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Psicologia USP

versão On-line ISSN 1678-5177

Psicol. USP v.6 n.1 São Paulo  1995

 

APRESENTAÇÃO

 

 

Ana Maria Almeida Carvalho

Departamento de Psicologia Experimental - Instituto de Psicologia - USP

 

 

Este número de Psicologia - USP pretende inaugurar ou pelo menos sugerir uma tradição: a de preservarmos as nossas memórias e homenagearmos os pioneiros que construíram a nossa história - a história deste Instituto e da Psicologia no Brasil.

O Prof. Walter Hugo de Andrade Cunha é um pioneiro. Pode-se dizer com justiça que introduziu a Psicologia Animal e a Etologia no país, através de seu trabalho de pesquisa e de ensino, e da criação do primeiro laboratório de Psicologia Animal do IPUSP - o laboratório de saúvas - embrião dos vários laboratórios de comportamento animal hoje existentes nesta e em outras instituições. Em sua própria avaliação, segundo depoimento em entrevista feita a mim e a Hannelore Fuchs em 30/1/95, talvez a tivesse introduzido no lugar errado: a vocação de ciência humana e aplicada da Psicologia teria deixado pouco espaço para o desenvolvimento desta área fascinante, onde Biologia e História, Natureza e Cultura são forçadas a um confronto, a um acerto de diferenças, a uma delimitação ou a uma solução de continuidade de fronteiras entre ciências, que constituem alguns dos temas mais estimulantes da epistemologia contemporânea. Mas quanto a esta avaliação peço ao Prof. Cunha a licença para discordar que ele sempre me concedeu em nossos muitos anos de convivência acadêmica: acredito que foi justamente o fato de ter sido introduzida na Psicologia - e não na Biologia - que deu a essa área de estudos o potencial de renovação de pensamento que ela exerceu em nossa ciência.

Ao longo dos últimos 30 anos, a área de pesquisa e ensino iniciada pelo Prof. Cunha frutificou, tanto no estudo do comportamento animal - diversificando seus objetos de estudo e aproximando-se progressivamente das áreas de Biologia, Fisiologia, Zoologia, Veterinária, Zooctenia, e seus desdobramentos em Psicobiologia e Neurociências, como no estudo do comportamento humano, com desenvolvimentos especialmente em Psicologia do Desenvolvimento e Comportamento Social.

Os dois primeiros artigos deste número focalizam as origens da Psicologia Animal no IPUSP e no Brasil a partir dos interesses e das condições de trabalho de seu fundador. Em "Psicologia Animal no Brasil: o fundador e a fundação", H. Fuchs reconstitui um pouco dessa história a partir de depoimentos do Prof. Cunha e de outras pessoas envolvidas. W.H.A. Cunha a relata de seu próprio ponto de vista em "Trilha de formiga, senda de psicólogo e etólogo...". A história deste texto reflete uma das características mais marcantes de W.H.A. Cunha enquanto pensador, docente e pesquisador: sua permanente disponibilidade para rever seu pensamento, complementando-o e aprofundando-o: a reflexão aqui exposta foi apresentada inicialmente em 1978, sob o título "Trilha de formiga, senda de psicólogo", no I Congresso Interno da Universidade Gama Filho, RJ; desenvolveu-se ao longo dos anos seguintes, voltando a ser comunicada no 10º. Encontro Anual de Etologia (Jaboticabal, SP) - no qual o autor recebeu uma homenagem como um dos pioneiros da Etologia no Brasil, e do qual resultou (não sem mais alguma revisão!...) o texto homônimo ao que é apresentado aqui, publicado originalmente em Paranhos da Costa e Schmidek (1992)1, a quem agradecemos a autorização para republicá-lo com mais algumas modificações.

A seleção de artigos incluída neste número envolveu diversas opções. W.H.A.Cunha teve uma carreira profícua como orientador e como pesquisador, documentada nas bibliografias (1 e 2) que acompanham o artigo de Fuchs. Não seria possível representar adequadamente essa produção em uma única publicação. A seleção, necessariamente restritiva, obedeceu a dois critérios principais: construir uma revista com alguma unidade temática e documentar dois aspectos complementares da carreira acadêmica de W.H.A.Cunha &– sua continuidade e seu potencial de diversificação.

O primeiro critério foi atendido através da restrição temática: foram selecionados trabalhos que exemplificam a produção do laboratório de Psicologia Animal do IPUSP relativa a animais invertebrados. Esta opção justifica-se, por um lado, pelo fascínio do Prof. Cunha por esse tipo de animal, que representa uma maioria esmagadora das espécies animais existentes, e ao mesmo tempo desafia os pesquisadores com sua surpreendente complexidade psicológica, flagrada por ele em suas observações de formigas (Cunha, neste número); por outro, pelo fato de que uma proporção significativa dos trabalhos orientados por ele focalizou este tipo de animal, e especialmente formigas (cf. bibliografia 1).

O segundo critério, já condicionado por este primeiro, privilegiou em primeira instância a continuidade, e é representado pelo grupo de artigos sobre formigas. Continuidade tem aqui dois sentidos. De um lado, há a herança constituída por gerações sucessivas de orientadores formados a partir do trabalho de W.Cunha: dos três artigos sobre saúvas, dois (F.L.Ribeiro e A.M.A. Carvalho) foram orientados pelo Prof. Cunha, e o terceiro pelas gerações seguintes de orientadores (M.M.P. Rodrigues, orientada inicialmente por F.L.Ribeiro e posteriormente por V.S.R.Bussab, por sua vez formada por F.L.Ribeiro). De outro lado, a herança representada por problemas de pesquisa: o trabalho de M.M.P.Rodrigues retoma e desenvolve algumas questões levantadas por A.M.A. Carvalho. Pode-se ressaltar que no atual laboratório de saúvas, coordenado por V.S.R.Bussab, continuam sob orientação desta trabalhos originalmente iniciados por W.H.A.Cunha. Como consta da informação bibliográfica em Fuchs (neste número), muitos outros trabalhos foram produzidos sob a orientação de W.H.A.Cunha sobre esta e outras espécies de formigas. O fato de não serem incluídos aqui não implica que sejam menos importantes; representa apenas um compromisso entre seu significado dentro dos critérios descritos acima e a viabilidade de acesso a seus autores.

Em segunda instância, privilegiou-se amostrar a diversificação: ainda dentro dos invertebrados, o laboratório de Psicologia Animal do IPUSP diversificou-se em termos de ordens e espécies animais e de problemas focalizados, o que é exemplificado aqui pelos trabalhos de C. Ades, com aranhas, de I. Dolci, com planárias, de V.S.R.Bussab, com moscas, e de T. Sato, com baratas. A partir de cada um destes trabalhos evidencia-se uma das modalidades de expansão que veio a ocorrer na área fundada por W.H.A. Cunha: diversificaram-se as espécies focalizadas, que hoje vão de invertebrados a primatas; os tópicos de interesse dentro de uma perspectiva psicoetológica e ecológica, de questões causais, ontogenéticas, funcionais e evolutivas a questões metodológicas, de registro e análise do comportamento; e a Psicologia Animal expandiu-se, através da atuação dos novos pesquisadores formados por W.Cunha, para outros centros de pesquisa através do Brasil (Fuchs, neste número).

Investir na organização deste número de Psicologia - USP representa, de minha parte, um tributo de gratidão e de admiração pelo meu orientador. E representa também um tributo deste Instituto ao cientista e docente que foi pioneiro na introdução de uma área de pesquisa séria e relevante para a Psicologia brasileira, para o nosso Instituto e para a ciência no Brasil.

 

 

1. Mateus J.R. Paranhos da Costa, Manuela Schmidek, orgs. Encontro Anual de Etologia, 10., Jaboticabal, S.P., 1992. Anais de Etologia. Jaboticabal, 1992.