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Psicologia USP

On-line version ISSN 1678-5177

Psicol. USP vol.17 no.3 São Paulo Sept. 2006

 

SOBRE SYLVIA LESER DE MELLO

 

Depoimento: Sylvia Leser de Mello e a economia solidária

 

Statement: Sylvia Leser de Mello and the supportive economy.

 

 

Paul Singer1

Ministério do Trabalho e Emprego

 

 


 

 

Em 1998, foi fundada a Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares - ITCP da USP. Entre os professores convidados estávamos Sylvia e eu. Conhecemo-nos por ocasião das primeiras reuniões, da qual participaram ainda outros professores, funcionários da Secai e alunos. Ela me chamou a atenção pelo grande interesse manifestado e pela inteligência e sensibilidade com que abordava as questões. Desde então, Sylvia se envolveu profundamente com a Incubadora e outros campos de batalha da economia solidária.

As ITCPs, hoje atuantes em mais de 40 universidades brasileiras, dão apoio educacional, técnico, gerencial etc., a cooperativas formadas por trabalhadoras e trabalhadores desempregados ou dependentes da venda de serviços e produtos de baixo valor em mercados quase sempre com excesso de oferta. Ao se unir, estas trabalhadoras/es conseguem ampliar sua participação nos mercados e, após algum tempo, melhorar a qualidade de sua produção, com vistas a alcançar maior remuneração pelo seu trabalho. Para viabilizar estes processos, a ação das incubadoras tem se mostrado de grande valor, pela dedicação dos estudantes, que acompanham os grupos incubados e lhes dão apoio.

A ITCP abre aos alunos e professores um novo campo de aquisição e transmissão de conhecimentos, decorrentes do contato colaborativo com o mundo da exclusão social. A luta pela integração econômica, de forma autogestionária, por grupos marginalizados passa a fazer parte da rotina universitária, suscitando novas indagações nas lides acadêmicas. Sylvia Leser de Mello teve participação destacada na elaboração da filosofia da incubação e de suas decorrências políticas e pedagógicas. Sua presença sempre provocativa e estimulante nos ajudou a enfrentar os problemas que uma empreitada como esta não deixa de suscitar.

Em 1999, as primeiras incubadoras formaram a Rede Universitária de ITCPs, que se tornou um terreno fértil de intercâmbio de idéias e experiências que as ITCPs, então todas novas,  vivenciavam.  A professora Sylvia Leser participou da Rede desde sua fundação e se tornou uma de suas principais lideranças. Ela contribuiu decisivamente para tornar a ITCP da USP um projeto universitário, ao integrar o ensino, a pesquisa e a extensão num conjunto de atividades, que se complementam mutuamente. Foi também uma das fundadoras do Nesol - Núcleo de Economia Solidária da USP, que reúne alunos da incubadora que passam à pós-graduação e se tornam pesquisadores no campo da economia solidária.

Em 2003, o Presidente Lula criou no Ministério do Trabalho e Emprego a Secretaria Nacional de Economia Solidária - Senaes. Começava então o Forum Nacional do Trabalho, com a finalidade de negociar entre patrões, empregados e governo as reformas sindical e trabalhista. Faltava neste esquema tripartite um quarto vértice, o dos trabalhadores por conta própria individual, familiar ou associada. Chamamos a atenção do Ministério para esta lacuna, o que levou à criação dum novo grupo de trabalho, o GT-8, formado por representantes do trabalho informal e da economia solidária. A Senaes conseguiu reunir um grupo heterogêneo de lideranças da chamada economia submersa (já que a grande maioria dos empreendimentos da economia solidária também é informal, como o mapeamento da mesma mostraria depois).

O GT-8 também foi convocado a participar do Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico Social, formado por lideranças da sociedade civil e que assessora o Presidente da República. As reuniões do GT-8 eram extremamente interessantes porque punham em contato lideranças dos grupos mais diferentes - garimpeiros, agricultores, empregadas domésticas, trabalhadoras do sexo, motoboys, artesãos, pescadores, apicultores, feirantes, sem-terra etc. - de todos os cantos do país e revelavam o surgimento da consciência de interesses comuns entre eles. A Senaes que acompanhava os trabalhos e pautava as discussões convidou a Profª Sylvia a acompanhar os trabalhos do GT-8 como  cientista social para captar e analisar as transformações que o funcionamento do Grupo ia produzindo. Ela aceitou a incumbência e passou a participar das reuniões do GT, dando uma contribuição inestimável à organização política destas categorias de trabalhadores. Os relatórios de Sylvia registram o processo e o desvendam, ao mesmo tempo, sendo valiosos pela ajuda na formulação de políticas de resgate.

Ao reler este texto, verifico com pesar como ele está longe de evidenciar toda riqueza do trabalho que Sylvia Leser de Mello vem realizando na construção do movimento da economia solidária no Brasil. Para dar uma idéia desta insuficiência, vale lembrar que esta construção é considerada modelar em outros países e que ela foi recentemente à Alemanha para colaborar na introdução de incubadoras de cooperativas populares em universidades daquele país. Os campos de atuação da Profª Sylvia Leser de Mello continuam a se diversificar, sem esgotar sua criatividade, empenho e liderança.

 

 

Recebido em: 14/11/2006
Aceito em: 27/11/2006

 

 

1 Secretário Nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego. Endereço eletrônico: paulsinger@uol.com.br