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Psicologia USP

On-line version ISSN 1678-5177

Psicol. USP vol.16 no.3 São Paulo Sept. 2005

 

DOSSIÊ: CARL GUSTAV JUNG

 

Apresentação

 

Dossiê Jung

 

 

Laura Villares de Freitas1

Instituto de Psicologia - Universidade São Paulo

 

 


 

 

Este conjunto de quatro artigos que compõe o Dossiê Jung apresenta aspectos de um panorama da situação atual da Psicologia Analítica no meio acadêmico sul-americano. Seus autores estão inseridos tanto na prática clínica quanto no ensino e pesquisa universitários, sendo três deles da cidade de São Paulo e dois de Montevidéu. São profissionais engajados com a Psicologia Analítica, dedicados a disseminar, aprofundar e aplicar suas idéias em diferentes contextos, além de incrementar o diálogo com pesquisadores, terapeutas e instituições junguianas da comunidade internacional.

Nas últimas décadas, a Psicologia Analítica de Jung vem ganhando espaço crescente no meio acadêmico e a veiculação de trabalhos como os que se seguem tem o significativo potencial tanto de atualizar seus conceitos e aplicações quanto de favorecer as possibilidades de diálogo com outras abordagens psicológicas.

Carl Gustav Jung, psiquiatra suíço que viveu entre 1875 e 1961, formulou uma concepção de ser humano que revela grande complexidade e compreende uma pluralidade de aspectos, abrangendo desde os que consideram a construção constante da identidade em sua articulação com uma subjetividade bastante peculiar, até os que, por outro lado, expressam sobretudo uma estrutura básica e comum a todos. Essa matriz universal fornece a matéria-prima para a constituição do acervo individual e coletivo dos símbolos, os quais são constantemente formados e atualizados em nossa cultura.

Transitando entre conceitos aparentemente opostos, como o de processo de individuação e o de inconsciente coletivo, Jung procurou focalizar, em cada ser humano, comunidade ou época, a dimensão da singularidade e, também, a da universalidade. Não teve uma preocupação predominante em ocupar espaços acadêmicos, mas deixou mais de vinte volumes escritos. No mundo todo, sua inclusão nos currículos universitários tem sido lenta, comumente fruto de iniciativas quase individuais de alguns professores. É comum, ainda hoje, que a psicologia de Jung permaneça isolada nos ambientes universitários, sem diálogo com outras abordagens.

Tal situação, no entanto, tem sofrido modificações, entre nós, nas duas últimas décadas, com a tradução de todas as obras de Jung para o português e o espanhol e a possibilidade crescente de orientação de trabalhos de pós-graduação, a partir do referencial junguiano.

O artigo “Uma contribuição para a discussão sobre as imagens psíquicas no contexto da Psicologia Analítica”, de Paulo Afrânio Sant’Anna, apresenta elementos para a discussão da natureza e o papel das imagens psíquicas. Trata-se de um conceito fundamental na Psicologia Analítica, já assim proposto pelo próprio Jung, que afirmou ser a imagem a linguagem da psique, mas que, no entanto, merece essa revisão conceitual e atualização. O autor aborda as imagens a partir de três direcionamentos teórico-práticos: clássico, desenvolvimentista e arquetípico, e defende a atitude que privilegia o enfoque fenomenológico à imagem, em detrimento do interpretativo. É apresentada uma pesquisa sobre o trabalho com imagens no contexto clínico, através de uma revisão conceitual e de entrevistas com profissionais. E, ao valorizar a realidade sociocultural, o autor tece considerações sobre a possível e significativa contribuição das imagens psíquicas para a formação do psicólogo.

O artigo “Grupos vivenciais numa perspectiva junguiana”, de minha autoria, apresenta os grupos vivenciais como um tema relevante para a Psicologia Analítica. São oferecidos elementos para essa discussão a partir de idéias de Jung e de autores mais recentes, e é defendida a posição de que os grupos vivenciais podem se constituir em contextos por excelência para a promoção do processo de individuação, de maneira compartilhada e dentro de uma perspectiva de alteridade. Conceitos que Jung propôs para a psique individual – tais como self, ego, sombra e símbolo – são ampliados para a dimensão grupal. É apresentada uma proposta de trabalhos grupais de construção de máscaras e personagens, em que se busca tanto dinamizar o potencial criativo da persona quanto oferecer um complemento prático ao trabalho clínico de análise individual, tal como fora sugerido por Jung. Considerações a partir da mitologia grega também são apresentadas.

A seguir, é apresentado o artigo “O paradigma junguiano no contexto da metodologia qualitativa de pesquisa”, de Eloísa M. D. Penna, em que se busca uma metodologia de pesquisa pertinente à Psicologia Analítica. São consideradas as bases epistemológicas e metodológicas do paradigma junguiano, assim como suas interfaces com o modelo científico pós-moderno e com os métodos qualitativos de pesquisa. Segundo a autora, ao afirmar o paradoxo e a contradição inerente ao ser humano, assim como sua infinita complexidade e diversidade, Jung propõe uma psicologia alinhada com uma visão integrativa e construtiva do conhecimento, inserida na ciência pós-moderna e merecedora de uma metodologia qualitativa de pesquisa. Nesse referencial, a verdade é tomada como uma hipótese, momentaneamente sustentada, e não como algo universal. O método de investigação junguiano proposto é o da perspectiva simbólico-arquetípica.

Por fim, Mario E. Saiz e Pilar Amézaga apresentam o artigo “Psico-neurociência e arquétipos – construindo um diálogo entre Psicologia Analítica e neurociências”, em que buscam articular os avanços recentes no campo das ciências biológicas com a Psicologia Cognitiva e a Psicologia Analítica, num esforço para construir um campo transdisciplinar coerente de estudo das relações entre cérebro e mente, que denominam de psiconeurociência. Para atingir tal objetivo, sugerem uma revisão do conceito de arquétipo, que passaria a ser considerado um padrão de organização, integrante de um sistema, e não mais definido como uma estrutura, a qual se referiria aos complexos psíquicos. O sistema arquetípico, assim definido, permitiria reconhecer diferentes níveis de análise: o neurobiológico, o tipológico e o de significado pessoal. A título de exemplo, os autores apresentam considerações sobre os transtornos depressivos no referencial por eles proposto.

Há muito a ser feito, ainda, tanto no âmbito da implantação da Psicologia Analítica no meio acadêmico quanto no incentivo de sua aplicação e seu diálogo com outros referenciais. Os quatro artigos que compõem este dossiê trazem um pequeno, diversificado e, esperamos que, significativo esforço nessa direção. Possa essa colaboração ainda frutificar muito mais, atingindo diferentes contextos e fóruns de interlocução.

 

 

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