SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.7 número1-2A Escola de Vigotski e a educação escolar: algumas hipóteses para uma leitura pedagógica da Psicologia Histórico-CulturalOrganizational Commitment: compromisso ou submissão? índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Psicologia USP

versão On-line ISSN 1678-5177

Psicol. USP v.7 n.1-2 São Paulo  1996

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

O hiato entre conhecimento sobre as vias de transmissão e as práticas de prevenção da AIDS entre estudantes da USP: a atuação das ideologias coletivas de defesa1

 

The gap between the knowledge of transmission ways and the preventive practices of AIDS among college students: the action of collective defense ideologies

 

 

Arakcy Martins Rodrigues

Instituto de Psicologia - USP

 

 


RESUMO

Campanhas baseadas em resultados de pesquisas sobre comportamento que visam mudança comportamental são freqüentemente fadadas ao malogro. Provavelmente isso ocorre, entre outras razões, porque a ação humana é, em boa parte, regida por fatores inconscientes. A própria determinação sócio-cultural se processa por mecanismos que não são conscientes para os indivíduos. As pesquisas sobre comportamento sexual preventivo em relação à AIDS vêm apontando, sistematicamente: a) defasagem entre conhecimento sobre as vidas de transmissão e as práticas sexuais; b) relativa "falta de interesse" pelo tema; c) superestimação dos riscos que independem de um comportamento sexual preventivo. Na tentativa de aprofundar a compreensão sobre esses achados e de uni-los num traço contínuo, a pesquisa pretende trabalhar com a hipótese de uma "ideologia de defesa", compartilhada e construída socialmente, inconsciente, como a uma realidade intolerável. Trinta estudantes de graduação da USP, distribuído por e pelas áreas de, Biológicas, Humanas e Artes serão entrevistados numa pesquisa qualitativa, através de discurso livre e história de vida.

Descritores: AIDS. Prevenção da AIDS. Comportamento psicossexual. Análise do comportamento. Pesquisa científica. Universitários.


ABSTRACT

Campaigns based on results of researches on behavior are often condemned to failure when the target is behavioral changes. This probably happens, among other reasons, because human action is partially directed by unconscious factors. Socio-cultural determination itself is processed by mechanisms which are not consciously realized by the individual. Research into preventive sexual behavior related to AIDS has systematically shown that: a) there is a discrepancy between the knowledge about the ways of transmission and sexual practices; b) there is a relative "lack of interest" in the theme; c) the risks which are independent of preventive behavior are overestimated. In an attempt to wider the understanding of these results and to unify them into one continuous feature, the research intends to work with the hypothesis of a "collective defense ideology" shared and constructed socially, an unconscious reaction toward an unbearable reality. Thirty undergraduates from the University of São Paulo, allocated in groups according to gender and colleges of Exacts Sciences, Biological Sciences, Human Sciences and Arts will be interviewed in a qualitative research by means of free discussion and life history.

Index terms: Acquired Immune Deficiency Syndrome. AIDS prevention. Psychosexual behavior. Behavioral assessment. Experimentation. College students.


 

 

A bibliografia produzida pelos cientistas sociais e sobre a AIDS deixa claro que não existe "o soropositivo", "o doente de AIDS". Igualmente, não existem "os riscos". Isto é, a questão não pode ser considerada generalizadamente: em cada subgrupo existe um tipo de risco, circunstâncias próprias, bem como comportamentos sexuais específicos, muitos deles fundados em experiências coletivas, crenças, valores e preconceitos comuns aos agentes de cada segmento. Vale dizer, para cada grupo social, um determinado habitus (Bourdieu, 1972, p.174 e segs.) estrutura as representações e práticas prevalentes. Para cada subgrupo serão diferentes a maneira de buscar prazer sexual, os limites dentro dos quais isso é considerado possível, o grau de transgressão social assumido anteriormente (homossexuais, bissexuais, travestis e prostitutas), a constância com que praticam os atos sexuais mais arriscados (homens casados com relação extraconjugais), o quanto acreditam ou não estar correndo riscos (mães de família monogâmicas) etc. Temos ainda os usuários de drogas injetáveis. MacRae (1992) assinala que

... a subcultura específica na qual o indivíduo passa a participar ao se tornar um usuário de drogas vai exercer forte influência sobre suas práticas e se apresenta como uma importante área a se atingir quando se busca promover mudanças de comportamento. (p.179).

Pelas mesmas razões, os autores são unânimes em alertar contra a transposição simplista de resultados de pesquisas ou de intervenções de um país para outro, de uma cultura para outra. (Ver, p. ex. MacRae, 1992, p.183). Pollak e Schiltz (1994), na análise de uma ampla pesquisa sobre comportamento preventivo entre homossexuais e bissexuais em quase todos os países da Europa Ocidental, concluem que

os fatores de risco epidemiológico e as variáveis sócio-culturais tradicionais não explicam todos os diferentes tipos de mudança observados no comportamento sexual. É necessário, pois, desenvolver análises que levem em conta, simultaneamente, as predisposições individuais, o meio ambiente imediato e as estruturas e normas sociais, cada um desses níveis interferindo de modo específico na adaptação do comportamento sexual ao risco de contaminação. (p.203).

Uma segunda questão recorrente nas pesquisas sobre AIDS refere-se à defasagem encontrada entre os conhecimentos e informações demonstrados pelos indivíduos e a baixa correlação encontrada entre esse conhecimento e as práticas preventivas efetivas e duradouras (Parker, 1994, p.153; Berquó & Souza, 1994, p.178; Paiva, 1995, p.7; Loyola, 1994, p.9 e p.35; Venturi, 1992, p.74; Martin, Barbosa & Villela, 1992, p.173).

Segundo Loyola (1994),

Praticamente todos os grupos profissionais investigados nessa pesquisa - profissionais de nível superior, bancários e metalúrgicos - já tinham ouvido falar da AIDS nos últimos cinco anos; conheciam as principais formas de transmissão - "relações sexuais promíscuas", "uso de drogas" e "transfusão de sangue" - e os principais meios de preveni-la - "evitar relações sexuais promíscuas", "usar camisinha" e "seringas descartáveis"-, tais como difundidos pelas campanhas preventivas veiculadas pela imprensa, sobretudo pela televisão.

Essa ampla e bem-sucedida divulgação sobre as formas de contágio e prevenção da doença vem produzindo, todavia, efeitos extremamente limitados em termos de atitudes concretas que induzam à prevenção por parte da população atingida. (p.9).

Berquó e Souza (1994, p.171) encontram a freqüência mais alta de uso de condom no último mês entre universitários (45,5%) em comparação com bancários (22%) e operários (27%). Essa diferença encontrada se reporta, na nossa opinião, mais à fase da vida que os estudantes estão vivendo (e o conseqüente tipo de sexualidade) do que ao seu nível escolar, uma vez que o cruzamento de todas as categorias profissionais da amostra com a variável grau de escolaridade demonstrou que os indivíduos que têm curso superior não diferem dos demais quanto à freqüência do uso de condom na resposta sobre relações sexuais mantidas no último mês. MacRae (1992) escreve:

Des Jarlais, por exemplo, cita uma pesquisa feita entre usuários de drogas injetáveis em Nova Iorque, onde nem a informação sobre o mecanismo da AIDS, nem o conhecimento de alguém afetado pela doença e nem o nível cultural estavam relacionados à mudança de comportamento. O fator com maior correlação à mudança era se o indivíduo acreditava que seus amigos também estavam alterando suas práticas. (p.180).

O terceiro ponto a ser considerado é o do desafio representado pelo estudo do comportamento humano. Os estudiosos da prevenção contra a AIDS entre os cientistas humanos - na sua esmagadora maioria sociólogos e antropólogos - tentam inferir diretamente de suas variáveis "macro" a explicação para as regularidades observadas nas práticas dos agentes sociais. Entretanto, alguns deles advertem sobre a necessidade de se levar em conta que

a forma como (os) scripts eróticos culturalmente constituídos são internal e reconstituídos a nível intrapsíquico e a forma como passam realmente a estruturar as interações dos parceiros sexuais são questões-chaves que precisam ser examinadas com muito mais detalhes. (Parker, 1994, p.153).

Os trabalhos na área enfatizam, sem exceção, os valores, preconceitos, crenças e mitos. Por vezes, falam da existência de "fatores emocionais". Esse últimos são geralmente mencionados de passagem, como efetivamente atuantes, mas geralmente os autores não se detêm para explicitá-los ou explicá-los.

Acreditamos que sem o estudo das mediações intrapsíquicas, sejam elas de caráter cognitivo ou emocional, nem mesmo a decodificação feita pelos indivíduos das informações sobre "fatos objetivos" chega ao conhecimento do pesquisador. Quatro fatores parecem explicar a quase inexistência do estudo das mediações intrapsíquicas:

1) a baixa presença de psicólogos, psicológicos sociais, psiquiatras e psicanalistas na atividade de pesquisas mais amplas. É claro que esses profissionais não dispõem, pelo simples fato de terem essa formação, dos instrumentos adequados para esse tipo de análise. Mas acreditamos que muitos podem (e diversos já o fizeram) elaborar as reconversões necessárias;

2) a crença de que fatores subjetivos e irracionais não podem ser capturados através do raciocínio objetivo e lógico dos pesquisadores; por isso, "fatores emocionais", "irracionalidade do comportamento", "determinações inconscientes" podem ser apenas mencionados e não estudados;

3) a certeza sobre o caráter individual dos processos psíquicos e a sua identificação com "diferenças individuais" e, portanto, sob a influência de determinações singulares. Entretanto, muitos processos psicológicos não são individuais: classificamo-los como "psicológicos" devido às instâncias em que se passam e as leis pelas quais são regidos. Por outro lado, sabemos, a partir de desenvolvimentos teóricos mais recentes, que muitas vezes são criados e compartilhados coletivamente, como é o caso dos sistemas coletivos de defesa e da ideologia defensiva de Dejours (1987) e dos sistemas de defesa de Menezes (1970).

Entre o que chamamos de mediações intrapsíquicas se incluem os mecanismos pelos quais as próprias determinações sócio-culturais se efetivam. Como o indivíduo processa, enquanto tal, suas determinações sociais e culturais? As práticas de investigação social utilizam-se de "variáveis preditoras". Um exemplo: a partir do discurso médico, jurídico, religioso e moral buscam-se explicações para um conjunto de dados empíricos sobre as práticas sexuais. Entretanto, existe hoje, igualmente, o discurso do direito à diferença, a veiculação da Psicanálise no que se refere ao desejo e suas variadas formas de satisfação, a militância de grupos que reivindicam cidadania de primeira classe em todos os segmentos sociais que se distanciam da "norma". A Sociologia e a Antropologia não estariam, muitas vezes, utilizando determinantes anacrônicos, ao apontar fatores que vêm obstaculizando a prevenção? Se os mais estigmatizados (gays, bissexuais, travestis, prostitutas) vêm mudando seu comportamento sexual e abertamente discutindo a questão, o que leva as pessoas "normais", que só transgridem "de vez em quando", e que conhecem intelectualmente seus próprios riscos, a não adotarem, privadamente, comportamentos preventivos? Se subtrairmos a influência do conhecimento sobre a situação e pusermos entre parênteses a normalização (médica, jurídica e religiosa), o que restaria para explicar a defasagem entre o conhecimento e as práticas? Na nossa opinião, dois fatores principais: a) o tipo de sexualidade, do ponto de vista da busca do prazer e não da repressão (ideologia do erotismo, Parker, 1994, p.144 e segs.) e b) mecanismos de defesa individuais e coletivos, cujo caráter inconsciente estará inscrito no próprio conceito utilizado. É desse segundo item que nos ocuparemos nesta proposta.

Catania, Kegeles e Coates (1990, p.53-4) criticam o modelo das "variáveis preditoras", apontando vários casos de pesquisas onde essas não atuaram conforme a previsão. Apregoando a necessidade de incluir mediações entre as variáveis preditoras e as práticas finais dos agentes, propõem três estágios: a) o reconhecimento e a classificação do comportamento sexual de alguém como de alto risco para a contaminação pela AIDS; b) a decisão de reduzir os comportamentos de alto risco e aumentar a prática dos de baixo risco; c) o empenho e a prática de estratégias para alcançar esses objetivos.

Martin, Barbosa e Villela (1992) assim se referem às mediações:

O grau de informação de uma pessoa é influenciado pelo seu nível de educação e pelo acesso aos bens e serviços existentes em sua comunidade, o que é determinado por sua inserção social. Ao mesmo tempo, a incorporação e uso de uma dada informação é mediada pelo conjunto de representações, afetos e valores que constituem a identidade cultural do sujeito. (p.170).

As mesmas autoras apontam que

é praticamente impossível, ao nível da sexualidade, exigir que as pessoas ajam de acordo somente com a racionalidade. Este é um campo de emoção e sensibilidade que, além disso, está circunscrito historicamente por valores e representações. (p.172).

4) a importância dada às variáveis preditoras e ao estudo das condições sócio-culturais a partir das quais se tenta inferir diretamente as explicações para as práticas leva a uma subestimação das informações que podem ser obtidas no próprio campo. Em outras palavras, geralmente são buscados empiricamente dados "secos" sobre a inserção sócio-cultural e o comportamento. As explicações das correlações encontradas são buscadas na teoria ou disciplina científica à qual pertence o pesquisador, que deve cobrir o espaço entre essas variáveis polares. Aliás, convém lembrar que a própria classificação de certas variáveis como "preditoras" nasce da teoria e, como já vimos, muitas vezes é contrariada pela própria pesquisa que está sendo realizada.

Acreditamos que inúmeros indícios das mediações realmente atuantes estão no próprio material coletado, dependendo dos instrumentos metodológicos utilizados. Isso não significa, evidentemente, que se deve buscar toda a compreensão dos fenômenos a partir da idéia que os agentes fazem deles; queremos afirmar, apenas, que mesmo quando se utilizam técnicas qualitativas, não se procede, o mais das vezes, a uma análise do discurso que poderia levantar suspeitas muito interessantes sobre as determinações interiorizadas, inclusive as reinterpretações, que geralmente são comuns a um mesmo segmento social. A percepção dos fatos, a absorção de informações o uso que se faz delas, incluindo aí processos inconscientes, podem ser alcançados a partir do próprio discurso.

A intenção básica desta proposta é a de aprofundar a análise do comportamento em relação à prevenção contra a AIDS. Tal aprofundamento, que neste caso particular estará associado aos marcos teóricos criados por Christophe Dejours teoria sociológica de Pierre Bourdieu, é necessário no panorama atual das pesquisas que vêm se realizando em torno desse objeto de estudo; ademais, os dados e análises já existentes podem se constituir num excelente pano de fundo para uma pesquisa qualitativa. Aliás, a idéia de utilizar nossa hipótese principal surgiu justamente a partir de alguns achados dessas pesquisas que julgamos pouco explicados.

Como diz o título, o objeto de estudo é o hiato entre conhecimentos e práticas preventivas em relação à AIDS que, como vimos, é apontado por todos os autores comentados. Acreditamos que necessariamente virão, na esteira dessa preocupação, numerosos aspectos importantes que cumpre estudar mais aprofundadamente.

Desde logo, podemos adiantar que o desinteresse de procurar conhecimentos e informações pode estar fazendo parte da mesma constelação de determinações da qual o hiato constitui uma parte; a persistência de causalidades que são apontadas pelos entrevistados, tiradas de hipóteses que já foram descartadas pelas investigações biológicas mais recentes (transmissão por aperto de mão, beijo, lágrimas, picada de insetos etc.) e informações incorretas em agentes que deviam ter maior conhecimento das vias de transmissão (pessoas com nível universitário, por exemplo), podem estar igualmente vinculadas ao mesmo núcleo que pretendemos problematizar; a superestimação das vias de transmissão que escapam do controle individual e do comportamento sexual (transfusões de sangue, por exemplo), e a ênfase dada aos riscos que perduram apesar da prevenção (condoms que "estouram") também levantam suspeitas na mesma direção; ainda na mesma linha de raciocínio podemos incluir a crença, em indivíduos de certos subgrupos, de estarem completamente infensos ao risco ("a AIDS é doença do outro"), apesar das estatísticas e informações mais atualizadas.

Alguns autores falam em "negação do risco" ao explicarem certas regularidades observadas em seus dados. O conceito de negação aparece na bibliografia (negação do risco, negação do diagnóstico), sem que fique claro o sentido em que está sendo empregado. (Dentro da Psicanálise, negação é um dos mecanismos de defesa, inconsciente, portanto, de que a mente lança mão em certas circunstâncias, como veremos mais adiante). Encontramos por vezes o termo "distância" para casos semelhantes aos que a "negação" é utilizada. Às vezes, aparece o conceito de "defesa". Mais uma vez, os autores não esclarecem se estão invocando o conceito psicanalítico - que tem necessariamente caráter inconsciente - ou se estão utilizando o termo no seu sentido comum, quotidiano. Igualmente , medo e pânico são referidos. A própria percepção do risco e os obstáculos que se lhe opõem, na mente dos agentes, o fato de não se submeterem ao teste (mesmo os que gostariam de fazê-lo), ou são explicados pelas "defesas" ou caem sob a rubrica dos "fatores emocionais" e "irracionais". Encontramos ainda, em algumas análises, explicações que associam alguns desses itens, como pânico e negação, por exemplo.

Façamos um rastreamento em alguns trabalhos de pesquisa em busca de informações mais precisas e concretas sobre o que acabamos de apontar.

Loyola (1994), diz:

Finalmente, a AIDS é uma doença distante dos informantes porque é essencialmente uma "doença do outro". Indagados sobre a possibilidade de virem a contrair a doença, a maioria respondeu afirmativamente (62,6%). Mas entre esses que vislumbram, ainda que remotamente, a possibilidade de vir a contrair a doença, excluindo os que citam o ato sexual sem especificar (4,9%), uma minoria atribui esta possibilidade ao próprio comportamento, no caso daqueles que consideram levar uma vida sexual sem controle"(6,8%). Os restantes situam esta eventualidade fora do seu próprio controle individual - uma "transa do passado", ocorrida antes do surgimento da doença (4,9%), "tudo é possível, ninguém sabe" (44,1%); ou no comportamento do outro - "só se ele pegar", "só se ela me trair"(11,8%), a descuidos de manicures, médicos e dentistas "sem higiene", ou à "necessidade de uma transfusão de sangue", o mais freqüente (27,8%). (p.47).

A mesma autora, ao comentar em outro trecho a distribuição da atribuição da casualidade por parte dos entrevistados (distribuição que superestima, como já vimos, os riscos que estão fora do controle dos indivíduos), comenta: "Assim, a defesa de que dispõem para lidar com a doença é mantê-la à distância e ter com ela uma relação distante." (p.48).

Martin, Barbosa e Villela (1992) comentam:

É verdade que ambos os sexos tendem a diminuir ou negar o risco, e mesmo aqueles que o reconhecem podem sentir dificuldades de traduzir esse conhecimento em ação. (p.167).

Câmara (1992), psicóloga por formação, adverte:

Outras reações psicológicas merecem nossa atenção. A negação do diagnóstico, por exemplo, acarreta graves repercussões tanto para o paciente como para o meio que o cerca, pois o paciente pode adotar uma atitude de arrogância, desprezo e indiferença com relação à enfermidade e às recomendações médicas. (p.105).

Santos (1994) descreve:

Esta paciente teve a informação do HIV+ de seu marido (que era usuário de droga endovenosa) em fins de 1987, início de 1988. Ao saber dessa informação, decidiu fazer seu teste HIV, cujo resultado foi negativo; no entanto, embora aconselhada a usar preservativo em suas relações sexuais, só decidiu fazê-lo em 1989, quando seu marido começou a adoecer. Alguns meses depois, quando decidiu repetir seu teste HIV, o mesmo veio com resultado positivo. (p.115).

É ainda em Santos (1994 ) que encontramos a fala de uma paciente de 35a, nível universitário, soropositiva, registrada no centro de Vigilância Epidemiológica Prof. Alexandre Vranjac, da Secretária de Saúde do Estado de São Paulo: "Eu acho que não passei a doença para ele, porque os mais conceituados médicos dizem que a mulher não passa para o homem." (p.118).

Voltando a Loyola (1994), que coordenou a pesquisa sociológica mais ampla de que temos notícia no Brasil:

É também a lógica do medo e da insegurança que preside as reações a uma hipotética possibilidade de ter contraído a doença. A maior parte ficaria "desesperada", "se mataria", "se isolaria" ou "procuraria aproveitar a vida" (35,6%) (...) outros "nem conseguem imaginar" (16,6%). (p.51).

Ainda da mesma autora:

..... o fraco nível de informação sobre o modo de transmissão de AIDS pelas vias sexuais (...) (se dá porque) as pessoas em geral não se interessam por aprofundar seu conhecimento a esse respeito, não levam a sério a possibilidade de serem contaminadas por essa via. (p.28).

Pelos dados de Loyola, entre os que acreditam que não contrairiam a doença, 31,2% não especificaram por que se sentem imunes, "nunca pensaram no assunto." Nesse ponto a autora aponta "uma outra forma de distância em relação à doença: a de ignorá-la ou não levá-la a sério." Estabelece uma relação entre o medo e essa atitude: fala da influência do medo e da impotência diante do caráter incurável da AIDS, do sentimento de desproteção originado pela falta de confiança nos serviços de saúde do país e pela "percepção do fraco e confuso conhecimento que a medicina tem a respeito da doença." (p.48).

Em relação à demanda pelo teste HIV, afirma Loyola que

é a lógica do medo e da insegurança em face de caráter incurável da doença, dos limites da medicina e da incapacidade do sistema de saúde para controlar a doença, aliada ao duplo preconceito suscitado pela AIDS - o de ser uma doença mortal e estar associada a comportamento sexuais socialmente malvistos - que justificam as respostas relativas ao teste de soropositividade: o reduzido número de informantes que já o fizeram (e explicaram que foi por ocasião da doação de sangue), que compõem 7,4%, relativamente ao elevado número dos que não o fariam (34,4%), como também o elevado número (58,2%) dos que o fariam. (p.49).

É ainda da mesma autora a citação que escolhemos para expressar a preocupação pelos "acidentes", mesmo na presença de prevenção:

Por fim, outro elemento que contribuiu para tornar pouco atrativo o uso do condom é a dúvida quanto à sua eficácia. Casos de gravidezes não desejadas, camisinhas que "furam" ou "estouram" são freqüentes no discurso das informações. (p.42).

Entre as análises que associam alguns dos aspectos que estamos salientando, temos Sayão e Silva (1992):

(...) como favorecer a conscientização e conseqüente mudança de atitude (prática de sexo seguro) quando a informação sobre AIDS trata de um vírus mortal, gerando pânico e negação?" (p.137).

Finalmente, temos o caso das autoras que chegam a articular uma teia entre alguns desses fatores, além de apresentarem um aprofundamento na análise. Não por acaso, nessa equipe existe uma médica psiquiatra:

A negação do risco, do contágio por via sexual, ou as dificuldades na utilização do condom, que aparece nas falas da maioria das mulheres pesquisadas revela que a AIDS toca em terrenos ambíguos e tidos como "perigosos" que muitas vezes são negados, inconscientemente ou não. Negação que pode estar relacionada à incompatibilidade entre o que é vivido no cotidiano dessas mulheres e o que é idealizado por elas. (Martin, Barbosa & Villela, 1992, p.173).

Poderíamos encher ainda muitas páginas com citações desse tipo. Passemos a outro assunto.

O estágio atual dos estudos e pesquisas em Ciências Humanas sobre a AIDS me parece muito semelhante ao das pesquisas sobre fertilidade humana no momento em que entrei nesse campo de estudos. Preocupando-me especialmente com os aspectos inconscientes de certas práticas e de representações dos agentes, que estavam à espera de explicações mais profundas e consistentes entre si, elaborei, entre outros, um trabalho de construção de cinco escalas de componentes ideológicos da mulher (romantismo, naturalismo, fatalismo, feminilidade e absolutismo) (Rodrigues & Berquó, 1975). Na minha tese de doutoramento, penso ter demonstrado a existência de um "controle subterrâneo", feito pelas mulheres, que não conseguiam admitir, em nível consciente, que controlavam seu próprio destino reprodutivo (Rodrigues, 1972).

Outra semelhança, quase espantosa, que encontrei é a que existe entre as explicações sobre resistência e recusa dos operários ao uso dos equipamentos de segurança fornecidos pelas empresas e o baixo uso da camisinha, apontado em todas as pesquisas sobre AIDS.

Assim como no caso da AIDS, falava-se muito do desconforto dos equipamentos (que, aliás, existe, tanto no caso desses equipamentos como no da camisinha), da ignorância dos operários, de seu baixo nível de escolaridade, das deficiências na sua percepção do risco, do "machismo" reinante entre eles etc. Esse era o conjunto de explicações de que se dispunha para o tema até a análise de Dejours (1987). Esse autor formula seu conceito de sistemas de defesa coletivos e de ideologias coletivas de defesa partindo da escuta de grupos de operários envolvidos na mesma tarefa, que evidenciou a seguinte situação: muitas vezes, o risco (por exemplo, na construção civil) é muito grande, tornando intolerável para o indivíduo conviver com ele. A vivência prolongada desse risco, numa situação de necessidade vital de se manter no emprego, vai gerando, em nível coletivo e inconsciente, defesas, principalmente a da negação. O autor empresta do conceito de mecanismo de defesa (individual), do campo da Psicanálise, as principais características das "defesas" que descreve.

Ademais, segundo Dejours, existe o risco residual, isto é, os riscos que o sistema de segurança da empresa não cobre. Há ainda risco suposto, isto é, o risco que ainda não é conhecido, mas o será assim que um acidente vier a revelá-lo. Tanto o risco residual como o risco suposto não se incluem na "solução" proposta para a questão pela administração da empresa e têm que ser elaborados individualmente.

Obviamente, em termos racionais e de probabilidade, a utilização dos equipamentos de segurança diminuiria o risco. Mas a negação (um dos mecanismos de defesa mobilizados pela mente quando é intolerável a coexistência de certos conteúdos no consciente) afasta inteiramente o sentimento de perigo.

Ora, o risco está fora do indivíduo, e seu correspondente interno é o medo. Cumpre, pois, negá-los ambos.

Uma defesa bem construída deve ser mantida fora do alcance de qualquer "prova" que possa vir a desmenti-la. Isto é, tudo o que possa lembrar o risco e o medo é evitado; incluem-se aí as informações sobre os riscos; os colegas que, por razões ligadas à sua personalidade, não aderem ao sistema coletivo são ridicularizados, chamados de "mulherzinhas" e acabam geralmente se demitindo ou entrando em descompensações individuais; são comuns as brincadeiras de desafiar o perigo (ficar pulando na ponta do andaime, por exemplo); obviamente, essas bravatas eram um dado muito utilizado pelo argumento do "machismo". Segundo Dejours, trata-se de um reforço para a defesa: os acidentes são atribuídos aos descuidos e ao comportamento irresponsável de alguns, e se mantém intacta a negação do risco e do medo. Os equipamentos de segurança ocupam importante lugar entre as coisas que devem ser evitadas, porque poderiam trazer à tona a verdadeira grandeza do risco e, conseqüentemente, do medo.

Dejours nos conta que, em certos momentos muito especiais, como quando um companheiro morre, podem-se ouvir frases que revelam percepções que momentaneamente "escapam" ao controle da defesa. Com o passar do tempo, dentro de alguns dias, a ideologia defensiva volta a apresentar seu caráter cristalizado e inatingível.

O autor adota uma metodologia cujas principais características são: a demanda parte do próprio grupo; trata-se de pessoas envolvidas com a mesma tarefa (organização do trabalho); a escuta é psicanalítica.

Acreditamos que a elaboração teórica descrita muito sucintamente, acima, aborda cada uma das questões levantadas pelos dados e análises das pesquisas sobre a AIDS nas Ciências Humanas que arrolamos nas páginas anteriores. Não só aprofunda a compreensão de cada item revelado pelos dados e tabelas como estabelece uma ligação entre eles, construindo um sistema de determinações a partir de um modelo mais complexo de funcionamento mental, individual e coletivo a um tempo: risco muito grande - medo de que seria intolerável - impossibilidade de abandonar o campo - negação do risco e do medo - salvaguarda da defesa contra ameaças - cristalização da defesa em ideologia coletiva de defesa.

Recapitulando, compreendemos melhor o prejuízo que causa o amedrontamento pelas campanhas contra a AIDS, e como esse pânico obstaculizou a prática correta do comportamento preventivo, mencionado por tantos estudiosos; o desinteresse de muitos em relação às informações; a superestimação dos fatores de risco que não dependem do comportamento individual (risco residual); o efeito de "teorias" que aparecem e desaparecem sobre as vias de transmissão e a certeza de que as pesquisas continuam, e que novas teorias virão (risco suposto); o hiato entre conhecimento e práticas em alguns segmentos sociais. Nesse último caso, pode também estar vigorando a dissociação, outro mecanismo (inconsciente) de defesa.

O fenômeno que Dejours relata - os casos em que, sob circunstâncias muito especiais, algum fragmento da realidade atravessa a barreira da defesa (caso de morte de um companheiro, por exemplo) - fica acessível aos pesquisadores quando esses entrevistam alguém que tenha um doente de AIDS ou uma morte recente por AIDS entre parentes e amigos próximos. A hipótese segundo a qual tudo o que se relaciona com o risco traz a possibilidade de abrir frinchas na defesa, ameaçando-a, não poderia encontrar melhor expressão do que um caso citado por Loyola (1994). Trata-se da fala de uma entrevistada:

Esse cara que eu te falei, que usou pela primeira vez a camisinha, ele, o fato dele ter tomado essa atitude, me fez pensar assim: Epa! Hei! Por que esse cara tá usando camisinha? Aí eu comecei a pensar; meu Deus do céu: eu posso pegar AIDS. Foi só a única vez. (p.40).

A explicação de Dejours adaptada ao caso da prevenção contra a AIDS é uma das nossas principais hipóteses de pesquisa.

Outro problema teórico, da maior relevância, que se coloca, é o seguinte: como articular essas instâncias coletivas de Dejours com as determinações sócio-culturais mais amplas dos indivíduos envolvidos? Dejours descreve o caso de alguns que, por sua estrutura de personalidade diferente das demais, não adotam o sistema coletivo de defesa, como já vimos. O autor procede, assim, a uma articulação teórica entre o nível grupal e o individual. Os "coletivos" de Dejours estão diante de uma situação (a organização do trabalho). O movimento através do qual as determinações sociais podem ser invocadas exige necessariamente o enquadramento desses coletivos e da situação vivida por eles num campo mais amplo, isto é, a tentativa de entender a ação individual e grupal dentro de uma estrutura conceitual sociológica.

Nossa opção teórica recai sobre o referencial de Bourdieu. Para esse autor,

a prática é ao mesmo tempo necessária e relativamente autônoma em relação à situação considerada no seu imediatismo pontual, porque ela é o produto da relação dialética entre uma situação e um habitus, entendido como um sistema de disposições duráveis e transponíveis que, integrando todas as experiências passadas, funciona a cada momento como uma matriz de percepções, de apreciações e de ações ... (Bourdieu, 1972, p.178).

O conceito de habitus constitui a mediação entre as estruturas mais amplas (sócio-culturais) e as práticas e representações dos indivíduos. São

sistemas de disposições duráveis, estruturas estruturadas predispostas a funcionar como estruturas estruturantes, isto é, enquanto princípio de geração e de estruturação de práticas e representações que podem ser objetivamente "reguladas" e "regulares" sem serem absolutamente o produto da obediência a regras, objetivamente adaptadas à sua finalidade sem supor a visada consciente dos fins e o domínio expresso das operações necessárias para atingi-los e, sendo tudo isso, coletivamente orquestradas sem serem o produto da ação organizadora de um chefe de orquestra. (Bourdieu, 1972, p.175).

Utilizando esse referencial teórico, Boltanski (1984), em seu estudo sobre puericultura, se aproxima muito da problemática que nos envolve no caso da AIDS. Segundo esse autor, à falta do manejo dos códigos científicos e do conhecimento do universo lógico de uma determinada teoria (no caso da obra mencionada, a lógica pasteuriana), a informação (as "regras" ditadas pelos médicos) cai como um fragmento no universo cognitivo do indivíduo, fragmento que tem a tendência de se agrupar em outro universo de significações mais familiar para ele (transposição de categorias). A transposição de categorias, conforme sua especificidade, pode levar a uma prática que esteja ou não de acordo com a regra a ser difundida. Ela se inclui na categoria mais geral das reinterpretações, realizadas principalmente pelos agentes sociais mais distanciados dos centros de produção científica. Ademais, os segmentos mais distantes, desprovidos de capital econômico e simbólico (as classes baixas pouco escolarizadas), recebem as informações tardiamente e as retêm por mais tempo, depois que elas já foram substituídas por hipóteses mais avançadas no âmbito dos produtores do saber, que estão muito próximos das classes mais altas (conceito de distância social e velocidade social, Boltanski, 1984).

Estamos supondo que a informação e algum manejo dos códigos científicos estejam necessariamente presentes no caso do grupo que estamos estudando (alunos de graduação da USP). Minimamente, encontraremos certa familiaridade, graças à escolaridade e ao nível social, com a idéia, por exemplo, de um vírus invisível a olho nu, com seus mecanismos de proliferação, com o conceito de imunidade, de anticorpos, etc. Além de sua maior capacidade de apreensão menos deformada da "regra", os agentes desse grupo sabem que o conhecimento de uma doença leva muita vezes um longo tempo, e que muitas novas descobertas e hipóteses ainda estão por vir. Como vimos, esse último aspecto está relacionado ao risco suposto de Dejours. Um dado apresentado por Venturi (1992) aponta nessa direção:

... nos quatro anos que separam um levantamento do outro, a taxa de medo sobe cinco pontos justamente entre os 'informados' (...) enquanto entre os desinformados permanece estável. (p. 68).

Ao combinar, no balizamento teórico desta pesquisa, a teoria de Bourdieu e a hipótese de Dejours, estamos visando uma investigação aprofundada tanto no que se refere ao conhecimento das vias de transmissão como ao efeito do conhecimento sobre as práticas.

Num momento em que a preocupação básica dos órgãos públicos e das ONGs é a de esclarecer sobre as vias de transmissão da AIDS uma população que não tem acesso a esse conhecimento por outras vias (escola, leituras etc.), a intenção desse projeto é de dar um passo além, no sentido de verificar o que se passa entre as camadas escolarizadas da sociedade, onde os agentes estão bem informados.

As hipóteses de Bourdieu na análise do material empírico poderão detectar as disposições gerais dos indivíduos de cada segmento social em relação ao conhecimento científico. Subgrupos com uma entrada recente no campo acadêmico e científico tenderão a lidar com o conhecimento de uma maneira muito diferente daquela utilizada pelos "legítimos ocupantes do campo" (Bourdieu), que habitam esse espaço social há mais tempo. Acreditamos, portanto, que apesar de estarmos diante de um segmento bastante "filtrado", diferentes habitus serão encontrados, explicando as diferenças na incorporação do conhecimento e, principalmente, no uso que se faz dele.

A pergunta seria: em que condições ótimas um determinado subgrupo tem acesso ao conhecimento, consegue processá-lo corretamente e incluí-lo em sua vida quotidiana?

Do entrosamento entre o que descrevemos acima e a hipótese de Dejours pode surgir outra questão: a capacidade de tolerar a limitação da ciência seria possível para certos grupos, graças à sua maior familiaridade com ela, e teria sido desenvolvida durante a própria história do grupo.

Uma certa maneira de interiorizar o conhecimento científico pode levar à possibilidade de pensar probabilisticamente, isto é, a conviver relativamente bem com o risco residual e o risco suposto. Na verdade, essa possibilidade, atribuída geralmente apenas a instâncias individuais, tanto cognitivas como emocionais, pode ser produto de uma elaboração social lograda por um grupo ao longo da sua vivência das mesmas condições objetivas de existência. Para os indivíduos desse grupo, estaria ausente a disposição de buscar uma tentativa mágica de afrontar o perigo, tanto no que diz respeito às manifestações oficiais (magia, religião, horóscopo etc.), como as saídas coletivas de negação.

Resumindo, a imbricação entre as variáveis em torno das hipóteses de Bourdieu e aquelas que se referem às colocações de Dejours será investigada, buscando-se o conhecimento, as formas de interiorizá-lo e as defesas coletivas.

A busca de conteúdos que foram levados para o inconsciente no processo de defesa e a própria identificação desse processo requerem, obviamente, aproximações metodológicas muito especiais.

Segundo Dejours (1987),

Quando elas (as defesas) são muito eficazes, praticamente não se encontram traços de medo no discurso operário. Assim, para colocá-lo em evidência, é preciso investigar os sinais indiretos (do medo) que são justamente esses sistemas defensivos. (p.65).

Igualmente, as determinações sociais, mediadas pelo habitus, não constituem processos conscientes para os agentes.

Uma investigação como essa, pela própria natureza do objeto, terá que ser qualitativa. O instrumento adequado será o "discurso livre", fala inteiramente espontânea do entrevistado, gravada, que se segue a uma localização da unidade amostral e uma abordagem dos indivíduos que inclui todos os cuidados para não produzir no agente sentimentos "paranóides" ou "depressivos" em relação à demanda que o entrevistador vem lhe fazer. A finalidade do discurso livre é a captação de associações, fantasias, visão do mundo, percepção de si mesmo, padrão de explicação para as coisas etc. Toda a neutralidade possível preside a entrevista na qual o discurso livre é gravado.

Graças a essas condições, acreditamos que a fala do sujeito nessa etapa da entrevista é perfeitamente passível de uma análise do discurso que, no nosso caso, segue a trilha da "lei da associação livre" de Freud, levando em conta, igualmente, a transferência e a contra-transferência, conceitos também emprestados do par analítico.

Aplica-se, em seguida, um questionário detalhado, do tipo história de vida, onde se buscam os dados sobre condições objetivas tanto biográficos como do grupo, que tentaremos relacionar com as disposições subjetivas detectadas no discurso livre.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BERQUÓ, E.; SOUZA, M. Homens adultos: conhecimento do uso do condom. In: LOYOLA, M.A., org. AIDS e sexualidade: o ponto de vista das ciências humanas. Rio de Janeiro, Relume Dumará / UERJ, 1994.        [ Links ]

BOLTANSKI, L. Primme éducation et morale de classe. 2.ed. Paris, École des Hautes Études en Sciences Sociales, 1984.        [ Links ]

BOURDIEU, P. Esquisse d'une théorie de la pratique. Genève, Droz, 1972.        [ Links ]

CÂMARA, G.C. Algumas mudanças técnicas na abordagem psicoterápica a pacientes com AIDS. In: PAIVA, V., org. Em tempos de AIDS. São Paulo, Summus, 1992. p.102-8.

CATANIA, J.A.; KEGELES, S.M.; COATES, T.J. Towards an understanding of risk behavior: an AIDS risk reduction model (ARRM). Health Education Quarterly, v.17, n.1, p.53-72, 1990.        [ Links ]

DEJOURS, C. A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. São Paulo, Oboré, 1987.        [ Links ]

LOYOLA, M.A. Apresentação e AIDS e prevenção da AIDS no Rio de Janeiro. In: LOYOLA, M.A., org. AIDS e sexualidade: o ponto de vista das ciências humanas. Rio de Janeiro, Relume Dumará / UERJ, 1994.        [ Links ]

MACRAE, E. A prevenção da AIDS entre usuários de drogas injetáveis. In: PAIVA, V., org. Em tempos de AIDS. São Paulo, Summus, 1992. p.177-86.        [ Links ]

MARTIN, D.; BARBOSA, R.M.; VILLELA, W.V. As mulheres e a prevenção da AIDS. In: PAIVA, V., org. Em tempos de AIDS. São Paulo, Summus, 1992. p.166-74.        [ Links ]

MENEZES, I.E.P. The functioning of social systems as a defense against anxiety. London, The Tavistock Institute of Human Relations, 1970.        [ Links ]

PAIVA, V. Sexualidades adolescentes, escolaridade, gênero e sujeito sexual na prevenção da AIDS, 1995. [Mimeografado]        [ Links ]

PARKER, R.G. Diversidade sexual, análise sexual e educação sexual sobre a AIDS no Brasil. In: LOYOLA, M.A., org. AIDS e sexualidade: o ponto de vista das ciências humanas. Rio de Janeiro, Relume Dumará / UERJ, 1994.        [ Links ]

POLLAK, M.; SCHILTZ, M.A. As pesquisas sobre bi e homossexuais masculinos na Europa. In: LOYOLA, M.A., org. AIDS e sexualidade: o ponto de vista das ciências humanas. Rio de Janeiro, Relume Dumará / UERJ, 1994.        [ Links ]

RODRIGUES, A.M. Estudo sobre as mulheres que geraram um nascido vivo durante a pesquisa prospectiva de reprodução humana no distrito de São Paulo. São Paulo, 1972. 135p. Tese (Doutorado) - Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo.        [ Links ]

RODRIGUES, A.M.; BERQUÓ, E. Componentes ideológicos de la mujer en el comportamiento reproductivo intento de una construcción de escalas. In: La mujer en America Latina. México, Ed. SepSetentas, 1975. v.2, p.155-93.        [ Links ]

SANTOS, N.J.S. As mulheres e a AIDS. São Paulo, 1994. 248p. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo.        [ Links ]

SAYÃO, Y.; SILVA, M.C.P. Prevenção da AIDS em trabalho de orientação sexual na escola. In: PAIVA, V., org. Em tempos de AIDS. São Paulo, Summus, 1992. p.133-8.        [ Links ]

VENTURI, G. AIDS: temor, informação e mudança de comportamento. In: PAIVA, V., org. Em tempos de AIDS. São Paulo, Summus, 1992. p.63-77.        [ Links ]

 

 

1 Alguns amigos - Wilza Vieira Villela, do NEPAIDS, Albertina de Oliveira Costa, da Fundação Carlos Chagas e João Augusto Frayze-Pereira, do IPUSP -, ao lerem esta proposta de pesquisa, acharam que ela já era, em si, um ensaio sobre o tema, valendo a pena publicá-la. Espero que o leitor concorde.