vêm de outro lugar, vêm de alhures — de uma outra realidade, separada do mundo quotidiano (diurno) por portas. O sonho passa através dessas portas, faz a mediação entre dois mundos. É inevitável não se lembrar da fantasista mas engenhosa etimologia (uma delas, aliás) que Artemidoro de Daldis (o Autor da Oneirocrítica, do séc. II D. C, o monumental Tratado de Interpretação dos Sonhos) dá da palavra sonho, em grego oneiros: aí estaria embutido o nome de Iro, o mendigo de Ítaca que, na Odisséia, levava e trazia as mensagens a ele confiadas (Artémidore, La clef des songes).

Tais mensagens — cujo estatuto importaria ainda precisar — passam através de portas — de marfim e de chifre, diz Penélope. A impressão inicial, mais do que impressão, uma intuição, de que essas "portas do sonho" escondem algo por detrás dessa metáfora altamente poética, me levou a perseguir um pouco essas imagens. Que os sonhos enganosos passem por uma porta, e aqueles que se realizam passem por outra, tudo bem. Mas por que porta de marfim e porta de chifre, respectivamente?

Essas imagens, no entanto, parecem ter impressionado os Antigos. Na esteira da Odisséia, ela comparece em Platão, no diálogo Charmides, ou da Sabedoria: "Escuta então este meu sonho," diz Sócrates, "tenha ele tomado seu vôo pela porta de chifre, ou pela porta de marfim" (Platão, Charmides, p.290).

E em Horácio, na ode do Livro III:

Suis-je éveillé, pleurant un acte honteux? ou bien, sans reproche, suis-je le jouet d'une image dont le vol trompeur, par Ia porte d'ivoire m 'amène un songe? (Horácio, Odes et épodes).

Mas é sobretudo em outro poema épico, a saber, na Eneida que, calcada na Odisséia, a alegoria das portas do sonho é utilizada por Virgilio, ao fim do famoso Canto VI:

Há duas portas do sonho: uma é de chifre, diz-se, por onde as sombras reais facilmente saem; a outra, refulgente, é de marfim brilhante; mas por esta porta os manes enviam ao mundo celeste os fantasmas ilusórios. (Virgílio, Eneida, vs.893).

O recurso ao original será indispensável:

Sunt geminae Somni portae, quarum altera fertur cornea, qua veris facilis datur exitur umbris, altera candenti perfecta mitens elephanto, sed falsa ad caelum mittunt isomnia manes.

O interessante é que, em latim, onde o termo "de chifre" é cornea e "de marfim" é elephanto, uma associação se configura: essas imagens poderiam referir-se, dizem os comentadores antigos (os Escoliastes, Eustathius) a duas das "portas de comunicação" do corpo humano, a saber: a porta cornea, de chifre, diria respeito aos olhos (cornea ocular) e a porta de marfim diz respeito às presas, e, portanto aos dentes, e conseqüentemente, à boca. Victor Bérard, na sua alentada Introduction à l Odyssée, assim situa o problema:

D'un commentaire antique, copié ou résumé par Eustathe et les Scholies, il faut détacher quelques phrases qui nous feront mieux comprendre la traduction de ces verspar Virgile: "Porquoi les songes de corne sont-ils véridiques et les songes d'ivoire, trompeurs? C'est que la come étant le symbole de l'oeil et l'ivoire, celui de la dent, les choses vues sont toujoursplus certames que les choses dites". Autre raison: "Le Poète a connu deux sortes de songes, ceux qui viennent de Zeus, du ciel, et ceux qui viennent d'en has, des Enfers; or les cornes se dressent vers le ciel, et les défenses de l'elephant pendent vers la terre (Comentário de Eustathius, 1877, Apud Bérard, p. 139).

Mas, e no grego? Muito se esclarece, quando se consulta o original. Pois se perdem, na tradução, dois trocadilhos do texto grego: de um lado, entre as palavras que significam chifre (Keras) e realizar-se (Krainein); e de outro lado, entre marfim (elephantínon) e enganar {elephairomai). E a aparente aleatoriedade dessas duas metáforas acha-se "resolvida" por um trocadilho, com todas as suas características de condensação, economia de dispêndio psíquico, humor etc., etc.

E o curioso é que os comentadores helenistas eruditos, quando tratam desses versos, sempre apõem uma nota, em que invariavelmente se aponta para a "puerilidade desses jogos de palavras, que os gregos tanto admiravam...". Mas os gregos, e, na esteira dos gregos, Freud (O Chiste e suas Relações com o Inconsciente, essa obra capital da Psicanálise, da Estética e da Literatura), estão aí para provar que jogo de palavras é um ponto fulcral, em que a Linguagem e o Inconsciente se travejam (Bérard, Introduction à l'Odyssée).1

O que resta a ressaltar, e que acho extramamente significativo, é que, no mesmo texto em que relata seu sonho, Penélope, na seqüência, aciona um trocadilho, um Witz — como se quisesse mostrar-nos a relação que existe entre essas duas "formações do Inconsciente".

O que se deduzir desse trocadilho? A porta da realização representada por "chifre", e a do engano, pelo "marfim". Ora, chifre e marfim não foram convocados pelo seu significado; keras e elephantínon estão aí pelo significante, remetendo, respectivamente a krainein (realizar-se) e elephairomai (enganar). Assim, marfim e chifre comparecem nesse texto do mesmo modo que o sátiro no sonho de Alexandre: Alexandre, relata Artemiro de Daldis em sua Oneirocrítica, sonhou, quando se preparava para fazer um cerco à cidade de Tiro, que via em seu escudo um sátiro dançando. Aristandros, o intérprete, dividiu a palavra Satyros em sa Tyros (= Tiro é tua) e, assim, fez com que o rei combatesse com tal garra que conquistou efetivamente a cidade. Vemos aqui em ação um processo extremamente utilizado nas formações do inconsciente, presente nos sonhos e nos trocadilhos (no Witz), e que leva a encarar a palavra na sua materialidade, na sua concretude. Assim como o sonho não remetia ao significado de sátiro, não se referia ao leque de significações que ele poderia desencadear (daimon da natureza; integrante do cortejo de Dionísio; mistura de homen e bode, eternamente perseguindo Mênades e Ninfas, etc. etc.), mas ao termo tomado na sua materialidade, assim também krainein e elephairomai não remetem a seus respectivos significados. Como figurar a porta da realização, a porta do realizar-se, porta do kraineinl Através do significante keras, tomado ao pé da letra, tomada na sua materialidade, na sua figurabilidade de chifre.

A mais surpreendente representação da Porta de Chifre é Mesopotâmica: trata-se de um cilindro — sinete da época de Sargon (2.500 A.C.). O sol aí aparece entre duas colunas que se misturam com as montanhas. Há uma cabeça humana dominada por chifres recurvos, e desta cabeça partem raios terminando em estrelas; é o sol poente,

diz Róheim (Les portes du rêve, p.293), para provar seu argumento de que há uma ligação entre as Portas do Sonho e as Portas do Sol.

Percebe-se aqui que o processo de recurso ao significante radica na necessidade de figurabilidade. Gomo dar conta de representar idéias abstratas, como por exemplo a plausibilidade, ou melhor, a possibilidade de realização dos sonhos, a não ser recorrendo à palavra "realizar-se" tomada na sua materialidade, no jogo a que kéras, chifre, se presta, na sua inter-assonância com krainein? Da mesma maneira, como figurar "o que engana", sem apelar para o significante de elephairomai inter-evocado por elephantínon (de marfim)? A palavra é sema e soma, é signo e corpo: é isso que nos ensinam os trocadilhos. A importância do significante nunca poderá ser suficientemente apregoada, nas formações do inconsciente. Essa visada será fundamental, por exemplo, na abordagem das relações da Palavra com o Mito. Sabemos o quanto o mito é importante, também de uma perspectiva psicanalítica, e de seu estatuto, semelhante ao sonho: o mito é uma espécie de equivalente coletivo do sonho. Ou: o sonho é o mito individual de cada um.

Um dos pressupostos da consciência elaboradora de mitos é exatamente a idéia de que nome e essência se correspondem, numa relação intimamente necessária, diz Cassirer, endossando Max Müller, que empregava a análise filológica como ponto de partida da sua teoria de uma articulação entre a linguagem e o mito. Segundo Cassirer, em seu Linguagem, Mito e Religião:

O mito não é para ele (Max Müller) nem a transformação da história numa lenda fabulosa, nem uma fábula aceita como história; tampouco ele surge diretamente da contemplação das grandes configurações e poderes da natureza. Melhor dizendo, tudo aquilo a que chamamos mito é, segundo o seu parecer, algo condicionado e proporcionado pela atividade da linguagem; é, de fato, o resultado de uma originária deficiência lingüística, duma debilidade inerente à linguagem. Toda a denotação lingüística é essencialmente ambígua... e nesta ambigüidade, nesta paronimia das palavras, está a fonte de todos os mitos (Cassirer, p.9).

E o exemplo que Max Müller cita para provar isso é a lenda de Deucalião e Pirra, os quais, depois de terem sido salvos por Zeus do grande dilúvio que exterminou toda a humanidade, se convertem nos progenitores de uma nova raça, mediante o recurso de lançarem pedras sobre os ombros, convertendo-as em seres humanos. Esta origem do homem a partir da pedra é algo completamente absurdo, e parece resistir a qualquer interpretação. Mas, prossegue Max Müller tudo se esclarece ao constatarmos que, em grego, "pedras" e "homens" se designam pelas mesmas palavras, ou "por vozes de sons semelhantes": laós (povo, multidão humana) e lâas (pedra) são interevocadas pela sua assonância. Assim, o mito é explicado pela palavra, tomada em seu significante.

Mitologia, no mais elevado sentido da palavra, significa o poder que a linguagem exerce sobre o pensamento, e isso é um fato efetivo, em todas as esferas possíveis da atividade mental (Müller, 1876, Ápud Cassirer, p.11).

Voltemos, no entanto, às nossas Portas do Sonho, em que a assonância keras / krainein comandou a utilização de chifre para a figuração do "realizar-se", e a assonância elephantinon / elephairomai regeu a representação do marfim para "enganar". Estamos longe dos ridicules calembours e da "puerilidade desses jogos de palavras, que os gregos tanto admiravam"...

A primeira das idéias suscitadas pela imagem de portas, através das quais devem passar os sonhos, sejam eles enganosos ou verdadeiros, é a idéia de que os sonhos vêm de uma outra realidade, de um outro espaço, separado do mundo quotidiano (ou da vigília) por algum obstáculo, ou melhor, por alguma divisória. Pois bem, esse mundo tem a ver com o universo das sombras, o mundo dos mortos, o mundo subterrâneo. É sobretudo na Eneida que encontraremos figurada essa vinculação: no Canto VI, que é o da descida de Enéias ao Hades, encontraremos as "Portas do Sonho", e os sonhos. Também na Odisséia, na "Segunda descida aos infernos", do Canto XXIV, encontraremos uma referência ao país dos sonhos e à Porta do Sol. (A isso voltarei mais adiante).

O Canto VI é absolutamente central na Eneida — e não só por sua localização, a saber, na metade da epopéia. Enéias, após a comemoração de um ano dos funerais de Anquises, decide-se a ir encontrar o pai no reino dos Mortos, onde sofre uma verdadeira iniciação, e onde lhe são revelados os segredos do mundo a vir.

Les pouvoirs primitifs de médiation entre le sacré rt le profane se lient à une expérience mystique, centre et sommet de l 'épopée, coeur d'une ascèse dont le voyage vers la terre promise projette les étapes sur un espace symbolique (Madelénat, L 'epopée).

Inicialmente, Enéias, guiado pela Sibila, põe-se à procura do ramo de ouro, do viscum, que deverá ter em mãos para empreender a travessia. Há necessidade de uma preparação cuidadosa: a coisa é séria. Depois de proceder aos sacrifícios recomendados, um tremor de terra os adverte, a ele e à Sibila, que o abismo hiante começa a se abrir, a caverna como que começa a mugir, a terra se fende. "É o momento, Enéias, de ter coragem e um coração firme", diz a Sibila. "Tu, adiante, a espada fora da bainha". Momento de penetrar nas entranhas da terra, de realizar o gesto fálico por excelência, que o original latino transmitirá de uma maneira inequívoca: "tuque invade viam vaginaque eripe ferrum" (Virgílio, Canto VI, Eneida, vs.260).

Nunca uma metáfora fálica foi tão evidente — talvez porque aos nossos ouvidos de falantes de português o termo em latim para bainha provoca as mais concretas associações.

Estamos nos inícios do Descensus Averno, da descida aos infernos — em que vários comentadores viram uma viagem iniciática, rumo ao mundo subterrâneo. E nesse momento a voz épica também sente a possibilidade de fraquejar em sua narração, e, confessando que é apenas o transmissor desses mistérios, o poeta demanda ajuda divina:

Deuses, que tendes o império das almas, Sombras silenciosas, Caos e Flegetonte, mudas regiões que vos estendeis pela noite, que me seja permitido dizer o que ouvi, e, com vosso assentimento, desvelar as coisas enterradas nas profundezas tenebrosas da terra! (Virgílio, Eneida, vs.264-7).

Assim, no meio da epopéia, irrompe a voz narrativa, num premente apelo aos deuses. E depois da invocação, retoma-se a narrativa, em terceira pessoa: "Eles iam, obscuros, através da noite solitária, através da sombra e através das moradas vazias de Plutão e seu reino de simulacros (...)" (Virgílio, Eneida, vs.268-9).

A beleza dos versos originais mereceria ser preservada:

Ibant obscuri sola sub nocte per umbram
perque domos Ditis vacuas et inania regna.

E, logo em seguida, segue-se a descrição da morada subterrânea e de seus habitantes:

No próprio vestíbulo, à entrada das gargantas do Orco, o Luto e os Remorsos vingadores puseram seus leitos; lá habitam as pálidas Doenças, e a triste Velhice, e o Temor, e a Fome, má conselheira, e a espantosa Pobreza, formas terríveis de se ver, e a Morte, e o Sofrimento; depois, o Sono, irmão da Morte, e as Alegrias perversas do espírito, e, no vestíbulo fronteiro, a Guerra mortífera, e os férreos tálamos das Eumênides, e a Discórdia insensata, com sua cabeleira de víboras atadas com fitas sangrentas.

No meio do vestíbulo, um olmeiro opaco, enorme, estende seus ramos e seus galhos seculares, morada, diz-se, que freqüentam comumente os Sonhos vãos, fixados sob todas as suas folhas. Além disso, mil fantasmas monstruosos de animais selvagens e variados aí se encontram: os Centauros, que têm seus estábulos nas portas, e as Cilas biformes, e Briareu hecatonquiro, e o monstro de Lerna, assobiando horrivelmente, e a Quimera armada de chamas, e as órgonas, e as Harpias, e a forma da Sombra de tríplice corpo (Virgílio, Eneida, vs.273-89).2

Há muito a se analisar aqui, concernente ao problema que nos ocupa. Entre as "coisas sepultadas nas profundezas da terra", estão os fantasmas horríveis, monstros, figuras alegóricas de todas as dores da natureza humana: o Luto, os Remorsos, Doenças, Velhice, Medo, Fome, Pobreza, Morte, Sofrimento... e o Sono, irmão da morte (consanguineus Leti Sopor).

Efetivamente, é essa a genealogia que do sono dá Hesíodo, na Teogonia:

Noite pariu hediondo Lote, sorte negra
e Morte, pariu Sono e pariu a grei de Sonhos.
A Seguir Escárnio e Miséria cheia de dor.
Com nenhum conúbio divina pariu-os Noite trevosa.

...

Pariu ainda Nemesis ruína dos perecíveis mortais
a Noite funérea. Depois pariu Engano e Amor
e Velhice funesta e pariu Éris de ânimo cruel.

É preciso registrar isto: o Sono e os Sonhos, irmãos da Morte, filhos da Noite. Mas voltemos ao texto da Eneida, à descrição da árvore plantada no meio do vestíbulo, à entrada das gargantas do Orco, essa estranhíssima "árvore de sonhos", ou melhor, árvore que abriga, fixados às suas folhas, os sonhos vãos:

In medio ramos annosaque bracchia pandit
ulmus opaca, ingens, quam sedem Somnia volgo
vana tenere ferunt, foliinque sub omnibus haerent

(Virgílio, Eneida, vs.282-4).

Mas, "além disso, mil fantasmas monstruosos de animais selvagens e variados aí se encontram". Ao lado dos sonhos vãos, estão os monstros concebidos pela mente humana: Centauros, Cila, Hidra de Lerna, Quimera, Gorgonas, Harpias. Dito de outro modo, na grande árvore à entrada do Hades, estão os sonhos, e os seres engendrados pelos sonhos. Examinemos mais de perto esses seres: Centauros (seres compósitos, tronco de homem e corpo de cavalo), Briareu (monstro de cem braços), Quimera (monstro com cabeça de leão, corpo de cabra e cauda de dragão), Hidra de Lerna (serpente com sete cabeças), Harpias (monstros com cara de mulher, corpo de abutre), Cila (corpo de mulher, contendo, na parte inferior, seis cabeças de cães devoradores), Gorgona (mulher com cabeça de serpentes, e presas de javali). A grande constante é o caráter híbrido, compósito, "ilógico", irreal... surrealista, eu me veria impelida a dizer, desses seres. O início da Arte Poética de Horácio, como observou Géza Róheim, não diz outra coisa:

Suponham que um pintor tenha a idéia de ajustar a uma cabeça de homem um pescoço de cavalo e recobrir em seguida com plumas multicolores o resto do corpo, composto de elementos heterogêneos; assim, um belo busto de mulher se terminaria em uma feia cauda de peixe. Diante deste espetáculo, poderíeis,meus amigos, conter o riso? Creiam-me, caros Pisões, um tal quadro daria exatamente a imagem de um livro no qual seriam representados, semelhantes aos sonhos de doente, figuras sem realidade, em que os pés não estão de acordo com a cabeça e não haveria unidade. Mas, diríeis, pintores e poetas têm o direito de tudo ousar (Horácio, Art poétiqué).

Uma dupla associação se impõe, com esse texto de Horácio, e é inevitável: de um lado, com as figuras compósitas da árvore dos sonhos; de outro, com o Surrealismo: cabeça de homem + pescoço de cavalo; busto de mulher + cauda de peixe. Mas... "pintores e poetas têm o direito de tudo ousar". Eu parodiaria: pintores, poetas e sonhadores têm o direito de tudo ousar. Não estão submetidos às rígidas leis da lógica, da congruência, do princípio de identidade: estamos nos domínios do inconsciente.

Mas será necessário prosseguir, acompanhando Enéias (guiado, por sua vez, pela Sibila), na sua viagem pelo Hades, pela regiões ínferas. Depois da descrição da árvore em que estão pendurados os sonhos, e em que habitam os seres engedrados pelos sonhos, o Poeta nos mostra o imenso susto da personagem:

Tremendo com súbito espanto, Enéias desembainha sua espada e apresenta a ponta acerada aos monstros que avançam; e se a sua douta companheira não o advertisse de que se tratava de tênues almas sem corpo, que volitavam sob um envoltório sem consistência, ter-se-ia precipitado sobre elas e em vão feriria as sombras com o ferro (Virgílio, Eneida, vs.290-4).

O passo seguinte é a travessia do Aqueronte. Ao encontrar Caronte, o barqueiro inicialmente obsta a passagem a Enéias: "Este é o lugar das Sombras, do Sono e da Noite Soporífera; não é permitido transportar na barca estígia corpos vivos" (vs. 390: Umbrarum hic locus est, somni noctisque soporae). Com efeito, volta aqui a idéia das frágeis fronteiras que existem entre o sono e a morte (já encontrada na Teogonia, e mesmo no nosso texto, na antecâmara dos infernos: o "sono irmão da morte". O que subjaz a isso é a idéia de que a alma deixava o corpo (temporariamente) durante o sono, como na morte. Diz Géza Róheim que a Antiguidade sempre considerou o sonho como uma viagem ao outro mundo, e o despertar como uma volta à vida. E cita Knight (Cf. Róheim, Les portes du rêve, p.300), autor para quem o Descensus Averno, a descida aos Infernos, é o momento em que o próprio Virgílio desce ao mundo dos sonhos, ao mundo do inconsciente, mundo subterrâneo. Domínio da Noite, onde não entra o Sol, figuração da razão. Mundo do inconsciente. Enéias deverá ainda passar pelo terrível Cérbero de três goelas, o pescoço eriçado de serpentes, a quem a Sibila lança um bolo soporífero: "Enéias apressa-se a transpor a entrada, enquanto o guardião está sepulto no sono, e se afasta rapidamente da margem de onda irremeáveí."

Não deixa de dar o que pensar o fato de este monstro infernal, também ele, ser vencido pelo sono... E depois de perambular pelas várias regiões do Hades, encontrando várias personagens conhecidas, Enéias atinge seu objetivo: encontra a sombra de Anquises:

É a tua imagem, meu pai, é a tua triste imagem, que, oferecendo-se a mim frequentemente, me força a transpor o limiar destes lugares". Tua me, genitor, tua tristis imago / saepius occurens haec limina tendere adegit (Virgílio, Eneida, vs.695-6).

Anquises irá predizer a Enéias a sorte de sua prole a vir, e o destino da futura Roma. Dizem os comentaristas que se debruçaram sobre a Eneida, de uma maneira quase que geral (André Bellessort, Daniel Madelénat), que a descida aos infernos é não apenas o episódio central da Eneida — e central em todos os sentidos, como já referi — mas o marco fundamental da evolução do herói: "Sa descente aux Enfer", diz Bellesort,

a tous les caractères d'une merveilleuse initiation. Désormais il ne sera plus le troyen fugitif, balloté par les vents, les flots, la nostalgie et les passions, le conducteur d'une petite troupe d'émigrés: il sera celui qui vit dans I'avenir, celui pour qui le présent n'a d'intérêt qu'en tant qu'il prépare les jours futurs, celui qui se dévoue de toute son âme aux générations à naître (p.xv).

Igualmente, a maior parte dos comentadores eruditos da Eneida são unânimes em observar que a Descida de Enéias aos Infernos tem algo de iniciático, seria uma livre transposição poética da iniciação aos Mistérios de Eleusis, cuja atração fora tão forte sobre todos os grandes personagens de Roma e sobre Augusto.

E depois de ter tido a revelação de futuro, pela sombra do pai, depois que Anquises faz a Enéias todas as predições, e "lhe acendeu o ânimo com o amor da fama que há de vir", sem transição, bruscamente, comparecem os versos finais do Canto VI — aqueles de onde partimos: Há duas portas do Sono: uma, diz-se, é de chifre...

Talvez seja o caso de transcrever os últimos versos do Canto VI, mais precisamente os 14 últimos versos do Descensus Averno:

Depois que Anquises conduziu seu filho a todos os lugares e lhe acendeu o ânimo com o amor da fama que há de vir, fala-lhe então das guerras que terá de sustentar, faz-lhe conhecer os povos laurentes e a cidade de Latino e como poderá evitar ou suportar cada uma das provas.
Há duas portas do Sono: uma, diz-se, é de chifre, pela qual as Sombras verdadeiras encontram saída fácil; a outra, brilhante, feita de marfim refulgente de brancura, mas pela qual os manes enviam para o céu os sonhos falsos. Anquises, sempre falando, acompanha seu filho assim como a Sibila, e os faz sair pela porta de marfim. O herói corta o caminho para as suas naves e reúne-se aos companheiros. Depois, bordejando a costa, dirige-se para Caiete. A âncora é lançada do alto da proa; as popas estão na praia (Virgílio, Eneida, vs.888-901).

E aqui acaba o Canto VI, o Canto da Descida aos Infernos. É estranhíssimo que Anquises faça Sibila e Enéias saírem pela porta de marfim—a porta dos sonhos falsos. Teria estado Enéias sonhando, ao longo de todo o Canto VI? Seria essa sua descida ao mundo subterrâneo, o encontro com os monstros e fantasmas, e com os mortos conhecidos, as sombras queridas, apenas um sonho? Seria, então, efetivamente, essa sua descida ao mundo subterrâneo um mergulho no inconsciente — país dos sonhos e dos fantasmas?

É extremamente significativo que esse lugar — o mundo do Hades — pareça guardar as sementes do que há de vir, o lugar onde se encontra o passado e se gesta o futuro — revelado a alguns, como numa iniciação.

Na Odisséia, onde Virgílio (bem como na Ilíada) foi buscar modelo e inspiração, há duas apresentações do país dos mortos: no Canto XI, em que Ulisses desce ao Hades para aconselhar-se com Tirésias, que lhe prediz sua volta, e onde encontra sua mãe, assim como com uma multidão de mulheres, e alguns heróis; e no Canto XXIV, chamado de "Segunda Nekya", ou Segunda Evocação aos Mortos, onde se narra que as almas dos pretendentes, guiados por Hermes, chegam ao país dos Mortos pelas Portas do Sol.

Talvez seja interessante registrar aqui que a célebre passagem inaugural das Portas do Sonho, na Odisséia, não integra nenhuma das descidas aos infernos, mas comparece como comentário de Penélope ao sonho que ela tivera (dos gansos trucidados pela águia), e que ela própria interpreta como Ulisses retornado, exterminando os pretendentes (interpretação que é corroborada por aquele a quem ela narra o sonho, o "forasteiro" que é nada mais, nada menos, que Ulisses incógnito, recém-chegado).

O que Virgílio faz, no Canto VI da Eneida, é uma grande condensação, em que retoma elementos do Canto IX da Odisséia, em que Ulisses desce ao Hades, para consultar Tirésias, o adivinho; do Canto XIX onde há a narração do sonho de Penélope, e o desenvolvimento de sua "teoria" das Portas do Sonho; e do Canto XXIV, a "Segunda Nekya", em que há a referência às Portas do Sol e ao País do Sonhos.

Pois bem, é o caso de nos determos um pouco nessa passagem do Canto XXIV da Odisséia, em que se fazem essas alusões:

Como tríssam os morcegos, esvoaçando no interior duma gruta portentosa, quando algum deles despenca do cacho, que formam na rocha agarrados uns aos outros, assim, dando gritos inarticulados, elas acompanhavam a Hermes Benfazejo, que as guiava pelas úmidas veredas abaixo. Transpuseram as correntezas de Oceano e a rocha Lêucade; passaram as Portas do Sol e o País do Sonhos e logo chegaram ao Vergel dos Asfódelos, onde habitam as almas, espectros dos finados (Homero, Odisséia, canto XXIV, vs.7-13).

Também aqui, nesse "Rochedo Branco" (ou Rocha Lêucade, segundo a tradução seguida), no "País dos Sonhos" e na "Porta do Sol", os comentaristas clássicos são unânimes em vislumbrar ecos da doutrina órfica. E a ligação entre a Porta (ocidental) do Sol e o país dos mortos é evidente. Em Homero, diz Róheim (p.293) a porta do Sol, situada a Oeste, nos confins do Oceano, era a entrada do além, pela qual passavam as almas dos finados. Explica-se: o por-do-sol, sendo associado ao cair da noite, a noite, ao sono, e o sono, à morte — "Noite... pariu Morte, pariu Sono e pariu a grei de Sonhos", já vimos na Teogonia de Hesíodo —, a porta ocidental do Sol pode ser a Porta do País dos Sonhos. Ou, dito de maneira resumida: a Porta do Sol é a Porta dos Sonhos.

Mas nas "descidas aos infernos", tanto da Odisséia quanto da Eneida, uma evidência se impõe: Ulisses e Enéias parece que aí foram buscar (no encontro com Tirésias, com a mãe, com os ex-companheiros, no caso do primeiro; e no encontro com o pai Anquises, com a amante abandonada, Dido, com os guerreiros troianos, no caso do segundo) uma revelação sobre si próprios, sobre seu destino e seu futuro — e sobre o destino daqueles que deles dependiam — no caso de Enéias, a futura Roma, o povo que engendraria. É digno de nota que em ambas as epopéias, nas descidas aos infernos os heróis encontram as figuras parentais e as pessoas que significaram nas suas vidas, sejam elas da família, ou companheiros de combate, ou figurantes do seu mundo afetivo. Mas todos que ambos encontram não passam disso: sombras. Tanto Ulisses quanto Enéias, quando querem abraçar, respectivamente a mãe e o pai, nada conseguem mais que estreitar o próprio peito, dada a imaterialidade dos seres com que conversavam. Assim, na Odisséia, conta Ulisses:

Eu, comovido nas entranhas, quis tomar nos braços a alma de minha falecida mãe. Três vezes me arrojei a ela, impelido pelo coração a abraçá-la; três vezes se evolou dentre meus braços como uma sombra ou um sonho, em meu peito a dor se fez mais pungente e, proferindo aladas palavras, lhe disse:
— Minha mãe, por que não me esperas quando procuro abraçar-te, para, mesmo na mansão de Hades, envolvendo-nos nos braços um do outro, saciar-nos de arrepiantes gemidos? Ou és apenas um espectro enviado pela venerável Perséfone para que eu lamente em ais mais sentidos ainda? (Homero, Odisséia, canto XI).

E na Eneida, diz Enéias a Anquises:

Permite, ó Pai, permite que aperte tua mão direita e não te afastes do meu abraço. Assim falando, grossas lágrimas corriam-lhe pelas faces; três vezes tentou lançar os braços em volta do pescoço do pai, três vezes e imagem escapou-se das suas mãos, semelhantes aos ventos ligeiros e semelhantes a um sonho alado (Virgílio, Eneida, canto VI, vs.697-702).

Em ambas as passagens, absolutamente patéticas, as sombras de pai e mãe são... como sonhos.

Dizem os comentaristas que a personagem Enéias (que é um herói épico que evoluí) sai desse encontro, sai de sua viagem ao Hades, transformado. Após essa descida ao mundo ínfero, mundo subterrâneo, após esse percurso iniciático, ele sai um novo homem: fortalecido no seu ego (diriam os psicanalistas), retemperado pelo encontro com suas próprias sombras (diriam os junquianos).

Em todo o caso, é extremamente significativo que em ambas as epopéias clássicas que fazem da viagem seu motivo central — viagem de Ulisses, partindo de ítaca, de volta à sua ilha (endossando o movimento de eterno retorno do mito); viagem de Enéias, partindo de Tróia, rumo ao desconhecido, onde fundaria um novo reino (inaugurando no mundo ocidental o movimento linear e irreversível da História) — haja a presença dessa outra viagem, ou melhor, dessa outra qualidade de viagem, que é aquela ao país do Hades. E se é verdade que o topos da "viagem", presente na épica, repercute a idéia arraigada da VITA — VIA, do Homo Viator (Madelénat, p. 131), é verdade também que se trata aqui de uma passagem do épico ao psicológico. Infernus, termo latino, significa etimologicamente "de baixo", de uma região inferior, das profundezas. Não é para outro lugar que nos conduzem as PORTAS DO SONHO.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARTÉMIDORE. La clef des songes. Trad. J. Festugière. Paris, J Vrin, 1975.        [ Links ]

BELLESORT, A. Introduction. In: VIRGÍLIO. Énéide. Trad. André Bellesort. Paris, Les Belles Lettres, 1959.        [ Links ]

BÉRARD, V. Introduction à l'Odyssée. Paris, Les Belles Lettres, 1933.        [ Links ]

CASSIRER, E. Linguagem, mito e religião. Trad. Rui Reininho. Porto, Edições Rés, 1976.        [ Links ]

ÉSQUILO. Promethée enchainé. In: TRAGÉDIES. Trad. Paul Mazon. Paris, Les Belles Letters, 1947.        [ Links ]

HESÍODO. Teogonia: origem dos deuses. Trad. Jaa Torrano. São Paulo, Roswitha Kemp, 1986.        [ Links ]

HOMERO. Odisséia. Trad. Jaime Bruna. São Paulo, Cultrix, 1993.        [ Links ]

HORÁCIO. Art poétique. In: OEUVRES complètes. Trad. F. Richard. Paris, Garnier, 1950.        [ Links ]

HORÁCIO. Odes et épodes. Trad. Villeneuve' Paris, Les Belles Lettres, 1946. v.41, Livro 3, Ode 27.        [ Links ]

MADELÉNAT, D. L'epopée. Paris, Press Universitaires de France, 1986.         [ Links ]

PLATÃO. Charmides, 173a. In: OEUVRES complètes. Paris, Charpentier, 1869.         [ Links ]

RÓHEIM, G. Les portes du rêve. Trad. M. Manin et Florence Verne. Paris, Payot, 1973.         [ Links ]

VIRGÍLIO. Eneida. Trad. Tassillo Orpheu Spalding. São Paulo, Cultrix, 1990. v.6.        [ Links ]

 

 

1 Victor Bérard, a respeito do "calembour" das portas do sonho: "Comment en 562-569 attribuer au Poète la paternité des ridicules calembours sur les deux Portes des Songes, dont l 'une est de corne pour nous corner aux oreilles le bonheur et dont l 'autre es d'ivoire pour semer notre vie d'une ivraie de mensonges? J'essaie de rendre par des équivalents les plaisanterires que le texte actuel met dans la bouche de Pénelope (...). E depois de dizer que toda a antiguidade clássica os conheceu e admirou, diz o helenista que os críticos de Séc. XIX os condenavam.
2 A tradução da Eneida que venho compulsando, para as citações mais longas, é a Tassillo Orpheu Spalding, da Editora Cultrix, S. Paulo, 1990 (evidemente, cotejada com a edição bilíngue da Belles Letters)