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Psicologia USP

versão On-line ISSN 1678-5177

Psicol. USP v.5 n.1-2 São Paulo  1994

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

Lasar Segall e sua crítica no contexto da modernidade1

 

Lasar Segall and the critique of his work in the context of modernity

 

 

Claudia Valladão de Mattos

História da Arte - Freie Universität - Berlim

 

 


RESUMO

Durante as quatro décadas em que Lasar Segall viveu e trabalhou no Brasil, desenvolveu-se uma "colaboração" entre o artista e sua crítica que divulgou uma imagem de Segall traçada em moldes Românticos. Neste artigo procuramos compreender a construção desta imagem como uma resposta à entrada do Brasil na Modernidade,

Descritores: Arte. Crítica de arte. Lasar Segall, 1891-1957. Imagem.


ABSTRACT

In the four decades during which Lasar Segal lived and worked in Brazil a colaboration between him and his critics was established which divulged an image of him based on Romantic features. In this paper we try to understand such a construction as an answer to Brazil's entry into modernity.

Index terms: Art. Art criticism. Lasar Segall, 1891-1957. Imagery.


 

 

A leitura das críticas realizadas sobre a obra de Lasar Segall ao longo das quase quatro décadas em que o artista viveu e trabalhou no Brasil revela a vinculação frequente destas com uma tradição romântica que permeava parte significativa da crítica de arte produzida então. É recorrente a tendência a ver em Segall e em sua obra a expressão de um Gênio, no sentido dado ao termo pelos.primeiros românticos alemães, através do qual se compreendia a ligação do artista com uma esfera divina. Schelling (s.d.) escreve, por exemplo: "Em tudo o que o artista coloca em sua obra com intenção, aparece e representa uma infinitude que nenhuma inteligência humana é capaz de desenvolver."

Esta noção do artista como mediador entre os homens e Deus pode ser rastreada em inúmeras apreciações sobre Segall, acentuadamente a partir da década de 40, mas já desde os anos 20, com as críticas de Mário de Andrade. Assim, podemos ler em uma crítica publicada na Revista Acadêmica em 1944:

Quando contemplamos as gravuras de Segall, cujos traços milagrosamente simples evocam as viagens transatlânticas, sabemos até onde pode levar o seu amor pela construção, que é uma forma magistral de refazer o mundo, de rebater os erros e de erguer, no lugar da realidade por demais tensa, a verdadeira realidade, — a do Éden perdido (Guéguen,1944,p.l5).

Na mesma direção apontam os adjetivos usados por Geraldo Ferraz, Mário Pedrosa, Sergio Milliet entre outros, para descrever as obras do artista.

Por outro lado, quando nos debruçamos sobre os escritos do próprio Segall sobre arte e sobre sua atividade de artista, percebemos igualmente uma tendência nele a lançar mão deste mesmo vocabulário romântico. Segall parece ter herdado, via expressionismo, essa mesma noção de artista como gênio criador, revelador de uma esfera divina.2 A sua crença na missão transcendente do artista encontra-se claramente expressa em inúmeras declarações suas, como à publicada postumamente pelo Jornal das Letras: "O pintor sente a volúpia de um construtor de mundos que se sabe capaz de realizar, de acordo com a sua imaginação. Por isso, pintar proporciona ao artista o prazer intenso de um ato fecundo." Ou ainda mais adiante: "O que constitui a verdadeira arte, aquela que se sustenta por séculos, sem embargo de épocas, escolas e conceitos, é o gênio criador que nela se revela" (Segall, 1957).

Desta forma, constatamos que, ainda que por vias e influências diversas, uma mesma tendência envolve os escritos da crítica e do artista, ou seja, ambos revelam-se como expressão de uma "mentalidade romântica" (Frayze-Pereira, 1987).

A existência de concepções semelhantes sobre a Arte e principalmente sobre o Artista tornou possível o estabelecimento do que poderíamos chamar de uma cooperação entre a crítica e Segall, uma relação no mais das vezes harmônica que, sem dúvida, facilitou o estabelecimento da imagem de Segall como "verdadeiro artista", ou, segundo a concepção romântica, como gênio. Fruto dessa colaboração entre artista e crítica, no trabalho de sua consagração, foi, por exemplo, o livro de P.M. Bardi. O artista entregou a este suas memórias, já escritas num tom bastante "romantizado"3 e Bardi enriquece as impressões da infância de Segall, de seus anos de formação e de Brasil, com uma ambientação singular, onde o curso rotineiro dos acontecimentos cede lugar a uma atmosfera sempre significativa. Assim, em meio ao relato sobre a transplantação de Segall de Vilna para a Alemanha, Bardi acrescenta:

Era o tempo em que, por aquelas mesmas fronteiras, havia de passar um grupo de artistas que, juntamente com Segall, concorreria de modo notável para mudar os rumos da arte na Europa: Soutine, que estuda na mesma pequena escola de Vilna, Chagall, Kandinsky, Archipenko, Prokofieff (1952, p.13).

E, citando Paul F. Schmidt, historiador da arte ligado ao expressionismo e a Segall, o autor continua:

Todos os que acreditam numa renovação por obra do Oriente encontrarão na independência e na força desses artistas a feliz certeza de que não se trata, apenas, de manifestações esporádicas, senão, realmente, da vanguarda de uma geração nascida sob o signo do gênio (Bardi, 1952, p.13).4

Vários testemunhos desta "colaboração" entre artista e crítica foram encontrados ao longo da história da recepção de Segall no Brasil. A difusão da idéia de que o artista teria permanecido num campo de concentração durante a primeira guerra mundial5, idéia nunca totalmente desmentida por Lasar Segall, e que colaborava para reforçar a sua imagem (à qual ele era simpático) de artista sofredor, é um exemplo6. Outro bom exemplo dessa "colaboração" foi a realização do texto de Mário de Andrade para o catálogo da exposição de Segall em 1943. Segall forneceu ao escritor todos os textos escritos sobre sua pessoa e sua obra que ele achava relevantes e, além disso, realizou interferências diretas no texto, exigindo que Mário de Andrade reescrevesse partes e retirasse outras, como pode ser demonstrado através da nota que Mário de Andrade acrescentou ao texto do catálogo (sem, no entanto, publicá-la), que foi reproduzida numa publicação póstuma, como parte de suas obras completas. A nota, situada logo após a última palavra do texto do catálogo, diz o seguinte:

A primeira e legítima versão não parava aqui. Tinha mais um parágrafo final de que possuo apenas uma primeira versão, depois um bocado modificada e abrandada em sua... perversidade na versão datilografada que dei a Segall pra que ele opinasse sobre correções a fazer, nos passes em que eu explicava o pensamento dele, que eu não desejava trair. Mas ele me pediu que retirasse o parágrafo final e retirei. De fato contém um veneninho inconveniente pra um catálogo. Tanto mais — catálogo oficial (Andrade, 1984).

O mesmo tipo de relacionamento artista-crítica ocorre em relação à publicação do número especial da Revista Acadêmica em homenagem a Lasar Segall. Segall acompanhou de perto a realização da revista, interferindo diretamente toda vez que não concordava com algum aspecto contido na mesma. A carta do artista ao editor da revista, Murilo Miranda, de 15/02/1943, reproduzida por Beccari em sua dissertação de mestrado (Beccari, 1979) é prova importante dessa interferência decisiva de Segall. Nesta, o artista enumera inúmeros defeitos que encontrou na prova da revista apresentada a ele por Murilo Miranda, apegando-se a detalhes como a posição das fotos, a disposição das legendas etc.

Ainda outro indício de uma interferência insistente de Segall nos textos escritos pela crítica a seu respeito encontra-se numa carta de Mário de Andrade a Murilo Miranda, escrita no ano seguinte à publicação do Catálogo. Irritado com os "pedidos" de Segall, provavelmente referentes ao texto para o álbum Mangue, que Mário de Andrade estava escrevendo, diz o escritor:

Francamente me irrita muito esse seu jeito de querer que eu encampe as suas exagerações destemperadas com o Segall (...). Pra que falar que a exposição dele é "a primeira exposição de arte moderna" no Brasil, quando você sabe que não é! É mentira. A vaidade incomensurável do Segall é que insiste nisso nos campos férteis como você, a mesma vaidade que conseguiu que a exposição de 1913 dele fosse elogiada até pelo Nestor Pestana, pelo Estado, a maior besta e o maior reduto do atrasadismo aqui. Bolas! (....) (Andrade, 1981, p.161)7.

Mas qual seria a razão para essa confluência entre crítica e artista? A que corresponde essa construção do que poderíamos chamar de o "mito" Segall? A herança romântica comum aponta-nos para aspecto também comum, ou seja, a pertença à Modernidade. Apesar dos percursos diversos, ambos, crítica e artista, inserem-se numa tradição estética ampla que poderíamos chamar de moderna, e que centra-se fundamentalmente numa busca de sentido para a arte, após sua autonomização em relação aos demais setores da sociedade8. O Romantismo foi o primeiro movimento artístico a ver-se envolvido com tais questões, e fez delas o motivo e o cerne de sua estética. Portanto, falar das heranças românticas comuns significa, em grande parte, falar de uma problemática comum, e da busca comum de respostas para os problemas instaurados na arte, juntamente com a ascensão da burguesia na Europa do século XVIII.

Tratando do tema da Modernidade, em dois textos escritos por volta de 193699 Walter Benjamin situa no centro desta temática a questão da morte da experiência (Erfahrung), a qual já tinha sido por ele teorizada por ocasião da análise que fez de A La Recherche du Temps Perdu de Marcel Proust10. Segundo a tese defendida por Benjamin, a Modernidade impôs a Técnica como mediadora da relação entre o Homem e a Natureza, tornando-se uma segunda realidade autônoma, que reorganizou a percepção humana de forma qualitativamente diferente. Nesta nova realidade, a percepção, acompanhando o ritmo imposto às massas pelos meios de produção, organizou-se de forma fragmentada, impedindo o desenvolvimento de uma relação de experiência com o mundo. Ainda segundo o autor, essa experiência (Erfahrung) baseava-se numa organização de trabalho pré-capitalista, onde o ritmo orgânico do trabalho, seu caráter totalizante (não-fragmentado) e o respeito pela matéria a ser transformada permitiam a transmissão de uma tradição pela figura do "Narrador", que através de suas histórias, recuperava para uma nova geração sua experiência do mundo. A partir desse contexto mais amplo que serve, para Benjamin, como pano de fundo para suas reflexões estéticas, ele passa a refletir sobre o destino da arte na Modernidade. Alternando uma postura melancólica com uma esperança positiva na nova arte que estava então nascendo, o cinema11, Walter Benjamin traduziu tal "morte da experiência" — no plano da estética — numa história da perda da aura das obras de arte, ou seja, na história da secularização da arte. O autor empreende esta análise a partir da reflexão sobre as alterações que as técnicas modernas aplicadas ao campo artístico trouxeram para a realidade da obra de arte. Tomando como objeto central de sua análise o cinema, Benjamin realiza uma confrontação entre esta nova realidade estética e as formas artísticas anteriores (pintura, teatro etc.). De início, estabelece como diferença fundamental entre essas manifestações artísticas a sua reprodutibilidade, de um lado, e a sua unicidade, de outro, enxergando nesta diferença a raiz de suas orientações divergentes.

Demonstrando que o percurso de uma obra dentro de uma tradição estaria intimamente relacionado com sua unicidade — "É nessa experiência única que se desdobra a história da obra" (Benjamin, 1985, p.167) — e que este percurso forneceria à obra sua autenticidade, Benjamin pergunta-se pelas conseqüências da prática da reprodução — levada a extremo no cinema — para esta forma de arte. Conclui então que em uma época como a moderna, o destino da arte (que ele passa a chamar de aurática) seria certamente o de ceder lugar para uma concepção de arte mais de acordo com a estrutura da própria organização social, ou seja, uma arte estabelecida sobre as bases de uma realidade tecnicizada, que lidasse com uma subjetividade fragmentada, coerente com a fragmentação do trabalho no sistema de produção capitalista. Diz Benjamin:

A autenticidade de uma coisa é a quintessência de tudo que foi transmitido pela tradição, a partir de sua origem, desde sua duração material até o seu testemunho histórico. Como este depende da materialidade da obra, quando ela se esquiva do homem através da reprodução, também o testemunho se perde. Sem dúvida não só esse testemunho desaparece com ele é a autoridade da coisa, seu peso tradicional (1985, p.168).

E continua, introduzindo o conceito de "aura":

O conceito de aura permite resumir essas características: o que se atrofia na era da reprodutibilidade técnica da obra de arte é sua aura. Esse processo é sistemático, e sua significação vai muito além da esfera da arte. Generalizando, poderíamos dizer que a técnica destaca do domínio da tradição o objeto reproduzido (Grifo do autor, p.168).

Assim, fica clara a sua concepção: a arte aurática estaria ligada à possibilidade de uma relação com o mundo baseada na experiência (e tradição), sendo portanto inviável num mundo marcado pela morte da experiência. Neste sentido, para Benjamin, a busca de uma arte aurática constituir-se-ia num impulso nostálgico, uma procura descabida de uma arte eterna e essencial em meio a realidade tão materialista12.

A análise de Benjamin dirige-se, então, mais diretamente às características típicas de uma arte transpassada pela tecnologia — o cinema. Mas neste ponto encontramos certa ressonância das teorias de Benjamin em outro autor: Octávio Paz. Em seu livro Los Hijos del Limo, Paz (1981) conceituou as Vanguardas como um movimento que, começando no século XVIII, sobreviveu até meados do século XX, caracterizando-se fundamentalmente por uma reação apaixonada contra a Modernidade (em seu sentido tecnológico). O impulso nostálgico foi justamente uma das formas de reação contra essa "segunda realidade" técnica, da qual nos fala Benjamin, que se instaurou juntamente com a construção do mundo burguês. As Vanguardas nutriram-se (ou ao menos um bom segmento delas) da utopia da restauração da possibilidade da experiência, usando novamente Benjamin, representada, acima de tudo, pelo desejo de ver unidas novamente (e de forma indissolúvel) vida e arte.

Voltando à nossa questão do sentido da construção conjunta da imagem de Segall, poderíamos levantar a hipótese de uma necessidade de construção de uma imagem de Segall como artista-gênio, para garantir a preservação de uma arte do tipo aurática, em meio à rápida transformação sofrida com o ingresso definitivo do Brasil na Modernidade.

Na década de 20, as preocupações de Mário de Andrade com uma arte humana e mais profunda e o repúdio das tendências formalistas da arte podem ser vistos como um primeiro indício desta reação13. Porém, é nas décadas de 40 e 50 (quando aliás a imagem de Segall como artista-gênio se expande) que essa tentativa se explicita, na luta que se estabelece — e da qual Segall participa — entre arte "abstrata" e arte "figurativa". Ao defender o "realismo" em arte, Segall e sua crítica defendiam, acima de tudo, uma arte sublime, aurática, essa "Arte Romântica", no sentido que revelamos aqui. Isso pode ser esclarecido pelos argumentos usados pelo próprio artista, segundo o qual a arte abstrata não poderia trazer o que o Homem teria de essencial. Diz Segall:

Talvez, apenas, a obra de arte abstrata se aproxime do espectador num único sentido — o sentido da satisfação estética que pode provocar. Entretanto não considero isso suficiente. A realização estética é apenas uma das facetas da criação artística e não satisfaz as aspirações mais profundas de quem contempla uma obra de arte (Correio da manhã, 20/04/1952).

E seguindo a mesma tendência, Geraldo Ferraz escreve sobre o artista por ocasião da III Bienal de São Paulo:

Sem dúvida, permanecem no fenômeno desta cultura, desta inteligência, desta intuição de um artista, qualidades largamente experimentadas, longamente cristalizadas, mais uma vez, sobre a condensação de um juízo definitivo acerca de meio século de pintura, de pesquisa, polêmica, destruição e reajustamento. O estilo surge em Segall; o mestre é um clássico, à grande maneira de um Cézanne e de um Braque; e nesta exposição internacional a sua figura solitária avulta na grandeza de sua verdade, tão viva quanto se nos afigura uma conquista à permanência. É o estilo, o homem completado na sua maneira de ser num dado momento da história. Não se trata aqui de um debate superficial entre figurativismo e abstracionismo, mas da quantidade amalgamada de valores plásticos, laboriosamente depurados no agenciamento duma expressão em que os meios empregados, no máximo de sua energia produzem, também, um máximo de desbordamento — contido... então é a imagem da própria terra, das coisas dela, de sua topografia de desertos e montanhas, de mares e praias, de abismos e cavernas, que nos vem aos olhos, à lembrança. As forças cósmicas comparecem subordinadas. Os gritos, as dores do mundo, silenciosamente emergem desta pintura tão acabadamente serena como certos trechos definitivos da mármores antigos, que possam escapar à arqueologia — porque estamos diante de uma arte viva (A Tribuna, 25/09/1955).

Poderíamos, portanto, resumidamente dizer: existindo o mito Segall, a arte aurática poderia permanecer a salvo. A construção conjunta da imagem de Segall poderia ser equiparada à convergência das concepções estéticas expressas pela crítica e pelo artista, nas quais a crença de que ainda era possível o surgimento de um gênio reforçava a esperança da sobrevivência de uma arte transcendente, sublime, eterna.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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1 Este artigo desenvolveu-se a partir de um dos capítulos de minha Dissertação de Mestrado em Psicologia Social intitulada Lasar Segall: imagem e auto-imagem. Um estudo sobre a sua recepção pela crítica no Brasil, defendida em 1991 no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. No capítulo II da Dissertação, denominado "A Legitimação do Gênio" (p.72-102) poderá ser encontrada uma descrição extensa desta vinculação dos críticos de Segall com a tradição romântica da crítica.
2 Uma discussão mais extensa sobre as heranças românticas nos escritos de Lasar Segall pode ser encontrada no 3 capítulo da Dissertação acima citada, sob o titulo: "Auto-imagem: os escritos de Lasar Segall" (p. 103-41).
3 Tivemos acesso, no Museu Lasar Segall, ao texto que Segall entregou a P.M.Bardi para servir de guia para a redação de sua biografia. Ao todo, o texto conta umas 50 páginas, nas quais Segall reproduz grande parte dos seus textos anteriores que incluíam referências à sua história pessoal, como os textos "1912-Lasar Segall" (Revista Anual do Salão de Maio, 01/08/1939), "O Profundo Mistério da Eternidade da Obra de Arte" (A Manhã, 13/05/1943), entre outros.
4 Falando de sua mudança para Berlin, Segall deixa de lado o contexto mais amplo de sua partida, comentando apenas suas vivências pessoais. Diz Segall: "Tomei então a resolução, resolução muito dura para os meus quinze anos de idade, de abandonar minha terra e minha família, e obedecendo ao apelo de minha aspiração e de meu destino segui para Paris." (Meine Erinnerugen -"Minhas Recordações"; Texto escrito entre 1949/50 e entregue a Bardi para realização de sua biografia, Museu Lasar Segall).
5 Em alguns textos da década de 40 e 50, parece haver uma tendência a identificar esses campos de concentração com os campos de extermínio nazistas. Sugere-se que as quatros "Guerra" e "Campo de Concentração" foram frutos da experiência direta de Lasar Segall como prisioneiro.
6 A adoção que Segall fez da análise de Mário de Andrade da "fase brasileira" é outro exemplo. Diz Segall: "O Brasil revelou-me o milagre da cor e da luz. Sinto que neste país todas as coisas parecem mais leves e mais altas. Eleva-nos da terra. Ensina a alegria Considero uma aquisição essencial para a minha arte essa alegria que o Brasil me revelou. Não é uma alegria superficial, que se oponha à tristeza, mas uma alegria ampla e compreensiva que abrange a seu contrário, e que, sobretudo, nos exalta para um mundo mais elevado" (Segall 1985, p.73).
Se compararmos este depoimento com trechos de uma critica de Mário de Andrade para o Diário de São Paulo de 06/06/1933, esta influência torna-se evidente: "A mudança para cores vivas e claras fez imaginar um instante que Segall derivava para a alegria. Era um engano (...). Apenas era uma tristeza mais verdadeira, rajada de riso e cor clara, e principalmente imersa na irredutível indiferença em que a terra não compadece com a dor (...)."
7 Mario de Andrade já se encontra, nesta época, bastante distanciado de Segall, provavelmente devido às divergências em relação a Portinarí. Esta "má vontade" do crítico em relação ao artista (caso particular entre os demais críticos de Segall na época), evidencia-se em uma carta de Mario a Henriqueta Lisboa, escrita uns dois anos antes. Comparando os seus retratos pintados por Portinarí e por Segall, Mario de Andrade escreve: "Como os retratos dele [Portinari] e do Segall me completam... quase chego a me envergonhar (...). O retrato feito pelo Segall foi ele mesmo sozinho que fez. Não creio que o Segall, russo como é, judeusíssimo como é, seja capaz de ter amigos. Pelo menos no meu conceito de amizade, uma gratuidade de eleição, iluminada, sem siquer pedir correspondência. Éramos ótimos camaradas e apenas. Como bom russo complexo e bom judeu místico ele pegou o que havia de perverso em mim, de pervertido, de mau, de feiamente sensual. A parte do Diabo. Ao passo que Portinari só conheceu a parte do anjo (...) As vezes chego a imaginar que, no caso, o Segall tem mais valor, porque atingiu mais longe, o mais sorrateiro dos meus eus. Mas também penso que pra fazer o meu retrato pelo Portinari, é preciso uma pureza de alma, uma dadivosidade de coração que raros chegam a ter. E que isso é milhor que ter o dom de descobrir os criminosos. O Segall fez papel de tira. O Portinari não, certo ou errado, contou aos homens que os homens são milhores do que são. E é certo que ao lado dele eu me sinto milhor..." (Carta de 11/07/1941. In: Andrade, M. Cartas de Mario de Andrade a Henriqueta Lisboa, 1990. p.57s).
8 Sobre o tema diz Argan: "Indubitavelmente, a necessidade da crítica depende da situação de crise da arte contemporânea, da sua dificuldade de se integrar no atual sistema cultural, da ruptura da relação que a ligava fundamentalmente às outras atividades sociais (...). A tarefa da crítica de arte consiste, pois, substancialmente, em demonstrar que o que é feito como arte é verdadeiramente arte e que, sendo arte, se associa organicamente a outras atividades, não-artisticas e até não-estéticas, inserindo-se assim no sistema geral da cultura (...)" (1988, p.129s.).
9 "O narrador". In: Benjamin, W. Obras escolhidas, 1985. p.197-221 'e "A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica." In: Benjamin, W. Obras escolhidas, 1985. p.165-96.
10 Neste importante ensaio entitulado "A imagem de Proust", Walter Benjamin trata a obra do autor como uma tentativa (bem-suscedida) de reinstaurar a experiência ao nível da esfera individual. Benjamin traça um paralelo entre a estrutura narrativa na qual situa-se a possibilidade de transmissão da experiência (histórias sempre abertas para novas histórias à maneira de Scheherazade) e o mergulho na memória de Proust Pois, diz Benjamin, "um acontecimento vivido é finito, ao passo que o acontecimento lembrado é sem limites, porque é apenas uma chave para tudo o que veio antes e depois" (1985, p.37).
11 "A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica." In: Benjamin, W. Obras escolhidas, 1985. p.165-96.
12 Sobre a arte aurática Benjamin (1985) ainda afirma:
"O que é de importância decisiva é que esse modo de ser aurático da obra de arte nunca se destaca completamente de sua função ritual. Em outras palavras: o valor único da obra de arte 'autêntica' tem sempre um fundamento teológico, por mais remoto que seja: ele pode ser reconhecido, como ritual secularizado, mesmo nas formas mais profanas do culto do Belo" (p.171). Ou seja, a arte aurática caracteriza-se precisamente por aspirar à transcedência, por sua busca da Verdade.
13 Essa tomada de partido aparece em um texto de Mário de Andrade sobre Lasar Segall. Nele o escritor condena explicitamente a tendência formalista francesa, especialmente o cubismo:
"O cubismo é viceralmente analítico e embora se queira refletir nas tradições dos egípcios e da arte negra não compreendeu destes senão a finalidade concreta, a realidade final, ignorando-lhe totalmente o processo de criação, e a síntese expressiva. "E falando do artista, então, afirma: "A essa elite de São Paulo, pois, eivada de lições cubistas e um pouco da futurista também, Lasar Segall vinha opor o exemplo importante da sua evolução de artista sempre em busca do essencial expressivo" (Segall, 1982, p.23).
Também no ensaio "A escrava que não é Isaura", de 1924, Mário de Andrade condena abertamente a poesia futurista de Marinetti junto com outras tendências que considerava enganosas: "Derivada desse princípio da Ordem Subconsciente avulta na poesia modernista a associação de imagens. Para alguns mesmo parece ela tornar-se uma norma fundamental.
Outro erro perigosíssimo.
É a mesma confusão de Marinetti: o meio pelo fim.
Inegável: a associação de imagens é de efeito esfusiante, magnífico e principalmente natural, psicológica mas...
olhai a cobra entre as flores:
O poeta torna-se tão hábil no manejo dela que substitui a sensibilidade, o lirismo produzido pelas sensações por simples, divertidíssimo jogo de imagens nascido duma inspiração única inicial. É a lei do menor esforço, é cismar contente que podem conduzir à ruina.
Além disso: pode tornar-se consciente, procurada, provocada e nesse caso uma virtuosidade." (Andrade, 1980, p.247).