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Psicologia USP

versão On-line ISSN 1678-5177

Psicol. USP v.6 n.2 São Paulo  1995

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

O despertar para uma nova realidade: o estudo do psiquismo pré e perinatal e sua penetração nas universidades

 

The arousal to a new reality: the pre and perinatal psychism studies and their penetration at the universities

 

 

Vera Stela Telles

Instituto de Psicologia - USP

 

 


RESUMO

O texto avalia a repercussão dos conhecimentos modernos sobre a sensório-percepção precoce nos sistemas teóricos vigentes na Psicologia. O resultado de tal avaliação aponta para a neutralização de tais descobertas revolucionárias por teorias e conceitos já existentes, principalmente quando esses são organizados em sistemas, o que impede a revolução epistemológica dessas teorias exigida por essas descobertas. Tal impedimento parece ser ratificado pelas instituições encarregadas da formação do psicólogo, quando a universidade privilegia a informação em detrimento da formação do futuro pesquisador, deixando de dar-lhe condições que lhe permitam um posicionamento crítico frente ao já instituído.

Descritores: Sensório-percepção infantil. Psicanálise. Cognição. Formação de psicólogos.


ABSTRACT

This paper evaluates the impact of recent data on early sensory-perception on theoretical systems in Psychology. There is a trend to neutralization of the revolutionary discoveries, mainly when they are against theories and concepts largely accepted and well organized as systems. In this perspective there would be great obstacles to include them in psychologists training programs and graduation schools. This will be specially so when the institution favours the advance of information rather than the development of future researchers.

Index terms: Baby's sensory-perception. Psychoanalysis. Cognition. Psychologists training.


 

 

Acreditamos ser este tema de suma importância para a Psicologia. No momento sua retomada poderia ser muito oportuna para repensar as bases científicas onde esta ciência se apóia (no que se refere à vida mental do indivíduo) ou poderia vir a apoiar-se, se fosse possível conceber o problema em termos de uma crítica de tipo epistemológico. É nossa crença que o viés psicanalítico, que no início foi tão produtivo e promissor no sentido da observação do fenômeno mental, passou a ser - por força de sua constituição em um sistema fechado de explicação do mental - um grave entrave à pesquisa científica psicológica; nele não cabe (sem as devidas reformulações do próprio sistema) inclusive o que a pesquisa moderna (neurológica, psicológica, etológica etc.) tem aportado nesses últimos vinte anos (!). Rever, portanto, o que se conhece atualmente sobre Psicologia pré e perinatal poderia (e deveria) abrir o caminho da retomada da pesquisa do mental, onde as explicações até agora giraram em torno das teorias psicanalíticas. Possibilitaria inclusive a fundamentação de valiosas observações descritas pela psicanálise; essa nova leitura dos fenômenos permitiria explicações mais passíveis de um tratamento científico, ao mesmo tempo que abriria espaço de confronto e ligação com as demais psicologias (evidentemente, num sistema fechado, o verdadeiro trabalho de reformulação que as descobertas impõem fica, por isso mesmo, impedido). Justamente por isso a consideração sobre a penetração de tais estudos nas Universidades é prioritária - é aí que esse "novo" pode encontrar espaço para as necessárias reformulações teóricas que incentivem a pesquisa onde ela foi abandonada porque já se "sabia" (além da sensório-percepção precoce deveria retomar-se estudos sobre a memória, para dar apenas um exemplo). Porém a nosso ver tal proposta encontra graves entraves dentro da própria formação do psicólogo, o que nos leva a pensar que possa ser útil ventilá-los neste artigo.

Tentaremos delinear nosso ponto de vista esclarecendo o tipo de leitura que fizemos a respeito das palavras "despertar" e "nova realidade". Vemos que elas contêm, no limite, uma metáfora, já que sugerem de um lado, uma passagem de um estado de "adormecimento" para o de "vigília", e de outro que tal "vigília" constituiria uma "nova realidade", implicando uma mudança, e tendo nesse acordar as condições para o estabelecimento da nova realidade. Centralizando no psiquismo pré e perinatal, o tema remete a considerações sobre as condições originárias da nossa vida mental - como ela pôde vir a ser constituída, como se daria essa passagem do estado de "sono" para um de "vigília", enfim quando e como, o que entendemos por psiquismo, começa a existir e de que forma ele constrói-se a partir deste despertar. A questão é da maior relevância, já que pensar sua genealogia é igualmente abrir questões técnicas e práticas na tentativa de compreender o mental, seu desenvolvimento, sua "patologia" e, conseqüentemente, toda e qualquer intervenção prática no mesmo (educação, terapia etc.).

Não é pois gratuita a retomada das observações e estudos experimentais sobre a sensório-percepção precoce e mesmo intra-uterina. É óbvio que qualquer teoria sobre o mental deva começar alicerçando-se no conhecimento do quando, como, e o que é percebido, registrado e fixado pelo indivíduo. Tal conhecimento é imprescindível se quisermos saber a que "realidade" o indivíduo tem acesso. Conforme o momento em que as experiências perceptivas venham a consolidar-se (segundo as possibilidades permitidas pelo desenvolvimento do sistema nervoso - mielinização, por exemplo) teremos necessariamente diferentes resultados em termos de mundo mental. Por exemplo, o fato de o feto ter a possibilidade de perceber e registrar estímulos auditivos desde o quarto mês de gravidez ("pelo menos"), implica pensar que ele pode apreender e registrar os sons do ambiente no qual está inserido. Tal conhecimento obriga necessariamente a mudar concepções sobre um primitivo estado precoce de indiferenciação (Stern, 1989)1, significa conceber capacidade de aprendizado e, portanto, de alguma organização e conseqüente sentido (conhecido versus desconhecido, por exemplo) mesmo antes do nascimento. Com base em tal tipo de conhecimento pode-se também vir a fazer-se hipóteses sobre como seriam eventualmente encaradas as diferentes experiências do indivíduo, segundo as estruturas vigentes em cada momento de seu desenvolvimento. Ficam assim resolvidas - pelo menos como possibilidades teóricas, - as defasagens instauradas por determinadas teorias (por exemplo, as psicanalíticas) entre o início da vida psíquica (primeiros objetos) e seu posterior desenvolvimento adaptado à realidade (Imbasciati, 1991)2. Com isso grande parte de teorias que foram arbitrariamente constituídas para dar sentido a certos fenômenos deixam de ter significado, mostrando-se más leituras do observado, verdadeiras projeções do pensamento adulto (sobre a mente do bebê).

O estudo da sensório-percepção do feto e do recém-nascido pode então consolidar em bases mais verdadeiramente científicas o como cada etapa do desenvolvimento do indivíduo pode estruturar os estímulos e conseqüentemente o que ele realmente pode perceber da realidade. A possibilidade de termos acesso ao que é percebido pelo recém-nascido e pelo feto obriga que saibamos previamente sobre as condições gerais de sua sensório-percepção. Esse estudo nos daria a possibilidade teórica de uma abordagem holística da operação, uma vez que a estrutura vigente é uma estrutura estruturadora da experiência e, portanto, do universo ao qual o bebê teria realmente acesso. A estrutura que possibilita aquela organização também (e por isso mesmo) a determina segundo suas próprias características. Assim a oportunidade de conhecer o "verdadeiro" estímulo vai depender do aparato estrutural com o qual ele foi organizado; este, por sua vez, modifica-se conforme vai podendo formar-se a partir do processo de desenvolvimento do indivíduo. Assim sendo, somente o conhecimento dessas estruturas tornaria passíveis de uma compreensão cientifica as vivências e comportamentos do recém-nascido, já que os sentidos dados a uma experiência dependem do como e do que é compreendido de tal experiência (daí cognição e afeto serem inseparáveis, duas faces de uma mesma moeda). Estão aí (e há muito tempo) os estudos de Piaget sobre a genealogia da inteligência, apontando como o tipo de compreensão depende da prévia formação de específicas estruturas de pensamento; de como estas vão se formando com o desenvolvimento, tomando características diferentes perfeitamente observáveis, permitindo e determinando recortes sui generis da realidade segundo a fase vivida. Há, portanto, um desenvolvimento progressivo que se completa por volta dos quatorze anos, permitindo a formação do que entendemos como pensamento lógico do adulto. Antes de tais estruturas poderem ser completamente desenvolvidas, é impossível à criança estruturar e compreender a realidade como faz o adulto.

Um bebê percebe desde uma época de tal modo precoce que seu arsenal de experiências é ainda extremamente incipiente para que ele possa recorrer a elas para dar sentido realístico às suas vivências (aliás está precisamente formando tal arsenal). Ele ainda não formou representações, ainda não estruturou categorias (tempo, espaço, dentro, fora, eu, outro etc.) suficientes para que os sentidos que venham a ser atribuídos às suas vivências obedeçam ao princípio da realidade. Mas parece que a tendência a dar sentido já está presente (as observações clínicas apontam o fenômeno) mas este só poderá relacionar-se com o repertório deficitário que o bebê tem à sua disposição (daí provavelmente as representações serem no início essencialmente decodificadas em termos de suas sensações corporais). A clínica mostra a todo momento o fato de estruturas precoces estarem sendo usadas para recortar a realidade, além, ou melhor, aquém das possibilidades (observáveis em outros momentos) atuais do indivíduo (o que a psicanálise explica como transferência pode ser um bom exemplo).

Segundo todas essas considerações cremos que as descobertas e as observações experimentais nesse terreno da sensório-percepção deveriam constituir-se como base de qualquer teoria sobre o aparato mental. Deveriam, naturalmente, servir de balizas que despertassem nossas velhas teorias sobre o psiquismo para a nova realidade de tentar fundamentar nossa disciplina em bases mais consistentes e científicas. As teorias existentes, principalmente as prontas, organizadas em sistemas conceituais fechados, necessariamente surgiram e formaram-se a partir de suposições sobre esses primórdios da vida mental, suficientemente antigas para serem atualmente percebidas como improcedentes e errôneas. Na falta de verdadeiros conhecimentos preencheram as lacunas com teorias baseadas em uma neurologia, uma psicologia absolutamente ultrapassadas. O espantoso é que estudos sobre a sensório-percepção precoce vêm sendo desenvolvidos há mais de vinte anos3 e o tal "despertar" e a conseqüente "nova realidade" ainda não se concretizaram!

Continuamos dormindo em um berço só aparentemente esplêndido, uma vez que ilusoriamente esta postura sugere certezas e explicações completas para fenômenos ainda insuficientemente conhecidos (o primeiro passo nesse sentido parece-nos ter sido dado pela retomada do estudo da percepção. O outro passo absolutamente necessário seria o aprofundamento do estudo da memória). Os antigos conceitos permanecem imutáveis (apesar de muitas vezes absurdos frente ao que se pode de fato conhecer atualmente).

Prefere-se acreditar em uma conceituação baseada em quimeras (no mínimo)4 desde que tal conceituação apresente e prometa uma explicação suficientemente "completa" para acreditarmos que "sabemos"! Esse tipo de teoria tem tal estatuto de "verdade" que se comete o absurdo de continuar acreditando-se nela, mesmo sabendo-se que está apoiada em malabarismos improcedentes (a etologia e o cognitivismo modernos deveriam pelo menos ser levados em conta e confrontados com essas antigas "explicações")5. Tais sistemas teóricos ganharam um tal estatuto poderoso de verdade que permanecem imunes ao que a observação científica tem para oferecer (inclusive experimentalmente) de novo. Ignora-se a necessidade de revisões, ou melhor, de voltar-se à observação do objeto (uma vez que aparece no horizonte a possibilidade crítica de rever seus conceitos). Essa situação mostra que nessa circunstância deixou-se de pensar - contenta-se na maior parte das vezes em informar seu fenômeno a partir de conceitos pré-estabelecidos. Não há verdadeira evolução, quando muito agrega-se algo novo ao corpo de conceitos já existentes. Costuram-se aos velhos sistemas explicativos algumas dessas "aquisições", sem haver uma verdadeira crítica dos conceitos básicos (necessária se, de fato, as novas aquisições forem levadas em conta e avaliadas em seu poder crítico-revolucionário frente às antigas posições). Dentro desse clima desaparece o espírito de pesquisa... "Sabe-se demais"! É muito difícil trocar todo esse "saber acumulado" pela incerteza, pelo desconhecido do não saber.

A nosso ver o fato concreto da existência desse desenvolvimento do estudo da percepção precoce permite na prática observar até que ponto a crença pode predominar sobre as observações comprovadamente atualizadas. Ele é revelador do problema que a verdadeira pesquisa enfrenta quando aparece sugerindo confrontos necessários com conceitos e teorias já estabelecidos. Aqui temos, e há muito tempo, conhecimentos que, se realmente levados em conta, obrigariam a mudanças radicais e talvez pudessem permitir a retomada do estudo do psiquismo em bases verdadeiramente científicas. Aqui também pode-se aquilatar o poder perigoso das teorias prontas onde as fiéis adesões baseiam-se muito mais em crenças do que em conhecimentos objetivos.

Enfim, desta perspectiva parece não ser suficiente "despertar" para que se instaure a "nova realidade". A impressão que permanece é de que se trata de disciplinas que nada têm em comum, cada uma seguindo uma trajetória paralela sem possibilidade de cruzar-se ...

O pior disso tudo é que essa doença do "saber" atingiu inclusive as instituições que teoricamente deveriam formar os futuros pesquisadores. Muitas vezes encontra-se dentro de um curso de Psicologia - portanto, de formação básica na disciplina - a preocupação predominante de preparar repetidores das velhas teorias. Com raras exceções, não se questiona mais! Toma-se por verdades o que não passa de hipóteses e teorias que nesse caso perderam seu caráter de provisório6. A idéia de continuar observando o objeto de estudo praticamente desapareceu de certos meios. Procede-se como se as teorias fossem conhecimentos comprovados; usam-se conceitos de tal modo que sua precariedade de meras hipóteses desaparece. Pensar, isto é, cotejar idéias com outras que possam opor-se a elas a fim de estabelecer uma comparação crítica, fica bloqueado quando se tem de manter um corpo doutrinário imutável. A possível avaliação de uma tese, sua rejeição e substituição por outra, deixou de ser concebida como mola promovedora de crescimento do conhecimento e passou a ser entendida como oposição ameaçadora que deve ser combatida e vencida. A história está aí (dentro e fora de nossa disciplina) apontando as conseqüências estagnadas do impedimento da crítica e reformulação. A instituição parece implicar uma organização que, uma vez estabelecida, torna difícil, ou mesmo impossível, a manutenção da abertura para a possível rejeição de seus fundamentos, ou melhor, daquilo que precisamente a organiza7.

Parece ser difícil combinar desenvolvimento do conhecimento com o já instituído. O risco de anular o instituído ameaçando a organização que ele fundamenta é suficiente para imobilizar a oportunidade de crítica. Confunde-se a negação do instituído com a destruição da instituição - o "saber" instituído tem de ser mantido incriticável como condição de sua manutenção. Com isso ela deixa de estar a serviço da pesquisa, fazendo um papel contrário, obstaculizando o acolhimento do novo. Há confusão entre a instituição e o instituído, um vivendo parasitariamente do outro, um pensado como responsável pela manutenção do outro. Assim compreendida, fica claro não poder ser a Instituição o lugar que abrigue a novidade, possibilitando a pesquisa e, portanto, reformulações8. Toda novidade é entendida como dissonância perigosa, podendo por em risco essa harmonia fictícia. Assim, quando uma instituição informa teorias existentes sem paralelamente formar uma mentalidade crítica constante que possibilite a continuação da pesquisa, ela estará negando seu papel essencial de "maternidade" onde o novo poderá nascer. Nesse momento ela abdica de seu papel formador, rompendo com sua vocação original de manter a continuidade da pesquisa, criando aqueles que podem levar adiante o conhecimento porque o sabem, no limite, inalcançável.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

IMBASCIATI, A. Affetto e rappresentazione: per una psicoanalisi dei processi cognitivi. Milano, Franco Angeli, 1991.        [ Links ]

IMBASCIATI, A. L'oggetto e le sue vicissitudini: storia di un concetto e valore della teoria in psicoanalisi. Castrovillari, Teda Edizioni, 1993.        [ Links ]

KOESTLER, A. Le zero et l'infini. Paris, Calmann-Levy, 1945.        [ Links ]

MERLEAU-PONTY, M. Las aventuras de la dialectia. Buenos Aires, Leviatan, 1954.        [ Links ]

POPPER, K.R. Conjecturas e refutações. Brasília, Ed. Universidade de Brasília, 1902.        [ Links ]

STERN, D. Diário de um bebê: o que seu filho vê, sente e vivencia. Porto Alegre, Artes Médicas, 1991.        [ Links ]

STERN, D. Le monde interpersonnel du nourisson. Paris, PUF, 1989.        [ Links ]

TELLES, V.S. Formação e informação: o problema das teorias na formação do pesquisador. Percurso, n.2, 1994.        [ Links ]

 

 

1 Esse autor propõe que, de certo modo, sempre existe um rudimento de consciência de si no indivíduo. Tal afirmação é compreensível: se não há condição de apreensão e registro dos estímulos nada há com que registrar tal indiferenciação; se esta pudesse ser apreendida, também o seria aquilo que a apreende e, portanto, já haveria um "fixo" servindo de base para tal rudimento de "consciência de si".
2 Refiro-me aqui ao estudo realizado por este psicanalista italiano sobre a ausência de uma teoria sobre a aprendizagem na psicanálise. Este sistema teórico não dá conta da passagem dos primeiros objetos (bizarros) para aquelas representações ligadas aos objetos reais passíveis de possibilitar a adaptação do indivíduo.
3 A. Tomatis, otorrinolaringologista francês, afirmava, há trinta anos, que o feto tinha condições de ouvir desde pelo menos o quarto mês de gravidez.
4 Remetemos novamente às idéias de Imbasciati: Segundo esse autor a teoria da cisão do objeto de Melanie Klein, por exemplo, é no mínimo apressada e não necessária segundo o que o fenômeno poderia sugerir. A assim chamada cisão é um fato observável - o bebê realmente funciona desse modo. Mas explicá-lo como cisão, dizer que o bebê cinde o objeto é uma teoria sobre esse observado, que só pode manter-se na medida que ignora-se as possibilidades cognitivas dessa fase da vida. Imbasciati, fazendo críticas a Melanie Klein, descreve o tal objeto como não integrado (não realmente cindido pelo bebê). Quando se faz uma teoria desse tipo, necessariamente tem-se de fazer outra para explicar a tal "cisão" (ataque invejoso), que foge completamente ao que o fenômeno realmente proporciona como observável. No momento essa disciplina carece de fundamento científico para que possa ser tida como verdadeira. Aconselhamos, para esclarecimentos nesse sentido, a leitura de Popper e do psicanalista Stern.
5 As explicações psicanalíticas dos fenômenos obedecem a teorias que absolutamente não provêm da observação do fenômeno. Em psicanálise confunde-se com muita frequência descrição com explicação (para maiores esclarecimentos ver Imbasciati, 1991, p.16 e Stern 1989 igualmente aponta a ausência de uma fundamentação científico-experimental dos conceitos psicanalíticos). Sabe-se que conceitos como transferência, mecanismos de defesa etc, são teorias provisórias construídas para dar sentido aos fenômenos observados. Mas na prática, verdadeiramente, perdeu-se esse conhecimento (de que são teorias provisórias), e lida-se com os mesmos efetivamente como se fossem causas verdadeiramente comprovadas dos fenômenos. Um exemplo extraordinário de uma leitura diferente dos fenômenos mentais pode ser encontrada no próprio Imbasciati (1993), que tenta nesta obra reinterpretar as teorias kleinianas em termos de teorias cognitivas modernas.
6 Em nossa experiência de ensino temos observado como alunos prestes a formarem-se (4º e 5º anos) chegam ao final do curso com respostas prontas a qualquer investigação que proponha observação do objeto de estudo. Eles próprios reconhecem que o mais difícil é desembaraçarem-se do que "sabem" para, sem pré-conceitos, tentarem descrever o que vêem. A maior barreira que encontramos propondo a "simples" observação do material do paciente (quer nas histórias do TAT ou na sessão de terapia) encontra-se precisamente nas crenças teóricas desses alunos. Há uma tendência a ignorar parte do material para que este "caiba" na teoria escolhida. Surgem recortes completamente viesados do observado pela interferência deste aparente "saber" - se já se "conhece", para que olhar? (Para maiores esclarecimentos de nossas idéias a respeito ver o artigo "Formação x Informação: o problema das teorias na formação do pesquisador" - Telles, 1994).
7 No plano da política podemos lembrar aqui a problemática dos Processos de Moscou onde o instituído - no caso o Partido - ironicamente teve de paralisar o processo dialético que o constituiu. A possibilidade da negação da "tese" (mola propulsora do processo dialético) teve de ser cristalizada, impedida de desempenhar sua vocação transformadora. Para maiores esclarecimentos ver Merleau-Ponty, (1954) e Koestler (1945).
8 Na realidade a Universidade deveria ser o tipo de instituição que possibilitasse a criação do novo: ela é o berço natural da pesquisa e, portanto, da abertura da renovação crítica do instituído. Mas precisamente porque é também (necessariamente) uma instituição, pode derivar para esse tipo de confusão acima referida (entre o instituído e a instituição). Em nosso campo de estudo parece haver o esquecimento de que a Psicologia é a ciência do comportamento, e que, portanto, antes de teorizar sobre o mesmo, o treino básico deveria consolidar-se ao redor da ampliação da capacidade de observação dos futuros pesquisadores. Cremos que o mais grave dessa distorção encontra-se em um tipo de ensino voltado fundamentalmente para a informação teórica fornecida para mentes ainda não suficientemente amadurecidas no próprio campo de pesquisa para perceberem a realidade da mesma. Vai predominar então na escolha das diferentes linhas teóricas uma postura mais ligada a crenças ou moda(!) do que uma avaliação crítica das teorias em termos de possibilidades de pesquisa científica (novamente surgiro Popper para um aprofundamento do assunto).