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Psicologia USP

versão On-line ISSN 1678-5177

Psicol. USP v.16 n.1-2 São Paulo  2005

 

A PSICOLOGIA AMBIENTAL NO CAMPO INTERDISCIPLINAR DE CONHECIMENTO

 

A Psicologia Ambiental no campo interdisciplinar de conhecimento

 

Environmental psychology in the interdisciplinary field of knowledge

 

La psychologie environnementale dans le domaine interdisciplinaire de connaissance

 

 

Hartmut Günther1

Instituto de Psicologia - UnB

 

 


RESUMO

O autor discute questões de método da Psicologia Ambiental considerando a sua necessária interdisciplinaridade, colocando não haver uma especificidade metodológica para a Psicologia Ambiental; mas indicando como abordagens especiais da PA: o "método como conseqüência de uma questão"; para a abordagem multi-método, e; para o multilateralismo. Aponta, finalmente, algumas formas pelas quais tal interdisciplinaridade afeta as possibilidades de intervenção ambiental.

Descritores: Pesquisa interdisciplinar. Psicologia ambiental. Meio ambiente. Política.


ABSTRACT

The author discusses questions concerning the method of Environmental Psychology, considering its necessary interdisciplinarity, and arguing that Environmental Psychology does not have a methodological specificity. However, he mentions as special approaches of Environmental Psychology: "method as the consequence of a question"; the multi-method approach; and multilateralism. Finally, he presents some ways in which this interdisciplinarity affects the possibilities of environmental intervention.

Index terms: Interdisciplinary research. Environmental psychology. Environment. Politics.


RÉSUMÉ

L'auteur discute sur des questions de méthode de la Psychologie Environnementale, tenant compte de son interdisciplinarité nécessaire, déclarant ne pas y avoir une spécificité méthodologique pour la Psychologie Environnementale; il indique, toutefois, pour ce qui est des optiques spéciales de la Psychologie Environnementale: la "méthode en tant que conséquence d'un thème", pour l'optique multiméthodique et pour la multilatéralité. Finalement, il met en évidence quelques formes à travers lesquelles cette interdisciplinarité met en cause les possibilités d'intervention environnementale.

Mots-clés: Recherche interdisciplinaire. Psychologie de l'environnement. Environnetment. Politique.


 

 

A Psicologia Ambiental como campo de estudo interdisciplinar

Embora concorde que a Psicologia Ambiental seja "necessariamente interdisciplinar", penso ser instrutivo refletir, por um momento, sobre o que a faz necessariamente assim. A definição de Psicologia Ambiental como o estudo das relações (recíprocas) entre os fenômenos psicológicos (comportamentos e estados subjetivos) e variáveis ambientais físicas implica que estamos lidando com, pelo menos, três campos de estudos: psicologia, de um lado e, do outro, (a) ambientes construídos em várias escalas como estudados pela ergonomia, arquitetura, planejamento da paisagem e urbano e (b) ambientes naturais como os estudados na zoologia, biologia, geologia e estudos florestais.

Não vou me estender a respeito de nenhuma taxonomia mais refinada dos campos de estudo mencionados e não mencionados, além de lembrar que cada um dos campos, e muitos dos sub-campos, não apenas se valem de abordagens metodológicas distintas mas, com grande freqüência, estão baseados em teorias diferentes e/ou contrárias e em métodos alternativos.

Dado que este estado de coisas constitui o "referencial necessariamente interdisciplinar" da Psicologia Ambiental, quais, então, são as implicações metodológicas para os pesquisadores no campo da Psicologia Ambiental?

a) Meu viés pessoal em relação à teoria e aos métodos de pesquisa em Psicologia em geral é que, ao menos no presente, não há teoria e / ou método que, por si só, seja capaz de explicar a complexidade do comportamento humano. Na medida em que os resultados baseados em diferentes perspectivas teóricas e metodológicas complementem uns aos outros, poderemos eventualmente adquirir uma Gestalt mais completa da natureza da psicologia humana. Dadas as múltiplas interfaces da Psicologia Ambiental apontadas acima, tanto dentro quando além da psicologia, o multilateralismo teórico e metodológico é apenas uma conseqüência lógica, necessária. Uma conseqüência prática deste viés é um interesse predominante em soluções de problemas práticos antes do que o ganho em campos de batalha sobre teorias, não sem esquecer, contudo, a advertência de Lewin de que "nada é mais prático do que uma boa teoria".

b) O uso do termo multilateral oriundo das relações internacionais, ao invés de multi-, trans- ou interdisciplinar, remete à questão da territorialidade, central à diplomacia tanto quanto à ciência, especialmente em campos e práticas de conhecimentos corporativamente demarcados tais como, por exemplo, a psicologia e a arquitetura aqui no Brasil. Em outras palavras, o "referencial necessariamente interdisciplinar" da Psicologia Ambiental implica não somente em uma aceitação e uso de múltiplas abordagens teóricas e metodológicas, mas em uma abordagem multilateral para lidar com as relações entre campos de estudo. Considerando que a definição de Gifford de territorialidade inclui não apenas espaços e objetos físicos, mas também idéias, a questão do "referencial necessariamente interdisciplinar" adquire um significado a mais para a Psicologia Ambiental.

Concentrando-se no lado científico da questão (antes de chegar à política da ciência), a abordagem do "método como uma conseqüência da questão" constitui o primeiro passo na direção de sobrepor as barreiras teóricas e metodológicas, entre e dentro dos campos de estudo, que participam em, ou constituem, a Psicologia Ambiental.

Pensar "cientificamente e comportar-se praticamente" - a versão acadêmica de "pensar globalmente e agir localmente" - obviamente não significa que deveríamos considerar-nos capazes de lidar com quaisquer questões de pesquisa dadas, estar familiarizados com todas as teorias ou sentir-nos compelidos a adotar quaisquer e todos os métodos de pesquisa. Evidentemente, cada pesquisador tem as suas competências e preferências específicas. A suposição é que a competência em um campo particular reduziria, não somente a necessidade de atacar as abordagens teóricas e metodológicas de nossos vizinhos intelectuais que por ventura não seguimos, mas transformar-nos-ia em mais do que turistas acidentais em outros campos de estudo.

 

Especificidade metodológica para a Psicologia Ambiental

Como sugerido acima, a Psicologia Ambiental, em contraste com outros campos e sub-campos de estudo, não é caracterizada por nenhum método particular de pesquisa. Contudo, uma primeira abordagem específica em Psicologia Ambiental foi mencionada acima: o "método como conseqüência de uma questão". Em segundo lugar, dada a suposição de que não há uma teoria e/ou método que sozinho explique qualquer fenômeno dado, mesmo aproximadamente, a triangulação ou a abordagem multi-método seria recomendada por si só, pela vantagem prática imediata de produzir resultados mais válidos. Em terceiro lugar, na medida em que mais do que um campo de estudo está envolvido, o multilateralismo acima poderia constituir uma abordagem especial da Psicologia Ambiental.

 

A interdisciplinaridade "determinando" possibilidades de intervenção ambiental e suas relações com disciplinas

De início, não estou certo se "determinar" - como aparece na formulação em português da questão - é o termo mais apropriado, ou dever-se-ia falar em "afetar"? Entre outros motivos, esta relação menos causal está baseada no fato de que essas questões representam uma mudança de uma política meramente científica, para a política da ciência e para a política em geral. Uma análise "científica" bem desenvolvida de um dado problema ambiental pode constituir o sine qua non para uma dada intervenção ambiental. Porém, se acima sugerimos a necessidade do multilateralismo dentro do mundo acadêmico, tal postura multilateral é ainda mais importante quando se tenta fundir a pesquisa acadêmica e a ação política ao lidar com as intervenções ambientais. Isto seria verdade em um nível micro, tal como na distribuição de espaço dentro de uma organização ou na estruturação de um playground, ou em um nível macro, como na revitalização do centro de uma cidade, na redistribuição de terra em zona rural ou em assentamentos urbanos para os pobres. Imaginemos, por um momento, o projeto de uma prisão modelo. Se tal projeto, na Psicologia Ambiental, dificilmente teria sucesso sem a participação de advogados, além de arquitetos e de psicólogos, a sua implementação, isto é, a intervenção ambiental, teria de enfrentar grande número de "donos de interesses" acadêmicos e, especialmente, de interesses políticos. É aqui que os virtuais territórios acadêmicos transformam-se em concretos territórios políticos.

 

 

Recebido em 5.04.2004
Revisto e encaminhado em 23.02.2005
Aceito em : 7.03.2005

 

 

1 Professor no Departamento de Psicologia Social e do Trabalho, Instituto de Psicologia, Universidade de Brasília; fundador e coordenador do Laboratório de Psicologia Ambiental. Endereço para correspondência eletrônico:hartmut@unb.br